Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1739/22.5S5LSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CONCURSO DE INFRACÇÕES
ROUBO AGRAVADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 04/03/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :

I – Estando em causa uma situação de concurso de crimes (artigos 30.º, n.º 1, e 77.º do CP), pode o STJ conhecer, em recurso, de todas as questões de direito relativas à pena única aplicada aos crimes em concurso e às penas aplicadas a cada um deles, englobadas naquela pena única, inferiores àquela medida, se impugnadas (AFJ n.º 5/2017, DR I, de 23.6.2017).

II – No acórdão recorrido foi o arguido condenado pela prática de 4 crimes de roubo qualificado, puníveis com penas de 3 a 15 anos de prisão, aplicando, a dois deles, penas de 3 anos e 2 meses de prisão, e aos outros dois, praticados em coautoria, penas de 3 anos e 6 meses de prisão.

III – Da fundamentação da decisão recorrida resulta que todas as circunstâncias invocadas pelo recorrente a seu favor foram consideradas na determinação da medida da pena.

IV – Não se mostra provado que as vítimas tivessem sido previamente selecionadas por, na perceção do arguido, se apresentarem como mais frágeis e com menor capacidade para oferecerem resistência; embora tal se possa conjeturar, dos factos provados apenas resulta que a vontade de assaltar as vítimas se formou nos momentos em que estas foram avistadas.

V – Embora comprovada, a mencionada «sintomatologia de privação de consumo de cocaína/crack» no momento da prática dos factos não se mostra caraterizada nem concretizada, no respeitante à sua relação ou interferência na formação, alteração ou execução da vontade.

VI – Em sentido favorável ou, pelo menos, no sentido da não agravação, se deve avaliar a circunstância de os crimes, que requerem violência ou ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física de uma pessoa, ou pondo-a na impossibilidade de resistir (artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal), serem levados a efeito sem ofensa à integridade física, embora em sentido negativo se deva considerar o grau das ameaças, pelo meio usado e pelo modo da sua utilização.

VII – Particularmente significativas são as circunstâncias, decididamente favoráveis ao arguido, relativas ao comportamento posterior aos factos, em particular a assunção da responsabilidade pelos crimes praticados, o pedido de desculpas às vítimas e a iniciativa de compensação dos danos causados pelos crimes, bem como a confissão integral dos factos e a contribuição para a sua descoberta, com especial relevância ao nível da prevenção especial, São insignificantes as consequências patrimoniais dos crimes e das condições pessoais, sociais e familiares mencionadas no relatório social extrai-se que estas se mostram também consideravelmente favoráveis à ressocialização.

VIII – Não se surpreendem elementos que permitam constituir base de um juízo de discordância relativamente às penas aplicadas, de 3 anos e 2 meses de prisão, próximas do seu limite mínimo. Justifica-se, porém, uma ligeira intervenção corretiva quanto às penas aplicadas aos crimes praticados em coautoria, que se fixam em 3 anos e 4 meses de prisão, procedendo o recurso nesta parte.

IX – Os crimes, de natureza idêntica e realizados de forma similar, foram, todos eles, praticados num curto período temporal, de 2 dias, surgindo como factos isolados na vida do arguido, num contexto de carência ou abstinência de produtos estupefacientes, geradores de elevado grau de dependência física e psíquica, de cujo consumo se mostra iniciado um processo ainda frustrado de afastamento, os valores dos objetos e valores não são significativos e não foram produzidas lesões físicas às vítimas. Vistos no seu conjunto, os factos não revelam uma tendência criminosa, o que, a existir, teria particular peso de agravamento na determinação da pena conjunta, como fator atinente à personalidade.

X – O comportamento posterior destinado a reparar as consequências dos crimes, com arrependimento efetivo manifestado nos pedidos de desculpas aceites pelas vítimas e na compensação monetária espontaneamente efetuada, bem como as condições pessoais, familiares e económicas do arguido justificam a formulação de um juízo de prognose positivo quanto ao comportamento futuro do arguido, sem cometer crimes.

XI – Ponderando, em conjunto, os factos, na sua globalidade, e a personalidade manifestada na sua prática, justifica-se uma redução da medida da pena, que se fixa em 5 anos de prisão. Tendo em conta o disposto no artigo 50.º do CP, justifica-se a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 5 anos, com regime de prova assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, a definir pelo tribunal da condenação, tendo em particular atenção a relação dos factos com o consumo de produtos estupefacientes e com sujeição à obrigação de tratamento da toxicodependência.

Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 1739/22.5S5LSB.L1.S1

3.ª Secção

ACÓRDÃO

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso do acórdão de ........2023, proferido pelo tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de Lisboa (...), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que o condenou:

a) na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, no dia ... de ... de 2022, de 1 (um) crime de roubo qualificado p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b), e 204.º n.º 2, alínea f), do Código Penal [BB];

b) na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, no dia ... de ... de 2022, de 1 (um) crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal [CC];

c) na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, no dia ..., de 1 (um) crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal [DD];

d) na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, no dia ... de ... de 2022, de 1 (um) crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal [EE];

Em cúmulo jurídico, pelo cometimento destes crimes, na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

2. Discordando do decidido quanto à medida das penas aplicadas, apresenta motivação que termina com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. O arguido considera que o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 2 do Artigo 40.º e Artigo 71.º, ambos do Código Penal, incorrendo em erro de aplicação ao caso concreto.

2. O recorrente considera que o Tribunal a quo atentou a todas as circunstâncias concretas em sede de aplicação do disposto no n.º 2 do Artigo 71.º do Código Penal.

3. Porém, por um lado, entende que o Tribunal não ponderou corretamente, em sede de determinação da pena, o facto de se encontrar abstinente do consumo de estupefacientes em meio prisional.

4. Por outro, a pena aplicada a cada um dos crimes pelos quais foi condenado mostra-se ligeiramente excessiva e desproporcional face à culpa, às exigências de prevenção e às circunstâncias atinentes ao n.º 2 do Artigo 71.º do C.P.

5. Tendo em conta que os factos praticados pelo arguido se inserem num momento de forte dependência de privação do consumo de cocaína/crack (maxime facto 38 da matéria de facto dada como provada), o Tribunal a quo abordou (e bem, leia-se) a temática da toxicodependência do arguido e verifique o estado atual do arguido.

6. Entendeu que “Já FF, abandonou os seus hábitos de consumo, mas encontra-se preso em estabelecimento prisional (sendo de admitir que não encontre droga para consumo) (...)” (sublinhado nosso).

7. O que nos parece que se traduziu numa desvalorização desta abstinência, pelo facto de o arguido no Estabelecimento Prisional.

8. Porém, a prática dos Tribunais e a própria leia demonstram o contrário.

9. A título de exemplo, em sede de execução da pena de prisão, os reclusos são submetidos a testes de despiste de consumo de substâncias estupefacientes para poderem vir beneficiarem de qualquer saída de licença jurisdicional ou até antes de serem afeto a um posto laboral e antes de ser analisado o seu pedido de licença jurisdicional.

10. Existem até Unidades Livres de Drogas nos estabelecimentos prisionais (cfr. site da DGRSP https://dgrsp.justica.gov.pt/Justi%C3%A7a-de-adultos/Penas-e-medidas-privativas-de-liberdade/Sa%C3%BAde/Unidades-livres-de-droga)

11. O Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro consagra uma agravação do tipo do crime de tráfico de estupefacientes no seu Artigo 24.º para casos da prática do crime dentro de estabelecimentos prisionais e uma curta pesquisa da Internet permite-nos identificar diversas notícias relativas à introdução e à venda de estupefacientes dentro de estabelecimentos prisionais.

12. Pelo que não deveria ter sido retirada importância ao facto de o arguido se encontrar abstinente quando se encontra num estabelecimento prisional.

13. Trata-se de uma demonstração de capacidade de enfrentar as adversidades inerentes à sua condição de recluso, sem recurso a substâncias psicotrópicas e, assim, as exigências de prevenção especial são menos moderadas do que aquilo que o Tribunal concluiu que seriam – o que reclama uma redução da pena aplicada a cada um dos crimes.

14. Resulta da matéria de facto dada como provada que a conduta do recorrente é circunscrita a dois dias e num momento em que se encontrava “com sintomatologia de privação de consumo de cocaína/crack” (facto 38).

15. Estamos perante um arguido sem antecedentes criminais, dotado de reconhecido prestígio na sua área profissional (artista plástico), com formação superior e com um forte apoio familiar.

16. O arguido é um renomado artista plástico reconhecido a nível plástico.

17. O arguido confessou integralmente os factos, ressarciu as vítimas em data anterior ao julgamento, contribuiu para a descoberta da verdade material e mostrou sincero arrependimento.

18. É nossa convicção que as circunstâncias em que o crime foi praticado (que se inserem numa única ocasião relacionada com o consumo de uma das substâncias mais aditivas - crack), o passado do arguido, a sua inserção familiar e social não foram devidamente ponderados para efeitos de determinação da pena.

19. Mesmo mantendo a pena parcelar de cada um dos crimes, deverá a pena única aplicada ser menor.

20. O arguido, para além da família que se encontra totalmente disponível para o apoiar em liberdade, dispõe competências académicas e profissionais que certamente o ajudarão a retomar a sua vida longe do mundo da droga – o que atenua as exigências especiais que se fazem sentir, não havendo necessidade de aplicar ao arguido pena tão gravosa como aquela que foi aplicada.

21. O arguido deve ser tratado como um doente e não como um delinquente, pois ficou demonstrado que os factos foram praticados num momento de extrema dependência química.

22. Ademais, inexiste motivo para o recorrente ser condenado numa pena superior quanto aos dois crimes de roubo praticados em coautoria, pois a sua conduta e gravidade foi exatamente a mesma e porque o coarguido GG nem chegou a sair do veículo onde se encontrava.

23. Parece-nos, assim, que a medida da pena excedeu a medida da culpa e a gravidade das circunstâncias da conduta do arguido.

