Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | MAIA COSTA | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA EXCEPCIONAL COMPLEXIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 06/25/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | REJEITADA A PROVIDÊNCIA | ||
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Sumário : | Numa situação em que: - à indiciação inicial da arguida pela prática de um crime de furto qualificado se juntou a da prática de um crime de falsificação intelectual (falsidade em documento) p. e p. peloart. 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 3, do CP, por ter actuado de forma que ficasse a constar do auto de detenção uma identidade falsa, além de outro crime, o de falsidade de declaração p. e p. pelo art. 359.º, n.º 1, do CP, por ter declarado, perante o juiz de instrução, um nome e uma data de nascimento falsas; - ao contrário do que sucede com o crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo art. 359.º do CP, o crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 3, do mesmo diploma, é insusceptível de retractação (cf. art. 362.º); - é aplicável ao caso a al. d) do n.º 2 do art. 215.º do CPP, que prevê um prazo de prisão preventiva (até à acusação) de 6 meses, prazo que só se esgotará em 12-08-2009; - com a declaração de excepcional complexidade do processo, aquele prazo foi prorrogado para 1 ano, por força do n.º 3 do referido art. 215.º do CPP; não há fundamento para concessão de habeas corpus. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO AA, cidadã croata, presa preventivamente à ordem do proc. nº 1324/08.4PPPRT, do 1º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, vem requerer a providência de habeas corpus, ao abrigo do art. 222°, nº 2, c) do Código de Processo Penal (CPP), nos seguintes termos: Em 12 de Fevereiro de 2009, foi a arguida, juntamente com outras duas suspeitas, detida pelas autoridades policiais; tendo sido presente ao juiz de instrução criminal, para primeiro interrogatório, no imediato dia 14 de Fevereiro, data em que lhe foi decretada a prisão preventiva à ordem dos presentes autos; situação em que, desde então, se encontra. Atenta a gravidade, em termos de limitação da liberdade pessoal sem condenação judicial ou culpa formada, da medida de coacção “prisão preventiva”, consagra a al. a), do n° 1 do artigo 215º do C. P. Penal que: ''A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido: a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;" O n.° 2 desse preceito legal eleva esse prazo para seis meses, "quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a oito anos ...", e o n.° 3 do mesmo normativo para um ano, quando decretada a excepcional complexidade do processo. Ora, recentemente, o Digno Magistrado titular do inquérito promoveu a apensação do inquérito identificado em epígrafe - no qual a requerente, com dezasseis anos de idade, é a única arguida, uma vez que as duas outras suspeitas tinham idade inferior a dezasseis anos - a outros cinco processos de inquérito; requerendo de seguida o reconhecimento e declaração da excepcional complexidade do processo de inquérito daí resultante. No prazo de cinco dias que lhe foi concedido para o efeito, a ora requerente pronunciou-se contra a incorporação processual operada - requerendo a separação de processos - e contra a atribuição da classificação do inquérito como de excepcional complexidade, cujos pressupostos legais se não revelam, in casu, preenchidos. Hoje, aos quinze dias do mês de Junho de dois mil e nove, não foi a arguida notificada do competente despacho judicial que apreciará a questão. A detenção da arguida, em 12 de Fevereiro de 2009, ocorreu em flagrante delito. Desde 14 de Fevereiro de 2009 até hoje, a arguida já cumpriu, ininterruptamente, quatro meses de prisão preventiva. O tipo de ilícito criminal que lhe é indiciariamente imputado é o previsto e punido pelos artigos 203.º e 204.° do Código Penal Português. Nenhuma razão existe que explique e justifique o facto de, quatro meses volvidos, a requerente não ter ainda visto o seu comportamento apreciado e julgado pelos tribunais judiciais competentes, como a Lei e as concretas circunstâncias do caso (art. 12º/1, 13.° e 15.º/1 C.R.P.) impunham. Até hoje, o Ministério Público não proferiu qualquer acusação formal contra a arguida, ora requerente. Não estando neste momento reconhecida e declarada a excepcional complexidade dos autos, o prazo máximo legal de prisão preventiva atingiu o seu termo no dia 14 de Junho de 2009. Razão pela qual, hoje, 15 de Junho de 2009, a arguida se encontra inequivocamente em prisão ilegal. Os prazos máximos fixados na Lei Processual Penal, para a manutenção de medidas de coacção, visam proteger, acautelar eventuais violações e injustiças proporcionadas pela manutenção da medida de coacção mais gravosa a arguidos, que beneficiam, de resto, até trânsito em julgado de decisão válida, do princípio in dubio pro reo. O art. 28° n.