Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1541/11.0TVLSB.L3.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CULPA IN CONTRAHENDO
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
BOA FÉ
DEVER DE LEALDADE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
DANO EMERGENTE
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
NOTIFICAÇÃO
NULIDADE
SANAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE FUNDAMENTOS E DECISÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
DECISÃO SURPRESA
Data do Acordão: 06/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Mostram-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade pré-contratual na modalidade de rutura injustificada das negociações, numa situação em que, após cerca de sete meses de negociações para aquisição da posição contratual da Autora junto da APPLE, de distribuidor desta marca, a nível nacional, à exceção de iPhone, tendo sido assinadas letters of intent, em especial a de 03-05-2011, e tendo sido efetuada uma due dilligence, na qual foi transmitida pela Autora às Rés variada informação acerca deste negócio, que só desta forma teriam acesso, e tendo esta diligência decorrido, com a informação positiva, por banda das Rés, vieram as Rés comunicar a cessação das negociações, invocando fundamentos que vieram a revelar-se como não correspondentes à realidade.

II. Foi com base na reunião do dia 28-04-2011 e na letter of intent Project Cipango assinada pelas partes a 03-05-2011, da lavra exclusiva das Rés, que estas criaram na Autora a convicção de exclusividade e determinaram a rejeição final da proposta da concorrente.

III. Foi também com base nestes pressupostos que a Autora forneceu às Rés todo o seu goodwill, lista de clientes e documentação de relação com a APPLE, o qual se mostrava sujeito a um regime de exclusividade, tendo as Rés feito cessar essas negociações, depois de criar na Autora, a confiança de que poderia negociar em exclusividade com as Rés, determinando o afastamento da outra concorrente das Rés.

IV. A Autora, devido à recusa em concluir o contrato por parte das Rés, não recebeu a quantia de €5 740 000,00, correspondente ao montante proposto pelas Rés relativo ao goodwill, lista de clientes e relação com a Apple e ao valor da indemnização por despedimento dos empregados não transferidos cujos contratos seriam rescindidos.

V. Encontrando-nos no âmbito de uma responsabilidade contratual e não tendo as Rés logrado provar que o dano sofrido pela Autora, adveio da sua provada conduta, em virtude da presunção estabelecida no artigo 799.º do Código Civil, mostram-se verificados os pressupostos deste tipo de responsabilidade.

VI. Relativamente à fórmula de cálculo da obrigação de indemnização está contemplado o interesse contratual negativo, que permite repor o lesado na situação em que estaria se não tivesse iniciado as negociações para a celebração do contrato.

VII. Tendo os AA. deduzido um pedido específico (isto é, um pedido de conteúdo concreto), não tendo logrado fixar com precisão a extensão dos prejuízos, poderão fazê-lo em ulterior liquidação.

VIII. No caso presente, provado o dano, não foi possível atingir-se um valor exato para a sua quantificação, mas ainda é possível atingi-lo com recurso a prova complementar sobre o montante exato ou muito próximo dos danos reais, atendendo aos danos constantes dos factos provados.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório

1. Massa Insolvente de Interlog Informática, S.A. instaurou ação declarativa, com processo ordinário, contra Tech Data Portugal Lda. e Tech Data Europe GMBH pedindo a condenação das Rés a pagarem-lhe a quantia de €6 216 538,50 (seis milhões, duzentos e dezasseis mil, quinhentos e trinta e oito euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Subsidiariamente, pede que sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de €3 000 000,00 (três milhões de euros) a título de enriquecimento sem causa, montante a que acrescem juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.


Para tanto alegou que manteve com as Rés conversações e sérias negociações a fim de ceder a sua posição contratual à 1.ª Ré que a Autora tinha com a Apple e, sem que nada o fizesse prever e sem nenhuma concreta explicação, as Rés romperam de forma abrupta as negociações, o que consubstancia uma conduta ilícita, causadora de danos para a Autora.

Caso assim não se entenda, a título de enriquecimento sem causa, sempre deverão as Rés ser condenadas a pagar à Autora o justo valor pelo ativo imaterial da Autora, informação e goodwill, que adquiriram num contexto negocial que findou.

2. As Rés apresentaram contestação, na qual impugnaram a factualidade alegada pela Autora, e invocam que não se verificaram as condições que eram essenciais para a conclusão do negócio, o que era do conhecimento da Autora.

3. A Autora apresentou réplica, na qual sustentou que todos os pontos essenciais do negócio estavam fechados, não existindo condições por verificar, tendo sido assinada a Letter of Intend, em 03-05-2011, a título de fechamento de sete meses de negociações, pelo que assume a natureza de proposta contratual.

A Autora invocou, ainda, o facto superveniente de que a Ré Tech Data publicitou ter celebrado recentemente, por referência a 20-09-2011, um Contrato de Distribuição para todos os produtos e serviços Apple, exceto iPhone, válido para o território nacional.

4. No decurso da audiência de julgamento, no seguimento de requerimento da Autora, o Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho no qual declarou sem efeito:

- a apreciação tecida pela Autora quanto à prova produzida;

- as alegações de factos atinentes aos resultados da Tech Data, à evolução da cotação das ações, à efetiva concretização de aquisições pela Tech Data na Europa em 2011;

- à "juntada" que acompanha o requerimento em apreço;

- a resposta das RR quanto aos factos ora alegados pela A.

5. Foi proferida sentença, tendo o Tribunal de 1.ª instância julgado a ação improcedente e, consequentemente, absolveu as Rés do pedido.

6. Inconformada, a Autora interpôs recurso, não só do despacho interlocutório acima referido como ainda da sentença final.

7. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 22-06-2017 anulou a sentença impugnada e ordenou a ampliação da matéria de facto.

8. Realizado novo julgamento, o Tribunal de 1.ª instância proferiu nova sentença que, igualmente, absolveu as Rés do pedido, julgando improcedente a pretensão da Autora.

9. A Autora, mais uma vez, interpôs recurso de apelação da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, em 31-01-2019, proferido Acórdão em que ordenou que os autos baixassem ao Tribunal de 1.ª instância para aí se proceder à motivação da decisão proferida sobre os quesitos 22.º, 40.º, 41.º e 50.º.

10. Em 14-05-2019, em cumprimento do ordenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi aditado complemento da sentença à motivação de facto.

11. Notificadas deste complemento, Autora e Rés pronunciaram-se sobre a motivação complementar, mantendo e reforçando as respetivas alegações e resposta e pedido de ampliação de recurso.

12. O Tribunal da Relação de Lisboa, em 21-11-2019, proferiu Acórdão no qual julgou parcialmente procedente a apelação da Autora e, consequentemente, revogou a sentença impugnada que substituiu por outra que julga parcialmente procedente o pedido da Autora e improcedente a ampliação de recurso das Rés, e condenou as Rés a pagarem à Autora a quantia de €5 740 000,00 (cinco milhões, setecentos e quarenta mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, contados à taxa legal.

13. Autora e Rés vieram requerer a retificação do Acórdão por padecer de lapsos de escrita.

14. Em seguida, as Rés, inconformadas, interpuseram recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

Da questão prévia

1.ª Em 5 de dezembro de 2019, as Recorrentes requereram, perante o Tribunal a quo, a rectificação do Acórdão recorrido, com o fundamento de que o mesmo padecia de certos lapsos e inexactidões, configuráveis como erros materiais (cfr. art.º 614.º CPC).

2.ª Conquanto a maioria dos lapsos identificados pelas Recorrentes constituam simples gralhas ou erros de escrita, verifica-se uma omissão que, por estar inserida num segmento nuclear da fundamentação do Acórdão recorrido, interfere directamente com o exercício do direito ao recurso pelas Recorrentes.

Ora,

3.ª Na parte final da página 70 do acórdão, o Tribunal recorrido refere que “c) que, por causa das rés, e com forte probabilidade a autora perdeu a oportunidade de encaixar”, mas depois nada mais se diz a esse respeito, passando imediatamente à análise do pedido subsequente.

4.ª Esta incompletude da notificação da fundamentação da decisão afecta directamente a posição das Recorrentes, na medida em que se reporta às razões justificativas para a revogação da sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância e, consequentemente, para a condenação daquelas.

5.ª À data da apresentação das presentes alegações de revista, o Tribunal recorrido ainda não procedeu às correcções devidas.

6.ª Nessa medida, as presentes alegações de revista estão condicionadas pela não correcção atempada dos referidos lapsos e omissões, em particular considerando que as Recorrentes não estão dotadas de todos os elementos necessários a alcançar cabalmente o sentido e fundamentos daquela decisão.

7.ª Não tendo as Recorrentes sido notificadas de uma parte essencial da fundamentação do Acórdão recorrido, verifica-se a omissão de uma formalidade que a lei prevê e que influi directamente no exame da causa, o que implica a nulidade da notificação daquela decisão (cfr. art.º 253.º e 195.º, n.º 1, ambos do CPC), que desde já se argui para todos os efeitos legais.

8.ª Caso assim não se entendesse, tal consubstanciaria uma violação do direito fundamental das Recorrentes de acesso ao direito e aos tribunais (cfr. art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa «CRP»), porquanto, ao não lhes ser disponibilizada na íntegra a fundamentação do acórdão, fica gravemente afectado o seu direito ao recurso.

Breve enquadramento

9.ª A Interlog e a Tech Data mantiveram negociações, durante cerca de sete meses, com vista à potencial aquisição, por esta última, da posição contratual da Interlog enquanto “Value Added Distributor” da Apple.

10.ª Paralelamente, a Interlog negociou o mesmo modelo contratual com a Vinzeo, com a perspectiva de maximizar o eventual retorno financeiro decorrente a referida cessão da posição contratual.

11.ª A Tech Data sujeitou a sua vontade de contratar ao preenchimento de determinadas condições suspensivas, a saber: i) a obtenção do apoio da Apple e, bem assim, ii) a aprovação do negócio por parte do Conselho Europeu da Tech Data.

12.ª A Interlog estava ciente das referidas condições suspensivas, bem como do seu carácter essencial no contexto da possível celebração de um acordo.

13.ª Por motivos alheios à vontade da Tech Data, o apoio da Apple ao modelo de negócio que estava a ser equacionado nunca se concretizou.

14.ª A Tech Data cessou as conversações com a Interlog, invocando, entre outros, aquele fundamento.

15.ª Inconformada com a cessação das negociações, a Interlog pediu, através da presente acção, a condenação da Tech Data no pagamento de uma indemnização com base em responsabilidade pré-contratual, formulando, essencialmente, duas pretensões distintas, uma principal e outra subsidiária:

i. A condenação da Tech Data no pagamento de € 5.740.000,00, a título de interesse contratual positivo; e

ii. subsidiariamente, a condenação da Tech Data no pagamento do mesmo montante, em virtude da frustração do negócio que estava a equacionar com a Vinzeo, i.e., pelo interesse contratual negativo.

16.ª O Tribunal de 1.ª instância absolveu a Tech Data de todos os pedidos formulados pela Interlog, porquanto “[a] conduta desenvolvida pelas RR., ao longo do processo negocial, não foi de molde a afirmar-se que razoavelmente criaram na A. a convicção séria e fundada de que o contrato ia celebrar-se”.

17.ª A Interlog recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa.

18.ª Inexplicavelmente, o Acórdão recorrido julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Interlog, e nessa medida, condenou a Tech Data no pagamento de €5.740.000,00, a título de indemnização pelo interesse contratual negativo, por considerar que a Interlog teria recebido aquele valor proveniente da Vinzeo, não fora a conduta da Tech Data.

Da nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os factos e a decisão

19.ª A condenação da Tech Data nos termos acima descritos surge em absoluta contradição com a respetiva fundamentação.

Com efeito,

20.ª O Tribunal recorrido julgou não provado que “a aceitação da proposta da VINZEO representaria para a Recorrida o encaixe de 5.740.000 (cinco milhões, setecentos e quarenta mil euros)”.

21.ª Para justificar esta conclusão, a decisão impugnada refere que “nada se prova quanto a um encaixe garantido de € 5.740.000 por parte da autora, proveniente da Vinzeo, como foi sublinhado, e bem na sentença recorrida”.

22.ª Assim, a decisão que, em termos lógicos, seria expectável, era a de absolver a Tech Data do pagamento de uma indemnização por interesse contratual negativo, porquanto não ficou provado nos autos que a Interlog viesse a receber aquela quantia da Vinzeo.

23.ª Esta incongruência lógica entre as premissas e a conclusão determina a nulidade do Acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do art. 615.º, n.º 1, al. c), aplicável ex vi 674.º, n.º 1, al. c), todos do CPC.

Do não preenchimento dos pressupostos da responsabilidade pré-contratual

24.ª Sem prejuízo da nulidade invocada, sempre se deverá concluir que andou mal o Tribunal a quo ao considerar, com base na factualidade assente, que estavam preenchidos in casu os pressupostos da responsabilidade pré-contratual.

Ora,

25.ª Em primeiro lugar, a cessação das negociações por parte da Tech Data não consubstanciou a prática de qualquer ilícito pré-contratual, porquanto não violou quaisquer deveres emergentes da cláusula geral da boa fé na formação dos contratos.

26.ª Com efeito, desde o início que foi expressa e repetidamente comunicado à Interlog que a vontade da Tech Data em contratar estava dependente do preenchimento de certos pressupostos ou condições, a saber: i) o apoio da Apple ao negócio que estava a ser equacionado; e ii) a aprovação do negócio pelo Conselho Europeu da Tech Data.

27.ª O preenchimento destas condições era essencial para a formação da decisão de contratar e constituía requisito incontornável no contexto negocial mantido entre as partes.

28.ª Por outro lado, quaisquer expectativas da Interlog referentes à celebração do contrato apenas seriam legítimas e passíveis de ser tuteladas se e na estrita medida em que aqueles pressupostos se verificassem, o que não veio a suceder.

29.ª A Tech Data sempre foi clara a este respeito, comunicou-o em tempo, refletiu-o na Letter of Intent, transmitiu-o por diversas vezes à Interlog e finalmente, ainda a aconselhou a não pôr termo às conversações com a Vinzeo, advertindo precisamente que não o deveria fazer porque o negócio entre ambas poderia não se concretizar.

30.ª A Letter of Intent de 3 de maio de 2011 – i.e., assinada na véspera de a Interlog colocar termo às negociações com a Vinzeo – estabelecia, de forma absolutamente transparente e leal, a forma que deveria assumir uma eventual cessação das negociações entre a Tech Data e a Interlog (cfr. item “Exclusividade”).

