Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
298/13.4TBTMC.G2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE INSTÂNCIA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DE REVISTA
REJEIÇÃO DE RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 01/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CONSTITUCIONAL – ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO / TRIBUNAIS / DECISÕES DOS TRIBUNAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.º 4, 608.º, N.º 2, 609.º, N.º 1, 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1, 662.º E 679.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 205.º, N.º 1.
Sumário :
A decisão de facto é da competência das instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o aresto recorrido afronte disposição expressa de lei, quando ponha em causa preceito que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Decisão Texto Integral:

                 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO

AA e BB intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra, CC, pedindo que seja declarado que:

“a) Os demandantes como donos e legítimos proprietários do imóvel descrito em 1;

b) A garagem/arrumos e terraço do imóvel dos demandantes conforme planta do piso 0 e 1 do doe 2 em anexo fazem parte integrante do imóvel descrito em 1;

c) A nulidade ou anulabilidade do artigo 2611 urbano da freguesia de ..., por o mesmo ser baseado em falsas declarações e no uso indevido da finalidade prevista no artigo 28-B do C.R.P;

d) A reposição das áreas anteriores e artigo da matriz, averbadas no registo predial do imóvel, ficha com o número ..., urbano da freguesia de ....

Outrossim, seja condenada a Ré a:

a) Reconhecer a posse e domínio dos autores sobre a totalidade do imóvel descrito em 1 parte poente e nascente:

b) Reconhecer que os arrumos (garagem) do piso 0, conforme consta da planta do doc. 2 em anexo, com a área de 17 m2, é parte da propriedade do imóvel descrito em 1.

c) Reconhecer o terraço do piso 1. como parte integrante do imóvel descrito em 1. (parte topo dos arrumos e garagem do imóvel - piso 0).

d) Destruir todas as obras que estejam edificadas sobre a garagem e arrumos do piso O, da propriedade dos demandantes.

e) Destruir todas as obras realizadas que impeçam as vistas ou tapem a janela virada a Norte do imóvel do plano superior até 1,5 metros.

f) Destruir todas as obras realizadas que impeçam as vistas ou tapem parte do terraço na parte que vira a Norte (extrema nascente) do imóvel do plano inferior (piso 2) até 1,5 metros.

g) Colocar a garagem/arrumos, terraço e paredes (cornija) na situação que se encontrava antes da realização das obras pela Ré.

h) Restabelecer todas as ligações da electricidade, água, tv e ar condicionado que foram cortadas nas obras.”

A Ré apresentou contestação invocando que é proprietária da garagem referenciada na petição inicial e arguiu a ineptidão da mesma por cumular causas de pedir e pedidos incompatíveis.

Calendarizada a audiência final, foi esta realizada com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal de 1ª Instância proferido decisão, de facto e de direito, que julgou a acção procedente, e em consequência:

“A) Declarou que os Autores titulam o direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° ... e inscrito na matriz sob o artigo 899;

B) Declarou que o espaço para arrumos/garagem do piso 0 e terraço do piso 1 indicados em 4) e 11) dos factos provados são parte integrante do prédio descrito em A);

C) Condenou a Ré a reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio, espaço para arrumos/garagem e terraço referenciados em A) e B);

D) Condenou a Ré a destruir todos as obras que estejam edificadas sobre o espaçko para arrumos/garagem indicado em B);

E) Condenou a Ré a destruir todas as obras realizadas que impeçam as vistas ou tapem a janela virada a Norte, do imóvel do plano superior, até 1,5 metros;

 

F) Condenou a Ré a destruir todas as obras realizadas que impeçam as vistas ou tapem parte do terraço na parte que vira a Norte (estrema nascente), do imóvel do plano inferior (piso 2), até 1,5 metros;

G) Condenou a Ré a colocar a garagem/arrumos, terraço e paredes (cornija) na situação que se encontrava antes da realização das obras pela mesma;

H) Condenou a Ré a restabelecer todas as ligações da electricidade, água, tv e ar condicionado que foram cortadas com as obras;

I) Condenou a Ré no pagamento das custas processuais;

J) Absolveu os Autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé.”

Inconformada, a Ré/CC recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão, onde consignou no respectivo dispositivo:

“Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso da Ré, e em consequência, alteram a sentença, absolvendo a Ré dos pedidos, à excepção das condenações constantes da alínea A), mero antecedente lógico dos principais e da alínea F).

Custas, em ambas as instâncias, a cargo dos Autores e da Ré, na proporção dos respectivos decaimentos.”

Os Recorrentes/Autores/AA e BB insurgiram-se contra a decisão proferida em 2.ª Instância, tendo interposto recurso, a fls. 580 a 625, nos termos dos artºs. 671º, n.º 3, e 672º n.º 1 alíneas b) e c) e seguintes do Código de Processo Civil, tendo sido proferida decisão singular a ordenar que os presentes autos fossem remetidos à formação, para a verificação do arrogado pressuposto que justifique, ou não, a pretendida revista excepcional.

Foi proferido acórdão na Formação sustentando-se que “Falece, pois, para o que aqui nos importa, a dupla conformidade, estando, à partida, bloqueado o caminho de apreciação da admissibilidade face às regras próprias da revista excecional.

Tem-se entendido, com particular reiteração, que o caminho escolhido pela parte recorrente de admissibilidade da revista não é vinculante, podendo, por isso, uma revista excecional vir a ser admitida como revista normal e vice-versa (neste último caso, sem prejuízo da exigência alegativa do n.º 2 do mencionado artigo 672º)” tendo-se concluído, “Face ao exposto: Considera-se - face à míngua de dupla conformidade - bloqueado, à partida, o caminho de admissibilidade da revista excecional; Determina-se a remessa dos autos ao Senhor Conselheiro relator.”

O presente Recurso interposto a fls. 580 e seguintes, é de Revista.

Os Recorrentes/Autores/AA e BB ao insurgirem-se contra o acórdão proferido, em 12 de Abril de 2018, no Tribunal da Relação de Guimarães, aduziram as seguintes conclusões:

“1. Os aqui recorrentes, viram a decisão de 1ª instância alterada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães onde numa parca análise dos documentos e depoimentos, procura-se substituir ao juiz de1ª instância, desprezando o princípio da oralidade e da imediação da prova, o que levou a considerar apenas e quase em exclusivo o depoimento da testemunha DD. Isto porque entende ser o mais consentâneo com a prova documental junta.

2. Neste senda, sumariamente e depois de uma descrição da sucessão temporal dos factos, ainda que parcos, omissos, errados e insuficientes, extrai-se da Veneranda decisão aqui em crise, que a alteração dos pontos 11., de 17. a 21. e 26. se deve essencialmente à credibilidade de tal testemunha.

3. Ora, realmente esta testemunha e a mais consentânea com os documentos, pois é esta a que a orquestradora de todo este imbróglio, o que compra e vende os imóveis da R. e aos A. A. com a descrição da mesma garagem.

4. A testemunha DD, sabendo que tal garagem pertencia ao imóvel dos A.A., foi o mesmo que em 2006 junto da repartição de Finanças entregou o modelo PI (fls 23 a 25 dos autos - assinada pelo próprio e não por EE vendedor) com o desenho/descrição de tal garagem, designando-a de arrumos, com 17 m2, como,

5. Como foi a mesma testemunha que em 30/6/2010, certidão a fls 167 a 171 dos autos, o mesmo DD averbou a garagem em crise no imóvel da agora R., acrescentando-lhe um compartimento com mais 17 m2.

