Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09B0037
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS FUTUROS
DANO PATRIMONIAL
DANO NÃO PATRIMONIAL
EQUIDADE
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
Nº do Documento: SJ20090924000377
Data do Acordão: 09/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Legislação Nacional: CC, ARTIGOS 483º, 949º, 496º, 564º, 566º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DISPONÍVEIS EM EM WWW.DGSI.PT, DE:

28 DE OUTUBRO DE 1999, PROC. Nº 99B717
23 DE MAIO DE 2000, PROC. Nº 06A1122
2 DE FEVEREIRO DE 2002, PROC. Nº 01B985
25 DE JUNHO DE 2002, PROC. 02A1321)
20 DE NOVEMBRO DE 2003, PROC. 03A3450
15 DE JANEIRO DE 2004, PROC. 03B926
5 DE FEVEREIRO DE 2004, PROC. 04B083
9 DE DEZEMBRO DE 2004, PROC. Nº 04B2990
12 DE JANEIRO DE 2006, PROC. 05B4176
8 DE MARÇO DE 2007, PROC. Nº 06B4320
4 DE DEZEMBRO DE 2007, PROC. 07A3836
14 DE FEVEREIRO DE 2008, PROC. Nº 07B508
17 DE JUNHO DE 2008, PROC. Nº 08A1266
23 DE SETEMBRO DE 2008, PROC. 07B2469
30 DE OUTUBRO DE 2008, PROC. Nº 08B2989
12 DE FEVEREIRO DE 2009, PROC. 07B4125
Sumário :
1. Para a determinação da indemnização por danos não patrimoniais ou por danos patrimoniais futuros o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso;

2. O recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção a essas circunstâncias;

3. A compensação pela perda do direito à vida assenta em razões manifestamente diversas daquelas que justificam uma indemnização por outros danos não patrimoniais, o que torna inadequada a comparação entre os montantes arbitrados;

4. Para o cálculo da indemnização correspondente a danos patrimoniais futuros, decorrentes da perda de capacidade de ganho, deve tomar-se como base o rendimento anual perdido, a percentagem da incapacidade para o trabalho, a idade ao tempo do acidente, a idade normal da reforma, o tempo provável de vida posterior e o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez.
Decisão Texto Integral:


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA instaurou contra a Companhia de Seguros T..., SA, uma acção na qual, invocando ter sido vítima de atropelamento por um tractor agrícola, de matrícula PG-...-..., e encontrar-se a correspondente responsabilidade transferida para a ré, pediu a sua condenação no pagamento de:
- € 240.000 por “incapacidade total e absoluta para o seu trabalho;
- € 70.000 por danos não patrimoniais;
- € 500,00, por “gastos com terceira pessoa”;
- € 12.000,00, por “perda salarial desde a data da ocorrência do sinistro até à data da alta clínica;
- € 885,85 por despesas médicas,
- € 100,00, por “despesas com a aquisição de material ortopédico;
- € 5.000,00 por “despesas futuras com a aquisição de material ortopédico”;
- € 135,00 por “despesas com vestuário e calçado danificado com o sinistro”;
- € 189,40, por “despesas com consultas e exames no Hospital de S. Sebastião;
- € 2.157,09 por “despesas com deslocações”.

A ré contestou, por impugnação e alegando que o autor, enquanto beneficiário da Segurança Social, “nunca poderia peticionar montante superior ao diferencial entre o alegado salário e o que estará a receber a título de subsídio por incapacidade para o trabalho”.
Na réplica, o autor veio “esclarecer que não se encontra a receber qualquer subsídio por incapacidade para o trabalho”.
Por sentença de fls. 543, a ré foi condenada a pagar ao autor a quantia de € 198.462,94, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, até integral pagamento, assim discriminada:

- € 1.175,25 por despesas médicas e com a aquisição de material ortopédico;
­- € 2.157,09 por despesas com transportes e deslocações;
- € 120,00 por despesas com vestuário e calçado danificado com o sinistro;
- € 15.210,00, por perda salarial desde a data da ocorrência do sinistro, 27 de Março de 2004, até à data da alta clínica, ocorrida em 12 de Outubro de 2005, aos quais foram deduzidos € 3.000,00, que a ré já havia pago;
- € 150.000,00 por perda da capacidade de ganho;
- € 7.800,00 por despesas futuras com a aquisição de calçado ortopédico;
- € 25.000 por danos não patrimoniais.

Foi ainda decidido que neste valor “deverá ser imputada a quantia fixada provisoriamente nos autos de providência cautelar em apenso”.

2. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls.657, foi negado provimento à apelação da ré mas concedido provimento parcial à do autor, passando para € 240.000 a indemnização por perda de capacidade de ganho e para 50.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais.
A ré foi assim condenada a pagar “a quantia de € 313,462, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.”
Novamente recorreram ambas as partes, tendo os recursos sido recebidos como revista, com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentou, o autor formulou as seguintes conclusões:
“1.ª - O recorrente também não se conforma com a fixação do montante indemnizatório arbitrado a título de danos morais;
2.ª - O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser fixado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstancias do caso que o justifiquem, não devendo esquecer-se, ainda, para evitar soluções demasiadamente marco das pelo subjectivismo, os padrões geralmente adoptados na jurisprudência.
3.ª - A reparação dos danos morais não reveste puro carácter indemnizatório, reveste também, de certo modo, carácter punitivo.
4.ª - No caso dos presentes autos, o "quantum doloris " é elevadíssimo – atingindo mesmo o seu limite máximo –, atento as dores e angústias passadas e futuras; Não menos o é o "prejuízo de afirmação social" considerando que se trato de uma pessoa, ainda jovem, sinistrado, ainda em pleno período de afirmação do sua personalidade, sendo aqui particularmente relevante a quebra na alegria de viver que integra aquele prejuízo.
E, bem assim, o "prejuízo para a saúde geral" decorrente de todos as substâncias médicas e medicamentosas que lhe foram ministradas, assim como os RX que foi sujeito, sofrendo os seus efeitos, os quais são causa do aparecimento de doenças do foro oncológico, nas regiões do corpo onde incidem os respectivos feixes.
E muito importante o chamado " pretium juventutis " dada a perda de auto-estima e a frustração da sociabilidade.
5.ª - Ora, considerando designada mente a ausência de culpa do lesado e a culpa grave do condutor do veículo desconhecido, a dimensão, multiplicidade e gravidade das lesões sofridas, a intensidade, extensão e localização das dores que suportou e naturalmente suportará de futuro, a diminuição física, tristeza, incerteza e angustia próprias do estado que vivenciou e ainda conserva, as intervenções cirúrgicas a que foi sujeito, o longo período de tratamentos que passou e que passará no futuro sem olvidar o sofrimento e diminuição psíquica própria do elevadíssimo estado de incapacidade que o molestou e perdurará num quadro de reacção depressiva prolongada, temos como actualizada e equitativa a compensação de € 70.000,00. já aqui com o pedido quanto ao dano biológico integrado.
6.ª - Por tudo, e sem olvidar todo o martírio passado pelo autor e as repercussões futuras das sequelas, estamos em crer que uma indemnização inferior ao referido montante não é justa nem ajustada à realidade sofrida pelo autor e que muito o atormentará vida fora.
7.ª - Ora, atendendo à gravidade das lesões sofridas, ao período de doença, às intervenções cirúrgicas a que foi submetido, às sequelas permanentes e ao sofrimento físico e moral, tem-se por inteiramente justo a indemnização indicado, pecando, no nosso entender, por escassa dada a dimensão dos danos.
8.ª - O Acórdão recorrido violou, neste particular, designada mente, o art.° 562.°, o n.° 2 do art.° 566.° e o n.° 3 do art.° 496.°, todos do Código Civil.”

Quanto à ré, concluiu as alegações da seguinte forma:
“1- No caso concreto e no que tange à indemnização dos danos futuros do Recorrido AA atende-se: ao tempo de vida útil/activa – 32 anos (33 anos à data do acidente e trabalhando até aos 65 anos de idade); ao grau de incapacidade para o trabalho de 100 % – (correspondente a uma Incapacidade Permanente Geral de 10% – acrescida de 5% a título de dano futuro); e, ainda, ao facto do Recorrido (que era tarefeiro – na construção civil – e madeireiro – no abate e corte de árvores) auferir € 30,00 diários, trabalhando 5 dias por semana (de segunda a sexta-feira) mais os sábados de manhã.
2 - Partindo destes dados objectivos, que são, aliás, os que resultam da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e das regras Jurisprudenciais, chegamos ao valor de € 141.558,53 (cento e quarenta e um mil quinhentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos), este sim adequado e justificável para a indemnização respeitante ao dano futuro.
3 - O acórdão recorrido operou o cálculo da Indemnização pelos danos futuros tendo em consideração, como valor de rendimento mensal do Recorrido, a quantia de € 780,00, correspondente a € 195,00 por semana, o que inclui o valor diário do almoço (€ 5,00).
4 - No entanto, não deve ser computado o valor do subsídio de alimentação para efeitos de indemnização, porquanto este subsídio se destina a compensar o trabalhador do acréscimo de despesas induzidas pela prestação de trabalho e nos dias de não trabalho não haverá lugar ao pagamento de qualquer subsídio de refeição.
5 - No cálculo da Indemnização em análise, dever-se-á ter em conta, quanto ao rendimento mensal do Recorrido, o valor de € 660,00 (que corresponde a € 165,00 x 2).
6 - O Tribunal a quo confunde "esperança de vida" com "esperança de vida activa", atribuindo os 70 anos a ambos os critérios.
7 - De acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, deve ter-se em conta que a média da vida activa em Portugal se situa entre os 20 anos (começo) e os 65 anos (fim).
8 - Não era espectável que o Recorrido viesse a ter uma vida activa para além dos 65 anos de idade, na medida em que a sua profissão habitual o obrigava a permanente esforço, quer nos membros inferiores, quer na zona abdominal
9 - A jurisprudência mais recente tem fixado em 3% e não em 22% a taxa anual de crescimento, tendo em conta a actual taxa de inflação e a média corrente de remuneração das aplicações financeiras...".
10 - Em respeito pelo Princípio da Imediação, o montante arbitrado na sentença, proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, para danos morais nunca poderia ter sido agravado no dobro, tanto mais que não existiu, sequer, recurso relativo à matéria de facto provada.
E mesmo que existisse, o recurso sobre a matéria de facto para o Tribunal da Relação não configura um novo julgamento a fim de reapreciar toda a prova produzida perante o Tribunal de Primeira Instância e que se mostra documentada no processo; destina-se, antes, a remediar erros pontuais de procedimento ou de julgamento.
11 - Face à matéria dada como provada e tendo em conta a aplicação dos critérios do art. 496° do Código Civil, o montante indemnizatório devido ao Recorrido, a título de dano não patrimonial, não deveria ser fixado em quantia superior a € 15.000,00.
12 -Todavia, se o Tribunal da 1.ª- Instância considerou que € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) é o valor adequado, atentas as características do acidente e os factores que devem ser atendidos na fixação deste tipo de quantia indemnizatória (tempo de incapacidade total – geral e especial –, quantum doloris, prejuízo estético, prejuízo de afirmação pessoal, desgosto e internamento hospitalar), não se vislumbra por que razão veio o Tribunal da Relação fixar um valor superior em dobro.
13 - O montante arbitrado pelo Tribunal Recorrido claramente extravasa os padrões comuns da nossa jurisprudência na valorização dos danos não patrimoniais.
14 - Este mesmo Supremo Tribunal de Justiça sustenta, num recente Acórdão de 22 de Janeiro de 2008, que "tendo o respectivo quantum doloris sido avaliado em 6, numa escala de 7, com períodos consideráveis de internamento, tendo ainda resultado um prejuízo estético avaliado em 3 numa escala de 7, afigura-se adequado o valor âe 35.000 € fixado pelas instâncias para ressarcir os danos não patrimoniais "(destacados nossos).
15 - No caso sub judice, o Recorrido ficou com um dano estético fixado no grau 3 e o quantum doloris foi fixado no grau 4, pelo que a indemnização arbitrada neste âmbito só poderá ser inferior a € 35.000,00.
16 - Por fim, a Recorrente discorda do montante indemnizatório referente a danos patrimoniais por lucros cessantes, sendo certo que uma justa indemnização é aquela que não deve enriquecer injustificadamente o lesado, mas sim repor a situação como se a lesão não tivesse existido.
17 - O subsídio de alimentação não poderá ser atendido para efeito da contabilização das retribuições que o Autor/Recorrido deixou de auferir, na medida em que tal subsídio não é retribuição!
18 - Assim sendo, também este valor, para efeitos de pagamento de indemnização, deverá ser contabilizado apenas com base no vencimento mensal de cerca de € 660,00, pelo que o Recorrido, durante o período de incapacidade temporária, deixou de auferir € 12.870.00 – doze mil oitocentos e setenta euros – (660,00 X 19,5) e não € 15.210,00, devendo ser arbitrado aquele valor, e não este, a título de indemnização por lucros cessantes.
19 - O acórdão da Relação do Porto viola o disposto nos artigos 496.º nº 3 e 562.º do Código Civil.
20 - O douto acórdão deve, por conseguinte, ser revogado e substituído por um outro em que se reduza para € 169.428,53 (cento e sessenta nove mil, quatrocentos e vinte e oito euros e cinquenta e três cêntimos) a condenação da Recorrente.