31.ª Ademais, a Tech Data apresentou motivo sério e razoável para colocar termo às negociações, em total consonância com a posição negocial que desde sempre assumiu e transmitiu à Interlog, na medida em que respeitou os termos estabelecidos e alicerçou-se em circunstâncias reais e conhecidas de ambas as partes.

32.ª As condições suspensivas acima identificadas não podem ser menosprezadas com recurso a argumentos a posteriori, uma vez que devem ser valoradas no contexto da dinâmica negocial concretamente existente entre as partes e devem ser encaradas à luz das circunstâncias contemporâneas das negociações.

33.ª Finalmente, note-se ainda que, no momento das negociações, o conhecimento da Tech Data acerca de acontecimentos posteriores – v.g., cessação do contrato de distribuição entre a Interlog e a Apple, abertura de um novo concurso e a consequente celebração de um contrato directamente com a Apple – era inexistente.

34.ª Destarte, a Tech Data não violou quaisquer deveres de lealdade na formação do contrato, inexistindo ilicitude na sua conduta.

35.ª Entendimento diverso, ou seja, configurar a cessação das negociações pela Tech Data como acto ilícito, consubstanciaria uma violação frontal do direito à propriedade privada (cfr. art.º 62.º da CRP), inconstitucionalidade essa que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

Sem prejuízo do exposto,

36.ª Atendendo ao supra exposto e tendo por base a factualidade referida, impõe-se igualmente a conclusão de que a Tech Data, ao cessar as negociações em curso com a Interlog, não procedeu com culpa.

37.ª Com efeito, a Tech Data sempre deixou claro à Interlog que a celebração do negócio estava contingente da verificação de um acervo de pressupostos condicionais, de entre os quais o supra aludido apoio da Apple, que eram do conhecimento da Interlog e que assumiram um carácter incontornável durante todo o processo negocial.

38.ª Por outro lado, no quadro das interações negociais entre as partes, e em particular nos momentos mais relevantes – maxime, na Expression of Intent e na Letter of Intent –, houve sempre da parte da Tech Data uma preocupação de salvaguardar o seu cariz não vinculativo, o que denota a correcção da conduta da sua conduta e reforça que não actuou de modo a formar expectativas sobre a conclusão do negócio.

39.ª Assim, é bem evidente que no caso não se verificou uma ruptura arbitrária ou ilegítima de negociações, nem houve da parte da Tech Data comportamentos intoleravelmente ofensivos do sentido ético-jurídico, que motivem uma restrição da liberdade de negociar ou de não negociar, de concluir ou de não concluir um negócio jurídico.

Ademais,

40.ª Tão-pouco existe dano: foi a própria Interlog quem espontânea e voluntariamente afastou a oportunidade de negócio de que agora se quer prevalecer.

41.ª A Interlog, ao rejeitar unilateralmente a proposta da Vinzeo - ainda por cima ignorando a indicação que lhe foi dada em sentido contrário pela Tech Data, assumiu plenamente o risco inerente, que se traduzia entre o mais em não encaixar o valor que aquela consubstanciava.

42.ª Ora, constituindo o pressuposto do dano na “(…) ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica”, e tendo a Interlog prescindido da referida vantagem, não podia evidentemente o Tribunal recorrido ter condenado a Tech Data no pagamento de uma indemnização com base naquele fundamento.

43.ª Por outro lado, ainda que se considerasse, em abstracto, que aquela vantagem era indemnizável, sempre seria necessário demonstrar – o que não aconteceu - que a oferta da Vinzeo à Interlog constituía uma “verdadeira” proposta.

44.ª Para tal, era necessário que fosse completa, irrevogável e revelasse uma intenção inequívoca de contratar, especificando o valor - € 5.740.000,00 - e que não estava sujeita a condições suspensivas ou à verificação de quaisquer outros pressupostos.

45.ª Adicionalmente, a prova produzida nos autos deixou ainda claro que a proposta da Vinzeo – fosse ela qual fosse – estava, à semelhança da proposta da Tech Data, sujeita ao pressuposto condicional relativo ao apoio da APPLE.

46.ª Assim, faltando de forma intransponível este pressuposto, também por aqui nunca seria lícito concluir que a Interlog viria a receber aquele montante proveniente da Vinzeo.

47.ª Finalmente, ainda que se demonstrasse a existência de danos sofridos pela Interlog e que, nessa medida, esta pudesse vir a exigir uma indemnização pelo interesse contratual negativo – no que, mais uma vez, não se concede – nunca a mesma lhe poderia ser atribuída, considerando a finalidade que esta subjacente a esta tutela indemnizatória.

48.ª Consabidamente, na responsabilidade pré-contratual emergente de ruptura injustificada das negociações, a indemnização deve visar apenas repor o lesado na situação em que estaria se não tivesse iniciado as negociações para a celebração do contrato.

49.ª Ora, se a Tech Data e a Vinzeo superaram constantemente as propostas uma da outra, então o montante que a Interlog receberia da Vinzeo – num cenário em que, não tendo negociado com a Tech Data, encetou contactos apenas com a sua concorrente – nunca seria de € 5.740.000,00.

50.ª O Tribunal a quo não poderia condenar a Tech Data a pagar este valor, já que isso não corresponde à reposição da situação em que a Interlog estaria se não tivesse existido qualquer contacto entre ambas, com vista à celebração de um contrato.

51.ª Isso só sucederia projectando-se a situação em que a Interlog estaria caso a Vinzeo fosse, desde o princípio, a única proponente, até uma eventual celebração do negócio, sendo que nem sequer foi alegado (nem provado) nenhum elemento que permita formular conclusões a esse respeito.

52.ª Além disso, a condenação proferida pelo Tribunal recorrido importa um encaixe líquido, que a Interlog também não teria se não tivesse iniciado negociações com a Tech Data e mesmo que tivesse concluído um negócio com a Vinzeo.

53.ª De facto, neste cenário hipotético a Interlog teria custos associados ao contrato e à actividade a desenvolver em execução do mesmo, para encaixar apenas uma margem que não sabemos qual é nem existem elementos nos autos para calcular ou estimar, mas sabemos com toda a segurança que é muito diferente do montante indemnizatório atribuído no Acórdão ora em crise.

Sem prejuízo,

54.ª Como se o exposto não bastasse, tão-pouco se verifica in casu o necessário nexo de causalidade entre o facto e o dano.

55.ª Não só o alegado facto ilícito – cessação das negociações por parte da Tech Data – não constituiu, em concreto, causa do suposto prejuízo sofrido pela Interlog, como não representa, em abstracto, um evento adequado à sua produção.

56.ª O evento que concretamente ditou a impossibilidade de a Interlog vir a receber quaisquer montantes da Vinzeo foi, exclusivamente, a rejeição unilateral da “proposta” desta última, o que constituiu uma iniciativa da própria Interlog.

57.ª Assim, a situação em apreço reconduzir-se-ia, quanto muito, à figura da culpa do lesado (cfr. art.º 570.º do CC).

58.ª Ademais, para se verificasse a referida causalidade adequada, teria que se demonstrar que a conduta da Tech Data era susceptível de comprometer, de forma irremediável, o desencadeamento de novas conversações entre a Interlog e a Vinzeo (ou o reacendimento das negociações anteriores), a apresentação de uma nova proposta por parte desta, bem como o referido encaixe financeiro de €5.740.000,00 pela Interlog.

59.ª Mas nada disto foi alegado nem ficou provado.

60.ª Termos em que tem que se concluir que o Tribunal a quo incorreu numa errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 227.º, 562.º, 563.º e 564.º do CC, já que não estão, de todo, verificados os pressupostos da responsabilidade pré-contratual, essenciais para a condenação da Tech Data.

E concluem: “deve o presente recurso de revista ser julgado procedente, consequentemente:

a) Declarada a nulidade da notificação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de novembro de 2019 (cfr. arts. 253.º e 195.º do CPC); ainda que assim não se entenda,

b) Declarada a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de novembro de 2019, por oposição entre os fundamentos e a decisão (cfr. art. 615.º, n.º 1, al. c), ex vi 674.º, n.º 1, al. c), ambos do CPC); caso assim não se entenda,

c) Integralmente revogado o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de novembro de 2019 e, como consequência dessa revogação, que seja proferida decisão de absolvição das Recorrentes dos pedidos contra si formulados.”

15. A Recorrida Massa Insolvente de Interlog Informática, S.A. contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

DAS NULIDADES:

1.ª Argúem as Recorrentes, em primeiro lugar, a nulidade da notificação efetuada do Acórdão recorrido, sustentando verificar-se uma omissão na parte final da p. 70 do Acórdão recorrido.

2.ª As Recorrentes confundem, porém, a incompletude da fundamentação da decisão com a incompletude da notificação da decisão, esta sim, eventualmente, geradora de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 253.º e 195.º, ambos do CPC.

3.ª O que se verifica no caso vertente é a omissão, por lapso manifesto, de um trecho da fundamentação da decisão, a qual carece de ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz, nos termos do disposto no artigo 614.º, n.º 1, do CPC, como, aliás, as próprias Recorrentes também fizeram.

4.ª Ao notificar as partes do Acórdão recorrido, a secretaria disponibilizou cópia legível da decisão e dos fundamentos, cumprindo de forma cabal o disposto no artigo 253.º do CPC; por isso, nenhuma nulidade se pode assacar ao ato de notificação.

5.ª Em segundo lugar, as Recorrentes invocam a nulidade do Acórdão, por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termosdo disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), aplicável ex vi artigo 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

6.ª Contudo, da leitura atenta do Acórdão recorrido não resulta a mínima contradição entre os seus fundamentos e a decisão.

7.ª    Não é exata, nem verdadeira, a afirmação das Recorrentes no sentido de o Tribunal a quo ter considerado não provado “que a aceitação da proposta da Vinzeo representaria para a Interlog um encaixe financeiro de €5.740.000,00”.

8.ª O que o Tribunal a quo referiu foi apenas que, «além do que consta das alíneas FA) a JA) [e que é muito] nada se prova quanto a um encaixe garantido de €5.740.000,00 por parte da autora, proveniente da Vinzeo».

9.ª E o Tribunal recorrido não fundamentou a sua decisão de condenação pelo interesse contratual negativo em qualquer «encaixe garantido» proveniente da VINZEO.

10.ª Pelo contrário, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão por considerar demonstrado que «por causa das rés, e com forte probabilidade a autora perdeu a oportunidade de encaixar» a quantia de € 5.740.000,00, decorrente da aceitação da proposta da VINZEO – o que é coisa bem diferente.

11.ª Toda a matéria de facto provada, em especial a constante dos aludidos pontos EA), FA), GA), IA), JA) e J), aponta no sentido de que, não fosse a conduta das Recorrentes, a Recorrida encaixaria, com elevada probabilidade o valor de €5.740.000,00, relativo à aceitação da proposta da VINZEO.

12.ª É esta a fundamentação da decisão, e não, designadamente, uma eventual garantia do valor que a Recorrida viria a encaixar com a celebração do negócio com a VINZEO.

13.ª A decisão proferida está, pois, em perfeita concordância com a factualidade provada, não existindo qualquer vício no raciocínio expendido pelo Tribunal a quo.

14.ª Sem prejuízo, sempre se dirá que a nulidade arguida pelas Recorrentes, por suposta contradição entre a decisão de um concreto ponto da matéria de facto e a decisão de direito, não existe na lei processual portuguesa, mais não estando em causa que uma mera discordância das Recorrentes para com o teor da decisão recorrida.

DAS RAZÕES DE IMPROCEDÊNCIA DA REVISTA:

15.ª Está em causa no presente recurso a avaliação da conduta das Recorrentes ao cancelarem de forma abrupta, em 01.06.2011, as negociações que vinham mantendo com a Recorrida, e, em concreto, a determinação de se as mesmas, ao atuarem do modo como atuaram, violaram os deveres da boa-fé negocial a que se encontravam vinculadas perante a sua contraparte contratual.

16.ª As Recorrentes apresentam no seu recurso uma visão simplista e deturpada dos reais fundamentos da decisão recorrida, tanto em matéria de facto como em matéria de direito.

17.ª No que respeita às designadas condições (suspensivas) de que se encontrava alegadamente dependente a celebração do contrato dos autos, o que está em causa é saber se para as Recorrentes, o negócio em equação apenas fazia sentido, por um lado, mediante a aceitação por parte de uma entidade terceira, a APPLE, de determinadas exceções ao clausulado do seu contrato standard de distribuição, e, por outro, mediante a aprovação final de todo o negócio por parte de uma outra entidade terceira, o denominado “Conselho Europeu da TECH DATA”, e se isso era do conhecimento da Recorrida.

18.ª E, efetivamente, não obstante o caráter aparentemente incontroverso da prova documental constituída pelas diversas manifestações de interesse e cartas de intenções assinadas pelas partes ao longo de todo o processo negocial, sempre da lavra das Recorrentes, a verdade é que tudo isso contrastou de forma brutal com a postura adotada pelas Recorrentes nas dezenas de reuniões, encontros e contactos pessoais e informais havidos entre os representantes de ambas as partes nas negociações.

19.ª Nunca a FRANCISCO TABOADA foi referido, nas reuniões que tiveram lugar e nas quais se acertava o andamento da negociação, que o negócio não se faria na ausência determinadas condições.

20.ª E sintomático disso mesmo é, em si, o próprio facto de nunca terem chegado a ser garantidas quaisquer exceções ou modificações ao contrato APPLE, e, apesar disso, terem sido várias e sucessivas as propostas das Recorrentes, como resulta dos autos.

21.ª Da prova produzida resultou, por outro lado,que, independentemente de não se terem verificado as alegadas condições impostas pelas Recorrentes, ambas as partes se encontravam já a trabalhar em conjunto em maio de 2011, tal significando que a aposição das referidas condicionantes nos documentos assinados entre as partes não tinha, na realidade, correspondência com o que foi o andamento das negociações até ao seu final.

22.ª Além disso, o que resultou demonstrado foi também que a APPLE não chegou a dar qualquer resposta à alegada solicitação das Recorrentes – nem positiva, nem negativa –, não tendo, portanto, chegado a recusar expressamente tal apoio, sendo certo, por outro lado, que tal ausência de resposta apurou-se imputável às Recorrentes.

23.ª Quando inquirido em julgamento, o próprio Country Manager da APPLE em Portugal à data dos factos, GENNARO BIFULCU, referiu de forma perentória não ter sido por causa da APPLE que o negócio em causa não se concretizou.