24. Consideramos que a aplicação de uma pena, para cada um dos crimes, no limite da moldura penal (em 3 anos de prisão) revela-se suficiente para assegurar as finalidades de punição, para efeitos do disposto no Artigo 71.º do Código Penal, ao contrário do que sucedeu.

25. Em cúmulo jurídico, deverá o arguido ser condenado numa pena de 5 anos de prisão.

26. A ausência de condenações averbadas no seu no CRC do arguido, o seu passado de trabalho artístico reconhecido, o apoio incondicional da sua família e o juízo de autocensura demonstrado (através do ressarcimento às vítimas, do pedido de desculpas formulado e da confissão integral dos factos) permitem elaborar um juízo de prognose favorável ao seu comportamento futuro, sendo de suspender a pena de prisão, nos termos do disposto no artigo 50.º do Código Penal.

27. Em face do exposto, o Tribunal a quo, ao condenar o arguido na pena de 6 anos de prisão, com base nos fundamentos supra expostos, viola o disposto no n.º2 do Artigo 40.º, o Artigo 71.º e o Artigo 77.º, todos do Código Penal, devendo antes condenar o arguido numa pena de prisão junto no limite mínimo aplicável ao caso concreto (em 3 anos quanto a cada crime) e, em cúmulo, em 5 anos de prisão que deverá ser suspensa na sua execução, sujeitando-se o arguido a um regime de prova, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 50.º e 53.º do Código Penal).

28. Caso assim não se entenda quanto à suspensão da referida pena, deverá o recorrente ser condenado numa pena de 4 anos e 9 meses de prisão efetiva.

29. Já se for de manter as penas aplicadas a cada um dos crimes, cremos que, pelos mesmos motivos atrás expostos quando se pugnou pela redução da pena aplicada a cada um dos crimes, o Recorrente deverá ser condenado, em cúmulo, numa pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução também com base nos mesmos fundamentos supra indicados. (não o tendo feito, o Tribunal violou o Artigo 77.º do Código Penal).»

3. O Ministério Público, pela Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido, apresentou resposta, no sentido da improcedência do recurso, dizendo, em síntese, que «foram ponderadas todas as circunstâncias que militam a favor e contra o arguido, as quais foram devidamente escalpelizadas no acórdão condenatório, sem que mereçam qualquer censura», que «qualquer reação criminal de cariz mais benevolente não satisfaria já, suficientemente, nem as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização nem de prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico», que não invoca factos concretos de que resulte evidenciada a desproporcionalidade das penas, e que «estamos perante um facto ilícito típico cuja gravidade no plano das consequências se situa num patamar elevado, sendo que o grau de culpa do arguido é também muito acentuado» e não «perante um caso em que a simples censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena pudessem ainda realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade (artigo 40.º do Código Penal)», não se justificando a suspensão da execução da pena.

4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido consistente e proficiente parecer, também no sentido da improcedência do recurso, com abundantes considerações de ordem geral e doutrinária sobre o sistema de determinação das penas, dizendo (transcrição parcial, nas partes diretamente relacionadas com os factos dos autos):

«Os crimes cometidos e pelos quais o arguido/recorrente veio a ser condenado são crimes de roubo agravado que, de forma homogénea, dois deles em autoria material e dois em coautoria, resultaram agravados em função da circunstância de o agente/agentes terem atuado trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta (cf. artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal), sendo o conceito de arma aquele que normativamente consta do artigo 4.º, do DL n.º 48/95, de 15 de março.

Em concreto, atendendo à finalidade das penas, incluindo a pena única, há que atender e ponderar a proteção dos bens jurídicos protegidos pela norma de comportamento que prevê a punição de cada um dos roubos agravados […] e que, no caso, corresponde a bens jurídicos plúrimos, pois trata–se não só da proteção da propriedade, mas também da liberdade e segurança das pessoas, com inerente ofensa ilegítima aos direitos constitucionalmente ressonantes de salvaguarda da integridade física e psíquica ou moral das pessoas vítimas.

Todo esse quadro de tutela jurídica subjacente ao crime de roubo e à pluriofensividade dos bens ou valores jurídicos referidos exige que, na determinação da medida concreta da pena a aplicar, dentro da moldura abstrata prevista, se devam considerar o grau da lesão do património e da liberdade e segurança individuais das vítimas, com relevo para o desvalor da ação e do resultado e respetivos reflexos no juízo de culpa ou reprovabilidade da conduta em concreto, bem como no entendimento da personalidade do agente revelada no facto.

Vejamos:

O nível de motivação do arguido perante o complexo bem jurídico-penal protegido não só foi insuficiente (o arguido não se motivou a agir de modo normativamente adequado em obediência à proibição de roubar com uso de arma aparente ou oculta e à inviolabilidade da integridade física e psíquica das vítimas, bem como do seu legítimo património), como o cometimento reiterado de roubos homólogos sugere que a motivação insuficiente emerge como resultado de alguma anomia ou falta de ressonância emocional quanto ao valor e significado social da integridade patrimonial e física ou psíquica das vítimas, à proibição de roubar e à desvinculação ao inerente dever-ser, como se a proibição de roubar não o vinculasse e se desse a si próprio a liberdade de violar a propriedade e a integridade física e psíquica das vítimas, pondo acima desses limites a sua necessidade egocêntrica de satisfazer a toxicodependência.

Sem dúvida que o arguido tinha e tem o direito e a liberdade de adotar o estilo de vida que melhor o realiza, ainda que esse direito, por natureza, não seja absoluto. Porém, impunha–se– lhe, e impõe–se–lhe, o dever de, no exercício dessa liberdade, não causar dano aos outros, como veio a causar, para mais de forma deliberada, reiterada e com a especial gravidade que o quadro jurídico-penal assinala aos crimes especialmente violentos, como é o caso do roubo.

Há que ponderar que a prevenção geral corporizada na ameaça de uma pena de 3 a 15 anos de prisão por cada um dos roubos imputados e confessados não funcionou e, seguindo-se a condenação do arguido pelos quatro crimes de roubo agravado, teremos que avaliar a sua culpa para individualizar a pena concreta dentro daquela moldura legal, que será o seu limite também concreto, e ter ainda em conta as exigências de prevenção geral positiva na execução da pena, fazendo–o em relação a cada um dos crimes, para depois o fazer em relação à pena única.

Centrando-nos na culpa, cujo conceito ou definição não se encontra positivada no Código Penal, ela traduz-se na reprovabilidade da conduta que recai sobre o agente por não ter agido conforme ao direito (infidelidade ao direito), sendo conceito há muito pacificamente consensual na jurisprudência, que o tem positivado enquanto juízo de censura dirigido ao arguido, porquanto pressupõe no agente – neste arguido em concreto – a liberdade necessária para se determinar de acordo com a proibição legal do crime de roubo e mesmo assim agiu contra a proibição legal; e fê-lo em moldes que reclamam um juízo severo de censura, onde não pode deixar de se incluir o facto de ter selecionado as vítimas pelo critério do sexo e da idade, todas mulheres e por via disso mais “frágeis”, mais “indefesas”, menos “resistentes” e, portanto, segundo esse seu juízo, mais vulneráveis (conforme confessou) e, sobretudo, por via dos seguintes fatores:

1. No que se refere aos factos relativos ao NUIPC 1739/22.5S5LSB:

⎯ O desvalor da ação, com reflexos ponderativos tanto na ilicitude, como na culpa e na personalidade revelada no facto (lado objetivo e subjetivo do facto), é bastante elevado por o arguido ter agido

de surpresa e assim aproveitando a indefesa da vítima BB quando esta circulava apeada, apontando–lhe uma faca ao abdómen, zona vital do corpo da vítima, apta a neutralizar eventual reação, depois arrancando–lhe a mala com um puxão, cumulando, assim, meios violentos e de agressão iminente, devidamente selecionados, para a consecução calculada dos seus propósitos;

pondo–se em fuga no veículo, que facilitou tanto a aproximação dissimulada, quanto melhor garantiu a fuga do local;

circunstâncias que acentuam consideravelmente a ilicitude, como não podem deixar de se refletir no juízo de censurabilidade por o arguido se ter assegurado da eficácia dos meios empregados nos seus propósitos criminosos.

⎯ O desvalor do resultado, também com reflexos ponderativos tanto na ilicitude, como na culpa e na personalidade revelada no facto (lado objetivo e subjetivo do facto), também se mostra com relativa gravidade, pois

a conduta do arguido foi adequada a fazer sofrer na vítima intimidação de grau intenso, que se traduziu contemporaneamente numa eficaz neutralização da sua capacidade de defesa ou reação, causando transtorno emocional grave que o tribunal e o próprio arguido reconheceram à vítima;

apropriou–se de bens e valores de montante superior a 102,00€uros, facto que o recorrente confessou, o que coloca o desvalor do resultado na vertente patrimonial em relativo grau de pouca gravidade, embora contrapesado pela apropriação das chaves de casa da vítima contidas na mala roubada por serem bens normalmente de valor crítico para a segurança pessoal e patrimonial de qualquer pessoa.

⎯ Ainda no âmbito da culpa, o dolo é direto e os sentimentos manifestados na prática do roubo revelam o completo desprezo pelos bens jurídicos pessoais e patrimoniais violados.

A pena concreta aplicada pelo tribunal recorrido a este crime foi a de 3 anos e 2 meses de prisão, portanto, quase no mínimo abstrato da moldura aplicável.

Tenha–se em conta que o crime de roubo cometido, já por si, é dos crimes que maior alarme e insegurança causam, e que maior temor e consequências físicas e psicológicas, por vezes insuperáveis, causam às suas vítimas e, por isso, é tido, normativamente, como integrando o conceito de criminalidade especialmente violenta – artigo 1.º alínea l) do Código de Processo Penal – e leva à qualificação das vítimas desse tipo de crimes como “vítimas especialmente vulneráveis” – artigo 67.º-A n.º 3 do Código de Processo Penal, a que a nossa ordem jurídica concede especial proteção.