3. Estão definitivamente assentes os factos seguintes:
1. No dia 27 de Março de 2004, pelas 10,00 horas, na Rua Ponte do Carro, em Guifões, Matosinhos, ocorreu um atropelamento.
2. Na berma da via destinada ao trânsito, BB tripulava um tractor agrícola de marca Ford, de matrícula PG-...-..., de sua propriedade.
3. O referido veículo possuía um guincho com sapatas na sua traseira e o seu condutor estava a efectuar diversas manobras de avanço e de recuo.
4. Atrás do tractor acima identificado, encontrava-se o ora autor, igualmente posicionado na berma.
5. O condutor do PG efectuou uma manobra de marcha atrás mais longa, sem atentar na presença do autor, tendo, por via desta manobra, o guincho e as sapatas situadas na traseira do veículo colidido violentamente com a perna esquerda do autor.
6. Como o condutor do PG não se apercebeu da presença do autor, continuou em movimento, mesmo depois de ter com este colidido.
7. Só imobilizando o veículo quando se apercebeu da colisão, alertado pelos gritos de dor do autor e pelos avisos de terceiros.
8. O proprietário do veículo de matrícula PG-...-..., através de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º ..., transferiu a sua responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo para a E... I...- A..., Companhia de Seguros, SA.
9. Participado o sinistro à E..., foi o autor informado que a ora Ré T... tinha assumido o presente contrato de seguro, por via da transferência da carteira.
10. A Ré T... assumiu a responsabilidade pela ocorrência do presente sinistro, prestando ao autor assistência médica.
11. Assim, e por solicitação expressa da Ré T..., o autor nos dias 2 e 5 de Agosto de 2005 deslocou-se aos serviços clínicos daquela na cidade do Porto, tendo aí sido submetido a diversos RX e, acompanhada a sua evolução clínica, o autor iniciou os tratamentos de fisioterapia, por expressa indicação dos clínicos da E....
12. Em 11 de Outubro, e por indicação médica da E..., foi o autor sujeito a nova intervenção cirúrgica – a oitava – no Hospital da Arrábida, em Vila Nova de Gaia, a fim de lhe ser retirado o material de osteossintese.
13. Em 12 de Outubro de 2005, teve o autor alta clínica, com a indicação médica de que deveria continuar com os tratamentos de fisioterapia.
14. Em 29 de Novembro, o autor deslocou-se novamente à E..., sendo-lhe referido que as lesões se encontravam praticamente consolidadas, pelo que lhe foi dada alta clínica e que deveria esperar pela IPP que os serviços lhe iriam atribuir, IPP essa que acabou por lhe ser fixada em 18,28%.
15. Até à presente data, a Seguradora Ré, já liquidou a importância de 3.000,00 euros, montante esse por conta dos lucros cessantes, tendo também liquidado algumas das despesas de transporte que o autor suportou, quer para as Unidades Hospitalares, quer para todas as Instituições de Saúde onde recebeu tratamento.
16. À data do acidente o autor tinha 33 anos de idade.
17. O A nunca perdeu a consciência do que lhe estava a acontecer, queixando-se com dores.
18. Como consequência directa e necessária do referido embate, resultaram lesões corporais várias para o autor, o que fez com que fosse transportado em ambulância para o Hospital de Matosinhos.
19. Foi assistido no serviço de urgência desta Unidade Hospitalar, onde lhe foram prestados os primeiros socorros.
20. Apenas o radiografaram, fizeram uma limpeza cirúrgica às lesões e procederam à imobilização gessada da perna esquerda.
21. O autor apresentava, do ponto de vista ortopédico, fractura exposta, grau III, dos ossos da perna esquerda.
22. Dada a gravidade do estado do autor, este foi transferido para o Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira.
23. O autor começou a sentir uma forte dor na perna esquerda, ao ponto de não conseguir dormir, mesmo com os efeitos de analgésicos.
24. A perna do A se encontrava com pus devido ao facto de a limpeza cirúrgica que lhe haviam feito no Hospital de Matosinhos ter sido mal feita.
25. Para lhe tirarem o pus era necessário apertar a perna, o que provocava dores.
26. Procedeu também a lavagem cirúrgica e a exames radiológicos.
27. Ao ver o resultado dos exames radiológicos efectuados, a equipa médica de ortopedia ordenou que o autor fosse submetido a uma intervenção cirúrgica.
28. Assim, no 29 de Março de 2004, foi o autor sujeito a intervenção cirúrgica na referida Unidade Hospitalar, osteotaxia com fixador externo de vareta AO.
29. Foi ainda feita correcção do esfacelo que o autor apresentava na perna, tendo-lhe sido aplicado material de osteossintese.
30. Foi-lhe efectuada imobilização gessada da perna esquerda, desde a bacia até ao pé.
31. No pós operatório o A permaneceu internado e em repouso absoluto.
32. O A era medicado com analgésicos para as dores que sentia.
33. o A foi sujeito a vários exames radiológicos e Tacs aos locais traumatizados.
34. Durante o período de internamento o A sentia tonturas, dores, e ausência completa de forças para se movimentar.
35. Devido ao seu estado de fraqueza e aos cuidados médicos a que tinha sido sujeito, o autor manteve-se acamado em posição decúbito dorsal.
36. Ficando completamente retido no leito, não se levantando do mesmo.
37. E era também no leito que fazia as suas necessidades, com o auxílio de uma aparadeira, que lhe era servida por uma terceira pessoa.
38. Era também no leito que as enfermeiras lhe faziam a higiene pessoal, com o auxílio de esponjas húmidas que passavam pelo corpo do autor.
39. O autor, durante o período de internamento referido, fazia penso diariamente às partes intervencionadas.
40. Nessa unidade hospitalar manteve-se internado até ao dia 5 de Abril de 2004, data em que teve alta, passando ao regime de consulta externa, onde foi seguido no pós-operatório.
41. Regressou então à sua residência e de sua mãe, com quem vivia, sita no Lugar de Lázaro, S. Miguel do Mato, Arouca, onde se manteve acamado e retido no leito, face às fortes dores que sentia e à imobilização gessada que tinha, juntamente com o fixador externo.