24.ª Assim, o que resultou provado foi que a APPLE não havia ainda dado qualquer resposta à TECH DATA relativamente ao pretendido “apoio” – num sentido ou noutro, positiva ou negativamente –, e que a TECH DATA, por sua vez, optou por colocar um fim às negociações com a Recorrida antes mesmo disso poder acontecer, sabendo-se que restavam ainda dois dos três meses de negociação exclusiva acordados pelas partes, nos termos da Letter of Intent de 03.05.2011.

25.ª Estando em causa supostas condições suspensivas da celebração do contrato, importa notar que, mesmo que tal fosse verdade, o certo é que tais condições terão sempre de se ter por verificadas, em face do disposto, mutatis mutandis, nos artigos 272.º e 275.º do Código Civil.

26.ª De acordo com o disposto no artigo 275.º, n.º 2, do Código Civil, «se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa-fé, por aquele a quem aproveita, tem-se a mesma por verificada».

27.ª Assim, no que respeita ao suposto apoio da APPLE, e o mesmo relativamente à alegada necessidade de aprovação pelo Conselho Europeu das Recorrentes, as Recorrentes tinham o dever de aguardar pelo termo do período de negociação acordado, ao invés de romperem a negociação prematura e injustificadamente, tanto que mais que, como resultou também provado, no mesmo período de maio a agosto de 2011 a TECH DATA EUROPE fechou inclusivamente outros processos de aquisição na Europa, e por valor bastante superior ao do contrato dos autos (cfr. factos provados PB) e QB)).

28.ª Assim, «se um contrato nunca entrou em vigor, por se não ter verificado uma condição suspensiva de toda a sua eficácia, a parte a quem a não verificação da condição for imputável tem obrigação de indemnizar o outro contraente».

29.ª Mas, a censurabilidade da conduta das Recorrentes resulta ainda melhor espelhada naquela que foi a apreciação efetuada pelo Tribunal a quo relativamente à matéria de facto contida nos pontos IB), NB), OB, LB), PB) e QB) da matéria de facto.

30.ª Com efeito, perguntava-se no quesito 55.º da base instrutória se «esta queda do valor bolsista da casa-mãe Americana e o resultado da análise efectuada pelos analistas financeiros aos resultados do primeiro trimestre do ano, levaram a que a TECH DATA CORPORATION desse instruções ao seu Conselho Europeu no sentido de este transmitir às Rés que as negociações em causa não poderiam vir a ser aprovadas?», estando em causa, bem entendido, as razões apresentadas pelas Recorrentes como justificação para a sua decisão de ruptura negocial.

31.ª Ora, como resultou reconhecido, nenhum dos apresentados fundamentos se verificou verdadeiro.

32.ª Nem os resultados das TECH DATA foram negativos (tendo sido, pelo contrário, resultados record relativamente aos períodos homólogos), nem a cotação das ações da casa-mãe americana sofreu qualquer desvalorização significativa ou anormal (factos provados NB), LB) e OB)).

33.ª Sendo certo, por outro lado, que a TECH DATA gera, a nível mundial, receitas na ordem das dezenas de milhares de milhões de dólares em volume de vendas (cfr. factos provados A) a C)).

34.ª Deste modo, em conformidade com a prova produzida, o Tribunal da Relação alterou a resposta inicialmente atribuída ao quesito 55.º, restritivamente, dela passando agora a constar unicamente que a «Tech Data Corporation deu instruções ao seu Conselho Europeu no sentido de este transmitir às Rés que as negociações em causa não poderiam vir a ser aprovadas» (facto provado IB)).

35.ª Esta resposta restritiva ao quesito 55.º resultou, mais do que de nada se ter provado relativamente à alegação das Recorrentes, de ter ficado efetivamente comprovada a não verificação dos fundamentos inventados pelas Recorrentes.

36.ª Tendo o Tribunal fundamentado, justamente, que «o motivo invocado pelas rés para quebrar o acordo de negociação nem sequer tem fundamento bastante» (cfr. pp. 67-68 do acórdão recorrido).

37.ª E tanto assim que, conforme resulta também dos factos provados PB) e QB), a TECH DATA, no ano de 2011, fez duas aquisições empresariais no mercado europeu da distribuição de tecnologia, uma das quais no valor de 41 milhões de dólares, e cuja negociação ocorreu em termos contemporâneos com os das negociações em apreço nos presentes autos, não tendo a mesma, apesar disso, sido afetada pela alegada “instrução” da casa-mãe americana no sentido da cessação imediata dos processos negociais em curso na Europa, em face de uma alegada inexistência de condições financeiras.

38.ª Deste modo, nada se tendo provado quanto à alegação das Recorrentes para a ruptura de negociações, é também manifesto que estas não ilidiram a presunção de culpa que impendia sobre si, nos termos do disposto no artigo 798.º do Código Civil.

39.ª Isso mesmo foi decidido pelo Tribunal ad quem, uma vez que, nos termos do disposto no 350.º, n.º 2, do Código Civil, as presunções legais carecem, para serem ilididas, de prova em contrário (prova plena), não tendo tal prova sido minimamente alcançada.

40.ª A ruptura das negociações assentou, pois, em razões frívolas, superficiais e arbitrárias: isto é, em motivos internos das Recorrentes, que não os falsos fundamentos apresentados, e que são expressão de um exercício abusivo do direito de terminar as negociações.

41.ª A recusa em contratar das Recorrentes configura, nesse sentido, expressão clara da violação da confiança da Recorrida na conclusão do negócio, e, por outro lado, manifestação inequívoca do abuso do direito de não contratar.

42.ª Sem prejuízo, no respeita aos pressupostos da responsabilidade civil dano e nexo de causalidade, as Recorrentes procuram inculcar no Tribunal ad quem uma ideia de que «a Interlog rejeitou unilateralmente a proposta da Vinzeo no exercício da sua liberdade de não contratar desconsiderando, mesmo, a sugestão da Tech Data para não terminar as negociações com esse concorrente» (cfr. pp. 34 e 35 das alegações), pretendendo,com isso, sustentar uma suposta culpa do lesado por parte da ora Recorrida (!), que teria espontaneamente tomado a iniciativa de rejeitar a proposta da VINZEO, «no exercício da sua liberdade negocial (de não contratar com a Vinzeo) e integrada no risco próprio das negociações» (cfr. p. 42 das alegações)!

43.ª Tal suposto facto inexiste por completo na decisão recorrida.

44.ª As instâncias limitaram-se, com efeito, a não considerar demonstrado o quesito 22.º da base instrutória, isto é, que, na reunião havida no dia 28 de abril de 2011, «pretenderam as Rés assegurar-se de que, a partir daquele momento, a proposta da VINZEO seria rejeitada pela Autora, de modo a que o negócio se concluísse com as Rés no prazo máximo de um mês».

45.ª Porém, ainda que o Tribunal a quo não tenha andado bem neste concreto ponto da sua decisão – na medida em que a demonstração cabal desse quesito resulta de prova produzida nos autos com força probatória plena –, a verdade é que nada para além disso resulta da decisão recorrida.

46.ª Isto é, não corresponde à verdade que dos factos provados pelas instâncias tenha resultado que as Recorrentes aconselharam a Recorrida a manter a VINZEO “em carteira” no contexto das negociações paralelas que vinham mantendo, isto é, a não colocar um ponto final nas conversações com a VINZEO.

47.ª Aliás, nos autos resultou demonstrado precisamente o contrário:

(i) que as Recorrentes tinham interesse em que a VINZEO não entrasse no mercado português (cfr. facto provado DA));

(ii) que, como reação imediata à comunicação da Recorrida de que iria aceitar a proposta da VINZEO, as Recorrentes responderam que não o fizesse, e que ORIOL CORNUDELLA se deslocaria propositadamente a Portugal para superar a proposta da VINZEO,o que se verificou (cfr.factos provados J), KA), LA), MA)); e

(iii) que, por via da última Letter of Intent de 3 de maio de 2011, as Recorrentes passaram a exigir da Recorrida exclusividade de negociações, por três meses, inclusivamente com cláusula penal para o caso de incumprimento dessa condição, que consideraram vinculativa (cfr. factos provados K) e KB), bem como a LOI com tradução a fls. 675 dos autos).

48.ª É, pois, manifesto que, na reunião ocorrida a 28 de abril de 2011, e por via da LOI celebrada imediatamente em seguida, asRecorrentesnão só pretenderam que a sua proposta fosse aceite em detrimento da proposta da VINZEO, como efetivamente impuseram à Recorrida o cessar das negociações com aquela,

49.ª Tendo vinculado a Recorrida na referida LOI a «negociar exclusivamente com a Tech Data e não […] avançar com as matérias contidas nesta LOI com qualquer outra parte Outorgante que não seja a Tech Data», estabelecendo igualmente que «[a] Cedente e a sua Proprietária não […] continuarão […] quaisquer inquirições ou realização de propostas que se possam razoavelmente esperar que levem a uma proposta de fusão ou a outra forma de associação […] com qualquer outra parte que não seja a Tech Data», e, ainda, que, «[e]m caso de qualquer incumprimento desta exclusividade, a Cedente e a sua Proprietária reembolsarão a Tech Data de todos os custos razoavelmente incorridos».

50.ª Alegam ainda as Recorrentes que, «para que o Tribunal recorrido pudesse legitimamente concluir que a Interlog perdeu a oportunidade de encaixar €5.740.000,00 provenientes da Vinzeo, era necessário que tivesse ficado demonstrado o que não aconteceu que esta apresentou à Interlog uma “verdadeira” proposta, i.e., uma declaração que (…) uma vez aceite pela outra [parte] lugar ao aparecimento de um contrato». Isto é, na tese das Recorrentes, deveria ter ficado assente «que a referida quantia ingressaria inquestionavelmente na esfera jurídica da Interlog» (cfr. p. 36 das alegações).

51.ª É, porém, manifesto que esta tese das Recorrentes – cujo sentido nem sequer se alcança e que, aliás, surge amparada numa fundamentação da 1.ª instância que foi revogada pela decisão recorrida – não apresenta a mínima valência para os presentes autos.

52.ª Aliás, é totalmente errado o entendimento de que o ressarcimento pelo interesse contratual negativo pressuponha a certeza da ocorrência do dano.

53.ª E, justamente por isso, não foi nesse pressuposto que o Tribunal a quo fundou a sua decisão de condenar as Recorrentes, mas tão-só na elevada probabilidade, que resultou dos autos, de a Recorrida ter perdido a oportunidade de receber a quantia de € 5.740.000,00 pela venda do seu negócio à VINZEO (cfr. p. 70 do acórdão recorrido).

54.ª Essa elevada probabilidade resulta de toda a matéria de facto provada – e em especial a dos pontos EA), FA), GA), IA), JA) e J) – que, sem esforço, permite chegar à conclusão de que, não fosse a conduta das Recorrentes, a Recorrida encaixaria, com elevada probabilidade o valor de € 5.740.000,00, relativo à aceitação da proposta da VINZEO.

55.ª Com efeito, é entendimento uniformizado da doutrina e da jurisprudência que a indemnização deve ser arbitrada «quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto e o dano final, mas simplesmente que as probabilidades de obtenção de uma vantagem […] foram reais, sérias, consideráveis».

56.ª Pelo que, como é notório, o Tribunal a quo esteve bem em toda a linha.

57.ª Sucede, por outro lado, que é também falso o aventado pelas Recorrentes no sentido de não ter sido «alegado, nem provado, que o fim das negociações comunicado pela Tech Data inviabilizou a realização de novas negociações entre a Interlog e a Vinzeo» (cfr. p. 18 das alegações),

58.ª Quando foi isso exatamente o que resultou dos factos provados UA), S), MB) e Z), isto é: (i) que a Recorrida rejeitou definitivamente a proposta da VINZEO, justamente por confiar na seriedade da proposta das Recorrentes, (ii) que a 19 de agosto de 2011, escassos dois meses após a ruptura de negociações pelas Recorrentes, estas celebraram diretamente com a APPLE um contrato de distribuição para o território português, e que (iii) a Recorrida não teve, em tão curto espaço de tempo, possibilidade de reatar quaisquer negociações, nem capacidade para reorientar a sua atividade de distribuição para outro produtor, atenta a inexistência de outra marca disponível no mercado que constituísse uma alternativa equivalente.

59.ª As Recorrentes falham, por isso, deliberadamente, para com a verdade nas suas alegações.

60.ª Mas as Recorrentes ensaiam ainda um último argumento nas suas alegações, nos termos do qual o valor do interesse contratual negativo da Recorrida não poderia ter sido fixado nos € 5.740.000,00, pela suposta razão de a VINZEO, não tivesse sido a concorrência estabelecida com as Recorrentes nas negociações, e dificilmente se disporia a elevar a sua proposta para tais valores.

61.ª Tal alegação, porém, assenta em pura especulação das Recorrentes, não suportada em quaisquer dados reais do processo, sendo manifesto, bem ao invés, que o que resultou inscrito no rol dos factos provados no presente processofoique€5.740.000,00foiefetivamenteovalorqueaVINZEO se dispôs a pagar pelo negócio da Recorrida, e que esta, por sua vez, se preparava para aceitar tal proposta (cfr. factos provados GA) e J)).

62.ª As Recorrentes não lograram efetuar qualquer contraprova desse valor e dessa factualidade.

63.ª Pelo que improcedem, em face de tudo o exposto, as alegações de Revista das Rés.

DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DA REVISTA:

64.ª Subsidiariamente, prevenindo a necessidade da sua apreciação, a Recorrida requer a ampliação do objeto do presente recurso, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 636.º, n.os 1 e 2, do CPC.

65.ª O quesito 22.º – «Pretenderam as Rés assegurar-se de que, a partir daquele momento, a proposta da VINZEO seria rejeitada pela Autora, de modo a que o negócio se concluísse com as Rés no prazo máximo de um mês?» – foi erradamente dado como não provado pelas instâncias.

66.ª Com efeito, a sua demonstração, ainda que em termos parciais, resultou nos presentes autos com força probatória plena: prova por confissão e prova por documento reconhecido e não impugnado por nenhuma das partes.

67.ª Desde logo, pelas Recorrentes foi confessado em sede de depoimento de parte que «após a assinatura da carta de intenções, as negociações entre a Interlog e a Tec Data seriam exclusivas durante um período de 2 a 3 meses» (cfr. ata da sessão de julgamento de 03.02.2016, entre as 09h30 e as 13h45).

68.ª Assim, com a elaboração e assinatura  da última Letter of Intent, as Recorrentes quiseram efetivamente retirar da equação a sua concorrente VINZEO, por forma a poderem negociar em exclusivo com a Recorrida, sem indesejadas interferências de terceiros.

