Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
00B434
Nº Convencional: JSTJ00040755
Relator: MIRANDA GUSMÃO
Descritores: SENTENÇA PENAL
DECISÃO ABSOLUTÓRIA
CASO JULGADO PENAL
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
TERCEIRO
CULPA PRESUMIDA DO CONDUTOR
Nº do Documento: SJ200006290004342
Data do Acordão: 06/29/2000
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N498 ANO2000 PAG195
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 342 ARTIGO 347 ARTIGO 349 ARTIGO 503 N3.
CPC95 ARTIGO 498 ARTIGO 674 ARTIGO 674-A ARTIGO 674-B.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1994/01/26 IN BMJ N433 PAG515.
ACÓRDÃO STJ DE 1998/02/19 IN BMJ N474 PAG405.
Sumário : I - O CPC95 afastou a indiscutibilidade da decisão penal transformando-a em presunção juris tantum em duas situações - a de terceiros que se confrontam com a decisão penal condenatória; a do ofendido que interveio como assistente na acção penal.
II - O CPC95 não curou da eficácia a terceiros da decisão penal absolutória nas acções civis conexas com ela, na medida em que nestas acções se seguem os critérios gerais da repartição do ónus da prova.
III - Relativamente ao ofendido que não tenha sido parte principal (assistente) na acção penal, a presunção de não culpa resultante da sentença penal absolutória não se aplica se houver culpa presumida do condutor não ilidida por prova em contrário.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. No Tribunal Judicial de Abrantes, A e B intentaram acção declarativa com processo sumário emergente de acidente de viação contra a COMPANHIA de SEGUROS C, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia total de 9500000 escudos, sendo 5250000 escudos para a Autora e 4250000 escudos para o Autor, acrescidos de juros legais desde a citação, para o que alegaram serem respectivamente mulher e filho de D que faleceu vítima de acidente de viação ocorrido em 24 de Julho de 1995, quando conduzia o automóvel GC-04-17, pela E.N. 3, na localidade de Rio de Moinhos e foi embatido pelo auto-pesado de mercadorias JP-75-95, pertencente à Sociedade E, conduzido pelo seu empregado F por conta, ordem e instruções da proprietária e seguro na Ré que, ao descrever uma curva para a esquerda, transpôs o meio da via e foi embater no veículo GC-04-17, causando a morte do seu condutor com que os Autores sofreram desgostos e o veículo GC, no valor de 300000 escudos, ficou destruído.

2. A Ré contestou.

3. Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença a condenar a Ré no pedido.

4. A Ré apelou. A Relação de Évora, por acórdão de 17 de Dezembro de 1999, revogou a sentença apelada e absolveu a Ré do pedido.

5. Os Autores pedem revista, formulando conclusões no sentido de serem apreciadas as seguintes questões: a primeira, se o acidente se deu por culpa do condutor do veículo seguro na Ré; a segunda, se existe responsabilidade pelo risco; a terceira, o quantum a indemnizar os Autores.

6. A Ré apresentou contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
Elementos a tomar em conta:
1. No dia 24 de Julho de 1995 pelas 16 horas e 30 minutos na E.N. 3, em Rio de Moinhos, transitava pela metade direita da estrada no sentido Constância-Abrantes o auto-ligeiro GC-04-17, conduzido pelo seu proprietário D enquanto, em sentido contrário, circulava o auto-pesado de mercadorias JP-75-95 pertencente à firma "E", conduzido pelo seu empregado F por conta, ordem, ao serviço e sobre as instruções desta Sociedade.
2. Como consequência directa desta colisão entre o JP e o GC este ficou destruído, sendo o seu valor em tal data, não inferior a 300000 escudos.
3. Na sequência desse mesmo embate e condutor do GC sofreu lesões na cabeça, tórax e nos membros que lhe geraram a morte, sendo certo que faleceu sem qualquer disposição de última vontade tendo deixado como seus únicos herdeiros, sua viúva e único filho, havendo sido gastos no funeral e em lutos 200000 escudos.
4. À data do acidente a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo JP fora transferida para a Ré, até ao limite de 12000000 escudos, por contrato de seguro.
5. Ao quilómetro 105 deu-se a colisão entre a parte frontal esquerda do veículo JP com a frente sobre o lado esquerdo do veículo GC.
6. No momento do acidente o JP transitava à velocidade de 80 quilómetros/hora.
7. Por sentença proferida no processo criminal comum n. 180/96 da 2. Secção do 2. Juízo de Abrantes, já transitada, em que o condutor do veículo seguro na Ré, F foi absolvido por, além do mais, se ter ali provado que o acidente ocorreu por o veículo GC-04-97 ter passado a circular pela metade esquerda da faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha, indo embater no JP-77-95 que transitava em sentido contrário e pela metade direita da faixa de rodagem, atento também o seu sentido de marcha.
III
Questões a apreciar no presente recurso.