42. Era no leito que se alimentava, e onde fazia as suas necessidades fisiológicas, sempre com o auxílio de uma aparadeira.
43. Não se levantando da cama nem mesmo para mudar os pensos cirúrgicos e retirar o material de sutura.
44. Como se encontrava totalmente imobilizado, o autor era transportado de táxi.
45. O A era assistido na sua higiene e alimentação por sua irmã CC, a quem entregava dinheiro para pagar a sua alimentação, (dele A), e a quem quis de alguma forma compensar dos serviços, doando-lhe quantia não apurada.
46. No dia 19 de Abril de 2004, e como os curativos não estavam a fazer efeito e os locais cirúrgicos continuavam a revelar sinais infecciosos, o autor foi internado no Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira.
47. Em 27 de Abril de 2004, o autor foi sujeito a nova intervenção cirúrgica, a fim de ser submetido a limpeza cirúrgica e a plastia do membro inferior esquerdo.
48. Mantendo o autor o fixador externo, tendo-lhe sido apostas várias ligaduras no pé, tíbia e perónio esquerdos e tendo sido sujeito a curativos vários e RX.
49. Em 28 de Abril de 2.004, o autor teve alta, passando ao regime de consulta externa, e regressou a sua casa.
50. Onde se manteve na cama, devido ao estado de fraqueza e dor que sentia.
51. O A sentia dores provocadas pelo fixador externo.
52. A vareta do fixador que se encontrava junto à perna começou a provocar inchaço e dor.
53. A perna do A apresentava-se cianosada.
54. Face a este quadro clínico, o autor foi internado novamente no Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, em 29 de Junho de 2004.
55. Em 30 de Junho de 2004, o autor é sujeito a nova intervenção cirúrgica, tendo-lhe sido extraído o fixador externo e colocado um outro em que a vareta se situava não próximo do membro, a fim de evitar o contacto com a pele.
56. Em 1 de Julho o autor obtém alta clínica e passa ao Regime de Consulta Externa, regressando novamente a casa, onde permanecia ainda na cama, deslocando-se muito pouco e sempre com a ajuda de canadianas.
57. A fractura da perna esquerda provocou esfacelo desse membro com perda de muito tecido muscular, não se tendo formado entretanto novo tecido, pelo que a perna do autor apresentava-se "esburacada".
58. Da mesma forma, a perna continuava ainda a revelar foco infeccioso e com imensa falta muscular.
59. Em 6 de Agosto de 2004, o autor é sujeito a novo internamento, sendo que o motivo do internamento é Osteomielite da Tíbia Esquerda.
60. Em 9 de Agosto de 2004, foi o autor submetido a nova intervenção cirúrgica, tendo sido sujeito a sequestrectomia e osteotaxia com mefisto, procedendo-se a transplante de tecido da coxa para a zona lesionada e onde se manifestava a falta de tecido devido ao esfacelo.
61. Cirurgia muito dolorosa e com um pós-operatório muito delicado pois a cicatrização é particularmente lenta e muito sofrida.
62. Devido a este facto, o autor permaneceu internado desde o dia 6 ao dia 25 de Agosto de 2004, a fim de que a sua evolução clínica fosse devidamente acompanhada.
63. Diariamente o autor era sujeito a curativos e a reabilitação muscular, e permanecia no leito, onde se alimentava e fazia as suas necessidades fisiológicas.
64. Em 25 de Agosto, o autor teve alta clínica onde passou ao regime de Consulta Externa.
65. No dia 31 de Agosto, a equipa médica que acompanhava a evolução clínica do autor resolveu internar novamente o autor a fim de efectuar tratamento médico conservador.
66. Onde permaneceu até 3 de Setembro de 2004, data em que teve alta clínica.
67. Entretanto, e por indicação médica, o autor também começou a fazer os tratamentos no Centro de Saúde de Arouca.
68. Em 16 de Setembro de 2004, o autor é sujeito a novo internamento, sendo que o motivo do internamento foi: perda de substancia do 1/3 médio anterior da perna esquerda.
69. Em 17 de Setembro, foi o autor submetido a nova intervenção cirúrgica, tendo sido sujeito a plastia com retalho fasciocutâneo da face esquerda do pedículo distal ( 1.° tempo ), procedendo-se a transplante de tecido da parte exterior da perna esquerda para a parte interior, onde se manifestava a falta de tecido devido ao esfacelo.
70. Cirurgia, a exemplo da anterior, também ela muito dolorosa e com um pós-operatório muito delicado e com cicatrização lenta e muito sofrida.
71. Devido a este facto, o autor permaneceu internado desde o dia 16 ao dia 28 de Setembro, a fim de que a sua evolução clínica fosse devidamente acompanhada, fazendo diariamente curativos e reabilitação muscular.
72. Em 28 de Setembro, o autor teve alta clínica onde passou ao regime de Consulta Externa.
73. Mas em 1 de Outubro, o autor é sujeito a novo internamento, sendo mesmo nesse dia sujeito a nova intervenção cirúrgica, novamente a transplante: 2º tempo de retalho fasciocutâneo externo de pele parcial.
74. Cirurgia em toda iguais às anteriores – muito dolorosa e com um pós-operatório muito delicado e com cicatrização lenta e muito sofrida.
75. Também por isso, o autor permaneceu internado desde o dia 1 a 11 de Outubro de 2004.
76. E, depois da alta clínica de 11 de Outubro de 2004, foi recomendado ao autor que efectuasse penso de três em três dias e que retirasse o material de sutura no 15º dia após a cirurgia.
77. Em 28 de Abril de 2005, foi o autor novamente internado no Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, a fim de ser extraído o fixador externo da Tíbia esquerda, tendo tido alta clínica nesse mesmo dia.
78. Após a retirada do fixador externo, o autor ficou com o membro inferior esquerdo completamente imobilizado já que não tinha qualquer força nem mobilidade na perna esquerda.
79. Em 31 de Maio de 2005, foi o autor novamente internado no Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira sendo que o motivo do internamento foi: Pseudartrose da Tíbia esquerda.
80. Em 1 de Junho de 2005, foi o autor submetido a nova intervenção cirúrgica, tendo sido sujeito a encavilhamento endomedular com vareta AO, rimada, aparafusada, bloqueada, osteotomia do perónio e osteotomia com placa LC-DCP e parafusos.