69.ª E isso mesmo é o que resulta dos termos apostos pelas Recorrentes na dita Letter of Intent (cfr. fls. 101-102 e tradução a fls. 675-676 dos autos, e facto provado KB)), documento que foi aceite por ambas as partes no presente processo, assumindo assim força probatória plena, nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 1, e 375.º, n.º 1, ambos do Código Civil.

70.ª Como se viu, resulta de tal documento que a Recorrida passou, a partir desse momento, a estar vinculada a «negociar exclusivamente com a Tech Data e não […] avançar com as matérias contidas nesta LOI com qualquer outra parte Outorgante que não seja a Tech Data», ficando proibida de encetar ou continuar   quaisquer              negociações   com  terceiros, e tendo-lhe sido inclusivamente imposta uma cláusula penal para o caso de incumprimento dessa obrigação de exclusividade.

71.ª Tudo isto resulta de meio de prova com força probatória plena, aliado à demais prova testemunhal produzida e ao facto igualmente provado de as Recorrentes terem tido interesse em que a VINZEO não entrasse no mercado português (cfr. facto provado DA)).

72.ª E tudo isto conduz irremediavelmente à conclusão de que que a intenção das Recorrentes na reunião de 28.04.2011, que precedeu a assinatura da carta de intenções de 03.05.2011, era inquestionavelmente que a Recorrida rejeitasse a proposta da VINZEO, ao que, aliás, vinculou a Recorrida na referida LOI.

73.ª Assim, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 636.º, n.º 2, e 674.º, n.º 3, do CPC a resposta dada ao quesito 22.º da base instrutória deverá ser alterada para parcialmente provada, no sentido de que «na reunião de 28 de abril de 2011, pretenderam as Rés assegurar-se de que, a partir daquele momento, a proposta da VINZEO seria rejeitada pela Autora», ou, no limite, deverá ao quesito ser atribuída uma resposta corretiva, no sentido de que «com a assinatura da LOI de 3 de maio de 2011, pretenderam as Rés assegurar-se de que, a partir daquele momento, a proposta da VINZEO seria rejeitada pela Autora».

Por outro lado,

74.ª O Tribunal a quo entendeu que «numa situação de responsabilidade pré-contratual, a indemnização deve abranger apenas a indemnização do dano negativo ou seja repor o lesado na situação que estaria se não tivesse iniciado as negociações para a celebração do contrato. Fica assim prejudicado o peticionado sob i) supra e também o peticionado em iii) que se refere ao negócio às consequências do incumprimento do negócio a celebrar (e não com a VINZEO)» (cfr. p. 70 do acórdão recorrido).

75.ª Contudo, caso outro venha a ser o entendimento do douto Tribunal ad quem, ou na hipótese – que verdadeiramente não se considera – de o recurso interposto vir a ser julgado procedente na parte em que sustenta a não verificação dos pressupostos dano e nexo de causalidade, a Recorrida tem interesse em ver apreciado o fundamento em que decaiu perante o Tribunal da Relação, consistente na condenação das Recorrentes na quantia global de €6.016.538,50 pelo seu interesse contratual positivo, correspondente ao preço proposto pagar pelas Recorrentes.

76.ª O caso dos presentes autos constitui exemplo paradigmático de um caso em que o facto ilícito se situa, já não tanto na sua negociação das Recorrentes contra os ditames da boa-fé, mas na própria ruptura de negociações ou na recusa de celebração do contrato, estando em causa, pois, a violação de um verdadeiro dever de celebração do contrato.

77.ª Tal dever é demonstrado nos autos pelos seguintes factos:

i. a Due Dilligence havia já sido concluída com sucesso;

ii. durante esse período, com colaboração mútua e permanente, realizaram-se inúmeras reuniões de trabalho nas instalações da Recorrida, em que se concretizaram aspetos práticos relacionados com a transmissão do negócio para a esfera das Recorrentes;

iii. todas as condições do contrato a celebrar se encontravam já definidas;

iv. as Recorrentes chegaram mesmo a afirmar que o seu advogado interno iria começar a preparar a minuta do contrato definitivo (cfr. fls. 672 dos autos);

v. a prestação da Recorrida encontrava-se, na prática, realizada, na medida em que havia já passado todos os dados do seu negócio para as mãos das Recorrentes;

vi. as Recorrentes inclusivamente passaram a utilizar o call center e o website da Recorrida, assim como o seu logótipo e a sua marca! (cfr. factos provados R), T), PA), QA), RA), SA) e YA))

78.ª Assim, sendo manifesto que, «[e]xcepcionalmente, cabe também na responsabilidade pré-contratual a indemnização pelo interesse contratual positivo, como nos casos em que ocorre uma clara violação da conclusão do contrato»19, é, pois, a atribuição dessa indemnização que expressamente se requer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 636.º, n.º 1, do CPC.

Finalmente,

79.ª Integra ainda o objeto dos presentes autos o pedido subsidiário de condenação das Recorrentes no valor de €3.000.000,00, a título de enriquecimento sem causa.

80.ª Tal pedido foi julgado improcedente pelo Tribunal de 1.ª instância, tendo a apreciação da Apelação interposta sido prejudicada nessa parte pelo douto Tribunal ad quem, em face da parcial procedência do pedido principal deduzido pela aqui Recorrida.

81.ª Assim, em caso de procedência da Revista a que ora se responde, e consequente revogação do acórdão recorrido – no que evidentemente não se concede –, atenta a inaplicabilidade do n.º 2 do artigo 665.º do CPC ao recurso de revista, ex vi artigo 679.º do CPC, impor-se-á a devolução dos autos ao segundo grau de jurisdição, para efetivo conhecimento da questão prejudicada.

82.ª Sem prejuízo, caso se entenda que o Supremo Tribunal de Justiça não se encontra impedido de se pronunciar sobre o segmento do recurso de Apelação que ficou prejudicado no acórdão recorrido, então é também isso que aqui se requer, subsidiariamente, e apenas nessa eventualidade.

83.ª Ora, nos termos do disposto no artigo 473.º, n.º 1, do CC, «[a]quele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou».

84.ª Com base neste pressuposto, a aqui Recorrida peticionou, para o caso de improcedência do seu pedido principal, a condenação dasRésa pagar, a título de enriquecimento sem causa, o justo valor do ativo imaterial (a informação e o goodwiill) que se viu definitiva e abusivamente adquirido por aquelas no contexto negocial que findou.

85.ª As instâncias deram corretamente como provado que as Rés receberam diretamente das mãos da Recorrida, ao longo de todo o processo negocial e com especial incidência na fase de due dilligence, um vasto manancial de informações, designadamente, relativas à sua rede de distribuição, aos seus clientes e às vendas por cada cliente e por tipo de produto, ao seu modelo de funcionamento, à sua estrutura organizativa e de pessoal, incluindo as respetivas remunerações (facto provado I)),

86.ª Bem como que, no final dessa due dilligence, as Rés ficaram efetivamente na posse de toda a informação sobre o negócio APPLE em Portugal, nomeadamente, (a) modelos de negócio, (b) lista de clientes e respetivos contratos, (c) rede de distribuição, (d) equipa de pessoal, (e) procedimentos internos da Autora, (f) sistemas de informação, e (g) balanço e contas, informação que as Rés ainda hoje mantêm na sua posse (factos provados R), RA), SA) e YA)),

87.ª Que, uma vez transmitida toda essa informação para as Rés, estas adquiriram um conhecimento da situação da Recorrida na distribuição de produtos APPLE no mercado português que não teriam de outro modo (facto provado SA));

88.ª E, ainda, que o investimento feito pela Recorrida ao longo de 23 anos de atividade e a força da marca APPLE conferiam ao negócio de distribuição da Recorrida um valor, para além das coisas físicas (goodwill), porém não determinado (facto provado TB)).

89.ª A esta luz, é por demais evidente e manifesto o erro em que incorreu o Tribunal de 1.ª instância ao decidir que todo o know-how, goodwill e informações adquiridas pelas Rés não tinham qualquer valor.

90.ª E isso mesmo foi liminarmente reconhecido pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa, que, numa frase absolutamente lapidar, reconheceu que «em suma: a Tech Data ficou com tudo o que era bom na Interlog…» (cfr. p. 40 do acórdão).

91.ª Por outro lado, é igualmente patente nos autos, resultando dos termos da Letter of Intent de 03.05.2016, que as Rés se dispunham a pagar uma quantia de 5,5 milhões de euros pelo goodwill, lista de clientes e relação com a APPLE da Recorrente (cfr. 99 e 673).

92.ª O dano sofrido pela Recorrente é, por isso, manifesto, e ascende, conforme peticionado, a valor não inferior a € 3.000.000, nos termos vistos e decorrentes, aliás, da própria carta de intenções.

93.ª Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por cautela de patrocínio, então não deverá o douto Tribunal ad quem deixar de fixar o valor da justa indemnização com recurso aos critérios da equidade, ou, alternativamente, relegar para a fase de execução de sentença a liquidação do correspondente dano.

E conclui:

“a) Deve o recurso das Rés ser julgado improcedente, por não provado;

Subsidiariamente,

b) Em caso de procedência de algum dos fundamentos do recurso, deverá ser concedido provimento à requerida ampliação do seu objeto, nos termos e com os fundamentos expostos, com as legais consequências.”

16. As Rés vieram responder à ampliação do objeto do recurso, concluindo pela sua improcedência.

17. O Tribunal da Relação proferiu Acórdão em 28-05-2020, no qual considerou que inexistia nulidade da notificação da decisão, mas sim vício de julgamento, por falta de fundamentação de fls. 70. Assim, procedeu à retificação de erros ou lapsos de escrita, conforme aí consta, e completou a fundamentação da parte final da página 70, concedendo às partes a faculdade de alegarem quanto a esta parte.

18. As Rés/Recorrentes apresentaram novas alegações, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

Da nulidade do Acórdão recorrido por excesso de pronúncia

1.ª Conforme decorre do princípio do dispositivo, cabe às partes, e apenas às partes, alegar nos articulados os factos principais da causa, i.e., os que integram a causa de pedir e os que fundam as excepções (cfr. art.º 5.º e 552.º, n.º 1, al. d), ambos do CPC).

2.ª O tribunal não pode reconhecer um direito baseando-se em factos que a parte não alegou ou que alegou a respeito de outro direito ou com outro propósito, nem tão pouco pode o tribunal substituir-se às partes na qualificação de certo facto como “dano” resultante de uma suposta perda de chance.

3.ª A “perda de chance” jamais foi alegada ou invocada pela Interlog ao longo de todo o processo.

4.ª Com efeito, o pedido respeitante ao alegado montante que a Interlog deixou de encaixar proveniente Vinzeo foi sempre formulado exclusivamente na perspectiva de um ressarcimento por por interesse contratual negativo.

5.ª Nas alegações de recurso de apelação da Interlog, a formulação do pedido manteve-se inalterada, bem como os seus pressupostos fácticos e jurídicos.

6.ª A Interlog pretendia, portanto, ver ressarcidos os lucros cessantes do interesse contratual negativo, ou seja, o lucro que teria obtido não fora a verificação do evento lesivo – no caso, e alegadamente, a violação da confiança criada em relação à concretização do contrato.

7.ª Ao invés, a perda de chance é uma figura autónoma, que visa a ressarcibilidade de oportunidades que, com um grau de probabilidade sério e real, foram perdidas pelo lesado, por causa adequadamente imputável a terceiro.

8.ª Para que o Tribunal recorrido pudesse legitimamente conhecer e condenar a Tech Data com apelo à doutrina da perda de chance, era necessário, desde logo, que a Interlog tivesse alegado os factos constitutivos dessa pretensão, o que não aconteceu.

9.ª A autonomia da perda chance implica, inexoravelmente, a autonomia dos seus pressupostos – i.e., os mesmos não são assimiláveis aos de uma indemnização correspondente aos lucros cessantes do interesse contratual negativo – sob pena de se desvirtuar a razão-de-ser desta figura.

10.ª Ao decidir nestes termos, o Tribunal recorrido incorreu em excesso de pronúncia, padecendo o Acórdão recorrido, na parte em que foi completado com apelo à perda de chance, de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), aplicável ex vi art. 666.º, n.º 1, todos do CPC.

Sem conceder,

Da nulidade do Acórdão recorrido por consubstanciar uma “decisão-surpresa

11.ª Sem prejuízo do exposto, o Acórdão recorrido está ainda ferido de nulidade, uma vez que conheceu, a título definitivo, de uma determinada questão de direito sem previamente ter dado às partes a possibilidade de sobre ela se pronunciarem.

12.ª Nessa medida, o Acórdão a quo configura uma “decisão-surpresa”, violadora do princípio do contraditório e, por inerência, da garantia de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (cfr. art.º 20º da Constituição da República Portuguesa «CRP»).

13.ª Consabidamente, o princípio do contraditório proíbe que o tribunal tome conhecimento de questões, ainda que de apreciação oficiosa, sem que as partes tenham tido prévia oportunidade de sobre elas se pronunciarem, a não ser que a sua audição se revele manifestamente desnecessária.

14.ª O Tribunal recorrido incorreu precisamente neste vício, porquanto: (i) nunca a perda de chance foi alegada, invocada ou sequer indiciada pela alegação de qualquer das partes, em momento algum do processo; e (ii) não foi dada oportunidade às partes para se pronunciarem previamente à configuração definitiva e inovatória dos factos.

15.ª Tanto que a Tech Data sempre perspectivou e organizou a sua defesa, ao longo de todo o processado, na óptica de um pedido de uma indemnização formulado à luz dos princípios e regras da responsabilidade pré-contratual, e das suas eventuais (em abstracto) vias ressarcitórias, i.e. o interesse contratual positivo ou negativo.

16.ª A omissão do prévio exercício do contraditório relativamente à questão da “perda de chance”, que foi suscitada oficiosamente e que ditou o desfecho da acção, implica a nulidade do Acórdão recorrido, nos termos do art.º 615, n.º 1, al. d) do CPC, ex vi art.º 666.º, n.º 1, ambos do CPC.

17.ª Assim, é inconstitucional, por violação do artigo 20º, n.º 4, da CRP, mais especificamente por violação do direito ao contraditório, a interpretação dos artigos 3.º, nº 3, e 5.º do CPC, segundo a qual, o Tribunal recorrido poderia atribuir uma compensação indemnizatória à luz da doutrina da “perda de chance”, sem que esta tenha sido invocada e discutida no processo e sem que forme parte do pedido, não concedendo previamente às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa matéria, o que desde já se deixa invocado.