6. Tal ampliação da área, por coincidência é igual à área da garagem aqui reivindicada, isto confrontando, a fls 167 dos autos (folha 5), e fls 4. do doe. 2 junto à p.i. diga-se até com a mesma grafia...

7. Conforme consta da escritura de compra e venda realizada em 24 de junho de 2010, (Vide Doc. 5 da pi.), fez uma alteração (mais um piso) e ampliação da área do imóvel, através da apresentação do modelo 1 nas finanças com o respectivo desenho ou projecto (só da área ampliada) e obteve um novo artigo matricial, número 2611 (deixando de ser o artigo 1129), ainda que provisório.

8. Ora, nitidamente a testemunha DD, como vendedor dos dois imóveis, andou a fazer “render o peixe” vendendo dois imóveis com a mesma garagem/arrumos, enganando ambos os compradores, os aqui A.A. e a R., ainda que este último não o admita por razões processuais.

9. Pelo que não se entende que credibilidade dá o tribunal de 2ª instancia a esta testemunha, quando já o Tribunal de 1ª instancia, usando do principio de imediação e oralidade o tinha excluído da sua fundamentação da matéria provada e não provada.

10. Pelo que no modesto entendimento dos autores deveria ficar esclarecido, constando da matéria de facto provada que;

“A garagem reivindicada parte do imóvel dos Autores, com a área de 17,2 foi declarada fiscalmente parte integrante do imóvel da Kem 23 junho de 2010”

11. O Tribunal da Relação goza de ampla liberdade de movimentos para, em face do suporte magnético, modificar, sendo caso disso, a matéria provada em 1ª instância, após ter ponderado casuisticamente o relevo do principio da imediação, também é certo que tal Venerando Tribunal não pode fazer uma apreciação discricionária da prova, liberta dessa imediação, do contacto físico com o objecto do processo (imóvel) e essencialmente emocional com as testemunhas dos autos.

12. Mais, não se pode subtrair á convicção do julgador que alicerçada na sua imediação e oralidade entendeu não dar credibilidade e certa e determinada testemunha, fundada em contradições e posição processual, cujo alcance não é concretamente determinável em 2ª instância.

13. Pelo que não se entende que credibilidade se pode dar à testemunha DD que não seja por um manifesto erro do Tribunal a quo, que nega a convicção do julgador de 1ª instância, que deve ser relevada mas alterada por esse Colendo Tribunal.

14. Como não se entende a posição do Tribunal a quo quando o depoimento desta testemunha não é corroborado por nenhuma das outras (vide fundamentação), nomeadamente na pseudo-autorização da ante-possuidora do imóvel da R. para realizar obras e usar a garagem em seu nome.

15. Sem prescindir do “interesse” nas vendas que realizou enganando a R./recorrida e os A.A./recorridos nas áreas dos imóveis, facto que foi evidente para o julgador do tribunal de 1ª Instância, facto que foi alheio ao Tribunal da Relação, por obviamente não gozar do principio da oralidade e da imediação.

16. Ou se assim não se entender, de uma deficiente analise da prova e das regras da experiência comum, pois tal testemunha é de forma evidente uma testemunha sem credibilidade, tendencialista, manipuladora, causa dos presentes autos, facto que deveria ter sido apreciado pelo Tribunal a quo.

17. Pelo que violou o Tribunal a quo o principio da oralidade e da imediação da prova, bem como as regras da experiência comum, nomeadamente não respeitando o artigo 607, n° 5 do C.P.C, artigos, nomeadamente a livre convicção do julgador, devendo o Tribunal ad quem, manter a decisão de 1ª instância, considerando os factos provados 11., de 17. a 21. e 26 da douta decisão.

18. Apesar de fundamentar o Tribunal a quo que tal testemunha depôs “conforme os meios de prova produzidos, concretamente do teor das descrições prediais com o testemunho de DD” deveria ser evidente para tal Venerando Tribunal que sendo este o autor desses actos, como demonstrado, seria este o que melhor os descreveria.

20. Por outro lado, ao invés do declarado por tal testemunha, o imóvel da A./recorrida que nunca deixou de ser apenas uma casa em cima, sem qualquer ligação à casa de baixo (Largo Sagrado Coração de Jesus), ou seja à garagem que a A./recorrida ilicitamente se apropriou. E disso se apercebeu o meritíssimo juiz do tribunal de 1ª instância, fruto da imediação da prova e da oralidade que diga-se o Tribunal a quo desprezou. (Vide transcrição de depoimentos)

21. No entanto e sendo o autor destas “andanças” a testemunha DD obviamente que seria este o que melhor se adequava à história da descrição predial e fiscal constante dos documentos.

28. Como da falsa conclusão vertida pelo Tribunal a quo, nas páginas 43. e 45. em que refere as ligações existentes na garagem e demais compartimentos foram cortadas pelo próprio e não pela Ré, quando está provado testemunhalmente o uso posterior à venda aos aqui A.A. de tais compartimentos, da electricidade e da água, mais especificamente na garagem objecto dos autos. (ano de 2012 - vide pág. 44 do Venerando Acórdão) Vide depoimento de ... (inquilino dos A.A.):    

29. Pelo que violou o Tribunal a quo o principio da oralidade e da imediação da prova, bem como as regras da experiência comum, nomeadamente não respeitando o artigo 607, n° 5 do C.P.C, artigos, nomeadamente a livre convicção do julgador, devendo o Tribunal ad quem, manter a decisão de Io instância, considerando os factos provados 11., de 17. a 21. e 26 da douta decisão.

30. O objecto da servidão de vistas prevista no citado n° 1 do art° 1362° não é a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência de janela ou porta em condições de o poder ver e devassar, independentemente da concretização dessa usufruição, o que significa que o corpus da posse se reconduz, na espécie, à simples existência da janela ou porta em infracção do que se prescreve no art° 1360°, n° 1 do C.C.

31. Não se exerce a servidão com o facto de se desfrutarem as vistas sobre o prédio, mas mantendo-se a obra e condições de se poder devassar o prédio vizinho. Pode a janela ou a porta estar fechada, desde que o não seja, definitivamente, que a servidão não deixa de ser exercida.

32. Mesmo assim, entende-se que esta provada a existência daquela janela, virada a Norte, (para o imóvel da R, aqui Recorrida) com as dimensões aproximadas de 80 cm x 95 cm, a qual se tapada pela R. com tijolos (Vide fls 100), de uma habitação construída há pelos menos quarenta anos, de uma habitação que os A.A., aqui Recorrentes usam há mais de vinte anos na sua totalidade, nela dormindo, comendo, limpando, pintando, arrendando o imóvel e os quartos a hóspedes, actos estes feitos à vista de toda a gente, de conhecimento público o seu uso, estando por isso os ante-possuidores e atuais proprietários convictos de estarem a exercer um direito próprio. (Vide matéria provada 3., 7, 8., 9. e 10.)

33. Sem prescindir que um mero observador das fotografias tirada à janela, bem como em sede de inspeção ao local, confrontada com as fotografias tiradas antes da sua tapagem, em sede de embargo de obras a 28 de Maio (vide doc. 10 da p.i.), se verifica que a abertura é contemporânea da construção do imóvel dos Recorrentes (Vide umbreira - em granito - parte de baixo da janela em foto 6. descrito na fls. 172, comentário a fotografia 6. e 7.) assim como tal painel de tijolos que tapa a janela é de construção recente. (Vide doc. 11 da p.i., fls.100 e foto 6 a fls 173-f, em cimento)

34. A acrescer os depoimentos de ..., arrendatário do imóvel durante 20 anos, imóvel a poente (local onde se encontra a janela virada a Norte), de EE, ante-possuidor do imóvel, e ..., onde exprimem com clareza quer a existência da janela, o seu uso, a claridade, a sua constituição, a sua idade (velhice) e até a sua dimensão.