A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa, fundamentalmente, pela análise de três questões: a primeira, se o acidente se deu por culpa do condutor do veículo seguro na Ré; a segunda, se existe responsabilidade pelo risco; a terceira, o quantum a indemnizar os Autores.
- A primeira questão não encontrará resposta no facto de o veículo seguro na Ré transitar a 80 quilómetros/hora no momento do acidente já que essa velocidade não tem, de per si (dissociada de outros factos, como seja, de estar ou não a atravessar povoação, de circular (ou não) por curva para a direita, o de ser (ou não) a via estreita, etc.) qualquer relevância para a fixação de dois dos elementos dos pressupostos de responsabilidade civil por facto ilicito - artigo 483, Código Civil -, qual seja, a culpa e o nexo de causalidade.
A primeira questão encontrará resposta na posição a assumir em duas subquestões: a primeira, se a presunção de não culpa do condutor do veículo seguro na Ré se encontra (ou não) ilidida; a segunda, se a presunção de não culpa do condutor do veículo seguro na Ré não se aplica à presente acção, ou seja, se à presente acção se aplica a culpa presumida do condutor do veículo seguro na Ré, nos termos do artigo 503 n. 3, do Código Civil.
- A segunda questão ficará prejudicada na sua apreciação caso a primeira questão sofra resposta afirmativa.
- A terceira questão ficará prejudicada na sua apreciação caso as duas primeiras questões sofram respostas negativas.
- Abordemos tais questões.
IV
Se se encontra ilidida a presunção de não culpa do condutor do veículo seguro na Ré.

1. Posição da Relação e dos Recorrentes:

1a) A Relação de Évora decidiu não estar demonstrada culpa por parte do condutor do veículo seguro na Ré por a presunção de não culpa, estabelecida no n. 1 do artigo 674-B, Código de Processo Civil, não ter sido ilidida uma vez que o único facto provado (o veículo GC, conduzido pela vítima, transitar pela metade direita da estrada no sentido Constância-Abrantes) não excluir que o acidente tenha ocorrido por ter saído dessa metade direita da estrada.

1b) Os Autores/recorrentes sustentam que a presunção simples (iuris tantum) do artigo 674-B, do Código de Processo Civil não prevalece sobre as que o julgador tira nos termos do artigo 349, do Código Civil: não se pode recusar a presunção de que foi culpado do acidente o condutor de um auto-pesado que colidiu com auto-ligeiro quando rodava numa localidade (e numa estrada estreita) a 80 quilómetros/hora ao cruzar-se com o outro veículo numa curva para a esquerda do auto-pesado por ser da experiência comum que os veículos tendem a "pisar" a metade contrária da estrada quando curvam para a direita a não transitam em velocidade moderada.

- Que dizer?

2. As presunções são consequências que a lei (presunções legais) ou o julgador (presunções judiciais) tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
A presunção é, mais rigorosamente, a inferência ou processo lógico, mediante o qual, por via de uma regra da experiência (id quod plerum que accidit) se conclui, verificado certo facto, a existência de outro facto que, em regra, é a consequência necessária daquele.
O facto conhecido, de que se infere o outro, é a base da presunção.
Se tal inferência é feita pela própria lei (presunção legal) constitui um elemento desta, e o Juiz não tem senão que a aplicar, uma vez verificada a existência da base da presunção, isto é, o facto conhecido.