No caso concreto foram tidas em conta as atenuantes com relevo sensível, designadamente, a ausência de antecedentes criminais registados no nosso país; a de no momento da prática dos factos estar com sintomatologia de privação de consumo de estupefacientes; o ter pedido desculpa a esta vítima; o ter compensado monetariamente a vítima do roubo; estar familiarmente integrado e beneficiar de apoio incondicional da mãe, ainda que a família se encontre no Brasil; estar também profissionalmente integrado e deter prestígio como ...; demonstrar consciência da ilicitude dos atos imputados; ter confessado os factos.

O tribunal recorrido teve em conta as elevadíssimas exigências de prevenção geral, as reduzidas exigências de prevenção especial, face à ausência de antecedentes criminais, porém, contrabalançadas pela dependência de estupefacientes, a intensidade da culpa, ainda que se deva ter em conta o quadro de dependência do consumo de estupefacientes que condicionou a sua atuação; a não elevada ilicitude no que se refere ao valor dos objetos subtraídos, o modo de execução não sofisticado do roubo, o circunscrito período temporal em que o crime foi cometido por referência aos demais roubos (dois dias), a par com o arrependimento demonstrado.

Face ao que se expôs, a pena concreta aplicada respeita os princípios constitucionais da intervenção mínima, da proporcionalidade das penas e da igualdade, e sobretudo o princípio da culpa, pois a realização da justiça penal num Estado de Direito democrático tanto se alcança na proibição da punição sem culpa ou para além da culpa (nulla poena sine culpa), como se cumpre por meio de uma punição adequada dos culpados, quando necessária for para salvaguarda do interesse púbico subjacente ao respeito pelo Direito do próprio Estado (nulla culpa sine poena).

Afigura-se-nos, assim que, de forma suficiente, na determinação da medida da pena, o tribunal a quo alicerçou-se corretamente na consideração da culpa e da prevenção como princípios regulativos dessa medida, e foi fiel à medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto.

2. No que se refere aos factos relativos ao NUIPC 2340/22.9PKLSB:

⎯ O desvalor da ação, com reflexos ponderativos tanto na ilicitude, como na culpa e na personalidade revelada no facto (lado objetivo e subjetivo do facto), é ainda de grau elevado, e não menor por comparação com o anterior, por o arguido ter agido

de surpresa e assim aproveitando a indefesa da vítima CC quando esta circulava apeada, exibindo–lhe uma faca que apontou ao abdómen da vítima, apta a neutralizar eventual reação, depois tirando– lhe a mala;

pondo–se em fuga no veículo, que facilitou tanto a aproximação dissimulada, quanto melhor garantiu a fuga do local,

a vítima tentou evitar que o arguido fugisse do local ao colocar–se em frente à viatura daquele, mas antecipou o risco de atropelamento pelo arguido, pelo que foram cumulados, assim, meios violentos de intimidação, devidamente selecionados, para a consecução calculada dos seus propósitos;

circunstâncias que acentuam a ilicitude, como não podem deixar de se refletir no juízo de censurabilidade por o arguido se ter assegurado da eficácia dos meios empregados nos seus propósitos criminosos.

⎯ O desvalor do resultado, também com reflexos ponderativos tanto na ilicitude, como na culpa e na personalidade revelada no facto (lado objetivo e subjetivo do facto), também se mostra com relativa gravidade, pois

a conduta do arguido foi adequada a fazer sofrer na vítima intimidação de grau intenso, que se traduziu contemporaneamente numa eficaz neutralização da sua capacidade de defesa ou reação, causando transtorno emocional grave que o tribunal e o próprio arguido reconheceram à vítima;

apropriou–se de bens e valores monetários, estes no montante pelo menos de 200,00€, sendo a apropriação das chaves de casa e do veículo da vítima contidas na mala roubada bens normalmente de valor crítico para a segurança pessoal e patrimonial da vítima, o que coloca o desvalor do resultado na vertente patrimonial em relevante grau de gravidade.

⎯ Ainda no âmbito da culpa, o dolo é direto e os sentimentos manifestados na prática do roubo revelam o completo desprezo pelos bens jurídicos pessoais e patrimoniais violados.

Observando–se a regra formal de justiça, que consiste em tratar os casos semelhantes de forma idêntica, a pena concreta aplicada pelo tribunal recorrido a este crime foi também a de 3 anos e 2 meses de prisão, portanto, quase no mínimo abstrato da moldura aplicável.

Tenha–se em conta que o crime de roubo cometido, já por si, é dos crimes que maior alarme e insegurança causam, e que maior temor e consequências físicas e psicológicas, por vezes insuperáveis, causam às suas vítimas e, por isso, é tido, normativamente, como integrando o conceito de criminalidade especialmente violenta – artigo 1.º alínea l) do Código de Processo Penal – e leva à qualificação das vítimas desse tipo de crimes como “vítimas especialmente vulneráveis” – artigo 67.º-A n.º 3 do Código de Processo Penal, a que a nossa ordem jurídica concede especial proteção.

No caso concreto foram tidas em conta as atenuantes com relevo sensível, designadamente, a ausência de antecedentes criminais registados no nosso país, de no momento da prática dos factos estar com sintomatologia de privação de consumo de estupefacientes, ter pedido desculpa a esta vítima, o ter compensado monetariamente a vítima do roubo, estar familiarmente integrado e beneficiando de apoio incondicional da mãe, ainda que a família se encontre no Brasil, estar também profissionalmente integrado e deter prestígio como ..., demonstrar consciência da ilicitude dos atos imputados, ter confessado os factos.

O tribunal recorrido teve em conta as elevadíssimas exigências de prevenção geral, as reduzidas exigências de prevenção especial, face à ausência de antecedentes criminais, porém, contrabalançadas pela dependência de estupefacientes, a intensidade da culpa, ainda que se deva ter em conta o quadro de dependência do consumo de estupefacientes que condicionou a sua atuação, a não elevada ilicitude no que se refere ao valor dos objetos subtraídos, o modo de execução não sofisticado do roubo, o circunscrito período temporal em que o crime foi cometido por referência aos demais roubos (dois dias), a par com o arrependimento demonstrado.

Face ao que se expôs, a pena concreta aplicada respeita os princípios constitucionais da intervenção mínima, da proporcionalidade das penas e da igualdade, e sobretudo o princípio da culpa, pois a realização da justiça penal num Estado de Direito democrático tanto se alcança na proibição da punição sem culpa ou para além da culpa (nulla poena sine culpa), como se cumpre por meio de uma punição adequada dos culpados, quando necessária for para salvaguarda do interesse púbico subjacente ao respeito pelo Direito do próprio Estado (nulla culpa sine poena).

Afigura-se-nos, assim que, de forma suficiente, na determinação da medida da pena, o tribunal a quo alicerçou-se corretamente na consideração da culpa e da prevenção como princípios regulativos dessa medida, e foi fiel à medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto.

3. No que se refere aos factos relativos ao NUIPC 1295/22.4POLSB:

⎯ O desvalor da ação, com reflexos ponderativos tanto na ilicitude, como na culpa e na personalidade revelada no facto (lado objetivo e subjetivo do facto), é ainda de grau elevado, e não menor por comparação com os anteriores, por o arguido ter agido

juntamente com um coautor, o que era adequado a facilitar ainda mais a consecução do roubo por via da repartição de tarefas e redução da capacidade de defesa da vítima,

de surpresa e assim aproveitando a indefesa da vítima DD quando esta circulava apeada, agarrando–lhe o pescoço e encostando–lhe uma faca à nuca, apta a neutralizar eventual reação, depois arrancando– lhe a mala, cumulando, assim, meios violentos de intimidação, devidamente selecionados, para a consecução calculada dos seus propósitos;

pondo–se em fuga no veículo, que facilitou tanto a aproximação dissimulada, quanto melhor garantiu a fuga do local;

circunstâncias que acentuam a ilicitude, como não podem deixar de se refletir no juízo de censurabilidade por o arguido se ter assegurado da eficácia dos meios empregados nos seus propósitos criminosos.

⎯ O desvalor do resultado, também com reflexos ponderativos tanto na ilicitude, como na culpa e na personalidade revelada no facto (lado objetivo e subjetivo do facto), também se mostra com relativa gravidade, pois

a conduta do arguido foi adequada a fazer sofrer na vítima intimidação de grau intenso, que se traduziu contemporaneamente numa eficaz neutralização da sua capacidade de defesa ou reação e que viveu uma situação traumática, que descreveu em julgamento, com repercussões ainda presentes;

apropriou–se de bens e valores monetários, superiores a 102,00€uros, facto que o recorrente confessou, o que coloca o desvalor do resultado na vertente patrimonial em relativo grau de pouca gravidade, mas contrabalançado pelo facto de com a mala terem sido roubadas três chaves de casa e do local de trabalho da vítima, bens normalmente de valor crítico para a segurança pessoal e patrimonial da vítima e eventualmente de terceiros.

⎯ Ainda no âmbito da culpa, o dolo é direto e os sentimentos manifestados na prática do roubo revelam o completo desprezo pelos bens jurídicos pessoais e patrimoniais violados.

A pena concreta aplicada pelo tribunal recorrido a este crime foi a de 3 anos e 6 meses de prisão, um pouco mais grave que as antecedentes, mas ainda quase no mínimo da moldura abstrata aplicável.

Tenha–se em conta que o crime de roubo cometido, já por si, é dos crimes que maior alarme e insegurança causam, e que maior temor e consequências físicas e psicológicas, por vezes insuperáveis, causam às suas vítimas e, por isso, é tido, normativamente, como integrando o conceito de criminalidade especialmente violenta – artigo 1.º alínea l) do Código de Processo Penal – e leva à qualificação das vítimas desse tipo de crimes como “vítimas especialmente vulneráveis” – artigo 67.º-A n.º 3 do Código de Processo Penal, a que a nossa ordem jurídica concede especial proteção.