35. Sem prescindir que tal parte da Veneranda decisão entra em contradição com o acórdão em apreço - Acórdão da TRL n° 517/10.9TVLSB.L1-2 de 5/12/2013, relatora Maria José Mouro, que se basta com a abertura de tal janela pois, pelo menos, desde 1952 se encontra implantada ao nível do andar superior identificada em 6, janela essa que tem uma altura de 0,80 e uma largura de 95 cm, permite a entrada de luz e que pessoas possam debruçar-se e desfrutar as vistas, estamos perante uma abertura que preenche o conceito de janela para efeitos do C.C, sendo que aquela abertura contende com o determinado no n° 1 do art 1360 daquele Código

36. Requerendo-se assim, ou a alteração da matéria de facto por esse Colendo Tribunal dando como provado não só a existência da janela como preceitua o número 10., como o seu uso ou potencial uso se assim se entender, pelos possuidores e ante-possuidores por mais de vinte, ou mais anos, dando como provado que;

“que há mais de quatro ou cinco gerações que aquela janela é usada sem qualquer interrupção e á vista de toda a gente, sem que ninguém se tivesse oposto ao seu uso, criando-se a convicção entre os vários proprietários e possuidores que exerciam um direito próprio” e, “a janela enunciada em 10 foi feita ã mais de cinquenta, sessenta anos.”

37. Concluindo-se como concluiu a 1ª instância, que na sua livre convicção e apreciação da prova, gozando da oralidade e da imediação da prova, quer pela existência de uma janela, como da existência de uma servidão de vistas, condenado a Ré a destruir todas as obras realizadas que impeçam as vistas ou tapem a janela virada a Norte, do imóvel do plano superior, até 1,5 metros.

38. Cumprindo o ónus da prova nos termos do artigo 340 do C.C., os aqui Recorrentes juntaram aos autos diversas fotografias da garagem e terraço imóvel, onde expressamente se vem as características principais dos imóveis e dos atos praticados neste pelos A.A. e seus antecessores. Nomeadamente a instalação de tubos das águas pluviais, materiais usados (tubos “de grés”, que já não se utilizam há mais de dez anos, com a aparência de terem mais de 15 ou 20 anos, que canaliza para o exterior as águas pluviais provenientes do andar superior - terraço e casa do patamar superior pertença dos A.A.) tubos de eletricidade, tv, de água, etc. Da mesma forma resulta das duas inspeções ao local e das fotografias juntas realizadas nos termos do artigo 490 do C.P.C. que;

39. Tais inspeções ao local foram acompanhadas pelas partes, não foram contestadas, antes comummente aceites, tudo nos termos do artigo 490 do C.P.C., devendo ser matéria dada como provada para todos os efeitos legais.

40. Pelo que sendo estes actos de posse sobre a garagem do imóvel e sobre o terraço que o encima, só nesta parte deveria o Tribunal a quo ter dado como provado todos estes actos, reitere-se de posse sobre a garagem e terraço reivindicado, o seu uso pelos A.A., aqui Recorrentes e ante-possuidores, dando como provado os artigos 11., de 17. a 21. e 26. anteriormente dado como provados em sede de 1ª Instância.

41. Devendo o tribunal ad quem, no usos dos poderes que lhe foram conferidos e mediante a prova que consta dos autos, acolher tais factos e subsumindo-os necessariamente aos de direito aplicável, concluindo pelo necessário reconhecimento que tal garagem pertence na íntegra ao imóvel dos A.A./recorrentes (ponto 1. e 4. dos factos provados pelo Tribunal a quo)

42. Mais, mesmo que assim não se entenda, os aqui recorrentes na sua modesta opinião, entendem existir uma contradição entre a matéria de facto provada e os seus fundamentos (a fls 45 a 50), já que a prova que consta dos documentos e apurada pela inspeção ao local é suficiente, contraditória com a decisão do Tribunal a quo.

43. Nulidade que se invoca nos termos do artigo nos termos do artigo 615 alínea c) do C.P.C., pois perante tais atos de posse não se pode dar como não provado o seu não uso há pelo menos quarenta anos pelos A.A. e ante-possuidores do espaço denominado garagem e arrumos.

44. Pelo que nesta parte, é evidente o uso daquela garagem (matéria provada de 8. a 15.) pelos aqui autores/recorrentes e ante-possuidores, de boa fé, na convicção de estar a exercer um direito próprio, sem oposição de ninguém, à visa de toda a gente, nunca pensando estar a lesar o direito de quem quer que fosse, durante mais de 40 anos, de forma ininterrupta e continuada.

45. Encontram-se assim verificados os requisitos do instituto de usucapião, não se compreendendo a atitude do Tribunal a quo, que contrariando os factos ou com o devido respeito, ignorando-os, deu uma decisão contrária a estes, decisão esta que no modesto entender dos aqui recorrentes é nula nos termos do artigo 615, alínea c) do C.P.C.

46. Mas não se bastando a prova ao que consta dos autos, nomeadamente o auto de inspeção ao local e fotografias, o que por si só,, seria bastante para provar o uso daquela garagem do imóvel pelos A.A./recorrentes e ante-possuidores, o Tribunal a quo ignorou a prova testemunhal, limitando-se ao depoimento de DD, ao invés da decisão em sede de 1ª instância.

47. Contudo os outros, que tiveram ao invés do sobredito não corroboraram o depoimento de DD, havendo discrepâncias entre, o decidido pelo tribunal a quo e a sua fundamentação, fruto novamente da distância entre o julgador e a prova.

48. Os factos não provados no Douto Acórdão não tem reflexo na fundamentação, sendo que novamente a testemunha DD aparece como única a corroborar o entendimento do Tribunal a quo (vide depoimento das testemunhas indicadas no Douto Acórdão e aqui transcritas nos artigos 85 a 88 desta peça processual - utilização do terraço e garagem)

49. Havendo por isso uma nítida contradição entre a decisão e a fundamentação, atendendo a estes depoimentos, a decisão nunca poderia dar como provado os factos indicados em 83, pois contariam o depoimento das testemunhas, conforme sobredito.

50. Devendo assim dar como provado esse Colendo Tribunal que;

- os autores e ante-possuidores usam há mais de vinte ou mais anos o espaço para arrumos (garagem) citado em 11, nele metendo os seus haveres, lenha, carros bicicletas, sempre de forma permanente.

- Da mesma forma, usando o terraço do 1º piso, por cima da garagem e arrumos descritos em 11), nele entrando e saindo pela porta que lhe dá acesso, permanecendo nesta, sentando-se nas cadeiras e mesas que lá se colocam na época estival.

-        Actos estes feitos à vista de toda a gente, estando por isso os ante-possuidores e os autores convictos de estar a exercer um direito próprio.

51. Por outro lado, e transcrevendo o depoimento das testemunhas indicadas no Douto Acórdão bem como outras, conclui-se que estes que não poderiam ser mais esclarecedores sobre a utilização do imóvel (actos de posse sobre o terraço), do quarto, dos acessos, da utilização da garagem pelo seu proprietário (ante-possuidor), da sua constituição, entre outros. Não podemos por isso partilhar pela desacreditação a que foi levado no Douto Acórdão em crise.