° 4 da Lei Fundamental confere aos prazos máximos de prisão preventiva a dignidade de imperativo constitucional. A arguida está ilegalmente presa desde as 00h00m de 15.06.2009. Nestes termos concorrem fundamentos bastantes, de Direito e de facto, para o recurso da requerente à presente providência, que por actuais legitimam o seu pedido de Habeas Corpus. Invocamos o exarado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 1997: "Um pedido de habeas corpus respeitante a uma prisão determinada por decisão judicial só poderá ter provimento em casos extremos de abuso de poder ou erro grosseiro de aplicação do direito (manutenção da prisão para além dos prazos legais ou fixados por decisão judicial), prisão por facto pelo qual a lei a não admita ou, eventualmente, prisão ordenada por autoridade judicial incompetente para a ordenar, nos termos do art. 222" do C.P.P." Está já ultrapassado o limite máximo de prisão preventiva permitida pelo ordenamento jurídico português, pelo que a libertação imediata da requerente é imperativa e urgente, nos termos do n.° l do art.º 217° do C. P. Penal. Admitindo-se contudo a aplicação do n.° 2 do mesmo preceito legal e a consequente aplicação à requerente de qualquer outra medida de coacção das elencadas nos artigos 197.° a 200." do C. P. Penal. O sr. Juiz titular do processo prestou a seguinte informação, nos termos do art. 223º, nº 1 do CPP: Conforme resulta do teor do Auto de Notícia de fls. 3 e ss. do Inquérito n° 18/09.8, agora a fls. 1835 e ss., do Inquérito n° 1324/08.4, foi a arguida/requerente, de nome AA e que àquela data se identificou de BB, detida em flagrante delito em 12-2-09 e apresentada a juízo para 1º interrogatório judicial nos termos do art. 141° do C. P. P., foi-lhe decretada a medida de prisão preventiva, por os autos indiciarem fortemente a prática pela mesma de crimes de furto qualificado (em residências), p. e p. pelos arts. 203° e 204°, do C. Penal, indícios esses fundamentados, para além do mais, nos artigos de ouro que a arguida transportava ocultados no interior da roupa que vestia e lhe foram apreendidos, tudo conforme resulta do douto despacho de fls. 1945 e ss. (antes 113 e ss.). Em consequência do requerido pela arguida a fls. 2072 e ss. (antes 237 e ss.) e documentação junta, foi relevada a sua nova identificação, por promoção de fls. 2086 (antes 251) e consequentemente, por douto despacho de fls. 2096 (antes 261), ficou a mesma indiciada, ainda pela prática dos crimes de falsidade de declarações e falsificação de documentos. Por imperativo legal, nos termos do disposto no art. 213° do C. P. P., foram apreciados os pressupostos processuais da prisão preventiva da arguida, que por despacho de fls. 2299/2300 (antes 964/965), por os mesmos se manterem inalterados, foi a sua situação mantida. Entendemos ser ainda de informar o seguinte: Na sequência de inúmeras diligências, designadamente, participações dos ofendidos, identificação dos objectos de ouro furtados, relatórios de vigilâncias externas, buscas a residências e auto-caravanas, entre outras, efectuadas no decorrer do inquérito n° 1324/08.4, foram efectuadas várias apreensões (elevado número de artigos de ouro -joalharia -) e detidos em flagrante delito os arguidos: CC, DD, EE, FF e GG. Ouvidos em primeiro interrogatório, foram indiciados - para além de outros - por vários crimes de furto qualificado e documentos falsos, tendo-lhes sido aplicada a medida de prisão preventiva, por douto despacho de fls. 806 e ss., datado de 21-3-09, a qual foi impugnada por via de recurso, mas que não mereceu provimento, por acórdão de 03.06.2009 proferido pelo TR do Porto. Entretanto, por douto despacho de fls. 1828, datado de 3-6-09, e para além de outros, a Ilustre titular do Inquérito n° 1324/08.4, com referência ao despacho por si proferido a fls. 2364, na mesma data, por entender se encontrarem reunidos os pressupostos legais para o efeito, nos termos, fundamentos e disposições legais neles contidos, determinou a incorporação no referido inquérito (n° 1324/08.4) do então Inquérito n° 18/09.8. Dispõe o art. 215°, n° 1 alínea a) do CPP que a prisão preventiva se extingue quando, desde o seu início, tiverem decorrido 4 meses sem que tenha sido deduzida