No caso concreto foram tidas em conta as atenuantes com relevo sensível, designadamente, a ausência de antecedentes criminais registados no nosso país, de no momento da prática dos factos estar com sintomatologia de privação de consumo de estupefacientes, ter pedido desculpa a esta vítima, o ter compensado monetariamente a vítima do roubo, estar familiarmente integrado e beneficiando de apoio incondicional da mãe, ainda que a família se encontre no Brasil, estar também profissionalmente integrado e deter prestígio como ..., demonstrar consciência da ilicitude dos atos imputados, ter confessado os factos.

O tribunal recorrido teve em conta as elevadíssimas exigências de prevenção geral, as reduzidas exigências de prevenção especial, face à ausência de antecedentes criminais, porém, contrabalançadas pela dependência de estupefacientes, a intensidade da culpa, ainda que se deva ter em conta o quadro de dependência do consumo de estupefacientes que condicionou a sua atuação, a não elevada ilicitude no que se refere ao valor dos objetos subtraídos, o modo de execução não sofisticado do roubo, o circunscrito período temporal em que o crime foi cometido por referência aos demais roubos (dois dias), a par com o arrependimento demonstrado, tendo no caso diferido em mais 3 meses a pena concreta aplicada em função – julga–se – da agravante geral da atuação conjunta quanto ao modo de execução.

Face ao que se expôs, a pena concreta aplicada respeita os princípios constitucionais da intervenção mínima, da proporcionalidade das penas e da igualdade, e sobretudo o princípio da culpa, pois a realização da justiça penal num Estado de Direito democrático tanto se alcança na proibição da punição sem culpa ou para além da culpa (nulla poena sine culpa), como se cumpre por meio de uma punição adequada dos culpados, quando necessária for para salvaguarda do interesse púbico subjacente ao respeito pelo Direito do próprio Estado (nulla culpa sine poena).

Afigura-se-nos, assim que, de forma suficiente, na determinação da medida da pena, o tribunal a quo alicerçou-se corretamente na consideração da culpa e da prevenção como princípios regulativos dessa medida, e foi fiel à medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto.

4. No que se refere aos factos relativos ao NUIPC 1513/22.9PLLSB:

⎯ O desvalor da ação, com reflexos ponderativos tanto na ilicitude, como na culpa e na personalidade revelada no facto (lado objetivo e subjetivo do facto), é ainda de grau elevado, e não menor por comparação com os anteriores, por o arguido ter agido

juntamente com um coautor, o que era adequado a facilitar a facilitar ainda mais a consecução do roubo por via da repartição de tarefas e pela diminuição da capacidade de defesa da vítima,

de surpresa e assim aproveitando a indefesa da vítima EE quando esta parqueara a sua viatura, apontando–lhe uma faca, apta a neutralizar eventual reação, depois apropriando–se da mala da vítima, selecionando o meio de intimidação adequado à consecução calculada dos seus propósitos;

pondo–se em fuga no veículo, que facilitou tanto a aproximação dissimulada, quanto melhor garantiu a fuga do local;

circunstâncias que acentuam a ilicitude, como não podem deixar de se refletir no juízo de censurabilidade por o arguido se ter assegurado da eficácia dos meios empregados nos seus propósitos criminosos.

⎯ O desvalor do resultado, também com reflexos ponderativos tanto na ilicitude, como na culpa e na personalidade revelada no facto (lado objetivo e subjetivo do facto), também se mostra com relativa gravidade, pois

a conduta do arguido foi adequada a fazer sofrer na vítima intimidação de grau intenso, que se traduziu contemporaneamente numa eficaz neutralização da sua capacidade de defesa ou reação, causando transtorno emocional grave que o tribunal e o próprio arguido reconheceram à vítima;

apropriou–se de bens e valores monetários, designadamente um telemóvel no valor de 579,00€, sendo a apropriação das chaves do veículo usado pela vítima, que não recuperou, bens normalmente de valor crítico para a autonomia e segurança pessoal e patrimonial da vítima ou de quem é seu proprietário, o que coloca o desvalor do resultado na vertente patrimonial em relevante grau de gravidade..

⎯ Ainda no âmbito da culpa, o dolo é direto e os sentimentos manifestados na prática do roubo revelam o completo desprezo pelos bens jurídicos pessoais e patrimoniais violados.

A pena concreta aplicada pelo tribunal recorrido a este crime foi também a de 3 anos e 6 meses de prisão, portanto, também quase no mínimo abstrato da moldura aplicável.

Tenha–se em conta que o crime de roubo cometido, já por si, é dos crimes que maior alarme e insegurança causam, e que maior temor e consequências físicas e psicológicas, por vezes insuperáveis, causam às suas vítimas e, por isso, é tido, normativamente, como integrando o conceito de criminalidade especialmente violenta – artigo 1.º alínea l) do Código de Processo Penal – e leva à qualificação das vítimas desse tipo de crimes como “vítimas especialmente vulneráveis” – artigo 67.º-A n.º 3 do Código de Processo Penal, a que a nossa ordem jurídica concede especial proteção.

No caso concreto foram tidas em conta as atenuantes com relevo sensível, designadamente, a ausência de antecedentes criminais registados no nosso país, de no momento da prática dos factos estar com sintomatologia de privação de consumo de estupefacientes, ter pedido desculpa a esta vítima, o ter compensado monetariamente a vítima do roubo, estar familiarmente integrado e beneficiando de apoio incondicional da mãe, ainda que a família se encontre no Brasil, estar também profissionalmente integrado e deter prestígio como ..., demonstrar consciência da ilicitude dos atos imputados, ter confessado os factos.

O tribunal recorrido teve em conta as elevadíssimas exigências de prevenção geral, as reduzidas exigências de prevenção especial, face à ausência de antecedentes criminais, porém, contrabalançadas pela dependência de estupefacientes, a intensidade da culpa, ainda que se deva ter em conta o quadro de dependência do consumo de estupefacientes que condicionou a sua atuação, a não elevada ilicitude no que se refere ao valor dos objetos subtraídos, o modo de execução não sofisticado do roubo, o circunscrito período temporal em que o crime foi cometido por referência aos demais roubos (dois dias), a par com o arrependimento demonstrado, tendo no caso diferido em mais 3 meses a pena concreta aplicada em função – julga–se – da agravante geral da atuação conjunta quanto ao modo de execução.

Face ao que se expôs, a pena concreta aplicada respeita os princípios constitucionais da intervenção mínima, da proporcionalidade das penas e da igualdade, e sobretudo o princípio da culpa, pois a realização da justiça penal num Estado de Direito democrático tanto se alcança na proibição da punição sem culpa ou para além da culpa (nulla poena sine culpa), como se cumpre por meio de uma punição adequada dos culpados, quando necessária for para salvaguarda do interesse púbico subjacente ao respeito pelo Direito do próprio Estado (nulla culpa sine poena).

Afigura-se-nos, assim que, de forma suficiente, na determinação da medida da pena, o tribunal a quo alicerçou-se corretamente na consideração da culpa e da prevenção como princípios regulativos dessa medida, e foi fiel à medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto.

Posto isto, no que se refere à pena única aplicável ao concurso de crimes, a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça entende, em conformidade com a lei (artigo 77.º, do Código Penal), que a moldura do concurso de crimes – no caso é a de 3 anos e 6 meses a 13 anos e 4 meses de prisão – tem especificidades pela maior latitude em relação às penas parcelares dos crimes singulares, das quais é uma síntese, a que acresce nova e específica fundamentação a par com a que assenta no disposto no artigo 71.º do Código Penal.

Importa, assim, fazer atuar uma visão de conjunto dos factos provados, identificar conexões objetivas e subjetivas na sua prática em conjunto com os demais critérios legais enunciados, que servem de quadro e de síntese das exigências de prevenção geral e especial.

No caso concreto, feito o crivo normativo pelo conjunto dos factos e pela personalidade do agente, dever–se–á considerar que:

⎯ A pluralidade de crimes (quatro) de roubo ocorreu no período temporal circunscrito de 2 dias.

⎯ O modus operandi foi similar nos dois grupos de casos, diferindo um do outro apenas quanto à autoria singular e à coautoria em cada grupo de casos.

⎯ Parece–nos haver pluriocasionalidade e não modo de vida ou tendência criminosa.

⎯ Importa ainda dar registo do arrependimento demonstrado e da ausência de antecedentes registados no nosso país.

Este enquadramento da pena única e dos critérios que lhe subjazem, sendo estes apenas reportados aos factos apreciados, em conjunto, e à personalidade do agente, não negligencia, nem pode negligenciar, toda a ponderação que foi efetuada quanto à determinação concreta das penas parcelares e que ficaram, como se viu, praticamente, no mínimo possível da moldura abstrata aplicável (3 anos), tendo refletido, certamente, todas as atenuantes relativas às condições pessoais do recorrente, a par com a ponderação do lado subjetivo dos factos.

Em todo o caso, a tal inserção familiar, profissional e social do recorrente, as suas competências para a autoanálise e a “capacidade” para aferir a ilicitude dos seus atos, naturalmente à posteriori do seu cometimento, não impediram o arguido de cometer os crimes graves que cometeu, nem foi capaz de resistir à recaída no consumo de drogas duras – que vem desde os seus 25 anos de idade, com um alegado intervalo de abstinência com tratamento –, e que o conduziu ao cometimento destes quatro crimes de roubo.

Daí que, a par com as necessidades de prevenção especial, se tenha que fazer refletir na pena única as elevadas exigências de prevenção geral, por via do necessário reforço da consciência jurídica comunitária, no que respeita ao sentimento de segurança face à violação das normas penais, que impõem, como acima se referiu, que o direito penal não possa ser inútil e incapaz de proteger bens jurídicos e de prevenir a criminalidade especialmente violenta, ainda que seja o último recurso, mas deva servir, através da pena, para clarificar a reprovabilidade do facto típico-ilícito e demonstrar uma censura adequada por condutas reprováveis que, no caso de quatro crimes de roubo agravados pelo uso de arma, são especialmente reprováveis.