52. Olhando assim para os verdadeiros depoimentos concluímos que a versão que consta do Venerável Acórdão relata sobre a utilização do terraço e garagem é verdadeiramente redutor, devendo ser dado como provado tudo o que este Venerando Tribunal entendeu como não provado, concluindo-se como na 1ª Instância, pois se assim não se proceder, estamos perante uma verdadeira injustiça criada pela imiscuída intervenção do Tribunal a quo em matérias que são da exclusividade da 1ª instância, voltando-se a reiterar a violação expressa do principio da oralidade e da imediação da prova.

53. Querendo alterar matéria da 1ª Instância, quando na verdade não existe desconformidade dos meios de prova com a decisão. E sendo um recurso da matéria de facto há que pressupor que que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade ao julgador de 1ª instancia que presumem o acerto do decidido. Em recurso cabe sindicar apenas naquilo em que, de modo mais flagrante se opuser á realidade, o que não aconteceu in casu.

54. Ora, a realidade é diversamente outra da opinada pelo Tribunal a quo e a decisão de 1ª instância tem suporte documental e testemunhal que a fundamentação bem justificou.

55. Pelo que, na modesta opinião dos aqui recorrentes deve esse Colendo Tribunal alterar a decisão do Tribunal a quo a tout court, por vício de violação dos poderes que foram conferidos ao Venerando Tribunal da Relação, como pela violação do princípio da oralidade e imediação, e essencialmente por falta de fundamentação para a alteração da decisão de 1ª instância.

 Nestes termos deve a decisão de 2ª Instância ser revogada, a tout court, condenando-se a Recorrida no peticionado, concretizando-se de uma forma justa e perfeita a justiça que aqui se apela, aliás como já é apanágio de V. Exas.”

A Recorrida/Ré/CC apresentou contra alegações, enunciando as seguintes conclusões.

“I. Os Recorrentes vieram interpor recurso de Revista Excepcional nos termos do disposto nos art.ºs 671, n.º 3 e 672.º, n.º 1 al. b) e c) do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães alegando como motivos da sua discordância: “Confusão fáctica na apreciação dos factos”; “Contradições entre os fundamentos e a decisão”; “Violação das regras da experiência comum”; “Violação os princípios da imediação e da oralidade; Contradição com outros Acórdãos, nomeadamente com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa n.º 517/10.9TVLSB.L1-2; Violação grave do direito de propriedade.

II. Nas suas alegações os Recorrentes reportaram-se, quase em exclusivo, à apreciação da prova feita pela 2ª Instância, alegando deficiente apreciação da prova testemunhal e da credibilidade da testemunha DD, violação das regras da experiência comum, violação dos princípios da oralidade, da imediação, violação do direito de propriedade, contradição entre a decisão e a prova constante dos autos, nulidade a que se reporta o art.º 615, al. c), do CPC.

III. O art.º 671.º do CPC, nos seus n.ºs 1, 2 e 4 enumera as decisões que comportam recurso de revista e, no n.º 3 dispõe que: “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”

IV. O artigo seguinte, o 672.º do CPC, no seu n.º 1 refere que, excepcionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do art.º 671.º, quando: “a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social; c) 0 acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”

V. Os Recorrentes basearam o seu recurso nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, de maneira que nos termos do mesmo normativo teriam de indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição do recurso: “b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social; c) Os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão -fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.”

VI. Escrutinadas as alegações dos Recorrentes constata-se que nada disseram em abono da fundamentação da admissão do recurso com base nesta excepção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme.

VII. No que respeita à oposição de julgados alegada pelos Recorrentes, a mesma não se verifica nem é devidamente justificada e comprovada pelos Recorrentes.

VIII. Os Recorrentes não comprovam a genuinidade do acórdão fundamento que juntaram nem certificaram o seu trânsito em julgado como se lhes impunha.

IX. Juntaram somente uma simples reprodução mecânica de um texto extraído a partir de uma base de dados que não garante a verificação do trânsito em julgado nem sequer a sua genuinidade, logo não cumpriram formalmente com o disposto na alínea c) do n.º 1 do 672.º do CPC.

X. Mas, ainda que o tivessem feito, conclui-se que não estamos perante qualquer oposição de julgados.

XI. O acórdão recorrido versa sobre várias situações de facto e sobre os pedidos que a elas couberam de acordo com a subsunção feita pelos Recorrentes, sendo uma delas a constituição da servidão de vistas com referência à suposta janela, enquanto o acórdão fundamento versa apenas sobre esta última questão (servidão de vistas com referência a uma janela), assim, ainda que se verifica-se a aposição de julgados só o seria quanto a esta matéria.

XII. Porém, entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento verifica-se uma pequena mas grande divergência que faz com que não haja oposição de julgados, a saber: no acórdão recorrido ficou provado que não existe nem o “corpus” nem o “animus” porquanto, concluiu a Relação que “...os Autores não conseguiram demonstrar factualidade susceptível de revelar que a janela em causa existe, na parede norte do seu prédio, há cerca de vinte anos...”.

XIII. Já no acórdão-fundamento ficou provado que a janela se encontrava aberta e a ser utilizada (vide pontos 7,13,14,15,16,17 e 18 dos factos provados no acórdão-fundamento].

XIV. Facto que faz toda a diferença na aplicação do direito e impede a oposição de julgados, porquanto, sendo o quadro factual diferente a este ponto, é natural que a decisão do ponto de vista jurídico seja diferente.

XV. A (s) questão(ões) sobre que incidiram as respostas divergentes do acórdão recorrido e do acórdão-fundamento têm de ser comuns, o que não é o caso.

XVI. Como requisito de admissibilidade os Recorrentes teriam de enunciar nas suas alegações os aspectos de identidade entre os acórdãos que estiveram na base da interposição de recurso de revista excepcional, o que não foi feito, porquanto, se atentarmos ao alegado no ponto III, artigos 34.- a 61.º, aquilo que os Recorrentes fizeram foi impugnar a matéria de facto e pedir a este Venerando Tribunal a sua reapreciação, apesar do disposto no n° 3 do art.º 674.º do CPC e de não advogarem a ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência dos factos ou que fixe a força de determinado meio de prova.

XVII. Ou seja, ao invés de alegarem a oposição de julgados e de centrarem a sua argumentação na demonstração dos aspectos de identidade que determinam a contradição alegada como impõe a alínea c) do n.° 2 do art.º 672.º do CPC, os Recorrentes alegaram a oposição de julgados e limitaram-se a defender a reapreciação da prova, nomeadamente da prova gravada, e a alteração da matéria factual fixada pela Relação ao abrigo do art.º 662.º, n.º 1 do CPC, a qual é inatacável em sede de recurso para este Venerando Tribunal de acordo com o n.º 4 do mesmo artigo.

XVIII. A argumentação dos Recorrentes nada mais é do que a transcrição da sua pretensão de desfecho dos autos, pondo em causa a livre convicção do Tribunal da Relação e a forma como esta instância analisou a prova sem qualquer razão ou fundamento bastante.

XIX. Na medida em que a decisão do Tribunal de 1.ª Instância seja tomada com base na valoração de meios de prova sujeitos à sua livre apreciação, o Tribunal da Relação pode proceder à sua reavaliação com total autonomia, podendo confirmar a decisão, decidir em sentido contrário ou proceder a qualquer outra alteração com menor amplitude.

XX. De maneira que nada há a apontar à regularidade dos termos da decisão aqui tomada pela Relação.

XXI. A Relação, ao reapreciar a matéria de facto tem acesso a todos os meios de prova já produzidos, inclusive à prova testemunhal gravada e, pode até ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento ou ordenar a produção de novos meios de prova.