81. Ficou o autor internado nessa unidade hospitalar até ao dia 4 de Junho de 2005, data em que teve alta clínica.
82. E, depois da alta clínica, foi recomendado ao autor que efectuasse penso de três em três dias e que retirasse o material de sutura no 15.° dia após a cirurgia.
83. O autor foi sujeito a várias anestesias gerais.
84. O A ainda hoje tem dores ao nível da perna esquerda.
85. Como sequelas das lesões sofridas o A apresenta:
86. Deformidade do membro inferior em varo com rotação interna dos ossos da perna;
87. Encurtamento do membro de cerca de 2 cm;
88. Diminuição acentuada da força muscular;
89. Sensação de cansaço no membro inferior esquerdo;
90. Dores frequentes quando caminha, sobe escadas, já não conseguindo correr;
91. Um coxear permanente.
92. Antes do acidente o A era um jovem saudável e nunca havia sofrido qualquer acidente ou enfermidade.
93. Era um jovem forte, robusto e dinâmico e com grande alegria de viver.
94. O A jogava futebol com os amigos e que participava em torneios organizados entre eles.
95. À data do sinistro, o autor trabalhava, como tarefeiro, quer na Construção Civil, quer como madeireiro, no abate e corte de árvores.
96. O A era contratado ao dia.
97. A sua remuneração era de cerca de 30 € diários mais o almoço.
98. Trabalhava durante cinco dias por semana – de Segunda a Sexta Feira – e também aos Sábados de manhã.
99. O A era um trabalhador cumpridor.
100. A partir da ocorrência do acidente dos presentes autos, o autor jamais pode exercer, nem poderá no futuro, a sua actividade profissional.
101. Porquanto o exercício de tal profissão obriga a um permanente esforço quer nos membros inferiores, quer na própria zona abdominal.
102. Nem consegue já suportar, transportar, carregar os materiais inerentes ao exercício da sua profissão, jamais apresentando a mesma desenvoltura de movimentos que apresentava anteriormente ao acidente.
103. O autor padece de uma Incapacidade Total e Definitiva para o exercício da sua Profissão, com efeitos a partir do dia do sinistro.
104. As lesões da perna do A são ulceráveis.
105. O A não sabe ler nem escrever, nem possui aptidões profissionais.
106. Tem uma cicatriz bem marcada na coxa esquerda numa extensão de cerca de 10 cm, encontrando-se ainda bem visíveis as marcas das feridas.
107. Na perna esquerda, o autor apresenta cicatrizes que vão desde o joelho até ao pé.
108. Tais cicatrizes e deformações físicas provocam-lhe um grande e substancial dano estético, limitando-o definitivamente no seu aspecto físico.
109. O A padece de ansiedade, revolta que o torna agressivo e decepção.
110. Em consequência do acidente ficaram inutilizadas as calças, camisola e botas que o A trazia vestidas.
111. Desde o acidente o A deixou de auferir a sua remuneração habitual.
112. Coloca-se a hipótese de o A ter de efectuar uma outra operação.
113. O autor terá que usar calçado apropriado ao seu estado clínico durante toda a sua vida.
114. Neste momento, o autor tem gasto a importância de 50,00 euros por cada par de calçado, sendo previsível que comprará 4 pares de sapatos por ano.
115. Em despesas médicas, que lhe tinham sido prescritas pelos clínicos que o acompanharam, gastou o autor a importância total 600,85 €.
116. E ainda, nas despesas havidas com os tratamentos efectuados (curativo e lavagem cirúrgica aos locais operados) no Centro Médico da Praça, um total 285,00 €.
117. O autor suportou a importância de 100,00 euros, em virtude da aquisição de dois pares de sapatos ortopédicos, cuja aquisição lhe havia sido prescrita pela Seguradora Ré.
118. E um total de 189,4 € em Consultas Externas e Exames Radiológicos, efectuados no Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira.
119. Nessas consultas, o autor fez curativo aos locais cirúrgicos, os médicos acompanhavam a evolução clínica através de exames radiológicos a que o autor era sujeito, fazendo consultas de cirurgia plástica reconstrutiva, devido ao transplante a que o autor tinha sido sujeito.
120. O autor gastou em transportes efectuados nos dias 2, 5, 11 de Agosto, 9 de Setembro, 3, 11 e 12 de Outubro, da sua residência até à E..., um total de 465,54 €.
121. E nas deslocações da sua residência à Clínica de Reabilitação Física, em São João da Madeira, nos dias 9,10,11,12,16,17,18,19,22,23,24,25,28,29,30 de Agosto, 1,2,6,19,20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29, 30 de Setembro, um total de 998,04 €.
122. O autor gastou em transportes efectuados nos dias 18, 25 de Outubro e 29 de Novembro, da sua residência até à E..., um total de 177,66 €.
123. E bem assim em 15 deslocações da sua residência à Clínica de Reabilitação Física, em São João da Madeira, no período de 31 de Outubro a 25 de Novembro de 2005, um total de 516,45 €.
124. O autor deslocou-se ao Centro Médico da Praça, em S. João da Madeira, uma vez que os locais cirúrgicos revelavam focos infecciosos nos dias: 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 17 de Abril de 2004.
125. O autor deslocou-se ao Hospital de S. Sebastião, em Santa Maria da Feira, nos dias:
15 e 19 de Abril;
5, 10, 14, 17, 21, 25, 27 de Maio;
3, 9, 14, 17, 22, 28, e 29 de Junho;
5, 8, 13, 16, 20, 23, 27 e 31 de Julho;
3, 23 e 31 de Agosto;
6, 10, 14 de Setembro;
18 de Outubro;
11 e 30 de Novembro;
3, 10 e 24 de Fevereiro de 2005;
5, 18, 19 e 29 de Abril;
3, 27 e 31 de Maio;
21 de Junho;
12 de Julho.
126. O autor deslocou-se ao Centro de Saúde de Arouca nos dias:
4 e 5 de Setembro de 2004;
13, 14, 17, 22, 25, e 29 de Outubro;
2,8, 15, 19, 22, 26 e 29 de Novembro;
3, 6, 10, e 16 de Dezembro;
3, 10, 13, 17, 21, 24, 28 e 31 de Janeiro de 2005;
7, 11, 14 e 28 de Fevereiro de 2005;
7, 15, 23 e 28 de Março;
8, 12 e 14, 22 e 26deAbril
6, 9, 13 e 17 de Junho;
4 e 12 de Julho.”
Acrescente-se que a Relação considerou ainda “a elevada probabilidade do agravamento das descritas sequelas com tradução num aumento de incapacidade permanente geral”; e que o autor nasceu no dia 30 de Março de 1970 (certidão de fls. 214).