Sem prejuízo,

Da inexistência de dano por “perda de chance”

18.ª A doutrina da perda de chance é inaplicável ao caso em apreço.

19.ª Mesmo que esta doutrina fosse aplicável, no caso, não se encontram preenchidos os respectivos requisitos de aplicação.

20.ª A “chance” consiste numa probabilidade séria e real de o lesado obter uma vantagem que, segundo um juízo de prognose, era razoável supor que almejasse.

21.ª Assim, exige-se uma demonstração, segundo um juízo probabilístico, da consistência e seriedade da perda de oportunidade de obter uma vantagem, independente do resultado final frustrado, que terá de ser aferido casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados.

22.ª Significa isto que, mesmo admitindo a autonomização desta figura, exige-se que a determinação do dano indemnizável se baseie nas probabilidades que a oportunidade tinha de se verificar, nunca se concedendo, mesmo perante fortíssimas probabilidades, mais do que uma indemnização parcial.

23.ª Destarte, o dano por «perda de chance» não é visto como um lucro cessante, mas antes como um dano emergente, dado que a oportunidade corresponderia a um benefício já adquirido pelo lesado, e de que este veio a ser privado.

24.ª O que claramente não corresponde ao caso em apreço.

25.ª Assim, só seria concebível, pelo menos em tese, a condenação da Tech Data no pagamento de € 5.740.000,00 se e na medida em que tal correspondesse a uma indemnização que abarcasse a totalidade dos lucros cessantes, o que manifestamente exorbita as fronteiras da doutrina da perda de chance.

26.ª Por outro lado, tão pouco estão preenchidos os pressupostos de aplicação desta figura autónoma.

27.ª Desde logo, salienta-se a inexistência de uma “chance” perdida, porquanto, recorde-se, as instâncias deram como não provado que a aceitação da proposta da Vinzeo representaria para a Interlog o encaixe de € 5.740.000,00 (cinco milhões, setecentos e quarenta mil euros).

28.ª Configurando a “perda de chance” um valor que não pode ser negado ao seu titular e que está contido no seu património, impunha-se, logicamente, que tal estivesse reflectido nos factos materiais fixados pelas instâncias, o que manifestamente não se verifica.

29.ª Por outro lado, tão pouco se demonstrou que a frustração da suposta oportunidade negocial perdida pela Interlog pode ser imputada à Tech Data, uma vez que foi amplamente evidenciado que a decisão de rejeição da proposta da Vinzeo foi tomada pela Interlog no exercício da sua liberdade negocial.

30.ª Neste sentido, também por aqui não existe base para suportar a conclusão do Tribunal recorrido, no sentido de que a referida oportunidade estava “devidamente comprovada” e, muito menos, que a sua frustração foi “seguramente causada” pela Tech Data.

31.ª Consequentemente, tratando-se de uma oportunidade negocial meramente hipotética e sem qualquer (ou muitíssimo reduzida) probabilidade de consecução, nunca se poderia concluir que a Interlog iria receber aquele montante.

32.ª Por fim, e por mero dever de patrocínio, note-se que mesmo no domínio da ressarcibilidade do dano por «perda de chance», não se dispensa a alegação e prova dos pressupostos da responsabilidade civil; em particular, continua a exigir-se o nexo de causalidade entre o acto ilícito e a perda dessa (alta) probabilidade de ganho.

33.ª Não é possível configurar o negócio com a Vinzeo como uma oportunidade que a Interlog efectivamente perdeu, por razões imputáveis à Tech Data.

34.ª Por outro lado, tão-pouco o referido nexo de causalidade estaria preenchido, porquanto o alegado facto ilícito imputado à Tech Data – i.e., a cessação das negociações com a Interlog – não é causa adequada da “perda da oportunidade” em cujo ressarcimento foi agora condenada pelo Tribunal recorrido.

35.ª Enfim, é totalmente infundado convocar a figura do dano por «perda de chance», como fez o Acórdão recorrido, quando não se logrou provar o necessário nexo causal entre o facto e o dano.

Sem conceder,

36.ª Por outra banda, ainda que se entendesse, na linha de alguma jurisprudência, que a ressarcibilidade do dano por perda de chance não está condicionada à demonstração do referido nexo causal, nem assim a atribuição de uma indemnização à Interlog teria qualquer cabimento.

37.ª Com efeito, a Tech Data cessou justificadamente as negociações com a Interlog, não tendo criado qualquer situação de confiança relativamente à celebração do negócio com esta última.

38.ª Além disso, sempre seria manifestamenteinjusto e desajustado condenar a Tech Data na reparação de um dano (i.e., a suposta “oportunidade perdida”) que, por um lado, não provocou, e que, por outro, não se gerou na esfera jurídica da Interlog.

39.ª Nestes termos, e por tudo o exposto, Acórdão recorrido violou, assim, o disposto nos arts. 227.º, 483.º, 562.º, 563.º e 564.º, todos do Código Civil (“CC”), na medida em que considerou erradamente que a Interlog tinha perdido uma «chance» merecedora de tutela jurídica, em montante equivalente à totalidade dos lucros cessantes (do interesse contratual negativo) que almejava.

40.ª Em face do acima exposto, o Supremo Tribunal de Justiça dispõe de todos os elementos necessários para proferir imediatamente decisão quanto ao fundo da causa, absolvendo integralmente a Tech Data dos pedidos formulados contra si, independentemente da configuração que lhes seja atribuída.


E conclui: “deve a presente revista ser julgada procedente e, consequentemente:

a) Declarada a nulidade do Acórdão recorrido; e

b) Integralmente revogado o Acórdão recorrido e, como consequência dessa revogação, que seja proferida decisão de absolvição das Recorrentes dos pedidos contra si formulados”.

19. A Recorrida veio responder, concluindo “como nas contra-alegações, devendo a revistadas Rés ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e, subsidiariamente, apenas no caso de procedência de algum dos seus fundamentos, ser concedido provimento à peticionada ampliação do seu objeto, nos termos requeridos, com as legais consequências.”

20. Em 10-09-2020, o Tribunal da Relação de Lisboa prolatou novo Acórdão, no qual indeferiu as invocadas nulidades por excesso de pronúncia e decisão surpresa. Fundamentou dizendo que a existir nulidade seria a prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por ambiguidade inderrogável. Esclareceu que a expressão utilizada, perda de chance, foi no sentido de perda de oportunidade, que é indemnizável pelo interesse contratual negativo na responsabilidade civil, a par dos lucros cessantes próprio sensu, acrescentando que resulta claramente do contexto qual o significado com que tal expressão foi utilizada e nunca poderia ser o ligado à figura francesa do mesmo nome que só por erro grosseiro ou outra qualquer razão inimaginável mas nunca normal, podia ser convocada para este processo.

21. Cumpre apreciar e decidir.


II Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- da nulidade da notificação do Acórdão recorrido, nos termos dos artigos 253.º e 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil;

- da decisão surpresa;

- da nulidade do Acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão e por excesso de pronúncia - artigos 615.º, n.º 1, als. c) e d), ex vi artigos 666.º e 679.º, todos do Código de Processo Civil – cf., ainda, 674.º, n.º 1, al. c) do mesmo diploma legal;

- do erro de julgamento na aplicação dos artigos 227.º, 562.º, 563.º e 564.º do Código Civil, por não se mostrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade pré-contratual.


III Fundamentação

1. É a seguinte a factualidade dada como provada (após a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de acordo com a ordem que daí resultou, com vista a uma mais fácil apreensão):

1.1. (V) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica, desde cerca de 1988, exclusivamente à distribuição de produtos da APPLE, em Portugal, com base num contrato de distribuição, adquirindo-lhe a propriedade dos produtos para os revender a retalhistas, tendo sido a única distribuidora dos produtos da referida marca no território português, à exceção do iPhone, pelo menos até 2008, ano em que a Apple assumiu a loja on line; desde 2009, Apple assumiu vendas diretas à FNAC (resposta restritiva / explicativa ao n.°1 da BI).

1.2. (W) Ao longo dos anos, a Autora estruturou a sua organização e dimensionou-se em termos de meios humanos em função desta sua única atividade, de distribuição de produtos APPLE (resposta ao n.º 2 da BI).

1.3. (X) Toda a atividade da A. se organizou para a distribuição de produtos APPLE, incluindo a formação dos seus técnicos, designadamente, no sentido de seguirem as guidelines e exigências da APPLE (resposta ao n.º 3 da BI).

1.4. (Y) A Autora não tem outros parceiros comerciais além da APPLE, sendo esta a única marca que representa e distribui em Portugal (resposta ao n.º 4 da BI).

1.5. (Z) A A. não pôde reorientar a sua atividade de distribuição para outro produtor, dada a inexistência de qualquer outra marca disponível (sem que estivesse alocada a outro distribuidor) no mercado que constitua uma alternativa equivalente (resposta restritiva / explicativa ao n.º 5 da BI).

1.6. (A) A 1.ª Ré é a líder de mercado da distribuição de Tecnologia de Informação em Portugal, representando e distribuindo os produtos dos principais fabricantes do sector, servindo um vasto número de empresas revendedoras de informática em cada um dos canais a que se dirigem, grandes empresas, PME's e consumo.

1.7. (B) A 2a Ré, insere-se na sociedade holding que gere as participações das várias sociedades europeias Tech Data, sendo estas líderes no mercado europeu da distribuição de Tecnologias de Informação, estando presente em 17 países europeus, emprega mais de 4.450 pessoas, e representa, entre outras marcas, a Acer, a Adobe, a Apple, a Asus, a Canon, a Cisco, a Fujitsu-Siemens, a Hewlett-Packard, a Intel, a Kingston, a Lenovo, a Microsoft, a Nortel, a Samsung, a Seagate, a Sony, a Symantec, a Toshiba, a Western Digital, a Xerox.

1.8. (C) A Tech Data gerou, a nível mundial, 22,1 mil milhões de dólares em volume de vendas, no ano fiscal que terminou a 31 de janeiro de 2010.

1.9. (D) À data da propositura da ação, as Rés não representavam, nem distribuíam os produtos APPLE, em Portugal.

1.10. (E) Até 31 de março de 2011, a Autora era designada por “Value Added Distributor” (“VAD”) da APPLE, sendo essa relação contratual governada pelos seguintes documentos:

(i) “Apple Authorized Distributor Agreement”, assinado pela Interlog a 24 de janeiro de 2008;

(ii) “Value Added Distribution Addendum”;

(iii) “Practices and Procedures - Apple authorization process for Authorized Channel Members”;

(iv) “Sales and Business Policies for Apple Value Added Distributors” (no seu conjunto, “Acordo VAD”) - cfr. Documentos de fls. 35 a 80, tradução de fls. 540 - 567.

1.11. (F) A partir de 1 de abril de 2011, a Autora passou a ser apenas um “Authorized Distributor” (AD) da APPLE, sendo a atual relação contratual com a APPLE titulada formalmente pelos seguintes documentos:

(i) carta da Apple de 16 de agosto de 2010, sobre a revisão do acordo de distribuição existente, incluindo “Ammendment to the Apple Authorized Distributor Agreement”, assinado pela Interlog a 20 de outubro de 2010;

(ii) “Apple Authorized Distributor Agreement”, tal como revisto pela carta de 16 de agosto de 2010;

(iii) “Sales and Business Policies for Apple Authorized Distributors” (no seu conjunto, “Acordo AD”) — cfr. documentos de fls. 81 a 97, traduzidos de fls. 595 a 630.

1.12. (N) Nos termos do contrato que vinculava a Autora à Apple, referido em E) e F), esta podia, em qualquer momento, introduzir no mercado novos distribuidores bem como podia, ela própria, vender os produtos abrangidos pelo contrato em questão diretamente aos revendedores e outras pessoas no território (cláusula 2.2 dos contratos).

1.13. (O) Nos termos do doc. referido em F), a Apple, em 16 de agosto de 2010, comunicou à A. que “(...) o mercado português e a presença da Apple nesse mercado, tem-se alterado durante os últimos anos (...) e que, em consequência, “(...) a prestação de serviços de valor acrescentado deixará de ser necessária (...)”, bem como sabia que “(...) a intenção de prorrogar o Prazo do Contrato de Distribuidor Autorizado da Apple com a Interlog por um prazo adicional de 1 ano, ou seja, até 31 de Março de 2012 (...) estaria sujeita à aceitação das alterações propostas pela Apple nos documentos anexos à carta de 16 de Agosto de 2010”.

1.14. (AA) Os termos contratuais que entrariam em vigor a partir de 1 de abril de 2011 correspondiam aos termos aplicáveis em países europeus em que a Tech Data é distribuidora da APPLE (n.º 7 da BI).

1.15. (U) As Rés conheciam as condições contratuais que constavam do denominado contrato standard da Apple.

1.16. (G) A Autora faturava cerca de 30 milhões de euros por ano.

1.17. (K) O negócio Apple em Portugal revestia-se de interesse para a Tech Data Portugal (n.º 6 da BI).

1.18. (O) As Rés remeteram à Autora, para análise a assinatura, em 26 de outubro de 2010, um documento intitulado de “mutual confidentiality agreement”, cuja tradução se encontra junta a fls. 399 a 403, do qual consta além do mais que “A Tech Data e a Companhia desejam considerar certas possíveis transacções comerciais ou relacionamentos (...)” sendo que nada neste acordo “(...) obriga qualquer das partes a entrar numa possível transacção ou a negociar a possível transacção (...)”.

1.19. (P) A Autora propôs, em 28 de outubro de 2010, algumas alterações ao texto do documento referido em O) nos termos constante do documento de fls. 405 a 408, alterações essas que foram aceites pelas Rés, nos termos do documento junto a fls. 410 a 413.

1.20. (T) No documento referido na al. K), ficou refletida a utilização pela 1.ª, pelo prazo de seis meses, quer do call center quer do web site da A., quer do logótipo e marca da A..

1.21. (Q) As Rés remeteram à A., em 28 de dezembro de 2010, um documento intitulado “Expression of Interest (EOI)” no qual referiram que “(...) salientamos expressamente que esta carta é fornecida como uma expressão de interesse apenas, e é dada exclusivamente para o propósito de conversações entre vocês e a Tech Data. Esta EOI não é vinculativa, não se destina e não constitui uma oferta ou um compromisso de efectuar uma oferta ou de entrar numa transacção definitiva em qualquer momento, e não é uma oferta passível de aceitação (...).”, nos termos constantes do documento de fls. 419 a 421.