XXII. E, se ao fazer essa reapreciação a Relação formar uma convicção diversa sobre os factos impugnados deve, consequentemente, fazer reflectir essa convicção numa nova decisão.

XXIII. De acordo com o prescrito no n.º 4 deste art.º 662.- do CPC, da decisão da Relação assim proferida, não cabe recurso para este Venerando Tribunal, porquanto, gozando este Tribunal de competência para apreciar questões de direito devem ser as Instâncias a julgar os factos.

XXIV. É precisamente isso que nos diz o texto do art.º 674.º do CPC, o qual ao determinar os fundamentos do recurso de revista delimita os termos da apreciação por este Venerando Tribunal e que diz precisamente no seu n.º 3 que: “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

XXV. In casu, não estamos perante qualquer ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova nem os Recorrentes alegam nesse sentido.

XXVI. Embora invoquem a nulidade prevista na alínea c) do art.º 615.º do CPC, ao abrigo do disposto na alínea c) do art.º 674º, o certo é que para além de não lhes assistir razão, tratando-se de recurso excepcional de revista a sua inadmissibilidade já está comprovada nos termos e com os fundamentos que supra expusemos e que prejudicam o conhecimento da nulidade invocada, o qual é competência da Relação em sede de arguição autónoma conforme resulta do art.º 615.º do CPC, aplicável por via do disposto no art.º 666.º do CPC. (Vide o Acórdão deste Venerando Tribunal de 07.02.2017, processo n.º 3071/13.6TJVNF.G1.S1, Relator: Sebastião Póvoas, nomeadamente os pontos 1.º a 5.º do sumário e a correspondente fundamentação)

XXVII. Conclui-se assim, por tudo isto, que deve o recurso ser considerado inadmissível em sede de apreciação liminar sumária, o que se requer.

XXVIII. Para o caso de se considerar admissível o recurso, no que não se concede e apenas por mera hipótese se cogita, por cautela e dever de patrocínio, sempre se verificará que o mesmo não tem qualquer mérito e deve improceder na sua totalidade.

XXIX. Os Recorrentes limitam-se a referir que a Relação fez uma deficiente apreciação da prova testemunhal e da credibilidade da testemunha DD, tecendo considerações acerca da sua suposta postura extraprocessual, que fez uma errada apreciação da matéria de facto e violou as regras da experiência comum, o princípio da oralidade e da imediação na apreciação da prova que como constatamos supra não se verifica.

XXX. Os Recorrentes, para sustentar a sua pretensão pegaram numa pinça e com um cuidado cirúrgico retiraram da prova gravada determinados trechos que transcreveram e descontextualizaram com as suas alegações.

XXXI. Assim, qualquer apreciação da prova gravada que, eventualmente, venha a ser feita por este Colendo Tribunal terá de incidir sobre a totalidade dos depoimentos trazidos à colação pelos Recorrentes.

XXXII. Os Recorrentes apontam ainda à decisão da Relação a violação do direito de propriedade e contradições entre os factos e a decisão mas sem qualquer fundamento ou razão.

XXXIII. No ponto II das alegações vieram os Recorrentes alegar deficiente apreciação da prova testemunhal e da credibilidade da testemunha DD, violação das regras da experiência comum na sua apreciação, violação do princípio da oralidade e da imediação da prova.

XXXIV. Contrariamente ao alegado pelos recorrentes verifica-se que a Relação fez a apreciação detalhada, crítica e fundamentada que não fez a 1.ª Instância.

XXXV. Diremos até mais, a Relação, sem beneficiar da imediação da 1.ª Instância conseguiu ter uma percepção da realidade em discussão muito maior, revelando uma análise muito mais estruturada, detalhada e clara.

XXXVI. A Relação ao reapreciar a matéria de facto a solicitação da aqui Recorrida, aí Recorrente e ao extrair dela convicção diferente mas cabalmente estruturada e fundamentada, agiu dentro dos poderes que a lei lhe confere, nomeadamente o art.º 662.e do CPC.

XXXVII. 0 Tribunal da Relação fez uma exaustiva e detalhada análise de toda a prova, nomeadamente da prova testemunhal e da prova documental que resultou numa decisão estruturada e devidamente fundamentada que não merece qualquer censura nem enferma da nulidade que lhe apontam os Recorrentes.

 XXXVIII. Porquanto, na página 37 do douto Acórdão da Relação é justificada a forma como se chega à conclusão de que a garagem não pertence à propriedade dos Recorrentes não obstante “a traça muito semelhante ou igual entre o revestimento exterior das duas garagens e que podiam induzir no sentido preconizado pelos Autores, uma análise minuciosa dos documentos que comprovam a descrição e inscrições dos prédios dos Autores e da Recorrente”

 XXXIX. E a referida análise minuciosa, recorrendo não só à documentação supra citada mas também à inspecção ao local e à prova testemunhal, está espelhada, nas páginas seguintes, sem qualquer contradição entre a matéria de facto dada como provada e os seus fundamentos.

XL. Os Autores não lograram provar a utilização da referida garagem, mormente há cerca de 15 ou 20 anos, sem oposição de ninguém, com a convicção de serem proprietários da mesma, não conseguindo assim ilidir a presunção do registo predial em que está inscrita a favor da Recorrida, não a adquirindo por usucapião, peio que deve assim improceder a este respeito o alegado pelos Recorrentes nos artigos 76.º a 80.º.

XLI. Assim, contrariamente ao que referem os Recorrentes no artigo 81.º, a Relação não se limitou a atender ao depoimento da testemunha DD - que só de si já diz muito em abono da decisão recorrida - e a ignorar a restante prova testemunhal.

XLIL Os Recorrentes não têm razão quando alegam nesse artigo que “...a prova ao que consta dos autos, nomeadamente os autos de inspecção ao local e fotografias, o que só por si, reitere-se, seria bastante para provar o uso daquela garagem do imóvel pelos AA./recorrentes e ante-possuidores..."

XLIII. O acervo de factos não provados transcritos pelos Recorrentes no artigo 83.º está em consonância com a decisão tomada pela Relação quanto a essa matéria pelo que não se vê onde possa estar a contradição.

XLIV. Parece-nos que aquilo que os Recorrentes pretendem é uma terceira apreciação da prova e julgamento dos factos feitos a uma medida que encaixe nas suas pretensões, o que, para além de não ser legalmente admissível, jamais poderia obter provimento.

Termos estes em que, e nos melhores de direito certa e doutamente supridos por V.ªs Excelências deve o presente recurso ser considerado inadmissível em sede de apreciação preliminar sumária ou, ainda que assim não se entenda, no que não se concede, deve o mesmo ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, assim se fazendo a justiça que o caso demanda.”

Foram colhidos os vistos.

Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações dos Recorrentes/Autores/AA e BB consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo violou o princípio da oralidade e da imediação da prova, bem como, as regras da experiência comum, impondo-se a este Tribunal ad quem, manter a decisão de facto proferida em 1ª instância, considerando os factos provados no item 11., 17. a 21. e 26 da respectiva decisão de facto, subsumindo-os ao direito aplicável, outrossim, existe contradição entre a decisão de facto atinente à matéria provada, alterada pelo Tribunal a quo, e a respectiva fundamentação, importando nulidade nos termos do art.º 615º do Código de Processo Civil?