3. As presunções legais classificam-se em "iuris et iure" - as que não admitem prova do contrário - e em "iuris tantum" - as que podem ser ilididas por "prova do contrário".
"A prova do contrário" é a prova principal, visto se destinar a demonstrar não existir o facto presumido e não somente a criar a dúvida a tal respeito: à contraparte não bastará a prova de circunstâncias que coloquem o julgador em "dúvida"; terá de provar a não verificação do facto em causa, no âmbito em que actua a prova legal, sendo esta a doutrina hoje objecto de consagração legal no artigo 347, do Código Civil - Cfr. ANSELMO de CASTRO, Direito Processual Civil Declaratário, volume III, página 347.

4. O artigo 674-B, do Código de Processo Civil estabelece, no seu n. 1, uma presunção legal de não culpa do arguido absolvido na acção penal, em quaisquer acções de natureza civil.
- Trata-se de uma presunção "iuris tantum" já que pode ser ilidida por "prova do contrário" que bem pode ser feita por "presunções judiciais", pois estas apresentam-se como inferências no desenvolvimento lógico da matéria de facto e, como tal, enquadráveis (qualificáveis) como matéria de facto.
- Exemplifiquemos com o caso dos autos: o condutor do veículo seguro na Ré foi absolvido na acção penal por se ter provado que o acidente ocorreu por o veículo GC-04-97 ter passado a circular pela metade esquerda da faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha (cfr. facto referido em 7. do parágrafo segundo do presente acórdão) de sorte que a presunção legal de não culpa do arguido só ficaria ilidida se o julgador com base no facto conhecido (o constante em 1. do parágrafo II do presente acórdão) tivesse "inferido" que a colisão deu-se na faixa de rodagem por onde circulava o auto-ligeiro GC-04-17, conduzido pela vítima.
Face a este exemplo, poderá generalizar-se que a presunção legal estabelecida no artigo 674-B, do Código de Processo Civil é ilidível por presunção judicial que funciona como "prova de contrário".

5. Perante o que se deixa exposto, em conjugação com a matéria fáctica fixada, temos de precisar que a presunção estabelecida quanto aos factos imputados, na acção penal, ao condutor do veículo seguro na Ré não foi ilidida por "prova do contrário", onde estaria incluída a presunção judicial incluída - ou seja, não se provocou que a colisão deu-se na faixa de rodagem por onde circulava o auto-ligeiro GC-04-17.

- Conclui-se, assim, que o condutor do veículo seguro na Ré tem uma presunção de não culpa no acidente em causa.
V
Se à presente acção se aplica a culpa presumida do condutor do veículo seguro na Ré, nos termos do artigo 503, n. 3, do Código Civil.

1. Posição da Relação e dos recorrentes:

1a) A Relação de Évora decidiu não estar demonstrada culpa por parte do condutor do veículo seguro na Ré por ter plena aplicação a presunção legal "iuris tantum" estabelecida no artigo 674-B, n. 1, do Código de Processo Civil que, de acordo com o n. 2, prevalece sobre as presunções de culpa da lei civil: assim, sobre a presunção legal estabelecida no artigo 503 n. 3, do Código Civil.

1b) Os Autores/recorrentes sustentam que da presunção do artigo 674-B só resulta que aquele condutor não terá invadido a metade contrária da estrada, não excluindo a sua culpa por outras razões: - no momento do acidente, conduzia o JP por conta e ordem e ao serviço e sobre as instruções directas do proprietário do JP, sendo pois comissário.
- Que dizer?
2. O âmbito de aplicação do caso julgado é-nos dado por MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, quando escreve:
"A excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou rejeita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção de caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...) mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...).

"Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição de decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente" - cf. o objecto da sentença e o caso Julgado Material - B.M.J. n. 325, páginas 171/179.

No mesmo sentido ensinava MANUEL de ANDRADE, quando a propósito do artigo 498, do Código de Processo Civil, ensinava:
"O que a lei quer significar é que uma sentença pode servir como fundamento de excepção de caso julgado quando o objecto da nova acção, coincidindo no todo ou em parte com a da anterior, já está total ou parcialmente definida pela mesma sentença" - cfr. NOÇÕES ELEMENTARES de PROCESSO CIVIL, 1979, páginas 320/321.
No mesmo sentido a Jurisprudência deste Supremo Tribunal - Acórdãos de 26 de Janeiro de 1994 - B.M.J. n. 433, página 515; e de 19 de Fevereiro de 1998 - B.M.J. n 474, página 405.