4. Os recorrentes questionam, apenas, o montante da indemnização a pagar, não a correspondente obrigação. Ambos impugnam o quantitativo atribuído por danos não patrimoniais; a ré põe ainda em causa o que se refere aos danos patrimoniais (futuros, decorrentes da perda de capacidade de ganho e lucros cessantes).
Não estão abrangidos pelo presente recurso, porque não impugnados, nem a condenação no pagamento de € 1.175,25 por despesas médicas e com a aquisição de material ortopédico, de € 2.157,09 por despesas com transportes e deslocações, de € 120 por despesas com vestuário e calçado danificado com o sinistro e de € 7.800 por despesas futuras com a aquisição de calçado ortopédico, nem a dedução dos € 3.000 já pagos pela ré, nem a dedução da quantia provisoriamente fixada nos autos da providência cautelar anexa nem, finalmente, a condenação no pagamento de juros, nos termos constantes do acórdão recorrido.

5. No que respeita ao montante da indemnização atribuída pelos danos não patrimoniais, ressarcíveis desde que “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o autor considera que devia ser elevado para € 70.000, tendo em conta a sua gravidade e o grau de culpa do lesante; mas a ré entende ser excessivo o que a Relação arbitrou, € 50.000, sendo a seu ver adequado o valor de € 15.000.
Cumpre começar por observar não ter fundamento a crítica que a ré baseia na circunstância de a Relação – relativamente à qual, realmente, não funciona o princípio da imediação na apreciação da prova – ter subido para o dobro o valor considerado adequado pela 1ª instância sem ter havido qualquer alteração na matéria de facto provada.
Na verdade, tal subida não decorreu de uma diferente apreciação da matéria de facto mas, tão somente, de discordância relativamente à aplicação dos critérios legalmente definidos para a indemnização. Se assim não fosse, aliás, estaria vedado ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer do recurso, quanto a este ponto.
Ora, como se sabe, para a determinação da indemnização por danos não patrimoniais o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º, também do Código Civil).
Naturalmente que o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção a essas circunstâncias do caso.
Ficou provado que o autor, que tinha 33 anos à data do acidente, ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 18,28% (ponto 14 da matéria provada), o que, em si mesmo, tem de ser considerado no âmbito dos danos de natureza não patrimonial, já que os danos futuros decorrentes de uma lesão física se traduzem, antes de mais, numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física (cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Outubro de 2008, www.dgsi.pt, proc. 07B2978); que essa incapacidade se traduz, no caso, numa incapacidade total para o trabalho, com as implicações psíquicas e emocionais que a perspectiva de uma vida assim condicionada necessariamente tem, ponto que merece especial atenção; que sofreu dores e danos físicos extensos que deixaram sequelas graves; que foi sujeito a diversas intervenções cirúrgicas com os consequentes internamentos e períodos de recuperação e de dependência de terceiros, e teve de realizar sucessivos tratamentos, que se prolongaram no tempo.
Para além disso, ficou demonstrado que o condutor do veículo realizou a manobra de que resultou o atropelamento do autor de forma desatenta e descuidada, não se tendo apercebido da sua presença na berma a não ser após o acidente, por ter sido alertado pelos gritos de dor e por avisos de terceiros (pontos 5,6 e 7); não há pois fundamento para considerar que o grau de culpa justifique um abaixamento da indemnização que seria adequada do estrito ponto de vista do lesado.
Tendo em conta este quadro, e a função de compensação especialmente desempenhada pela indemnização por danos morais, considera-se adequado o montante de € 40.000.
Apontam-se para o efeito, nomeadamente, os que foram apreciados nos acórdãos citados pelo acórdão de 23 de Setembro de 2008 (disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 07B2469), como se transcreve:
“N[o] acórdão de 25 de Junho de 2002, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou o montante de 5.500.000$00 já definido pela Relação, para indemnizar os danos morais sofridos por um lesado de 32 anos, que ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 40%, que foi vítima de um acidente de viação para o qual em nada concorreu, e que ficou afectado de forma significativa e permanente na sua qualidade de vida, tanto pessoal como desportiva e profissional.
Pelo acórdão de 20 de Novembro de 2003, proc. nº 03A3450 (www.dgsi,pt), foi atribuída a indemnização de € 32.421,86 a uma lesada que, tendo a idade de 25 anos no momento do acidente, ficou em estado de coma, foi submetida a diversas intervenções cirúrgicas e sofreu lesões graves lesões por todo o corpo, que lhe provocaram cicatrizes profundas e visíveis.
No acórdão de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926 (www.dgsi,pt), foi arbitrada uma indemnização de € 10,951,92 a uma lesada que tinha 24 anos à data do acidente, à qual foi atribuída uma IPP de 10%, mas que ficou a sofrer de lesões graves e visíveis.
No acórdão de 5 de Fevereiro de 2004, proc. nº 04B083 (www.dgsi,pt), foi atribuída a indemnização de € 24.939,89 a um lesado que, tendo 52 anos à data do acidente, ficou afectado de um IPP de 35% e sofreu lesões muito graves que o obrigaram a diversas intervenções cirúrgicas e implicaram limitações muito sérias à sua mobilidade.
No acórdão de 12 de Janeiro de 2006, proc. nº 05B4176 (www.dgsi,pt), considerou-se adequada a indemnização de € 12.500 (ou seja, o montante que, no caso, foi fixado pela Relação) a atribuir a uma lesada que sofreu várias lesões corporais, dores persistentes e constantes, teve de se submeter a diversos exames e sessões de tratamento, ficou com um nódulo fibroso e hipotrofia numa das pernas de cerca de 2 cm, e à qual foi fixada 5% de IPP.
No acórdão de 4 de Dezembro de 2007, proc. nº 07A3836 (www.dgsi,pt), foi arbitrado o montante de € 35.000 por danos morais a um lesado com 44 anos à data do acidente, na sequência do qual esteve em conta e em perigo de vida durante vários dias e sofreu diversas sequelas, e ao qual foi fixada uma IPP de 47%.”
A terminar este ponto, cabe ainda observar que, se é certo que em diversos casos este Supremo Tribunal tem frequentemente atribuído como compensação pela perda do direito à vida o montante de € 50.000, como a ré afirma (cfr., por exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Fevereiro de 2009, disponível em www.dgsi.pt , proc. 07B4125, e jurisprudência nele citada; mas cfr., por exemplo, o acórdão de 30 de Outubro de 2008, disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 08B2989, que a fixou em € 60.000), não menos verdade é que tal compensação assenta em razões manifestamente diversas daquelas que justificam uma indemnização por outros danos não patrimoniais, o que torna inadequada a comparação.

