Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SALVADOR DA COSTA | ||
| Descritores: | REGISTO DA ACÇÃO CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO CONTRADIÇÃO DE ACÓRDÃOS RECURSO DE AGRAVO | ||
| Nº do Documento: | SJ20071218037367 | ||
| Data do Acordão: | 12/18/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | INDEFERIDO | ||
| Sumário : | 1. A contradição de decisões sobre a mesma questão fundamental de direito para efeito de admissibilidade de recurso de agravo de acórdãos da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça pressupõe a identidade de núcleo fáctico na envolvência das normas jurídicas aplicáveis. 2. Inexiste contradição de acórdãos que versam sobre a obrigatoriedade ou não do registo predial de uma acção se um, ao invés do outro, envolve litígio sobre direitos de propriedade. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA interpôs, no dia 16 de Maio de 2007, com fundamento na contradição de julgados, recurso de agravo do acórdão da Relação de Lisboa, proferido no dia 26 de Abril de 2007, que manteve a sentença proferida pelo tribunal da primeira instância que negou provimento ao recurso contencioso do despacho do Conservador do Registo Predial de Sesimbra que ao recorrente indeferira o pedido de cancelamento do registo de uma acção em que tem a posição de réu. O recurso foi admitido pelo relator da Relação por despacho proferido no dia 5 de Junho de 2007, o recorrente alegou no dia 2 de Julho de 2007, e o Ministério Público respondeu no dia 20 de Julho de 2007, pronunciando-se no sentido de não haver contradição de acórdãos justificativa da admissão do recurso. O relator deste Tribunal, por despacho proferido no dia 4 de Outubro de 2007, não admitiu o recurso, sob o fundamento de se não verificar o invocado fundamento específico de contradição de acórdãos. O recorrente reclamou para a conferência, no dia 19 de Outubro de 2007, a fim de o mencionado despacho do relator lhe ser submetido, com vista a prolação de acórdão sobre a matéria. II É a seguinte a factualidade e a dinâmica processual que relevam nesta sede liminar: 1. O acórdão fundamento foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no dia 11 de Março de 1999 em recurso de agravo do acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Dezembro de 1997, que por seu turno se pronunciou sobre a sentença proferida pelo 5° Juízo Cível da Comarca de Lisboa que havia mantido o despacho da Conservadora da 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa que recusara o registo de determinada acção que corria termos na 3ª Secção do 8º Juízo Cível da Comarca de Lisboa. 2. BB - o autor - formulou na acção mencionada 1, no confronto de CC -Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, SA, os pedidos de condenação daquela a proceder à tapagem de montras, janelas, portas e edificação de parapeitos e à demolição integral de toda a parte da construção da ré compreendida entre linhas constantes de determinada planta, e, subsidiariamente, a indemnizá-lo no montante de 517 425$. 3. As instâncias e o Supremo Tribunal de Justiça decidiram, considerando os pedidos formulados na aludida acção, não ser esta registável, por o direito de propriedade inscrito a favor da ré não ser objecto de litígio. 4. O acórdão recorrido pronunciou-se sobre a sentença proferida pelo tribunal da primeira instância confirmativa do despacho do Conservador do Registo Predial de Sesimbra no sentido da obrigatoriedade do registo da acção intentada por DD-Construções, Ldª contra oitenta réus, incluindoAA. 5. Na acção mencionada sob 4, DD-Construções, Ldª pediu, no confronto de oitenta réus, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre dois prédios rústicos, e, no confronto de vinte e três deles, incluindo AA, a sua condenação a reconhecerem o respectivo direito de propriedade sobre a parcela de terreno com a área de 377,17 metros quadrados e, em consequência, a demolirem a construção nela erigida. 6. Ao recurso foi atribuído o valor processual de € 14963,95. III A questão a decidir previamente é a de saber se ocorre ou não alguma circunstância que obste ao conhecimento do objecto do recurso. A resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - está ou não o Supremo Tribunal de Justiça vinculado à solução de admissão do recurso do relator da Relação; - lei relativa à alçada aplicável no caso vertente; - regime geral de admissibilidade de recursos; - regime de admissibilidade e de proibição do recurso de agravo de acórdãos da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça; - ocorrem ou não na espécie os pressupostos de admissibilidade do recurso em causa? - síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei. Vejamos, de per se, cada uma as referidas subquestões. 1. Comecemos pela problemática da vinculação ou não deste Tribunal à solução de admissão do recurso pelo relator da Relação. Cabe ao relator deste Tribunal verificar, além do mais, se ocorre alguma circunstância que obste ao conhecimento do objecto do recurso (artigo 701°, n.º 1, do Código de Processo Civil) Os despachos que incidam sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se, por sua natureza, não admitirem recurso de agravo (artigo 672° do Código de Processo Civil). Inexiste, porém, caso julgado formal face aos tribunais superiores no que concerne ao despacho do juiz ou do relator que admita o recurso ou uma sua determinada espécie, certo que a lei expressa que o mesmo os não vincula (artigo 687°, n.º 4, do Código de Processo Civil). Assim, o facto de o relator da Relação ter admitido o recurso de agravo para este Tribunal não implica que nesta sede se não possa questionar a sua admissibilidade. 