3. O âmbito de aplicação do caso julgado, deixado descrito e que torna, por vezes, dispensável as três identidades do artigo 498 do Código de Processo Civil (caso do artigo 674) sofre desvios no âmbito do caso julgado da sentença penal condenatória ou absolutória nas acções civis conexas com as penais.
- Desvios que se surpreendiam no Código de Processo Penal de 1929 - artigos 153 e 154 - e no actual Código de Processo Civil - artigos 674-A e 674-B.
- Desvios devidamente explicitados por BELEZA dos SANTOS no que concerne aos artigos 153 e 154 do Código de Processo Penal de 1929 - in Revista Legislação e Jurisprudência ano 1963, páginas 6 e seguintes.
- Desvios devidamente explicitados no preâmbulo do Decreto-Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro, nos termos seguintes:
"No que se refere à disciplina dos efeitos da sentença, assume-se a regulamentação dos efeitos do caso julgado penal, quer condenatório, quer absolutório, por acções civis conexas com as penais, retomando um regime que, constando originariamente do Código de Processo Penal de 1929, não figura no actualmente em vigor; adequa-se, todavia, o âmbito da eficácia erga omnes da decisão penal condenatória às exigências decorrentes do princípio do contraditório, transformando a total indiscutibilidade da decisão penal em mera presunção ilidível por terceiros, da existência do facto e respectiva autoria" - cfr. ABÍLIO NETO, Código de Processo Civil anotado, 14. edição, página 27.

4. O legislador do processo civil procurou conciliar a força e autoridade do caso julgado da sentença penal (condenatória ou absolutória) com as acções civis conexas com elas, ou seja, com as acções civis que tenham como causa de pedir a conduta do Réu subsumível a tipo legal de crime sujeito a acção penal com decisão final, condenação ou absolvição.
- O legislador procurou atingir (com o afastamento da total indiscutibilidade da decisão penal transformando em mera presunção "iuris tantum" -), duas situações: uma, a de terceiros que se confrontam com a decisão penal condenatória; outra, a do ofendido que interveio como assistente na acção penal (como parte principal, no dizer de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, 1. volume, 1981, páginas 120 e 510) que se confronta com a decisão penal absolutória.
- O terceiro (que será o caso da Ré Seguradora na acção civil emergente de acidente de viação) e o ofendido, assistente na acção penal (que será o caso do Autor na acção civil emergente de acidente de viação) beneficiam das presunções estabelecidas nos artigos 674-A e 674-B, benefício para o terceiro por imposição do princípio do contraditório e para ofendido/assistente por a absolvição em processo penal - radicada, por vezes, em causas de exclusão de culpa ou em considerações humanitárias, que não excluem o convencimento da existência da infracção - não poderia resolver definitivamente interesses de outra natureza e que obedecem a outras determinantes - cfr. BELEZA dos SANTOS, in Revista Legislação e Jurisprudência, ano 63, páginas 6 e seguintes.
- O legislador do processo civil só curou destas duas situações, não curando da eficácia a terceiros da decisão penal absolutória nas acções civis conexas com ela, na medida em que nestas acções segue-se os critérios gerais da repartição do ónus da prova - artigo 342, do Código Civil.

5. O que se deixa exposto, em conjugação com a matéria fáctica fixada, permite-nos precisar que os Autores não foram assistentes (parte principal) na acção penal onde foi proferida sentença absolutória do condutor do veículo seguro na Ré, de sorte que não se aplica, na presente acção, o regime estabelecido no artigo 674-B, do Código de Processo Civil (a presunção de não culpa do condutor do veículo seguro na Ré prevalece sobre as presunções de culpa estabelecidas na lei civil, e, assim, sobre a do artigo 503 n. 3).
- Dito de outro modo, na presente acção aplica-se (impõe-se) a culpa presumida do condutor do veículo seguro na Ré, nos termos do artigo 503 n. 3, do Código Civil, dado que não foi ilidida por "prova em contrário".

- Daqui concluir-se, como se conclui, que o acidente em causa se deu por culpa do condutor do veículo seguro na Ré.
VI
O quantum a indemnizar os Autores.