6. A ré discorda também do montante da indemnização atribuída por danos patrimoniais.
Como já se escreveu no acórdão de 23 de Setembro de 2008, «Não está em causa neste recurso que, para efeitos da indemnização reclamada (…), se devem ter em conta os danos futuros, desde que previsíveis (nº 2 do artigo 564º do Código Civil), quer correspondam a danos emergentes, quer se traduzam em lucros cessantes (nº 1 do mesmo preceito); nem tão pouco que a lei determina que, quando a responsabilidade assenta em mera culpa do lesante (artigo 494º do Código Civil), ou quando não é possível averiguar “o valor exacto dos danos” (nº 3 do artigo 566º do mesmo Código), como tipicamente sucede quando se pretende arbitrar uma indemnização por danos futuros, o tribunal recorrerá à equidade para julgar.
No caso da responsabilidade por mera culpa, a lei permite que a indemnização seja “equitativamente” reduzida em função do “grau de culpabilidade do agente”, da “situação económica” do lesante e do lesado e das “demais circunstâncias do caso”.
Quanto à hipótese de impossibilidade de avaliação exacta dos danos, o julgamento segundo a equidade tem de respeitar os “limites que [o tribunal] tiver por provados”.
Baseando-se em mera culpa a responsabilidade em que incorreu o causador do acidente e estando agora em causa a determinação do montante a pagar para ressarcimento de danos futuros, como aliás o Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, de 2 de Fevereiro de 2002, proc. nº 01B985, de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, de 27 de Novembro de 2003, proc. nº 03B3064, de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926, de 8 de Março de 2007, proc. nº 06B4320 ou de 14 de Fevereiro de 2008, proc. nº 07B508, disponíveis em www.dgsi.pt), a equidade desempenha um papel corrector e de adequação da indemnização decretada às circunstâncias do caso, nomeadamente quando, como é frequente, os tribunais recorrem a “cálculos matemáticos e [a] tabelas financeiras” (expressão do acórdão de 27 de Novembro de 2003 acabado de citar).
Esse recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso.»