2. Continuemos com a verificação da lei relativa à alçada do tribunal da Relação aplicável no caso vertente. Considerando que o procedimento administrativo em que se suscitou a questão invocada pelo recorrente foi instaurado no dia 22 de Maio de 2006, o valor da alçada do tribunal da Relação a considerar na espécie é o de € 14 963, 94 (artigos 24°, n.º 1 e 3 da Lei de Organização de Funcionamento dos Tribunais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro). 3. Prossigamos com a análise do regime geral de admissibilidade e de proibição de recursos. A regra é a de só ser admissível recurso ordinário nas causas de valor superior ao da alçada do tribunal de que se recorre e em que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal (artigo 678°, n.º 1, do Código de Processo Civil). O referido normativo não esgota, porém, os casos de não admissibilidade de recurso de decisões proferidas nos tribunais da 1ª instância e nas Relações, certo que várias são as normas que estabelecem essa inadmissibilidade por razões diversas dos limites de alçada dos referidos tribunais. A lei geral, nos n.ºs 2, 3, 5 e 6 do artigo 678° do Código de Processo Civil, consagra excepções à regra da inadmissibilidade do recurso por razões de alçada, e, no seu n.º 4, à inadmissibilidade de recurso por outras causas. É sempre admissível recurso do acórdão da Relação em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito, do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (artigo 678°, n.º 4, do Código de Processo Civil). A mencionada excepção de admissibilidade de recurso dos acórdãos da Relação de revista ou de agravo - depende, pois, da verificação de contradição do acórdão de uma Relação com outro dela ou de outra Relação sobre a mesma questão fundamental de direito, da inexistência de jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça harmónica com o decidido e da proibição de recurso por motivo diverso da insuficiência de valor da causa em relação ao da alçada do tribunal da Relação. Assim, neste contexto geral, a lei só admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos das Relações proferidos em recursos de apelação ou de agravo com fundamento na contradição de acórdãos se o valor da causa for superior a € 14 963, 94 e não houver jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça conforme com o último. Ora, no caso vertente, o valor processual do procedimento administrativo e dos recursos é superior ao da alçada do tribunal da Relação. Todavia, na espécie, do acórdão da Relação não há recurso para o Supremo Tribunal de justiça, embora sob a salvaguarda dos casos em que o mesmo é sempre admissível (artigo 147º, nº 3, do Código do Registo Predial). Portanto, importa verificar se, na espécie, estamos ou não perante algum caso em que o recurso é sempre admissível. A inadmissibilidade deste recurso resulta, pois, como já se referiu, da proibição constante do artigo 147°, nº 3, do Código do Registo Predial, certo que se não compreenderia a existência, nesta matéria, de quatro graus de jurisdição. Em consequência, a admissibilidade do recurso em causa só poderá resultar da circunstância de se reportar a alguma das situações em que o recurso é sempre admissível. 4. Continuemos com o regime específico de admissibilidade e de proibição de recurso de agravo de acórdãos das Relações para o Supremo Tribunal de Justiça. A regra é a de caber recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber revista ou apelação (artigo 754°, nº 1, do Código de Processo Civil). Assim, um dos requisitos da admissibilidade do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça é a circunstância de o valor da causa ser superior ao da alçada do tribunal da Relação (artigo 678°, nO 1, do Código de Processo Civil). A excepção à proibição do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça a que alude a segunda parte nº 2 do artigo 754° do Código de Processo Civil, está, naturalmente, subordinada ao normativo do seu nº 1, o que se conforma com o escopo de restrição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões sobre matéria processual. São, por isso, requisitos da admissibilidade do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos da Relação, o positivo da sua susceptibilidade no quadro da valor da causa, e o negativo da inaplicabilidade na espécie da revista ou da apelação e da não proibição por normas específicas. Acresce que a lei proíbe o recurso de agravo dos acórdãos da Relação sobre decisões proferidas em recursos de agravo vindos da 1ª instância (artigo 754°, n.º 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil). A regra é, pois, no sentido de ser inadmissível recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos pelo tribunal da Relação em recursos de agravo de decisões sobre matéria processual proferidas nos tribunais de 1ª instância. Trata-se de uma restrição motivada pelo desiderato de obstar a que o Supremo Tribunal de Justiça, tribunal essencialmente de revista, seja constantemente chamado a resolver questões meramente processuais já objecto de dupla apreciação jurisdicional, como ocorre no caso vertente. Excepcionam-se, porém, dessa proibição, por um lado, os recursos de agravo que tenham por fundamento a violação das regras de competência absoluta ou de caso julgado ou que incidam sobre decisões respeitantes ao valor da causa, dos incidentes ou dos procedimentos cautelares com fundamento em que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre e das decisões que ponham termo ao processo (artigo 754°, n.º 3, do Código de Processo Civil). E, por outro, os acórdãos da Relação que estiverem em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732°-A e 732°-B, jurisprudência com ele conforme (artigo 754°, n.