1.22. (R) Entre as partes foram ainda tidos em conta os documentos de fls. 423 a 425, 427 a 432, denominados de “Expression of Interest” e “Letter of Intent”, datados de 23 e 29 de março de 2011, respetivamente, e uma denominada “Letter of Intent”, datada de 7 de abril de 2011.

1.23. (EB) Nas reuniões havidas em outubro de 2010 entre as partes, as Rés deixaram claro à Autora que as mesmas se destinavam a analisar possibilidades e oportunidades de negócio e que não constituíam nenhum vínculo ou compromisso em celebrar qualquer negócio.

1.24. (FB) A partir de novembro de 2010 as partes mantiveram contactos e continuaram a desenvolver conversações no sentido de analisarem possíveis modelos de negócio, de concretização sujeita à aceitação da Apple e à aprovação do Conselho Europeu da Tech Data.

1.25. (H) A VINZEO é concorrente da TECH DATA no mercado espanhol e não estava, à época, presente no mercado português.

1.26. (BA) Por indicação da APPLE, a Autora havia já, em março de 2010, iniciado negociações para aquele efeito com outro distribuidor, a VINZEO (n.º 8 da BI).

1.27. (CA) Em outubro de 2010, a 1.ª Ré contactou a Autora, manifestando interesse em adquirir a posição da Autora enquanto distribuidora da APPLE em Portugal (n.º 9 da BI).

1.28. (DA) Pelo que as Rés tinham interesse em que a VINZEO não entrasse no mercado português com a representação da marca APPLE (n.º 10 da BI).

1.29. (EA) Quando iniciaram o processo negocial, as Rés sabiam que a Autora já se encontrava a negociar com a VINZEO, sabendo esta também, a partir de novembro de 2010, que as Rés se haviam posicionado, em concorrência com aquela, nas negociações (n.º 11 da BI).

1.30. (FA) Fruto do processo negocial concorrencial estabelecido, tanto a VINZEO como as Rés foram acompanhando e superando respetivamente as propostas apresentadas pela outra parte (n.º 13 da BI).

1.31. (GA) As Rés propuseram à A. o pagamento de €5.500.000, enquanto a VINZEO se propunha pagar €5.740.000 e em ambas as propostas acresceria ao pagamento o valor do stock existente que estivesse em bom estado (n.º 14 da BI) - v. LOI de 7 de abril de 2011, fls. 388 g) e ss; LOI de 3 de maio de 2011, fls. 98 e ss/ 672 e ss, ambas relativamente à proposta das RR.

1.32. (HA) As Rés, em abril de 2011, propunham-se incluir nos seus trabalhadores 4 funcionários da Autora (v. LOI de 7 de abril de 2011 - fls. 388 g), enquanto a Vinzeo se propunha integrar 10 a 12 funcionários (n.º 15 da BI).

1.33. (IA) As Rés propunham-se suportar até €350.000 a título de indemnizações a pagar aos funcionários da Autora que neste contexto veriam findos os respetivos contratos de trabalho (n.º 16 da BI) - v. LOI de 7 de abril de 2011 - fls. 388 g.

1.34. (JA) A proposta da Vinzeo foi considerada pela A. mais favorável do que a das Rés, porquanto, designadamente (i) integrava um maior número de trabalhadores da Autora nos seus quadros; (ii) assumia o encargo correspondente a 15% dos custos inerentes à futura abertura de 10 lojas Apple (lojas APR) em Portugal ou, em alternativa, adquiria as duas lojas APR pelo valor de €1.000.000; e (iii) concedia um prazo suplementar de 55 dias para pagamento das faturas que viesse a emitir por conta de encomendas provenientes das lojas APR (n.º 17 da BI).

1.35. (J) A Autora informou as Rés de que se preparava para aceitar a proposta da VINZEO.

1.36. (KA) Como reação imediata ao referido em J) as Rés responderam que não o fizesse, que o director da Tech Data para Itália, Espanha e Portugal, Oriol Cornudella, se deslocaria propositadamente a Portugal, com vista a superar a proposta da VINZEO (n.º 18 da BI).

1.37. (LA) Face ao referido pelas Rés, a Autora aceitou reunir com o referido diretor no dia 28 de abril (n.º 19 da BI).

1.38. (MA) Nessa reunião, as Rés propuseram, além do preço de 5.5 milhões, (i) integrar nos seus quadros 12 trabalhadores da Autora; (ii) suportar €240.000 de indemnizações a pagar em virtude da cessação dos contratos de trabalho; (iii) pagar, a título de incentivo por cada abertura de loja APR, o montante de €30.000 e disponibilizar as pessoas com o know-how relativo ao negócio das lojas APR; (iv) conceder um prazo de 85 dias para pagamento das faturas que viessem a ser emitidas por conta de encomendas feitas pela Autora para essas lojas; e (v) conceder um desconto comercial de 1% sobre o valor de compras de outros produtos, que não de marca Apple, que a Autora viesse a efetuar para essas lojas (n.º 20 da BI) - v. LOI de 3 de maio de 2011, fls. 98 e ss / 672 e ss.

1.39. (NA) Nessa ocasião, o representante das Rés informou os responsáveis da Autora de que iria ter lugar no dia 3 de maio um encontro entre o Presidente da 2.ª Ré e o Presidente da APPLE EUROPA (n.º 21 da BI).

1.40. (OA) Na sequência do negociado entre Autora e Rés, a APPLE foi informada dos termos dessa negociação (resposta restritiva ao n.º 24 da BI).

1.41. (DB) O apoio da Apple nunca se confirmou facto de que a autora tinha conhecimento.

1.42. (K) No dia 3 de maio de 2011, foi assinado pela A. e 2.ª ré (Tech Data Europe) o documento junto a fls. 98 a 103 (tradução a fls. 672 e ss), com o título Project Cipango - Letter of Intent (LOI), cuja redação foi da lavra das rés.

1.43. (KB) Consta da LOI de 3 de maio de 2011, sob o item relativo a “Exclusividade”, o seguinte: “As obrigações estabelecidas ao abrigo da secção B permanecerão em vigor até que ocorra a primeira de (i) cessação formal, por escrito, das negociações pela Tech Data ou (ii) três (3) meses a contar da data desta LOI. Além disso, esta secção B caduca no prazo de um (1) mês a contar da data desta LOI desde que a Cedente tenha solicitado, mas não tenha recebido, dentro do supramencionado prazo uma conformação escrita da Tech Data que a Apple apoia esta Transação Proposta a contento da Tech Data” - doc. de fls. 98 e ss, 672 e ss.

1.44. (L) A Autora informou a VINZEO, em 4 de maio de 2011, de que havia escolhido a proposta das Rés, nos termos constantes do documento de fls. 104 traduzido a fls. 686.

1.45. (I) Durante esse período (de sete meses, negociações paralelas com as RR e com Vinzeo), a Autora forneceu a pedido das Rés informações relativas aos seus funcionários e ainda informações, designadamente, sobre a sua rede de distribuição; os seus clientes e as vendas por cada cliente e por tipo de produto; o seu modelo de funcionamento; a sua estrutura organizativa e de pessoal (incluindo as respetivas remunerações).

1.46. (PA) Iniciou-se, como previsto a Due Diligence, no âmbito da qual a Autora forneceu informação que as Rés lhe solicitaram, elencada na al. RA) (n.º 25 da BI).

1.47. (QA) A 31 de maio de 2011, a Autora foi informada pelas Rés de que a Due Diligence estava concluída e de que tinha corrido bem (n.º 26 da BI).

1.48. (RA) Nesse momento, as Rés estavam na posse de informação sobre o negócio APPLE em Portugal, nomeadamente: (a) modelos de negócio; (b) lista de clientes e respetivos contratos; (c) rede de distribuição; (d) equipa de pessoal; (e) procedimentos internos da Autora; (f) sistemas de informação; e (g) balanço e contas (n.º 27 da BI) - v. al. I) dos factos provados.

1.49. (RB) Durante a due diligence, em momento ulterior a 3 de maio de 2011, as RR aperceberam-se de que o preço da compra constante da LOI daquela data ficava aquém do necessário para a autora saldar as suas dívidas para com terceiros e recearam que esses terceiros credores, a Segurança Social e a própria Apple lhes exigissem responsabilidades após a celebração do negócio definitivo.

1.50. (SA) As Rés não devolveram, até hoje, qualquer documentação que receberam da Autora (n.º 28 da BI).

1.51. (YA) Toda a informação prestada pela A. às RR está na posse das Rés (n.º 39 da BI).

1.52. (TA) A recusa em concluir o contrato por banda das Rés, implicou que a autora não recebesse a quantia de €5.740.000, correspondente ao montante proposto pelas rés relativo ao goodwill, lista de clientes e relação e relação com a Apple e ao valor da indemnização por despedimento dos empregados não transferidos cujos contratos sejam rescindidos (resposta restritiva ao n.º 29 da BT) - v. al. MA e LOI de 3 de maio de 2011, fls. 98 e ss /672 e ss.

1.53. (UA) A Autora, confiando na seriedade da proposta apresentada pelas Rés, que pretendia aceitar, rejeitou a proposta da VINZEO (resposta restritiva ao n.º 33 da BT) - doc. de fls. 104, al. L.

1.54. (VA) Ao longo dos anos de atividade, a Autora construiu junto da Apple e dos revendedores em Portugal, uma imagem de seriedade, de competência, conhecimento do produto e de capacidade de resposta às necessidades do mercado (n.º 35 da BI).

1.55. (WA) A Autora deixou de poder satisfazer tais necessidades, vendo-se forçada a suspender os fornecimentos à rede de revendedores (n.º 36 da BI) - v. p.i. da autoria da A contra Apple Sales International, fls. 917 e ss, nomeadamente a arts, 31.º, 94.º, 96.º a 99.º.

1.56. (XA) A A. passou a ser vista no mercado como uma empresa que não consegue responder às necessidades do mercado (resposta restritiva ao n.º 37 da BI).

1.57. (S) Em 20 de setembro de 2011, a Autora recebeu um e-mail da Ré Tech Data, em que esta publicitava o seguinte: “A Tech Data celebrou recentemente um Contrato de Distribuição para todos os produtos e serviços Apple, excepto gama iPhone, válido para o território português” - cfr. Documentos de fls. 462 e ss.

1.58. (M) No dia 1 de junho de 2011, as Rés enviaram à Autora a carta que se junta a fls. 105, com tradução a fls. 689, na qual, em dois parágrafos, de 3 e 2 linhas respetivamente, comunicam que haviam decidido que naquele momento não era economicamente viável continuar com a transação no atual modelo proposto; “concluímos, consequentemente, que se torna necessário fazer uma notificação de cessação das negociações da transação proposta “Cipango” (...)”.

1.59. (GB) Para além do referido em M), as Rés contactaram telefonicamente a Autora, no sentido de lhe dar imediato conhecimento da decisão tomada e das razões de ser da mesma (n.º 53 da BI).

1.60. (HB) As razões referidas pelas Rés foram que:

- no final do mês de maio não tinham conseguido garantir o apoio da Apple no sentido de tornar economicamente viável o pagamento dos montantes então equacionados;

- a análise financeira entretanto efetuada pelos analistas especializados aos resultados apresentados pela Tech Data a nível mundial teve impacto nos negócios a nível europeu;

- ocorreu a queda significativa do valor das ações da Tech Data Corporation - doc. de fls. 388-q e 388-r (n.º 54 da BI).

1.61. (IB) A queda do valor bolsista da casa-mãe Americana e o resultado da análise efetuada pelos analistas financeiros aos resultados do primeiro trimestre do ano levaram a que a Tech Data Corporation deu instruções ao seu Conselho Europeu no sentido de este transmitir às Rés que as negociações em causa não poderiam vir a ser aprovadas (n.º 55 da BI).

1.62. (JB) A Autora não solicitou às Rés a devolução de qualquer documentação que lhe tivesse sido entregue durante as conversações nem durante a due diligence, nos termos do disposto na cláusula 5.ª do acordo de confidencialidade datado de 3 de novembro de 2010 (n.º 56 da BI).

1.63. (LB) Os resultados apresentados pela Tech Data a nível mundial relativos ao primeiro trimestre do ano foram satisfatórios.

1.64. (NB) Os resultados da Tech Data, a nível mundial, não foram negativos, antes positivos -cfr. facto assente sob a al. LB.

1.65. (OB) A evolução da cotação das ações da Tech Data, analisada entre 01/01/2010 e 30/12/2011 encontra-se plasmado nos documentos de fls. 2185 a 2187, sendo que:

- a 25/05/2011 cifrava-se em USD45.85 - cfr. fls. 2185;

- a 30/06/2010 cifrava-se em USD35.62 - cfr. fls. 2186;

- a 15/1 0/20 10 cifrava-se em USD42.12 - cfr. fls. 2187;

- a 20/05/2011 cifrava-se em USD53.57 - cfr. fls. 388-q.

1.66. (MB) Apples Sales International celebrou com Tech Data Espanha S.L.U., com data de 19 de agosto de 2011, o contrato cuja cópia consta de fls. 1151 e ss.

1.67. (PB) A Tech Data, no ano fiscal de 2012, correspondente ao ano civil de 2011, «fez duas aquisições empresariais no mercado europeu da distribuição de tecnologia: o negócio de distribuição da Mensch und Maschine Software SE, e um outro distribuidor de valor acrescentado de software especializado na Bélgica» - cfr. relatório anual da Tech Data Corporation para o ano fiscal findo em 31 de janeiro de 2012, p. 47, fls. 2271 vs. dos autos, sendo que a p. 4, fls. 2254 vs. dos autos se confirmam as «duas aquisições no mercado europeu de distribuição tecnológica) no ano fiscal de 2012, correspondente ao ano civil de 2011.

1.68. (QB) Relativamente ao negócio entre Tech Data Europe e MuM VAD Business, no valor de 41 milhões de dólares, a Comissão Europeia notificou as partes da sua posição de não oposição à concentração em 22/09/2011, estabelecendo provisional deadline a 27/10/2011 – cfr. doc. de fls. 2188.3.

1.69. (SB) Transmitida que foi a informação referida em RA) para as Rés, estas adquiriram definitivamente um conhecimento da situação da Autora na distribuição de produtos Apple no mercado português que não teriam de outro modo.

1.70. (TB) O investimento feito pela Autora ao longo de 23 anos de atividade e a força da marca Apple conferiam ao negócio de distribuição da Autora um valor, para além das coisas físicas (goodwill), porém não determinado.