7. Para ser possível ponderar as razões apontadas pela ré para sustentar a diminuição das indemnização atribuída pelo acórdão recorrido, no que respeita aos danos patrimoniais resultantes da incapacidade para o trabalho, há que ter em conta o seguinte:
– Que está provado que o autor, nascido em 30 de Março de 1970, à data do acidente trabalhava como tarefeiro, quer na construção civil, quer como madeireiro, no abate e corte de árvores, contratado ao dia, auferindo cerca de € 30,00 por dia, mais almoço (com valor calculado pelas instâncias em € 5,00), trabalhando cinco dias por semana e sábado de manhã;
– que, seja qual for o relevo que, para efeitos laborais, tem a autonomização da parte da remuneração que corresponde ao subsídio de refeição, para o cálculo do que o autor deixou de auferir por causa do acidente há que contar com o correspondente montante, por se traduzir em remuneração efectivamente não recebida. Podem ver-se, a título de exemplo de decisões em que este Supremo Tribunal contou com o subsídio de refeição para o cálculo da indemnização que agora está em causa, os acórdãos de 9 de Dezembro de 2004 (www.dgsi.pt, proc. nº 04B2990) ou de 23 de Maio de 2000 (www.dgsi.pt, proc. nº 06A1122);
– que, por causa do acidente, o autor deixou de poder exercer aquela actividade e ficou a sofrer de uma incapacidade total e definitiva para o exercício da sua profissão;
– que o autor não possui aptidões profissionais, não sabendo ler nem escrever;
– que, como a Relação entendeu, é provável que se agrave a incapacidade parcial permanente que lhe foi fixada (18,28%); mas que, de qualquer forma, tendo em conta a impossibilidade de continuar a exercer a sua profissão, por um lado, e a falta de aptidão para desenvolver outra, se deve considerar que ficou a sofrer de incapacidade total para o trabalho, razão pela qual se considera uma incapacidade permanente para o trabalho de 100%;
– que a relevância da lesão não pode ser avaliada apenas com referência à vida activa provável do lesado; antes se há de considerar também o período posterior à normal cessação de actividade laboral, com referência à esperança média de vida, em 2004 (à data do acidente), dos indivíduos do sexo masculino nascidos em 1970, cerca de 76 anos (www.ine.pt); no sentido de dever ser tida em conta a esperança de vida, e não apenas de vida activa, ver por exemplo o acórdão de 17 de Junho de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 08A1266);
– que, recorrendo, agora, ao regime geral de segurança social em vigor à data do acidente, em particular ao nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 329/93, de 25 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 9/99, de 8 de Janeiro (neste ponto específico, mantido pelo Decreto-Lei nº 187/2007, de 16 de Fevereiro, que revogou aquele diploma), a idade “regra” da reforma era fixada em 65 anos;
– que a indemnização a arbitrar deve ter como ponto de referência, como se escreveu no acórdão de 25 de Junho de 2002, deste Supremo Tribunal (www.dgsi.pt, proc. 02A1321) “um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que (o capital) se extinga no final do período provável de vida (12). Só assim se logra, na verdade, "reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562º)”;
– que o rendimento anual a ter em conta corresponde à remuneração mensal calculada em € 780,00, como se entendeu nas instâncias, multiplicada por 12 meses, “visto o Autor ser tarefeiro e ganhar ao dia” (acórdão recorrido);
– que se mostram adequadas as tabelas a que recorreu o já citado acórdão de 25 de Junho de 2002, para o qual se remete quanto à respectiva explicação e que, portanto, o cálculo deve tomar como base o rendimento anual perdido, a percentagem da incapacidade para o trabalho, a idade ao tempo do acidente e a idade normal da reforma aos 65 anos, e o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez;
– que o resultado alcançado, segundo tais tabelas, deve ser corrigido tendo em conta o tempo provável de vida após os 65 anos;
– que não há razões, relacionadas com o grau de culpa do lesante, ou outras, que ditem o abaixamento da quantia assim alcançada.
Conclui-se ser assim acertado o montante fixado pelo acórdão recorrido, de € 240.000,00; e que as observações dirigidas pela ré não implicam o respectivo abaixamento, como resulta desta explicação.

8. Todavia, neste montante de € 240.000,00, é calculado com referência à data do acidente, estão incluídas as remunerações perdidas desde essa data, 27 de Março de 2004, até à da alta clínica, 12 de Outubro de 2005.
Assim, tem de ser revogada a condenação autónoma no respectivo pagamento, já integrado naquela quantia.

9. Nestes termos, decide-se:
a) Negar provimento à revista do autor;
b) Revogar o acórdão recorrido na parte em que fixou em € 50.000 a indemnização por danos não patrimoniais e na parte em que manteve a condenação autónoma no pagamento de € 15.210,00, por perda salarial desde a data da ocorrência do sinistro, 27 de Março de 2004, até à data da alta clínica, ocorrida em 12 de Outubro de 2005;
b) Conceder provimento parcial à revista da ré, alterando para € 40.000,00 a condenação por danos não patrimoniais e para € 240.000,00 a condenação pela totalidade dos danos patrimoniais futuros;
c) Quanto ao mais, confirmar o acórdão recorrido.

Custas por ambos os recorrentes, na proporção do decaimento.

Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Setembro de 2009

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lázaro Faria
Lopes do Rego