º 2, 2ª parte, do Código de Processo Civil). A mencionada excepção de admissibilidade de recurso de agravo dos acórdãos da Relação depende, pois, da ocorrência de acórdão da Relação sobre recurso de agravo de decisão proferida na 1ª instância, de contradição desse acórdão com outro da mesma ou de outra Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no domínio da mesma legislação sobre alguma questão de direito e da inexistência de jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça harmónica com o decidido. Assim, é neste contexto de excepção que a lei admite recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos da Relação com soluções opostas sobre a mesma questão fundamental de direito às de outros acórdãos da mesma ou de outra Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos no domínio da mesma legislação, se não tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência nesse sentido. O n.º 3 do artigo 754° do Código de Processo Civil não se reporta à segunda parte do seu n.º 2, mas à primeira, ou seja, refere-se à proibição que é a regra e não à admissão que é a excepção. Resulta da primeira parte do referido n.º 2 que, não obstante o valor da causa ser superior ao da alçada do tribunal da Relação, a lei proíbe o recurso de agravo dos acórdãos da Relação sobre a decisão proferida em recurso de agravo vindo da 1ª instância, salvo a excepção a que se reporta. Mas importa ter em linha de conta que a admissão do recurso em análise depende de se reportar a matéria ou situação em que o recurso é sempre admissível. Ora, no caso vertente, a admissibilidade do recurso depende de o acórdão recorrido ser contrário ao do Supremo Tribunal de Justiça, indicado pelo recorrente, sobre a mesma questão fundamental de direito. 5. Vejamos, ora, se ocorrem ou não os pressupostos de admissibilidade do recurso em causa. Conforme se referiu, a admissão do recurso em análise depende da existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento indicado pelo recorrente sobre a mesma questão fundamental de direito, certo que o mesmo não é admissível por motivo estranho à alçada do tribunal. Estar-se-á perante a mesma questão fundamental de direito, grosso modo, quando o núcleo da concernente situação fáctica, na envolvência das normas jurídicas aplicáveis, é em ambos os casos idêntica. Releva para a determinação da existência de decisões opostas sobre a mesma questão fundamental de direito o seu conteúdo decisório em conexão com os respectivos fundamentos. No acórdão fundamento, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a questão da obrigatoriedade ou não do registo predial de uma acção declarativa de condenação na tapagem de montras, janelas, portas, parapeitos e na demolição de determinada construção, à margem de litígio sobre o direito de propriedade da ré. A Relação de Lisboa, no acórdão recorrido, pronunciou-se sobre a questão da obrigatoriedade ou não do registo de uma acção de declaração da titularidade do direito de propriedade sobre prédios e indicada parcela de terreno e de condenação na demolição da construção nela edificada. Assim, a questão fáctico-juridica apreciada no acórdão fundamento não envolveu litígio sobre o direito de propriedade; ao invés, a questão fáctico-jurídica versada no acórdão recorrido envolve um litígio sobre direitos de propriedade. Decorrentemente, como ambos os referidos acórdãos não versam sobre a mesma questão fundamental de direito, inexiste a mencionada contradição invocada pelo recorrente. Não ocorrem, por isso, todos os pressupostos da admissão do recurso de agravo para este Tribunal interposto porAA. 6. Finalmente, atentemos na síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei. O recorrente alegou a oposição entre o acórdão fundamento, que transitou em julgado, e o acórdão recorrido, sobre a mesma questão fundamental de direito. O despacho do relator da Relação que admitiu o recurso de agravo em análise não vincula este Tribunal. Estar-se-á grosso modo perante a mesma questão fundamental de direito quando o núcleo da concernente situação fáctica, na envolvência das normas jurídicas aplicáveis, seja em ambos os casos decididos idêntica. Verificam-se os pressupostos de admissão do recurso relativos ao valor da causa e à inexistência sobre a matéria de jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça. A lei do registo predial proíbe, porém, na matéria em causa, o recurso de acórdãos da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, salvo quando o mesmo é sempre admissível. O referido recurso podia ser admitido se envolvesse matéria ou situação em que o recurso sempre fosse admissível, o que na espécie só poderia ocorrer verificada que fosse a contradição de acórdãos invocada pelo recorrente. Todavia, o acórdão fundamento e o acórdão recorrido não envolvem decisões contrárias sobre a mesma questão fundamental de direito, pelo que o recurso interposto pelo recorrente não é admissível. Improcede, por isso, a reclamação formulada pelo recorrente para a conferência. Vencido na reclamação em causa, é recorrente é responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigos 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 18º, nº 3, do Código das Custas Judiciais). Considerando a dinâmica processual da reclamação em causa e o valor processual da causa, na envolvência de um juízo de proporcionalidade, julga-se adequado fixar a taxa devida pelo reclamante no montante equivalente a três unidades de conta (artigo 16º, nº 1 do Código das Custas Judiciais). IV Pelo exposto, indefere-se a reclamação formulada por AA e condena-se no pagamento das custas respectivas, com taxa de justiça de duzentos e oitenta e oito euros. Lisboa, 18 de Dezembro de 2007. Salvador da Costa ( relator) Ferreira de Sousa Armindo Luis |