 

2. Da nulidade da notificação do Acórdão recorrido, nos termos dos artigos 253.º e 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil

As Recorrentes invocam que a notificação do Acórdão recorrido padece de nulidade, nos termos dos artigos 253.º e 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, porquanto à data da apresentação das alegações de recurso o Acórdão recorrido permanecia incompleto a fls. 70, por ainda não ter ocorrido retificação, sendo tal parte da fundamentação essencial. E, caso assim não se entenda, há violação do direito fundamental das Recorrentes de acesso ao direito e ao tribunal (artigo 20.º da CRP), por não ser disponibilizada na íntegra a fundamentação do Acórdão recorrido.

Quando se notifiquem despachos, sentenças ou acórdãos, deve enviar-se, entregar-se ou disponibilizar-se ao notificado cópia ou fotocópia legível da decisão e dos fundamentos (artigo 253.º do Código de Processo Civil).

E nos termos do disposto no artigo 195.º do Código de Processo Civil, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa.


No caso presente, o Tribunal da Relação de Lisboa procedeu ao complemento da fundamentação de fls. 70 do Acórdão recorrido, nos termos do acórdão datado de 28-05-2020, e concedeu às partes prazo para alegarem quanto a esta parte da fundamentação.

Recorrentes e Recorrida apresentaram novas alegações atinentes a esta parte.

Assim, mostra-se sanada a nulidade cometida.


3. Da nulidade do Acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão

As Recorrentes sustentam que o Acórdão recorrido padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão (artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil), uma vez que o tribunal recorrido julgou não provado que a aceitação da proposta da Vinzeo representaria para a Recorrida o encaixe de €5 740 000,00, pelo que a decisão, em termos lógicos, seria a de absolver a Ré do pagamento da indemnização.

Sobre a questão da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, o STJ tem decidido que a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do Código de Processo Civil, só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído. No caso concreto dos autos, sobre esta nulidade, o Tribunal da Relação de Lisboa sustenta que “o vício arguido nada a tem a ver com esta hipótese, pois o que as recorridas alegam é uma contradição entre um facto não provado – a aceitação da proposta da Vinzeo por banda da recorrente representaria para esta um encaixe de € 5 740 000,00 – e o teor do dispositivo (que condena as recorridas em igual montante).

Ora, tal vício a existir configuraria um vício de julgamento e não um error in procedendo que é o que está em causa no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC.”.

Como se afirma no Ac. do STJ de 30-04-2019 (Revista n.º 451/15.6T8SEI.C1.S2), “Constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC, só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído. Assim, não ocorre este vício se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável ou se, porventura, errou na indagação de tal norma ou na sua interpretação.”.

Assim, não se verifica a nulidade invocada, pois inexiste qualquer oposição entre a fundamentação e a decisão, sendo que o que poderá ocorrer é tão só um erro na subsunção dos factos provados às normas jurídicas aplicáveis ao caso.


4. Da nulidade do Acórdão recorrido por excesso de pronúncia

As Recorrentes referem que o Acórdão recorrido padece de nulidade por excesso de pronúncia (cf. artigo 615.º, n.º 1, al. d), ex vi artigo 666.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil), pois, tendo a Autora fundado o seu pedido no interesse contratual negativo, para ver ressarcidos os seus danos, não podia o Acórdão recorrido fundar a condenação das Rés/ora Recorrentes na perda de chance, que é uma figura autónoma, que visa ressarcir as oportunidades que, com um grau de probabilidade sério e real, foram perdidas pelo lesado, por causa imputável a terceiro.

O Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se, através de Acórdão datado de 10-09-2020, quanto a esta nulidade, pela sua improcedência, porque “a existir vício tal seria o da alínea c) e não o da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, isto é, ambiguidade inderrogável e não excesso de pronúncia.

Vejamos porquê.

A arguição das recorrentes assenta no facto de se ter utilizado em sede de apreciação do dano reparável a expressão "perda de chance".

Utilizámos um termo francês que se usa para a figura com o mesmo nome criada pela jurisprudência gaulesa, mas também com o significado de perda de oportunidade, que é indemnizável pelo interesse contratual negativo na responsabilidade civil ao lado dos lucros cessantes proprio sensu.

Ambiguidade tem sido compreendida como sinónimo de "equivocidade' e por isso a justificar a afirmação de acordo com a qual os enunciados são equívocos sempre que qualquer enunciado exprime significados contrastantes.

(…)

A expressão utilizada - perda de chance- não pode gerar ambiguidade sintáctica mas apenas semântica.

Todavia, resulta claramente do contexto qual o significado com que tal expressão foi utilizada e que nunca poderia ser o ligado à figura francesa do mesmo nome que só por erro grosseiro ou outra qualquer razão inimaginável mas nunca normal, podia ser convocada para este processo.

Sendo assim as coisas não há excesso de pronúncia nem qualquer ambiguidade que comprometa a compreensão da expressão usada, nem a fortiori decisão-surpresa.”.

A nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil “visa sancionar o desrespeito, pelo julgador, do comando contido na parte final do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, nos termos da qual o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Emerge desse preceito que a actividade judicativa (com excepção, naturalmente, das questões que o julgador deva conhecer oficiosamente) se mostra confinada ao objecto do litígio. É entendimento pacífico, tanto a nível doutrinário como a nível jurisprudencial, que a noção de “questões” à volta das quais gravita a referida infracção processual reporta-se aos fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e/ou nas excepções e, bem assim, aos pedidos formulados.”.

- Acórdão do STJ, de 9 de abril de 2019 (Revista n.º2296/17.0T8LRA.C2.S1) -

Ora, conforme bem explicitado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-09-2020, a condenação que se verificou a título de perda de chance foi tendo em consideração o significado de perda de oportunidade, indemnizável também pelo interesse contratual negativo na responsabilidade civil, conforme alegado pela Autora em sede de alegações de apelação.

 Desta forma, não se verificou qualquer pronúncia, no Acórdão recorrido, para além dos factos alegados pelas partes nem da qualificação jurídica trazidas aos autos pela Autora, pelo que também deverá ser considerada improcedente a presente nulidade invocada.


5. Da decisão surpresa

As Recorrentes invocam que o Acórdão recorrido foi uma decisão surpresa, uma vez que a perda de chance foi uma questão de direito nunca trazida aos autos pelas partes e, sem permitir o exercício do contraditório quanto a essa questão de direito, decidiu o desfecho da ação com base nesse instituto jurídico. Ao atuar desta forma violou também o artigo 20.º, n.º 4, da CRP, por violação do princípio do contraditório e, por inerência, da garantia de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, ao fazer-se uma interpretação dos artigos 3.º, n.º 3, e 5.º do Código de Processo Civil, segundo a qual, o Tribunal recorrido poderia atribuir uma compensação indemnizatória à luz da doutrina da “perda de chance”, sem que esta tenha sido invocada e discutida no processo e sem que forme parte do pedido, não concedendo previamente às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa matéria.

Independentemente da posição que se adote quanto à natureza da nulidade da decisão surpresa (se constitui uma nulidade processual sujeita ao regime dos artigos 195.º e 199.º do Código de Processo Civil ou uma nulidade prevista no artigo 615.º do Código de Processo Civil), considerando o desfecho considerado quanto à antecedente nulidade invocada e à explicação aí adotada, o Acórdão recorrido não constitui qualquer decisão surpresa, pois adotou a qualificação jurídica invocada pela Autora, em sede de alegações, a responsabilidade pré-contratual, condenando as Rés, em indemnização pela violação do interesse contratual negativo, na vertente de perda de oportunidade, não sendo uma questão nova como seria se estivesse a colocar-se no âmbito da questão da “perda de chance” (que como vimos não era a questão que o Tribunal da Relação de Lisboa abordou).

Assim, a nulidade invocada improcede e bem assim a violação do princípio do contraditório, por referência ao artigo 20.º, n.º 4, da CRP.


6. Dos pressupostos da responsabilidade pré-contratual

As Recorrentes impugnam o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu condená-las no pagamento da quantia de €5 740 000,00, com base nos seguintes fundamentos: “(…) estando demonstrado:

a) a criação de uma razoável confiança na autora de que as negociações chegariam a bom porto e o contrato final concluído;

b) o carácter injustificado da ruptura das negociações por parte da rés;

c) que, por causa das rés, e com forte probabilidade a autora perdeu a oportunidade de encaixar a quantia de €5 740 000,00, decorrente da aceitação da proposta da Vinzeo, mostra-se devidamente comprovada uma seguramente causada perda de chance susceptível de ser ressarcida.”.


A responsabilidade pré-contratual está prevista no artigo 227.º do Código Civil, nos seguintes termos, “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

Conforme se decidiu no Acórdão do STJ, de 10-12-2019 (Revista n.º 2096/15.1T8LSB.L1.S1), o nosso sistema judicial consagrou “(…) uma responsabilidade pré-negocial, baseada em culpa in contrahendo e fundada na exigência de boa fé objectiva no domínio das negociações preliminares e da conclusão justificadamente esperada dos contratos negociados. De facto, a confiança recíproca que se gera no decurso de um processo negocial (como reflexo necessário dessa boa fé como princípio de comportamento) gera um dever jurídico de atuação em conformidade com as expectativas justificadas da outra parte, concretizado em deveres jurídicos de conduta pré-contratuais. É a sua omissão censurável que, sendo causalmente adequada a produzir os danos imputáveis, origina e legitima a responsabilidade que se estriba no art. 227º do CCiv. Brevitatis causa, demanda-se, tendo por espelho o quadro e os pressuspostos de uma responsabilidade civil, um facto, activo ou omissivo, que preencha uma violação desses deveres pré-contratuais, imputável culposamente (com presunção legal) ao lesante e causalmente produtor de um dano.”.


A Senhora Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo, em anotação ao 227.º no Comentário ao Código Civil Anotado (Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, p.512), distingue três tipos de responsabilidade pré-contratual:

a) a responsabilidade pela conclusão de um contrato inválido ou ineficaz que, por esse motivo, causa danos a uma das partes;

b) a responsabilidade pela celebração de um contrato válido e eficaz de um modo tal que cause prejuízos a uma das partes;

c) responsabilidade pela ruptura das negociações.


É esta a modalidade que ora nos ocupa, e tal como as demais, qualquer pré-negociação deve pautar-se pelo comportamento das partes que obedeça aos deveres de segurança, lealdade e informação.

Na mesma anotação, prossegue a Senhora Juíza Conselheira (obra citada, pp. 512/514), “Mais importante é o facto da responsabilidade pré-contratual consistir indubitavelmente numa forma de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, exigindo-se que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil, i.e., facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano. (…) A doutrina e a jurisprudência têm, em grande medida, colocado a tutela da confiança como eixo de aferição do eventual desrespeito pelas regras da boa fé, o que implicará que ocorram os seguintes requisitos: um facto indutor da confiança por parte de um dos contraentes, a efectiva criação de confiança no outro contraente, o investimento de confiança por parte de quem confia e, por fim, a imputação da frustração da confiança a quem a induziu. (…) Na responsabilidade pela rutura de negociações, o lesado confiou justificadamente na prossecução das mesmas e o responsável violou deveres pré-contratuais de lealdade sendo obrigado a indemnizar. (…) Suscita-se a questão da natureza da responsabilidade pré-contratual. Tradicionalmente, a doutrina qualifica-a como responsabilidade obrigacional ou como responsabilidade delitual. Autores há que a consideram como exemplo de uma terceira via de responsabilidade, orientação que permite aplicar o regime de uma ou outra daquelas categorias de responsabilidade civil, em função do problema em causa. Convocar-se o regime da presunção de culpa do art. 799.º n.º 1, assim como, quanto à responsabilidade por actos de auxiliares, o disposto no art. 800.º, n.º 1. Diversamente, para além da sujeição ao regime da prescrição do artigo 498.º, por expressa remissão do n.º 2 deste preceito, tornam-se ainda aplicáveis a possibilidade de redução da indemnização em caso de mera culpa, prevista no artigo 495.º, e o regime da solidariedade do artigo 497. (…) Umas das questões mais controvertidas acerca do regime jurídico da responsabilidade pré-contratual consiste na determinação da forma de cálculo da obrigação de indemnização, designadamente no que se reporta à opção entre o ressarcimento do interesse contratual negativo do lesado ou do seu interesse contratual positivo. A posição maioritária da doutrina e da jurisprudência tem sido no sentido da defesa da indemnização pelo interesse contratual negativo, abrangendo, não apenas, danos emergentes, tais como, por exemplo, despesas tidas com as negociações, como também lucros cessantes, tais como a perda de oportunidades de negócio.”.


É verdade que inexiste uma obrigação de contratar, pois durante as negociações de um contrato a até à fase de contratualização, qualquer das partes pode, livremente, colocar termo às negociações.

- Cf., neste sentido, Galvão Telles, “Manual dos Contratos em Geral”, 2002, página 205, citado no Acórdão do STJ, de 10-09-2019 (Revista n.º 462/15.1T8VFR.P1.S2) -

No Acórdão do STJ, de 06-12-2018, (Revista n.º 3407/15.5T8BRG.G1.S2), escreveu-se o seguinte, para o que ora releva, “A ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa-fé; por isso não se pode concluir que só pelo facto de ter havido ruptura houve má-fé de quem rompeu eventuais negociações.

A simples entrada em negociações não pode ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada de conclusão do contrato. Haverá uma simples esperança de que tal suceda.

Diferente é a situação quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria, assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa.

Tal confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente.

Também Menezes Cordeiro, depois de salientar que nas negociações se têm, para com a outra parte, deveres de protecção, de informação e de lealdade e de distinguir nesta última categoria os devedores de sigilo, de cuidado e de actuação consequente, atribui a este último o seguinte conteúdo: “ ... não se deve, de modo injustificado e arbitrário, interromper uma negociação em curso, salvo, como é natural, a hipótese de a contraparte, por forma expressa ou por comportamento concludente, ter sido avisada da natureza precária dos preliminares a decorrer.”.


Ainda sobre a ilicitude, pronunciou-se o Acórdão do STJ, de 31-03-2011 (Revista n.º 3682/05.3TVLSB.L1.S1), “Com efeito, pelo facto de se relacionarem e de entrarem em contactos com vista a determinado negócio, as partes assumem certos deveres, ficando reciprocamente obrigadas a comportar-se nas negociações com boa-fé e lealdade ética.