A pena única aplicada ficou aquém do meio da moldura abstrata aplicável ao concurso dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado, pelo que refletir ainda mais peso às atenuantes gerais na pena única concreta aplicada representaria um desequilíbrio manifesto e incompreensível com a devida proteção de bens jurídicos, enquanto finalidade principal das penas, sendo certo que também a par dela se deve atender à reintegração tão rápida quanto possível do arguido em sociedade, através do cumprimento efetivo da pena aplicada, que não é excessiva.

Julgamos que a decisão recorrida, na determinação da pena única, fez uma ponderação global de acordo com as melhores soluções possíveis, se tivermos por boa a orientação sustentada por Paulo Pinto de Albuquerque que, no comentário ao artigo 77.º do Código Penal sugere a seguinte operação:

“Em regra, a ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade é feita nos seguintes termos: tratando–se de uma personalidade mais gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave metade (ou, em casos excecionais, dois terços) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso; tratando–se de uma personalidade menos gravemente desconforme ao Direito, o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave um terço (ou, em casos excecionais, um quarto) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso.”

Vale isto por dizer que, no caso concreto, avaliando o resultado à luz do critério de ponderação que o referido autor sugere, o tribunal recorrido aditou à pena concreta mais grave (3 anos e 6 meses) menos de um terço de cada uma das demais 3 penas parcelares aplicadas (menos de 1 ano, ou seja, ± 10 meses), o que permite concluir que, na pena única aplicada, o tribunal acabou por refletir o pressuposto de que a personalidade do arguido é menos gravemente desconforme ao Direito, senão mesmo um “caso excecional”.

Sendo um resultado admissível e justificado, que deve ser mantido por respeito à proibição da reformatio in pejus, todos os argumentos esgrimidos pelo recorrente perdem pertinência, pois a decisão recorrida já reflete a tese que defende.

Concluindo e repetindo o que se disse em relação a cada uma das penas parcelares, a pena única aplicada respeita os princípios constitucionais da intervenção mínima, da proporcionalidade das penas e da igualdade, e sobretudo o princípio da culpa, pois a realização da justiça penal num Estado de Direito democrático tanto se alcança na proibição da punição sem culpa ou para além da culpa (nulla poena sine culpa), como se cumpre por meio de uma punição adequada dos culpados, quando necessária for, para salvaguarda do interesse púbico subjacente ao respeito pelo Direito do próprio Estado (nulla culpa sine poena).

Afigura-se-nos, assim que, de forma suficiente, na determinação da medida da pena, o tribunal a quo alicerçou-se corretamente na consideração da culpa e da prevenção como princípios regulativos dessa medida, e foi fiel à medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto, refletindo também na pena única os critérios legais com a necessária ponderação.

Neste contexto, por fim, não estando preenchido o pressuposto formal de condenação em pena de prisão não superior a 5 anos, não há que ponderar a respetiva suspensão.

Acompanham-se, deste modo, as alegações do Ministério Público na 1.ª instância, não se mostrando, a nosso juízo, violados os preceitos legais invocados pelo recorrente.

4.2. Conclusão:

Em conformidade, somos de parecer que o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.»

5. Notificado nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido apresentou a sua resposta, «dando por inteiramente reproduzidos os argumentos aduzidos em sede de recurso».

6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso seguiu para conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Decidindo.

II. Fundamentação

Factos provados

7. O tribunal coletivo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

«Acusação Pública

NUIPC 1739/22.5S5LSB

1. No dia .../.../2022, pelas 21h50, o arguido AA circulava na viatura Ford Fiesta, com a matrícula ..-..-GG, na ..., junto ao n.º..., em ... [art. 1.º];

2. Ao avistar a ofendida decidiu fazer seus os bens e o dinheiro que a ofendida BB, que aí circulava apeada, tivesse na sua posse, se necessário com o recurso à força física [art. 2.º];

3. Para o efeito, o arguido parou a viatura, aproximou-se e abordou a ofendida, apontando uma faca ao abdómen da mesma e, ao mesmo tempo, arrancou-lhe com um puxão a mala de pele de cobra, que a mesma trazia, contendo no seu interior dois cartões bancários da CGD, um de débito e um de crédito, um Iphone de cor cinzenta, um gravador, um conjunto de chaves da sua residência e uma nota de €20,00 [art. 3.º];

4. Na posse dos bens da ofendida, de valor não concretamente apurado mas superior a €102,00, considerando os bens subtraídos e o valor médio de mercado, o arguido saiu do local na viatura ligeira que conduzia na direção da ... [art. 4.º];

5. Na posse do cartão de débito da ofendida da CGD, na mesma noite, pelas 22h17 e 22h57, o arguido, em duas ocasiões distintas, efetuou compras, respetivamente, no ..., no valor de €5,00, via “contactless” e no ..., sito no ..., no valor de €21,00 [art. 5.º];

6. O arguido tentou efetuar uma nova compra no valor de €5,00 no ... na ..., em ..., pelas 00h35 do dia seguinte, mas tal operação foi bloqueada [art. 6.º];

7. O arguido agiu com o propósito de se apropriar dos bens e dinheiro da ofendida, que sabia não lhe pertencerem e que agia contra a vontade da sua legítima proprietária [art. 7.º];

8. Mais sabia o arguido que ao apontar uma faca na direção do abdómen da ofendida a constrangia a não reagir face ao que pretendia fazer [art. 8.º];

9. O arguido atuou com o propósito de retiram e se apropriar dos objetos de valor e do numerário que a ofendida trazia consigo, bem sabendo que não lhe pertenciam e que o fazia contra a vontade da legitima proprietária, e não se inibindo de utilizar a violência necessária e a ameaça de uma faca para concretizar os seus intentos [art. 9.º];

10. Mais atuou com a intenção de usar o cartão de débito da ofendida para fazer pagamentos e assim causar prejuízo à ofendida, o que logrou conseguir em duas ocasiões [art. 10.º];

11. Na terceira ocasião, o arguido não logrou concretizar o pagamento porque a ofendida já tinha solicitado o cancelamento do cartão à instituição bancária [art. 11º];

NUIPC 2340/22.9PKLSB (incorporado fls. 30-A e ss)

12. No dia .../.../2022, pelas 8h00, o arguido AA circulava no interior da viatura ligeira de passageiros, de marca ..., matrícula ..-..-GG na Av. Infante Dom Henrique, após o viaduto de ... no sentido ..., em ..., quando decidiu fazer seus os bens e o dinheiro que a ofendida CC, que se deslocava apeada nessa artéria, tivesse na sua posse, se necessário com o recurso à força ... [art. 12.º];

13. Para o efeito, o arguido parou a viatura onde seguia junto à ofendida, aproximou-se dela, abordou-a e exibiu-lhe uma faca, ao mesmo tempo que lhe tirou a sua bolsa, que tinha no seu interior o seu cartão de cidadão, um cartão bancário do Novo Banco, o documento único automóvel, as chaves de casa, as chaves da sua viatura de matrícula AF-..-UD e €200,00 em numerário [art. 13.º];

14. Na posse dos bens da ofendida, o arguido saiu do local naquela viatura ligeira de passageiros, na direção da ... [art. 14.º];

15. A ofendida ainda se colocou na frente da viatura conduzida pelo arguido com o objetivo de evitar que o mesmo fugisse do local, mas ao perceber que o arguido poderia atropelá-la, acabou por o deixar seguir [art. 15.º];

16. Mais sabia o arguido que ao apontar uma faca na direção do abdómen da ofendida a constrangia a não reagir face ao que pretendia fazer [art. 16.º];

17. O arguido atuou com o propósito de retiram e se apropriar dos objetos de valor e do numerário que a ofendida trazia consigo, bem sabendo que não lhe pertenciam e que o fazia contra a vontade da legitima proprietária, e não se inibindo de utilizar a violência necessária e a ameaça de uma faca para concretizar os seus intentos [art. 17.º];

NUIPC 1295/22.4POLSB (incorporado fls.40 e ss)

18. No dia .../.../2022, entre as 7h30 e as 8h00, o arguido AA juntamente com o arguido HH circulavam no interior da viatura do primeiro na Av. Santo Condestável, no sentido ascendente, em ..., quando decidiram, em conjugação de esforços e intentos fazer seus os bens e o dinheiro que a ofendida DD, que se deslocava apeada nessa artéria, tivesse na sua posse, se necessário com o recurso à força física, com vista a conseguirem quantias monetárias para aquisição de produto estupefaciente de ambos [art. 18.º];

19. Para o efeito, o arguido FF parou a viatura onde seguiam, junto à ofendida, saiu da viatura e aproximou-se dela [art. 19.º];

20. Ato contínuo, disse-lhe o seguinte: “a bolsa, a bolsa” e, de imediato, agarrou o pescoço daquela e encostou-lhe uma faca à nuca [art. 20.º];

21. Após, arrancou a bolsa que a ofendida tinha no ombro, que tinha no seu interior o seu telemóvel, de valor não concretamente apurado mas superior a €102,00, o seu cartão de cidadão, um cartão de débito da CGD, €20,00, duas cadernetas da CGD, um par de óculos graduados e três chaves da sua residência e local de trabalho [art. 21.º];

22. Na posse dos bens da ofendida, os arguidos abandonaram o local naquela viatura ligeira de passageiros, na direção à rotunda da ... [art. 22.º];

23. Na posse do cartão de débito da CGD subtraído à ofendida, os arguidos dirigiram-se ao ... e usaram o cartão da ofendida e tentaram adquirir bens no valor de €14,90 euros, e no valor de €9,00 no ... Infante D. Henrique, em ..., não o logrando conseguir porque o cartão tinha sido cancelado pelas 08h41 do mesmo dia 28 [art. 23.º];