II. 2. Da Matéria de Facto

Reapreciada a decisão de facto, foi considerada demonstrada a seguinte facticidade:

“1. Pela ap. 835 de 2012/04/16, afigura-se registada a aquisição a favor de AA e BB, por compra a DD e ..., do prédio urbano sito na Rua Dr. Campos Monteiro, composto por casa de dois pavimentos, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo 899.

2. O prédio enunciado em 1) confronta de poente com o Largo do Sagrado Coração de Jesus, de nascente com a Rua ... e ... com o prédio mencionado em 11).

3. O imóvel referenciado em 1) é constituído por duas habitações distintas, uma colocada num plano superior, a nascente, e outra num plano inferior a poente, construídas há pelo menos quarenta anos.

4. A habitação no plano inferior a poente é constituída por piso 0, piso 1 e terraço no piso 2.

5. O piso 0 é constituído por uma garagem com 17 m2, quarto com 7,73 m2 e hall.

6. Existe em tal imóvel uma outra habitação, no plano superior, sita a Nascente, com ligação directa ao terraço que encima a habitação sita no plano inferior a Poente e já aqui descrita.

7. Os autores e ante-possuidores do imóvel descrito em 1) usam há mais vinte ou mais anos, a habitação na sua totalidade, nela dormindo, comendo, limpando, pintando, arrendando o imóvel e os quartos a hóspedes.

8. Usando a garagem citada em 5), nela metendo os seus haveres, lenha, carros, bicicletas, sempre de forma permanente e contínua.

9. Actos estes feitos à vista de toda a gente, sendo de conhecimento público o seu uso, estando por isso os ante-possuidores e actuais proprietários convictos de estar a exercer um direito próprio.

10. A habitação referida em 6) tem a Norte uma janela com as dimensões aproximadas de 80cmx95cm, a qual se apresenta tapada com tijolos, que deita directamente para o lado Norte.

11. No espaço para arrumos (garagem) indicado em 17) existem tubagens e uma instalação eléctrica que provém do imóvel descrito em 1).

12. Na garagem citada em 5), existem cabos eléctricos e tubos galvanizados de canalização de água que se interligam com o espaço referido em 11).

13. A porta de acesso do imóvel enunciado em 1) ao espaço referenciado em 11) situa-se na extremidade do lado direito localizada nas traseiras da placa que encima a garagem, mm referência a uma posição de entrada no imóvel.

14. Na placa que encima o espaço para arrumos (garagem) descrito em 11), verifica-se a existência de um tubo das águas pluviais que está ligado à referida garagem.

 15. Na parede do prédio mencionado em 1) que se localiza lateralmente e sobre a placa que encima o espaço enunciado em 11) existem tubagens de gás inseridas num espaço quadrado, com a forma de uma caixa, tubos de ligação à rede de ar condicionado, um tubo de ligação á rede de água e cabos de televisão.

16. Há mais de quatro, cinco ou seis gerações que o terraço citado em 4) é usado, sem qualquer interrupção e à vista de toda a gente, sem que ninguém se tivesse oposto ao seu uso, criando-se a convicção entre os vários proprietários e possuidores que exerciam um direito próprio.

17. Pela ap. 73 de 2010/06/30, apresenta-se registada a aquisição a favor de CC, por compra a ... e ..., do prédio urbano sito na Rua ... ou Rua ..., composto por casa de dois pisos e garagem descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° ....

18. No ano de 2012, a Ré iniciou obras no imóvel citado em 17), sobrepondo placa em toda a extensão da garagem descrita em 11), e encimou-a com outra placa, suportada por outras colunas, ficando esta ao nível do terraço descrito em 3), a cerca de 1 metro do mesmo.

19. No decurso das obras acima enunciadas, foi retirada uma parte da caleira que estava ligada ao prédio mencionado em 1).

B) Factos não provados

- O piso O do prédio referido em 1) a 5) integra, também, um espaço para arrumos (garagem) com 17 m2, encimado por um terraço no piso 1.

- Os autores e ante-possuidores usam, há mais vinte ou mais anos, o espaço para arrumos (garagem) citado em 11), nele metendo os seus haveres, lenha, carros, bicicletas, sempre de forma permanente.

- Da mesma forma, usando o terraço do 1.° piso, por cima da garagem e arrumos descritos em 11), nele entrando a saindo pela porta que lhe dá acesso, permanecendo nesta, sentando-se nas cadeiras e mesas que lá se colocavam na época estival.

- Actos estes feitos à vista de toda a gente, estando por isso os ante-possuidores e os Autores convictos de estar a exercer um direito próprio.

- A janela enunciada em 10) foi feita há mais de cinquenta, sessenta anos.

- Há mais de quatro, cinco ou seis gerações que aquela janela é usada, sem qualquer interrupção e à vista de toda a gente, sem que ninguém se tivesse oposto ao seu uso, criando-se a convicção entre os vários proprietários e possuidores que exerciam um direito próprio.

 - No decurso das obras supra descritas, a Ré tapou com tijolos e pelo exterior a janela enunciada em 10), destruiu uma cornija e as ligações de electricidade, água, tv e ar condicionado do prédio referenciado em 1).”

 

II. 3. Do Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

II. 3.1. O Tribunal a quo violou o princípio da oralidade e da imediação da prova, bem como, as regras da experiência comum, impondo-se a este Tribunal ad quem, manter a decisão de facto proferida em 1ª instância, considerando os factos provados no item 11., 17. a 21. e 26 da respectiva decisão de facto, subsumindo-os ao direito aplicável, outrossim, existe contradição entre a decisão de facto atinente à matéria provada, alterada pelo Tribunal a quo, e a respectiva fundamentação, importando nulidade nos termos do art.º 615º do Código de Processo Civil? (1)

O thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao Tribunal de recurso conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, excepto se as mesmas forem de conhecimento oficioso, conforme resulta da lei adjectiva civil, concretamente, do estabelecido nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, 639º, e 679º, todos do Código de Processo Civil.

Como sabemos, os poderes do Tribunal da Relação quanto à modificabilidade da decisão de facto estão enunciados no art.º 662º do Código de Processo Civil, sendo que este Tribunal não está dispensado do ónus de fundamentação da matéria de facto, mormente a aditada ou a modificada, tal como imposto pelo n.º 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil, na medida em que, a fundamentação da decisão, maxime, a de facto, para além de ser decorrência do art.º 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, consubstancia causa de legitimidade e legitimação das decisões dos Tribunais, porquanto permite ao destinatário da decisão compreender os fundamentos da decisão e os meios de prova em que eles de alicerçam.

Os Recorrentes/Autores/AA e BB, insurgem-se contra o aresto apelado, sustentando, desde logo, que deve ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, no respeitante à matéria de facto, porque nessa fixação, houve violação do princípio da oralidade e da imediação da prova, bem como, das regras da experiência comum (deixando de ser considerados os factos provados no item 11., 17. a 21. e 26 da decisão de facto da 1ª Instância), verificando-se, inclusive, contradição entre a decisão de facto e a respectiva fundamentação.

Como sabemos, o Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode, alterar tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis.

A este propósito, estatui o art.º 662º n.º 4 do Código Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, outrossim, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, com meridiana clareza, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, como é o caso dos autos, aliás aceite pelos Recorrentes, acentuando-se, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocado, e reconhecido, erro de direito, por violação de lei adjectiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.

A decisão de facto é, pois, da competência das instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta (tenha-se em atenção a previsão do art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil), pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o acórdão recorrido viole lei adjectiva, afronte disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, nomeadamente, a prova documental ou por confissão, ou que fixe a força de determinado meio de prova, por exemplo, acordo das partes, confissão, documento, com força probatória plena.