acusação. Porém, o n° 2 do mesmo preceito legal determina que os prazos referidos no n° 1 são elevados (desde logo) respectivamente, para 6 meses, 10 meses,..., desde que respeitem aos crimes ali mencionados, bem assim, nas respectivas alíneas. Ora, atendendo, para além do mais, que a arguida também se encontra indiciada por um dos crimes previstos na alínea d), o facto de até ao momento não se encontrar declarada a excepcional complexidade e independentemente do que vier a decidir-se nesse sentido, tendo a prisão preventiva aplicada à arguida em 14-2-09, o referido prazo de seis meses, só expira em 14-8-09. Perante o exposto, entendemos não assistir razão à requerente na sua pretensão, por absoluta falta de fundamento legal. Pelo que, nos termos do art. 223°, n°1, do CPP, informa-se que se mantém a prisão preventiva aqui aplicada à arguida. Realizada a audiência de julgamento, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO Com base na informação precedente e nos elementos constantes dos autos, consideram-se apurados os seguintes factos: A requerente foi detida em 12.2.2009, por suspeita da prática de um furto qualificado, tendo-se identificado perante a autoridade policial como sendo BB, nome que ficou a constar como sendo o seu no auto de detenção elaborado pela PSP e remetido a tribunal. Apresentada para interrogatório judicial em 14.2.2009, assumiu a requerente perante o sr. Juiz de Instrução Criminal a mesma identidade, e declarou ainda uma idade inferior à real, elementos que ficaram a constar do auto de interrogatório, findo o qual foi determinada a aplicação da medida de prisão preventiva, por haver indícios de ter praticado um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, nº 2, e) do Código Penal (CP). Veio posteriormente a requerente reconhecer que essa identidade era falsa, bem como a data de nascimento indicada em tribunal, em requerimento junto aos autos, indicando a sua verdadeira identidade, e comprovando-a com a apresentação do passaporte. Requereu ainda que se considerasse relevante a retractação, ao abrigo do art. 362º do CP, e ainda a substituição da prisão preventiva por outra medida de coacção. Sobre esse requerimento foi proferido despacho judicial que considerou que a conduta da requerente integrava (também) o crime de falsidade de declaração, sendo mantida a prisão preventiva. Novamente ouvida, agora pelo Ministério Público, a requerente foi informada pessoalmente de que lhe era imputada a prática de um crime de furto qualificado, de um crime de falsificação de documento e de um crime de falsidade de declarações. Posteriormente, o inquérito pendente contra a requerente (com o nº 18/09.8) foi integrado, por decisão da magistrada do Ministério Público titular, no proc. nº 1324/08.4PPPRT. Já depois da interposição da presente providência, no dia 19 do corrente mês de Junho, foi o processo declarado de excepcional complexidade pelo sr. Juiz de Instrução Criminal, ao abrigo do nº 4 do art. 215º do CPP. Como se viu, a requerente sustenta a sua pretensão de habeas corpus no excesso de prazo da prisão preventiva, que, segundo ela, seria de 4 meses, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 215º do CPP, por não ter ainda sido deduzida acusação. Assim seria se à requerente fosse apenas imputado o crime de furto qualificado. Acontece, porém, que, a essa indiciação inicial, se juntou a da prática de um crime de falsificação intelectual (falsidade em documento), p. e p. pelo art. 256º, nº 1, d) e nº 3 do CP, por ter actuado de forma que ficasse a constar do auto de detenção uma identidade falsa, além de outro crime, o de falsidade de declaração, p. e p. pelo art. 359º, nº 1 do CP, por ter declarado, perante o Juiz de Instrução, um nome e uma data de nascimento que eram falsas. Ao contrário do crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo art. 359º do CP, o crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, d) e nº 3 do CP, é insusceptível de retractação (cf. art. 362º do CP). Daí que a situação seja enquadrável na al. d) do nº 2 do art. 215º do CPP, que prevê um prazo de prisão preventiva (até à acusação) de 6 meses. Tal prazo só se esgotará em 12.8.2009. Acresce que, com a declaração de excepcional complexidade do processo, o mesmo prazo foi prorrogado para 1 ano, por força do nº 3 do referido art. 215º do CPP. Consequentemente, não há fundamento para concessão de habeas corpus. III. DECISÃO Com base no exposto, rejeita-se a providência requerida. Vai a requerente condenada em 1 UC de taxa de justiça. Lisboa, 25 de Junho de 2009 Maia Costa (Relator) Pires da Graça Pereira Madeira |