24. Os arguidos atuaram em conjugação de esforços e intentos, na execução de um plano delineado por ambos com o propósito de retirarem e se apropriarem dos objetos de valor e do numerário que a ofendida trazia consigo, bem sabendo que não lhes pertenciam e que o faziam contra a vontade da legitima proprietária, e não se inibindo de utilizarem a violência necessária e a ameaça de uma faca para concretizar os seus intentos [art. 24.º];

25. Mais atuaram com a intenção de usar o cartão de débito da ofendida para fazer pagamentos e assim causar prejuízo à ofendida, o que apenas não lograram concretizar porque a ofendida já tinha solicitado o cancelamento do cartão à instituição bancária [art. 25.º];

NUIPC 1513/22.9PLLSB (incorporado fls.57-A e ss)

26. No dia .../.../2022, entre as 11h30 e as 11h40, o arguido AA juntamente com o arguido HH circulavam no interior da viatura de matrícula ..-..-GG na ..., junto ao n..., em ..., quando decidiram, em conjugação de esforços e intentos, fazer seus os bens e o dinheiro que a ofendida EE, que tinha acabado de estacionar nessa artéria, tivesse na sua posse, se necessário com o recurso à força ... [art. 26.º];

27. Para o efeito, o arguido FF parou a viatura onde seguia junto à ofendida, saiu da viatura e aproximou-se dela [art. 27.º];

28. Acto contínuo, disse-lhe o seguinte: “oi tudo bem” e, de imediato, retirou do bolso uma faca que apontou na direção da ofendida [art. 28.º];

29. Após, tirou-lhe uma bolsa, que tinha no seu interior o seu telemóvel, da marca “OPPO”, modelo RENO 8, no valor de €579,00, um cartão bancário do BPI, um cartão de alimentação da empresa e as chaves da sua viatura pessoal [art. 29.º];

30. Na posse dos bens da ofendida, os arguidos abandonaram o local naquela viatura ligeira de passageiros, na direção da ... [art. 30.º];

31. Nesse mesmo dia, na posse do cartão bancário da ofendida, o arguido FF juntamente com o arguido HH, deslocaram-se Posto de combustível da Galp, sito na ..., em ..., e usaram o referido cartão para executarem quatro pagamentos de compras, entre as 11h48 e as 12h11, no valor total de € 86,73 [art. 31.º];

32. Os arguidos atuaram em conjugação de esforços e intentos e na execução de um plano delineado por ambos, com o propósito de retirarem e se apropriar dos objetos de valor e do numerário que a ofendida trazia consigo, bem sabendo que não lhes pertenciam e que o faziam contra a vontade da legitima proprietária, e não se inibindo de utilizarem a violência necessária e a ameaça de uma faca para concretizar os seus intentos [art. 32.º];

33. Os arguidos ao efetuarem quatro pagamentos com o cartão bancário da ofendida atuaram com a intenção de usar o cartão de débito da ofendida para fazer pagamentos e assim causar prejuízo à ofendida, o que lograram concretizar [art. 33.º];

34. Os arguidos atuaram sempre de forma livre, deliberada e consciente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei [art. 34.º];

35. Pelas 12h30 do dia .../.../2022, os arguidos FF e II foram intercetados a circular na ..., em ..., sendo que o primeiro se encontrava ao volante da viatura de matrícula ..-..-GG e o segundo no lugar do pendura., trazendo uma faca em tudo semelhante à utilizada nos ilícitos [art. 35.º].

Mais se provou

36. Foi restituído pelo OPC o telemóvel que os arguidos subtraíram a EE que também foi ressarcida pelo banco dos valores das compras realizadas pelos arguidos com seu cartão bancário;

37. O arguido AA esteve internado no país de origem em clínica de desintoxicação contra a adição do uso de estupefacientes, tendo permanecido afastado do consumo durante cerca de sete anos;

38. No momento da prática dos factos, os arguidos encontravam-se com sintomatologia de privação de consumo de cocaína/crack;

39. O arguido AA apresentou um pedido de desculpas às vítimas JJ, KK e EE;

[…]

41. Em momento anterior ao início da audiência de julgamento o arguido AA procedeu a depósito autónomo no montante global de €1.400,00 (mil e quatrocentos) euros destinado ao ressarcimento dos danos causados a BB, JJ, KK e LL;

(condições pessoais, sociais e antecedentes criminais)

AA

42. Do relatório social elaborado pela DGRSP, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 370º e 1º, alínea g), do CPP, fez-se constar que:

1 – Condições pessoais e sociais

À data da instauração do presente processo, FF, natural do Brasil, encontrava-se a residir em ... desde ... em casa de um casal amigo, mantendo com esta a sua conterrânea, MM, uma relação de amizade de mais de dez anos.

Saliente-se que o arguido, ... de profissão, veio para ... em ... pelo motivo, segundo o próprio, de participar numa exposição, vindo a ser preso em .......22. Encontrava-se a trabalhar num espaço de ... no ... pertencente a essa amiga, referindo não ter problemas financeiros assumindo, contudo, ter tido uma recaída nos consumos de cocaína.

O arguido nasceu em ... no Brasil, tendo o seu processo de socialização decorrido com os progenitores e dois irmãos mais novos, referindo ter crescido num ambiente saudável e afetuoso apesar da separação dos progenitores quando tinha 15 anos de idade, e com uma situação económica medianamente confortável.

Ao nível escolar, concluiu em 2007 o ensino superior no curso de Publicidade e Propaganda trabalhando durante cerca de dez anos em fotografia publicitária e de moda, dedicando à arte de tatuar desde os seus 30 anos, referindo auferir bons rendimentos, encontrando-se autonomizado desde que terminou os seus estudos superiores.

Foi pai aos 18 anos de idade, pelo que a sua filha tem presentemente 19 anos mantendo uma relação presente e proximidade com a mesma que vive com a ex-companheira na sua cidade natal. O arguido, detém o seu núcleo familiar de origem, pais, irmãos e filha, bem como outras referências a este nível no Brasil.

No entanto, assume pretender permanecer em ..., referindo que a progenitora se deslocará para ... para assistir ao seu julgamento, e que tem condições para o apoiar.

Assume ter problemas de consumos de cocaína iniciados aos 25 anos já tendo recorrido a internamento em clínica de desintoxicação, assumindo manter, à data da sua prisão, consumos abusivos de cocaína, na sequência de uma recaída. Ao mesmo tempo, refere ter-lhe sido diagnosticado bipolaridade tendo sido acompanhado em consultas de psiquiatria e psicologia.

2 – Repercussões da situação jurídico-penal do arguido

NN, encontra-se preso preventivamente à ordem do presente processo desde 29.11.22, mantendo um comportamento de acordo com as regras institucionais.

O arguido, demonstra competências para avaliar a ilicitude que originou o processo em causa que assiste ao cometimento dos factos que está indicado, ainda que apresente um discurso centrado na sua problemática aditiva desculpabilizando-se com a recaída que justifica com a sua condição de bipolaridade.

Refere nunca ter tido qualquer contacto com o Sistema de Justiça Penal no seu país, podendo a atual privação de liberdade constituir um fator de promoção na aquisição de consciência crítica.

3 – Conclusão

Trata-se de um indivíduo natural do Brasil, oriundo de um meio sócio familiar que considera satisfatório ao nível socioeconómico e com boa integração ao nível familiar.

Ao nível pessoal, demonstra ser um individuo, aparentemente, com experiência e hábitos laborais e com possibilidade de integração profissional, bem como apoio familiar, circunstâncias que se consideram como fatores positivos no exterior.

Demonstra capacidades de autoanálise, mas, relativamente ao presente processo, apresenta uma postura de desculpabilização justificando com a problemática aditiva e a sua bipolaridade.

Neste sentido, considera-se que o futuro processo de integração de FF se encontra condicionado pela integração num programa terapêutico bem como da necessária interiorização dos normativos sociais vigentes, bem como, pelas condições familiares e sociais que irá encontrar quando em liberdade. trajeto de vida futuro autónomo e ajustado às normas sociais vigentes.

43. O arguido AA beneficia do apoio incondicional da sua mãe;

44. Desenvolve a sua actividade profissional com reconhecido prestígio;

45. É considerado uma pessoa íntegra e afectuosa pela mãe e madrinha;

46. Não tem antecedentes criminais pela prática em ... de quaisquer crimes; […]»

Âmbito e objeto do recurso

8. O recurso tem, pois, por objeto um acórdão proferido pelo tribunal coletivo que aplicou uma pena de prisão superior a 5 anos, diretamente recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça [artigo 432.º, n.º 1, al. c), do CPP]

Limita-se ao reexame de matéria de direito (artigo 434.º do CPP), não vindo invocado qualquer dos vícios ou nulidades referidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º do CPP, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de ....

O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de ........1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de ...), em vista da boa decisão de direito.

Estando em causa uma situação de concurso de crimes (artigos 30.º, n.º 1, e 77.º do Código Penal), pode este tribunal conhecer de todas as questões de direito relativas à pena conjunta aplicada aos crimes em concurso e às penas aplicadas a cada um deles, englobadas naquela pena única, inferiores àquela medida, se impugnadas (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 5/2017, DR I, de ........2017), como sucede no caso presente.

9. Em síntese, tendo em conta as conclusões da motivação do recurso, este Tribunal é chamado a apreciar e decidir da adequação e proporcionalidade das penas aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) e da pena única (conclusões 4 a 25), que o recorrente considera desproporcionais, e da possibilidade de fixação da pena única em 5 anos de prisão com suspensão de execução sujeita a regime de prova (conclusões 25 a 29).

Quanto às penas aplicadas aos crimes em concurso (penas parcelares)

10. O acórdão recorrido concluiu que o arguido praticou 4 crimes de roubo qualificado, puníveis com penas de 3 a 15 anos de prisão, aplicando, a dois deles, penas de 3 anos e 2 meses de prisão, e aos outros dois, praticados em coautoria, penas de 3 anos e 6 meses de prisão.