Revertendo ao caso sub iudice, e uma vez cotejadas as conclusões apresentadas pelos Recorrentes/Autores/AA e BB, reconhecemos, com facilidade, que a impugnação da decisão de facto, contende com a circunstância de, em sua opinião, o Tribunal recorrido ter deixado de valorar correctamente, os meios de prova trazidos a Juízo, sujeito à livre apreciação do Tribunal, sendo que, em momento algum, os Recorrentes/Autores/AA e BB invocam, ter o acórdão recorrido afrontado disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova para a demonstração dos respectivos factos, ou que fixe a força de determinado meio de prova, por exemplo, documento com força probatória plena, enquanto erro de direito, conquanto tenham invocado, embora genericamente, a omissão de fundamentação e contradição entre a decisão de facto e a respectiva fundamentação, a entender como invocação de erro de direito, uma vez que o Tribunal recorrido não está dispensado do ónus de fundamentação da matéria de facto, tal como imposto pela lei adjectiva civil, na decorrência da Constituição da República Portuguesa.

Vejamos.

Confrontada a facticidade, pretensamente a aditar aos factos adquiridos processualmente, consignada nos enunciados item 11., 17. a 21 e 26., da decisão de facto proferida em 1ª Instância, divisamos, com clareza, que a lei não exige certa espécie de prova para a demonstração dos respectivos factos, nomeadamente, a prova documental, ou fixou força probatória plena, a determinado meio de prova apresentado em Juízo, donde, não se impõe a apreciação de qualquer erro de direito.

Na verdade, os factos desconsiderados no Tribunal a quo, concretamente: “11. O piso 0 do prédio referido em 1) a 5) integra, também, um espaço para arrumos (garagem),com 17 m2, encimado por um terraço no piso 1.

17. Os autores e ante-possuidores usam, há mais vinte ou mais anos, o espaço para arrumos (garagem) citado em 11), nele metendo os seus haveres, lenha, carros, bicicletas, sempre de forma permanente.

18. Da mesma forma, usando o terraço do 1º piso, por cima da garagem e arrumos descritos em 11), nele entrando a saindo pela porta que lhe dá acesso, permanecendo nesta, sentando-se nas cadeiras e mesas que lá se colo cavam na época estival.

19. Actos estes feitos à vista de toda a gente, estando por isso os ante-possuidores e os Autores convictos de estar a exercer um direito próprio.

20. A janela enunciada em 10) foi feita há mais de cinquenta, sessenta anos.

21. Há mais de quatro, cinco ou seis gerag3es que aquela janela é usada, sem qualquer interrupção e à vista de toda a gente, sem que ninguém se tivesse oposto ao seu uso, criando-se a convicção entre os vários proprietários e possuidores que exerciam um direito próprio.

26. No decurso das obras descritas em 11), a Ré tapou mm tijolos e pelo exterior a janela enunciada em 10), destruiu uma cornija e as ligações de electricidade, água, tv e ar condicionado do prédio referenciado em 1)”, não exigem, para a respectiva demonstração, certa espécie de prova, exigida por lei, nomeadamente, a prova documental que encerre prova plena, importando sublinhar que com a introdução de novas regras adjectivas civis, sobre o regime legal disciplinador da admissão e reapreciação da prova trazida a Juízo, é inequívoco que na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª Instância, enquanto efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição, permitindo destacar que a reapreciação da prova, em segunda Instância, configura, efectivamente, um novo julgamento.
O que está em causa, é a reapreciação da prova, tendo a Relação valorada a mesma, de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeita, como, aliás, se impunha, tendo elaborado, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que não está em causa qualquer erro de direito, na apreciação dos apresentados meios de prova, conforme já adiantamos, tendo afirmado os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.

Tudo visto, ao reconhecermos, neste particular, a não invocação de qualquer erro de direito, na apreciação da decisão de facto, concluímos que este Tribunal ad quem, não pode sindicar o modo como a Relação decidiu sobre a impugnação da decisão de facto, ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação.

Outrossim, este Supremo Tribunal de Justiça, permitam-nos que, desde já, o adiantemos, não pode reconhecer a invocada nulidade da decisão de facto, conforme é reclamado pelos Recorrentes/Autores/AA e BB, ao sustentarem a oposição entre a decisão de facto atinente à matéria provada, alterada pelo Tribunal a quo, e a respectiva fundamentação, se não mesmo omissão de fundamentação, importando nulidade nos termos do art.º 615º do Código de Processo Civil.

Atentemos.

O Código Processo Civil enumera, imperativamente, no n.º 1, do seu art.º 615º, aplicável ex vi artºs. 666º e 679º todos do Código de Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão.

Os vícios determinantes da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que afectam formalmente o acórdão e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

Considerando o objecto do recurso atinente à invocada nulidade do acórdão recorrido, descortinamos e queremos esclarecer que os Recorrentes/Autores/AA e BB invocam a nulidade do aresto recorrido, quanto à decisão da matéria de facto que o Tribunal a quo foi chamado a reapreciar.

A este propósito reconhecemos não ser confundível o vício traduzido na oposição entre a fun­damentação e a decisão plasmada no acórdão, a determinar o vício da nulidade do mesmo, e o vício da decisão de facto, reputada de contraditória, cuja consequência e regime está estabelecido no artº. 662º, nº. 2, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.

A decisão sobre a matéria de facto e de direito, no anterior Código Processo Civil, consubstanciavam procedimentos processuais, não só espaçados no tempo, como encerravam distinta natureza, sendo que na decisão de facto, consignavam-se os factos julgados provados e aqueloutros julgados não provados, e, em sede de motivação, concretizavam-se os elementos probatórios, condição essencial para demonstrar a bondade do julgamento, mencionando-se, outrossim, os fundamentos que conduziram e estribaram a formação da convicção do Tribunal (artº. 653º, nº. 2, do anterior Código de Processo Civil), ao passo que, ao apreciar a questão de direito e consequente decisão, ao julgador bastava-lhe indicar os factos julgados provados, a subsumir juridicamente.

De igual modo, conforme estabelecido no anterior direito adjectivo civil, eram distintos os vícios da decisão sobre a matéria de facto em confronto com os vícios da sentença, pois, no que respeitava à decisão de facto, estabelecia-se que a decisão podia padecer de quatro vícios, a saber, a deficiência da resposta, a obscuridade da resposta, a contradição entre as respostas e a falta de moti­vação da decisão.

Levado a cabo a leitura da decisão de facto, os mandatários das partes podiam, assim, reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta da sua motivação, importando ao Tribunal decidir das reclamações apresentadas (artº. 653º, nº. 4, do anterior Código de Processo Civil).

Acaso aqueles vícios da decisão de facto não fossem objecto de reclamação e/ou não fos­sem atalhados pelo Tribunal recorrido e, mesmo assim, fosse proferida sentença com a decisão da matéria de facto a padecer de tais vícios, cabia à parte suscitá-los no recurso da sentença, impug­nando a decisão de facto.