1. Os Autores/recorrentes sustentam que a recorrida deve ser condenada no montante pedido (que não foi impugnado pela Ré) por se ter provado a culpa do condutor do veículo seguro na Ré.

Que dizer?

2. Os Autores reclamaram indemnização por danos patrimoniais (danos emergentes) no montante de 500000 escudos (sendo 300000 escudos do valor venal do veículo, e 200000 escudos, gastos com funeral e lutos), danos estes que se encontram provados.

3. Os Autores reclamaram a indemnização de 5000000 escudos (metade para cada um deles) pela perda do direito à vida e 4000000 escudos (sendo 2500000 escudos para a Autora e 1500000 escudos para o Autor-filho) pelos danos não patrimoniais.
- Nos termos do artigo 496 n. 3, do Código Civil, o montante de indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo às circunstâncias referidas no artigo 494, do mesmo diploma legal.
- A circunstância da lei mandar atender à situação económica quer do lesante quer do lesado vem a significar que essa indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: visa compensar, de algum modo, os danos sofridos pela pessoa lesada e visa, ainda, reprovar a conduta do agente - cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, 6. edição, página 578.
- Dentro destes parâmetros, a indemnização pela perda do direito à vida apresenta-se de determinação difícil, uma vez que trata-se do bem supremo (o único) cujo valor, se é idêntico de pessoa para pessoa, não é possível medir por não ser comparável com qualquer outro.
- Daqui que não se possa apontar que a indemnização reclamada (a de 5000000 escudos) peque por excesso, pelo que nesse montante se fixa a indemnização.
- Por outro lado, dentro dos parâmetros referidos pelo legislador, a dor e o sofrimento que a morte da vítima provoca nos que a ele estavam ligados por profícua afectividade, permite-nos também apontar que a indemnização reclamada (a de 4000000 escudos) não peca por excesso, antes equilibrada em consonância com o exposto, pelo que nesse montante se fixa a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores.

- Conclui-se, assim, que os Autores têm direito à indemnização de 9500000 escudos (nove milhões e quinhentos mil escudos).
VII
Conclusão:
Do exposto, poderá extrair-se que:
1) A lei procurou conciliar a força e autoridade do caso julgado da sentença penal com as acções civis conexas com elas, transformando-a em meras presunções "iuris tantum" em relação a terceiros, que se confrontam com a decisão penal condenatória - a do artigo 674-A, do Código de Processo Civil - e aos ofendidos, partes principais na acção penal, que se confrontam com a decisão penal absolutória - a do artigo 674-B, do Código de Processo Civil.
2) O artigo 674-B, do Código de Processo Civil estabelece, no seu n. 1, uma presunção legal de não culpa do arguido absolvido em acção penal, ilidível por "prova em contrário", que bem pode ser feita por presunção Judicial.
3) A presunção legal de não culpa do arguido absolvido em acção penal prevalece, nos termos do n. 2 do artigo 674-B, do Código de Processo Civil, sobre quaisquer presunções de culpa estabelecida na lei civil e, assim, sobre a do artigo 503 n. 3, do Código Civil.

- Face a tais conclusões, em conjugação com a matéria fáctica fixada, poderá precisar-se que:
1) na presente acção se aplica (observa) a presunção legal de não culpa do condutor do veículo seguro na Ré dado que os Autores não intervieram como partes principais na acção penal onde foi proferida decisão absolutória daquele condutor.
2) Na presente acção aplica-se, assim, a culpa presumida do condutor do veículo seguro na Ré, nos termos do artigo 503 n. 3, do Código Civil.
3) O acórdão recorrido não pode manter-se dado ter inobservado o afirmado em 1) e 2).

- Termos em que se concede a revista, revoga-se o acórdão recorrido e condena-se a Ré a pagar aos Autores a indemnização estabelecida na sentença proferida na 1. instância.
- Custas nas instâncias e neste Supremo Tribunal pela Ré.

Lisboa, 29 de Junho de 2000.
Miranda Gusmão,
Sousa Inês,
Nascimento Costa.
Tribunal Judicial de Abrantes - Processo n. 330/96 - 1. Juízo, 1. Secção.
Tribunal de Évora - Processo n. 711/99 - 2. Secção.