Procedendo à subsunção dos factos provados à previsão típica do crime de roubo agravado pela al. f) do n.º 2 do artigo 204.º ex vi artigo 210.º, n.º 2, al. b), do Código Penal (circunstância de trazer, no momento do crime, «arma aparente ou oculta»), que não vem controvertida, e de determinar a comparticipação em coautoria (artigo 26.º do CP), fundamenta a decisão de individualização da medida das penas parcelares nos seguintes termos:

«(…)

Nos termos do artigo 71.º/3 do Código Penal, “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.

No mesmo sentido, o n.º 1 do artigo 375.º do CPP prevê que “a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidem à escolha e à medida da sanção aplicada”.

Assim, enquadrada juridicamente a conduta do arguido e apurada a responsabilidade criminal, importa agora expor os fundamentos que irão presidir à medida das penas a aplicar.

A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo levar-se em conta que, nos termos previstos no artigo 40.º do CP, a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual será construído o modelo da medida da pena.

A medida da pena, além de determinada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção geral e especial, deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra aquele, devendo o Tribunal atender, nomeadamente, ao grau de ilicitude do facto, à culpa do agente, a intensidade do dolo ou negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, aos fins ou aos motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente e à sua situação económica, à conduta posterior e anterior ao facto e à falta de preparação, revelada através dos factos, para manter uma conduta conforme às prescrições ético-jurídicas.

Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado, visando o restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados.

Já pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).

Cotejando os factos do caso sub judice, e tendo em conta os princípios supra referidos, verificamos que:

- Mostram-se elevadíssimas exigências de prevenção geral (positiva e negativa) quanto aos crimes cometidos pelos arguidos, tendo em consideração a frequência do cometimento de ilícitos desta natureza, no caso concreto, em plena luz do dia, sendo essencial que a comunidade em geral, sinta a actuação eficaz do Estado, impondo-se desincentivá-las de forma eficaz, consciencializando a comunidade para o seu desvalor;

- No que concerne às exigências de prevenção especial, se antedermos apenas à ausência de antecedentes criminais dos arguidos, tenderíamos a considerá-las reduzidas. No entanto, não podemos alhear-nos, que qualquer um dos arguidos tem um passado ligado ao consumo de cocaína, […]. Já FF, abandonou os seus hábitos de consumo, mas encontra-se preso em estabelecimento prisional (sendo de admitir que não encontre droga para consumo). Com relativa facilidade, perante a falta de condições económicas para adquirirem crack, decidiriam actuar da forma considerada na fundamentação. Sendo do conhecimento comum, que um toxicodependente o será para toda a vida, que o arguido FF já teve uma recaída depois de anos afastado do consumo […], não podemos deixar de concluir terem-se por moderadas as exigências de prevenção especial quanto aos dois arguidos.

- Há que ponderar a intensidade da culpa dos agentes, que sabiam de antemão que não podiam proceder da forma como fizeram, não se tendo coibido de o fazer, conhecendo a proibição e punição da sua actuação.

No entanto, teremos que ter em consideração, a circunstância da actuação dos arguidos ter subjacente a dependência do consumo de cocaína, encontrando-se a sua capacidade de acção e da sua vontade condicionada pela dependência do consumo daquela droga (dura).

“Ainda que a toxicodependência não anule a consciência do acto nem a liberdade de acção, não isentando, por isso, a responsabilidade criminal do agente, há que reconhecer que a pressão que a satisfação do vício exerce sobre o mesmo, é susceptível de enfraquecer, de algum modo, os mecanismos de autocontrolo, com o inerente reflexo no grau de culpa” [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Março de 2017, n.º 74/16.2PAVFC.S1, 3ª secção, Relator, Rosa Tching, in www.dgsi.pt]

- No que respeita à ilicitude, não é elevada perante o valor dos objetos dos quais se apropriaram;

- O modo de execução dos crimes não revela grande sofisticação, não deixando de ser relevado que os arguidos actuaram sobre indivíduos do sexo feminino, opção que tomaram de forma voluntária, que se encontravam sozinhas;

- No entanto, não deixará de ser considerada na determinação da medida concreta da pena a concreta participação de cada um dos arguidos, sendo que foi o arguido FF quem abordava directamente as vítimas e quem actuou fisicamente sobre as mesmas.

- O arguido FF tem forte capacidade de inserção em termos profissionais, […];

- Pese embora o número de crimes, foram cometidos num período temporal de apenas dois dias;

- O arrependimento genuíno de FF (ressarcindo as vítimas na medida do que lhe foi possível, apresentando um pedido de desculpa sincero a todas elas em audiência e colaborando com o apuramento dos factos) terá necessariamente que ser relevado em seu benefício na determinação da medida concreta da pena. […]

- FF beneficia do acompanhamento incondicional dos progenitores, designadamente da mãe;

- Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais pela prática de quaisquer crimes e ambos apresentaram uma declaração confessória quanto aos factos imputados.

- Não podemos, no entanto, deixar de salientar, que FF assumiu logo no início do julgamento uma postura confessória e de arrependimento […].

Tudo ponderado, devendo a pena ser fixada em termos que constitua uma verdadeira sanção, visando a protecção dos bens jurídicos violados e a reintegração dos agentes na sociedade, não considerando o Tribunal dever distinguir as medidas concretas das penas entre os arguidos (pese embora uma participação mais censurável de FF na prática dos factos, a sua postura perante os mesmos assume uma maior preponderância em seu benefício) nem entre os crimes em si (idêntica forma de actuação) o tribunal decide aplicar as seguintes penas aos arguidos:

AA:

- 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, pela prática no dia ... de ... de 2022, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo “qualificado”, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal [BB];

- 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, pela prática no dia ... de ... de 2022, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo “qualificado”, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal [CC];

AA e OO […]

- 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática no dia ..., em coautoria material e na forma consumada, 1 (um) crime de roubo “qualificado”, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal [DD];

- 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática no dia ... de ... de 2022, em coautoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo “qualificado”, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal [EE];»

11. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que se refere às finalidades das penas, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Como repetidamente se tem afirmado (por todos, de entre os mais recentes, o acórdão de ........2023, Proc. n.º 257/13.7TCLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, que agora se segue de perto), estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, «dentro dos limites definidos na lei» – isto é, dentro da moldura abstrata da pena correspondente ao tipo de crime preenchido pelos factos provados, que corresponde ao primeiro momento de determinação da pena –, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto) – fatores relativos à execução do facto, à personalidade e à conduta do agente, anterior e posterior ao facto –, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a seu favor ou contra ele considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, n.º 2, do CP, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Para avaliação das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Aqui se incluem as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização.

Como se tem sublinhado, é na determinação e na consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação, constitucionalmente impostos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição; assim, entre outros, os acórdãos de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, cit.).

12. Em síntese, discorda o arguido por entender que «a pena aplicada a cada um dos crimes pelos quais foi condenado [se] mostra ligeiramente excessiva e desproporcional face à culpa, às exigências de prevenção e às circunstâncias atinentes ao n.º 2 do Artigo 71.º do C.P», pois que «os factos praticados pelo arguido se inserem num momento de forte dependência de privação do consumo de cocaína/crack», o tribunal a quo não valorizou devidamente o facto de ter abandonado «os seus hábitos de consumo», de «se encontrar abstinente no meio prisional», a sua conduta é «circunscrita a dois dias e num momento em que se encontrava “com sintomatologia de privação de consumo de cocaína/crack”», não tem antecedentes criminais, tem «reconhecido prestígio na sua área profissional (artista plástico), com formação superior e com um forte apoio familiar», «confessou integralmente os factos, ressarciu as vítimas em data anterior ao julgamento, contribuiu para a descoberta da verdade material e mostrou sincero arrependimento».

13. Como resulta da fundamentação da decisão (supra, 10), todas estas circunstâncias foram consideradas na determinação da medida da pena, a favor do arguido, embora delas não tenha o tribunal extraído as consequências que o recorrente pretende.

Quanto ao grau de ilicitude, também vem considerado, em sentido favorável, o valor dos bens, tido por «não elevado», tendo sido recuperado o telemóvel objeto do roubo a que se refere o processo 1513/22.9PLLSB, no valor de 579,00 euros.

Diversamente, em sentido desfavorável, como nota o Ministério Público, atuam as circunstâncias relativas ao modo de execução dos crimes, mediante abordagem de surpresa de vítimas do sexo feminino, desacompanhadas, e a fuga imediata de automóvel, em que se deslocava, após a consumação da apropriação, que revelam forte intensidade da vontade criminosa. Não se mostra provado, porém, que as vítimas tivessem sido previamente selecionadas por, na perceção do arguido, se apresentarem como mais frágeis e com menor capacidade para oferecerem resistência; embora tal se possa conjeturar, dos factos provados apenas resulta que a vontade de assaltar as vítimas se formou nos momentos em que estas foram avistadas (pontos 2, 12, 18 e 26 dos factos provados).

Embora comprovada, a mencionada «sintomatologia de privação de consumo de cocaína/crack» no momento da prática dos factos não se mostra caraterizada nem concretizada, no respeitante à sua relação ou interferência na formação, alteração ou execução da vontade; porém, o tribunal a quo conferiu-lhe valor de atenuação da culpa. No mesmo sentido, ou pelo menos no sentido da não agravação, se deve avaliar a circunstância de os crimes, que requerem violência contra uma pessoa ou ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir (artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal), serem levados a efeito sem ofensa à integridade física, embora em sentido negativo se deva considerar o grau das ameaças, pelo meio usado e pelo modo da sua utilização.

O tribunal a quo atribuiu elevada relevância às exigências de prevenção geral, dado o tipo e frequência dos crimes em questão, mas não se mostra que estas ultrapassem os limites impostos pela culpa (artigo 40.º do Código Penal).