Nesta circunstância, deduzida a impugnação da decisão de facto, e acaso estivesse em causa, a falta ou insuficiência da motivação da decisão, o Tribunal de recurso podia, a requerimento dos intervenientes processuais, determinar que o Tribunal recorrido a fundamentasse devidamente (artº. 712º, nº. 5, do anterior Código de Processo Civil) e, uma vez suprida a omissão/insuficiência da fundamentação da decisão de facto, era conhecido o objecto do recurso, ao passo que, se o invocada vício, consistisse em deficiência, obscuridade ou contradição da decisão, o Tribunal de recurso confrontava-se com duas possibilidades, na medida em que, se no processo estivessem todos os elementos probatórios que serviram de fundamento à decisão, devia proceder à correcção da decisão, admitindo na matéria de facto as modificações correspondentes, avançando para a apreciação do objecto do recurso, porém, acaso o Tribunal de recurso não acomodasse a totalidade desses ele­mentos, impunha-se anular a decisão proferida, voltando os autos à 1a Instância para repetição do julgamento na parte afectada (artº. 712º, nº 4, do anterior Código de Processo Civil).

De todo o modo, a sentença não era nula, podia era existir um vício (prévio à sentença e prejudicial em relação a ela), vicio este exclusivo da própria decisão de facto, cujos efeitos ou eram sanáveis, pela Relação, ou por aperfeiçoamento incidental da 1.ª Instância, ou não eram supridos, determinando o retorno à fase do julgamento.

Como vemos, a omissão de fundamentação da decisão de facto, não importava o regime estabelecido no artº. 659º, nº. 2, e artº. 668º, nº. 1, alínea d), do anterior Código de Processo Civil, mas o estatuído no artº. 712º, nº. 5, do anterior Código de Processo Civil, que versava, concretamente, sobre a circunstância de a decisão sobre a matéria de facto estar ou não devidamente fundamentada.

A reforma do direito adjectivo civil, impôs significativas alterações à estrutura do processo declarativo comum, designadamente, quanto ao momento da decisão de facto, conforme se colhe da Exposição de Motivos da proposta de Lei nº. 113/XII, ao consignar ser “na própria sentença, em sede de fundamentação de facto, que o juiz deverá declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, por referência à prova produzida, por um lado, e por referência aos demais elementos dos autos, por outro”, donde, o aludido art.º 653º, do anterior Código Processo Civil, deixou de ter correspondência no novo Código de Processo Civil, e o artº. 607º, do novo Código de Processo Civil, condizente ao artº. 659º, do anterior Código Processo Civil, estatui regras sobre a decisão de facto e respectiva motivação.

Por outro lado, no que tange às causas de nulidade da sentença, o novo diploma adjectivo, manteve tal como eram até então definidas, as causas de nulidade da sentença (artº. 615º, do novo Código de Processo Civil e artº. 668º do anterior Código de Processo Civil).

Anotamos aqui, sublinhando, que a exemplo do que já se verificava no regime prevenido no anterior Código de Processo Civil (nºs. 4, e 5 do artº. 712º, do anterior Código de Processo Civil), a actual lei adjectiva civil, permite que a Relação possa conhecer dos erros ou vícios da decisão da matéria de facto, podendo anular a decisão da 1ª Instância, quando, não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o Tribunal de 1ª Instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

No que ao caso interessa, podemos adiantar que se a decisão de facto que incorpora a sentença, padecer de falta de motivação da decisão, ou seja deficiente, obscura ou contraditória, seguir-se-á o regime estabelecido no art.º 662º, nº. 2, alínea d) e c), do Código de Processo Civil, importando, à parte interessada, no recurso da sentença, impugnar a decisão da matéria de facto e sustentar a presença desses vícios, cumpridos que sejam as regras atinentes à impugnação da decisão de facto.

Como já adiantamos, a decisão da lª Instância, sobre a matéria de facto, só pode ser alterada pela Relação nos casos estabelecidos no art.º 662º, do Código de Processo Civil, importando, no entanto, que a respectiva reapreciação seja fundamentada e que encerre um discurso congruente, sob pena de erro de direito, ao afrontar disposição expressa na lei adjectiva civil, na medida em que, como já avançamos, o Tribunal da Relação, não está dispensado do ónus de fundamentação da matéria de facto, mormente a aditada ou a modificada, tal como imposto pelo n.º 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil,

Colhemos do consignado dispositivo adjectivo civil, que impõe o ónus da fundamentação da decisão, maxime, a de facto, a causa de legitimidade e legitimação das decisões dos Tribunais, proporcionando ao destinatário da decisão entender a razão da decisão e os meios de prova em que a mesma se sustenta.

O discurso decisório tem que encerrar a explicação da razão por que decide de determinada maneira, explicação esta que deverá conduzir, logicamente, ao resultado adoptado, ao cabo e ao resto, a decisão de facto precisa de especificar os respectivos fundamentos, a par de que estes devem ser congruentes, justificando a decisão acolhida, importando inteligibilidade, sob pena de erro de julgamento.

Escrutinada a reapreciação da decisão de facto, divisamos que o Tribunal a quo revelou ter interiorizado que a qualidade de qualquer decisão de direito está associada, de modo inexorável, ao julgamento de facto, evidenciando, neste particular, uma decisão que valorou os meios de prova, tendo fundamentado a decisão da matéria de facto, não adquirindo processualmente (item 11., 17. a 21. e 16), no que ao caso sub iudice intressa, sem deixar de destacar uma ajustada e completa análise crítica das provas trazidas em Juízo, com transparente consignação das razões decisivas para a formação da convicção do Tribunal, concretizando, para o efeito, os atinentes elementos probatórios, concluindo, a propósito:

“Em resumo, da conjugação dos meios de prova produzidos, concretamente do teor das descrições prediais com o depoimento da testemunha DD, anterior proprietário do prédio dos Autores, o qual confirmou que a garagem faz parte integrante do prédio da Ré, tendo-a utilizado com a autorização da respectiva dona, afigura-se-nos que não podia ser dado como provada a matéria vertida nos pontos 11, 17, 18, 19, 20, 21 e 26 que se refere à utilização das referidas garagem, terraço que a encima e janela, há mais de vinte anos, pelos sucessivos donos do imóvel dos Autores, com a convicção de serem os legítimos proprietários. Deve ser mantida, com base na inspecção ao local, e depoimentos das testemunhas supra mencionadas a factualidade referente às ligações existentes na garagem, cortadas pela testemunha DD e não pela Ré”, cumprindo, assim,  a exigência constitucional - art.º 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa - e legal – artºs. 154º, 607º e 663º, todos do Código de Processo Civil.

A decisão de facto não deixou de plasmar, fazendo referência bastante, à respectiva fundamentação, sustentada num discurso inteligível, atenta a explicação da razão por que se decidiu da maneira consignada, sendo perceptível que os fundamentos invocados pelo Tribunal recorrido, que aqui, nos dispensamos de reproduzir, conduziram, logicamente, à decisão de facto, decorrendo daqui, inexistir qualquer vício que encerre um desvalor que exceda o erro de julgamento, soçobrando a invocação de erro de direito na reapreciação da decisão de facto.

Assim, não podendo este Tribunal ad quem, alterar a decisão de facto da Relação, consignada no aresto recorrido, sendo esta pretensão, atinente à reclamada censura da reapreciação da matéria de facto, a questão essencial que suporta o interposto recurso de revista, temos como adequada a subsunção jurídica sentenciada, mantendo-a.

Ao perfilhamos o entendimento que vimos de discorrer, reconhecemos, na consequente improcedência da argumentação aduzida nas alegações trazidas à discussão pelos Recorrentes/Autores/AA e BB, não merecer censura a decisão em escrutínio.

IV. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes/Autores/AA e BB.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Janeiro de 2019   

Oliveira Abreu (Relator)

 Ilídio Sacarrão Martins

Maria dos Prazeres Beleza

(A redacção deste acórdão não obedeceu ao novo acordo ortográfico)