Particularmente significativas são as circunstâncias, decididamente favoráveis ao arguido, relativas ao comportamento posterior aos factos, em particular a assunção da responsabilidade pelos crimes praticados, o pedido de desculpas às vítimas e a iniciativa de compensação dos danos causados pelos crimes, com especial relevância ao nível da prevenção especial, bem como a confissão integral dos factos e a contribuição para a sua descoberta. São, pois, insignificantes as consequências patrimoniais dos crimes.

Das condições pessoais, sociais e familiares mencionadas no relatório social extrai-se que estas se mostram consideravelmente favoráveis à ressocialização.

Não procede a alegação do recorrente quando afirma não haver motivo para o arguido ser punido com pena mais elevada quanto aos crimes praticados em coautoria, apenas por essa circunstância, pois que, como resulta dos factos provados, a sua atuação, embora similar à levada a efeito nos outros crimes, mas mais censurável quanto ao crime de que foi vítima DD, agarrada pelo pescoço (facto 20), surge aqui enquadrada na realização de «esforços conjuntos» (factos 18 e 26), numa atuação em que ambos os arguidos assumem em conjunto o domínio do facto que decidiram realizar, numa situação objetiva de reforçada superioridade perante as vítimas, assegurada pela presença do coarguido. O que, embora de forma não acentuada, dada a forma que revestiu a comparticipação, agrava as circunstâncias relativas à ilicitude e à intensidade da vontade criminosa.

14. Assim, considerando a moldura das penas aplicáveis, de 3 a 15 anos de prisão, e as circunstâncias relevantes na determinação das penas, não se surpreendem elementos que permitam constituir base de um juízo de discordância relativamente às penas aplicadas, de 3 anos e 2 meses de prisão, próximas do seu limite mínimo. Justifica-se, porém, uma ligeira intervenção corretiva quanto às penas aplicadas aos crimes praticados em coautoria, que se fixam em 3 anos e 4 meses de prisão.

Pelo que, nestes termos, procede o recurso nesta parte.

Quanto à pena única

15. Realizando o cúmulo jurídico das penas aplicadas aos crimes em concurso, o tribunal a quo aplicou a pena única de 6 anos de prisão.

Fundamentou a decisão de determinação da pena única nos seguintes termos:

«Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77º, n.º 2, do Código Penal).

Tendo em conta o supra exposto, encontramos com facilidade a pena abstracta dentro da qual se situará a pena única aplicável aos arguidos:

- FF: 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática de 4 (quatro) crimes em concurso real (efectivo) roubo “qualificado”, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal; […]

A fixação da pena conjunta pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto – não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto facto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, ponderando os factos por si cometidos e a sua personalidade.

“Estabelece o art. 77.º, n.º 1, do CP que o concurso é punido com uma pena única, em cuja medida são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. E o n.º 2 acrescenta que a pena única aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares (não podendo ultrapassar 25 anos de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares.

Optou o legislador penal, na punição do concurso de crimes, por um sistema de pena conjunta, e não de pena unitária, uma vez que impôs a fixação das penas correspondentes a cada um dos crimes em concurso, e é das penas parcelares que se parte para a fixação da moldura penal do concurso (enquanto que, segundo o sistema de pena unitária, seria aplicável uma única pena ao agente, sem determinação prévia das penas referentes a cada infração)” [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de ... de ... de 2019, PP, in dgsi].

No momento da fixação da pena conjunta, a proporcionalidade e a proibição do excesso (evidente no recurso ao cúmulo material), deverá o Tribunal recorrer à ponderação entre a gravidade do comportamento ou atividade global (do concurso de crimes), as caraterísticas da personalidade do arguido e a gravidade da medida da pena conjunta no ordenamento punitivo.

Segundo J. Figueiredo Dias, na escolha da medida da pena única “tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” [“Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime”, Coimbra Editora, 3ª reimpressão, pág. 291-292, § 421].

Revertendo à situação dos autos, verificamos que é muito limitado o período da actuação do arguido.

O Tribunal não pode deixar de proceder a uma avaliação conjunta dos factos, procurando aferir a gravidade global do comportamento, sendo que os arguidos visaram a apropriação de bens com vista à posterior “troca” por crack destinado a “aliviar” os efeitos da adição que ambos padeciam.

Na determinação da pena única, terá ainda que ser relevada a personalidade do arguido FF, que revelou sincero arrependimento tendo ressarcido em parte as suas vítimas.

Assim, em face do que se deixou acima consignado, e perante o juízo de aferição das medidas concretas das penas a aplicar aos arguidos já explicitado, nunca descurando as elevadíssimas exigências de prevenção geral, o Tribunal Colectivo julga justas adequadas e proporcionais, satisfazendo as finalidades da punição, a condenação dos arguidos:

- AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão, pela prática, em concurso real (efectivo), de 4 (quatro) crimes de “qualificado”, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal;

[…]»

16. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir da moldura do concurso, para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção atrás mencionados (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, como critério especial, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração. Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, pp. 248ss; por todos, o acórdão de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S, cit. e de 16.2.2022, Proc. 160/20.4GAMGL.S1).

Recordando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal de Justiça, invocada na fundamentação do acórdão recorrido, e o que se tem consignado em acórdãos anteriores, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento. É o conjunto dos factos descritos na sentença que evidencia a gravidade do ilícito perpetrado (o “grande facto”), sendo decisiva, para a sua avaliação, a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos que constituem os tipos de crime em concurso.

Há que atender ao conjunto de todos os factos e ao fio condutor presente na repetição criminosa, estabelecendo uma relação desses factos com a personalidade do agente, ter em conta a caracterização desta pela sua projeção nos crimes praticados, levando-se em consideração a natureza dos crimes e a verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, tudo isto «tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto dos factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição emergirá antes e apenas de fatores meramente ocasionais» [assim, o acórdão de ........2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada, retomando-se o que se afirmou em anteriores acórdãos].

Repetindo uma citação recorrente, «[n]a avaliação da personalidade relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». «A personalidade do agente – se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto», – «é um factor da mais elevada importância para a medida da pena e que para ela releva, tanto pela via da culpa como pela via da prevenção» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 291).

17. Na alegação do recorrente, a pena única é excessiva porque, tendo em consideração as circunstâncias anteriormente referidas a propósito da determinação das penas parcelares, em particular as concorrentes para a determinação das necessidades de prevenção especial de ressocialização, a realização das finalidades da punição se satisfaz com uma pena inferior, de 5 anos de prisão, com suspensão de execução, ou com uma pena privativa da liberdade de 4 anos e 9 meses de prisão.

18. Ao conjunto dos quatro crimes de roubo qualificado em concurso é aplicável a pena de 3 anos e 4 meses, no seu limite mínimo, a 13 anos de prisão, no seu limite máximo.

Como se considera no acórdão recorrido, os crimes, de natureza idêntica e realizados de forma similar, foram, todos eles, praticados num curto período temporal, de 2 dias, surgindo como factos isolados na vida do arguido, num contexto de carência ou abstinência de produtos estupefacientes, geradores de elevado grau de dependência física e psíquica, de cujo consumo se mostra iniciado um processo ainda frustrado de afastamento, os valores dos objetos e valores não são significativos e não foram produzidas lesões físicas às vítimas.

Vistos no seu conjunto, os factos não revelam uma tendência criminosa, o que, a existir, teria particular peso de agravamento na determinação da pena conjunta, como fator atinente à personalidade.

O comportamento posterior destinado a reparar as consequências dos crimes, com arrependimento efetivo manifestado nos pedidos de desculpas aceites pelas vítimas e na compensação monetária espontaneamente efetuada, bem como as condições pessoais, familiares e económicas do arguido justificam a formulação de um juízo de prognose positivo quanto ao comportamento futuro do arguido, sem cometer crimes.

19. Pelo exposto, na consideração das circunstâncias anteriormente referidas, relevantes por via da culpa, a ponderar com referência ao momento da prática dos factos, e por via da prevenção, a considerar no momento da fixação da pena, nos termos do artigo 71.º, e do critério especial do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, ponderando, em conjunto, os factos, na sua globalidade, e a personalidade manifestada na sua prática, justifica-se uma redução da medida da pena, que se fixa em 5 anos de prisão.

Tendo em conta o disposto no artigo 50.º do Código Penal, segundo o qual o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, justifica-se igualmente a suspensão da execução da pena de prisão.

Dadas as circunstâncias dos factos e a sua conexão com o consumo de estupefacientes, a suspensão terá a duração de cinco anos, com regime de prova, que se considera conveniente e adequado à reintegração na sociedade, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social, nos termos dos artigos 50.º, n.ºs 2 e 5, 53.º e 54.º, a definir pelo tribunal da condenação tendo em particular atenção aquelas circunstâncias, com a obrigação de sujeição a tratamento da toxicodependência.

É, pois, procedente o recurso nesta parte.

Quanto a custas

20. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. O que não é o caso.

III. Decisão

21. Pelo exposto, acorda-se em conferência da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso e, em consequência:

a) Alterar as penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicadas aos crimes de que foram vítimas DD e EE – processos 1295/22.4POLSB e 1513/22.9PLLSB –, que se reduzem para 3 (três) anos e 4 (quatro) meses, cada uma delas;

b) Alterar a pena única, que se fixa em 5 (cinco) anos de prisão;

c) Suspender a execução da pena única pelo período de 5 anos, com regime de prova assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social, a definir pelo tribunal da condenação, tendo em particular atenção as circunstâncias dos factos e a sua relação com o consumo de produtos estupefacientes e com sujeição à obrigação de tratamento da toxicodependência.

Sem custas.

Notifique, passe de imediato mandados de libertação e comunique ao tribunal da condenação.

Supremo Tribunal de Justiça, 3 de abril de 2024.

José Luís Lopes da Mota (relator)

Ana Maria Barata de Brito

Maria Teresa Féria de Almeida