A ilicitude nessa fase resultará, pois, da violação das regras da boa-fé subjacentes aos deveres de protecção (que impõem às partes a obrigação de se absterem de actuações susceptíveis de causar danos à outra parte) aos deveres de informação verdadeira (sobre todas as circunstâncias relevantes para a decisão da outra parte) e aos deveres de lealdade (prevenindo comportamentos desleais para a outra parte, de que é exemplo a ruptura unilateral e injustificada de negociações quando a outra parte já adquirira plena confiança na conclusão do negócio).

Na verdade, a relação – que podemos designar como jurídica – pré-contratual estabelecida com os contactos e negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) de elas se comportarem com lealdade e boa-fé implicam que, se no decurso das negociações uma das partes faz surgir na outra confiança razoável de que o contrato que se negoceia será concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os danos sofridos pela outra parte com a dita ruptura.

Os pressupostos de facto desta obrigação de reparação (responsabilidade) são, portanto:

- a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato;

- o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações;

- a produção de um dano no património de uma das partes;

- a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada”.


Assim, atendendo aos factos provados nas instâncias, em concreto aos seguintes:

- a Autora, enquanto “Authorized Distributor” da Apple (facto F), e as Rés, a primeira tinha interesse do negócio da Apple em Portugal (facto K), iniciaram contactos e conversações em 26-10-2010, com vista a que a 1.ª Ré adquirisse a posição da Autora enquanto distribuidora da Apple, em Portugal (factos P, Q, R, EB, FB), tendo, em outubro de 2010, a 1.ª Ré, contactado a Autora e manifestado interesse em adquirir essa posição da Autora (facto CA);

- ao iniciarem este processo negocial, era do conhecimento das Rés, que a Autora já se encontrava a negociar com a VINZEO, a referida posição contratual (facto EA);

- em virtude do interesse que demonstravam, no decurso das negociações, que as Rés, quer a VINZEO, foram acompanhando e superando respetivamente as propostas apresentadas pela outra parte (facto FA);

- quando a Autora comunicou às Rés que se preparava para aceitar a proposta da VINZEO (pagamento de €5.740.000, ao que acresceria ao pagamento o valor do stock existente que estivesse em bom estado, integrar 10 a 12 funcionários da autora, assumia o encargo correspondente a 15% dos custos inerentes à futura abertura de 10 lojas Apple (lojas APR) em Portugal ou, em alternativa, adquiria as duas lojas APR pelo valor de € 1.000.000, e concedia um prazo suplementar de 55 dias para pagamento das faturas que viesse a emitir por conta de encomendas provenientes das lojas APR – factos GA, HA, JA), em detrimento da proposta das Rés (pagamento de €5.500.000, ao que acresceria ao pagamento o valor do stock existente que estivesse em bom estado, incluir nos seus trabalhadores 4 funcionários da Autora, suportar até €350.000 a título de indemnizações a pagar aos funcionários da Autora que neste contexto veriam findos os respetivos contratos de trabalho – factos GA, HA, IA), a Rés responderam que não aceitasse a proposta da Vinzeo, sendo que o diretor da Techdata para Itália, Espanha e Portugal, Oriol Cornudella, se deslocaria propositadamente a Portugal, com vista a superar a proposta da Vinzeo (facto KA), o que a Autora aceitou, tendo reunido em 28-04-2011 (facto LA);

- Autora e Rés reuniram e as Rés propuseram à Autora o seguinte: pagamento de preço de 5.5 milhões, (i) integrar nos seus quadros 12 trabalhadores da Autora; (ii) suportar € 240.000 de indemnizações a pagar em virtude da cessação dos contratos de trabalho; (iii) pagar, a título de incentivo por cada abertura de loja APR, o montante de € 30.000 e disponibilizar as pessoas com o know-how relativo ao negócio das lojas APR; (iv) conceder um prazo de 85 dias para pagamento das faturas que viessem a ser emitidas por conta de encomendas feitas pela Autora para essas lojas; e (v) conceder um desconto comercial de 1% sobre o valor de compras de outros produtos, que não de marca Apple, que a Autora viesse a efetuar para essas lojas (facto MA);

- neste seguimento, as Rés reuniram com a APPLE, que foi informada dos termos desta negociação, mas o seu apoio nunca se confirmou, o que a Autora tinha conhecimento (factos NA, AO, DB);

- no dia 03-05-2011, a Autora e a 2.ª Ré assinaram um documento com o título Project Cipango - Letter of Intent (LOI), junto a fls. 98 a 103 (tradução fls. 672 e ss.), cuja redação é da autoria das Rés, na qual consta, com o item “Exclusividade” com o seguinte:  “As obrigações estabelecidas ao abrigo da secção B permanecerão em vigor até que ocorra a primeira de (i) cessação formal, por escrito, das negociações pela Tech Data ou (ii) três (3) meses a contar da data desta LOI. Além disso, esta secção B caduca no prazo de um (1) mês a contar da data desta LOI desde que a Cedente tenha solicitado, mas não tenha recebido, dentro do supramencionado prazo uma conformação escrita da Tech Data que a Apple apoia esta Transação Proposta a contento da Tech Data” (factos O e KB);

- em 4 de maio de 2011, a Autora, confiando na seriedade da proposta apresentada pelas Rés, que pretendia aceitar, informou a VINZEO de que havia escolhido a proposta das Rés (factos P e UA);

- iniciou-se, como previsto a Due Diligence, no âmbito da qual a Autora forneceu informação que as Rés lhe solicitaram, informação sobre o negócio APPLE em Portugal, nomeadamente: (a) modelos de negócio; (b) lista de clientes e respetivos contratos; (c) rede de distribuição; (d) equipa de pessoal; (e) procedimentos internos da Autora; (f) sistemas de informação; e (g) balanço e contas, documentação que permaneceu com as rés e não devolveram autora, o que se mostra de acordo coma cláusula 5.ª do acordo de confidencialidade de 03-11-2010 (factos PA, RA, I, SA, YA e IB);

- durante este período de sete meses, de negociações paralelas com as Rés e com Vinzeo), a Autora forneceu a pedido das Rés informações relativas aos seus funcionários e ainda informações, designadamente, sobre a sua rede de distribuição; os seus clientes e as vendas por cada cliente e por tipo de produto; o seu modelo de funcionamento; a sua estrutura organizativa e de pessoal (incluindo as respetivas remunerações) (facto R);

- em 31-05-2011, as Rés informaram a autora que a Due Diligence estava concluída e de que tinha corrido bem (facto QA);

- mas, durante a due diligence, em momento ulterior a 03-05-2011, as Rés aperceberam-se de que o preço da compra constante da LOI daquela data ficava aquém do necessário para a Autora saldar as suas dívidas para com terceiros e recearam que esses terceiros credores, a Segurança Social e a própria Apple lhes exigissem responsabilidades após a celebração do negócio definitivo;

- em 01-06-2011, as Rés enviaram à Autora carta a (fls. 105 com tradução a fls. 689), na qual, em dois parágrafos, de 3 e 2 linhas respetivamente, comunicam que haviam decidido que naquele momento não era economicamente viável continuar com a transação no atual modelo proposto; “concluímos, consequentemente, que se torna necessário fazer uma notificação de cessação das negociações da transação proposta “Cipango” (...)”, o que também informaram por telefone, (factos M e GB)

- as Rés informaram a Autora que as razões para a cessação das negociações foram (facto HB):

- no final do mês de maio não tinham conseguido garantir o apoio da Apple no sentido de tornar economicamente viável o pagamento dos montantes então equacionados;

- a análise financeira entretanto efetuada pelos analistas especializados aos resultados apresentados pela Tech Data a nível mundial teve impacto nos negócios a nível europeu;

-  ocorreu a queda significativa do valor das ações da Tech Data Corporation;

- a queda do valor bolsista da casa-mãe Americana e o resultado da análise efetuada pelos analistas financeiros aos resultados do primeiro trimestre do ano levaram a que a Tech Data Corporation deu instruções ao seu Conselho Europeu no sentido de este transmitir às Rés que as negociações em causa não poderiam vir a ser aprovadas (facto IB);

 - os resultados da Techa Data, a nível mundial, foram positivos (factos LB e NB);

- a evolução da cotação das ações da Tech Data, analisada entre 01-01-2010 e 30-12-2011 encontra-se plasmado nos documentos de fls. 2185 a 2187, sendo que (facto OB):

- a 25-05-2011 cifrava-se em USD45.85,

- a 30-06-2010 cifrava-se em USD35.62,

- a 15-10-2010 cifrava-se em USD42.12,

- a 20-05-2011 cifrava-se em USD53.57;

- a Ré Tech Data, no ano de 2011, fez duas aquisições empresariais no mercado europeu da distribuição de tecnologia, sendo um deles no valor de € 41 000 000,00 (factos PB e QB)

- foi devido à informação prestada pela Autora às Rés, que as Rés adquiriram definitivamente um conhecimento da situação da Autora na distribuição de produtos Apple no mercado português que não teriam de outro modo (facto SB e RA);

- o investimento feito pela Autora ao longo de 23 anos de atividade e a força da marca Apple conferiam ao negócio de distribuição da autora um valor, para além das coisas físicas (goodwill), porém não determinado (facto TB)

- A recusa em concluir o contrato por parte das Rés, implicou que a Autora não recebesse a quantia de €5 740 000,00, correspondente ao montante proposto pelas Rés relativo ao goodwill, lista de clientes e relação com a Apple e ao valor da indemnização por despedimento dos empregados não transferidos cujos contratos sejam rescindidos (facto TA).


Mostram-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade pré-contratual por banda das Rés, na modalidade de rutura injustificada das negociações, uma vez que após cerca de sete meses de negociações para aquisição da posição contratual da Autora junto da APPLE, de distribuidor desta marca, a nível nacional, à exceção de iPhone, tendo sido assinadas letters of intent, em especial a de 03-05-2011, e tendo sido efetuada uma due dilligence, na qual foi transmitida pela Autora às Rés variada informação acerca deste negócio, que só desta forma teriam acesso, e tendo esta diligência decorrido, com a informação positiva, por banda das Rés, vieram as Rés comunicar a cessação das negociações, invocando fundamentos (factos HB) que vieram a revelar-se como não correspondentes à realidade – (factos LB, NB e OB). Mais acresce que, durante o ano civil de 2011, as Rés efetuaram outros negócios, sendo um deles de montante muito superior ao putativo negócio com a Autora. Foi com base na reunião do dia 28-04-2011 e na letter of intent Project Cipango assinada pelas partes a 03-05-2011, da lavra exclusiva das Rés, que estas criaram na Autora a convicção de exclusividade e determinaram a rejeição final da proposta da concorrente VINZEO. Foi também com base nestes pressupostos que a Autora forneceu às Rés todo o seu goodwill, lista de clientes e documentação de relação com a APPLE, o qual se mostrava sujeito a um regime de exclusividade, tendo as Rés feito cessar essas negociações, depois de criar na Autora, a confiança de que poderia negociar em exclusividade com as Rés, determinando o afastamento da outra concorrente das Rés, a VINZEO.

 A Autora, devido à recusa em concluir o contrato por parte das Rés, não recebeu a quantia de €5 740 000,00, correspondente ao montante proposto pelas Rés relativo ao goodwill, lista de clientes e relação com a Apple e ao valor da indemnização por despedimento dos empregados não transferidos cujos contratos seriam rescindidos.

É verdade que era permitido às Rés, repete-se, fazer cessar as negociações, sendo que a celebração do contrato também estava dependente do apoio da APPLE, mas a forma como o fizeram, após terem gerado o sentimento de confiança na Autora, e que determinou que esta rejeitasse a proposta da VINZEO, invocando fundamentos que não correspondiam à realidade, determina que as Rés violaram os deveres de boa-fé e lealdade que devem pautar as negociações.

Encontrando-nos no âmbito de uma responsabilidade contratual e não tendo as Rés logrado provar que o dano sofrido pela Autora, adveio da sua provada conduta, em virtude da presunção estabelecida no artigo 799.º do Código Civil, mostram-se verificados os pressupostos deste tipo de responsabilidade.

Relativamente à fórmula de cálculo da obrigação de indemnização é maioritária a jurisprudência deste STJ que apenas está contemplado o interesse contratual negativo, isto é, os danos emergentes, tais como, por exemplo, despesas tidas com as negociações, bem como a perda de oportunidades de negócio. Na verdade, a indemnização pelo dano negativo permite repor o lesado na situação em que estaria se não tivesse iniciado as negociações para a celebração do contrato.

- Cf. neste sentido o Ac. do STJ, de 22-11-2018 (Revista n.º 1156/12.5TVLSB.L1.S1) -

Já no Acórdão do STJ, de 31-03-2011 (Revista n.º 3682/05.3TVLSB.L1.S1), se afirmou:

“I - Incorre em responsabilidade pré-contratual por culpa in contrahendo quem, depois de negociações com vista à celebração de determinado contrato e durante as quais foram acordadas todas as cláusulas relevantes faltando apenas a formalização, recusa outorgar o contrato.

II – A responsabilidade decorre do facto de uma das partes ter gerado na outra a confiança e a expectativa legítima de que o contrato seria concluído e não da ruptura das negociações, da não conclusão ou da recusa de celebração do do contrato;

III – Logo, o facto que obriga à reparação é a confiança violada por inobservância das regras da boa-fé e não a ruptura das negociações, a não conclusão ou a recusa de celebração do contrato por inexistência de obrigação legal ou contratual de prosseguir negociações, de concluir ou de celebrar o contrato.

IV – A indemnização pelo interesse negativo do contrato (dano de confiança) é medida pela diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a que existiria se não houvesse, por haver confiado, encetado as negociações

V – Por conseguinte, só serão indemnizáveis os prejuízos que consistiram nas despesas efectuadas com as (e nas) negociações por haver confiado na conclusão do contrato (danos emergentes) e não também, por não estar em causa um incumprimento contratual, os lucros cessantes decorrentes da frustração das expectativas de ganho fundadas no contrato não concluído.”.

Não há dúvida de que se o contrato tivesse sido celebrado, a Autora receberia a quantia identificada nos factos provados MA e TA, isto é, pelo menos a quantia de € 5 740 000,00.

Com a rutura das negociações e a conduta das Rés, a Autora, de acordo com os factos provados J, KA, LA, MA, P, PA, L, I, IB, SA, RA, YA, VA, WA, XA, TB, perdeu o seguinte acervo:

- na sequência da reunião de 28-04-2011 e da LOI de 03-05-2011, a Autora, em 04-05-2011, informou a VINZEO que rejeitava a sua proposta no montante de €5 740 000,00, ao contrário do que era a sua anterior intenção;

- no âmbito da Due Diligence, a Autora forneceu informação que as Rés lhe solicitaram, informação sobre o negócio APPLE em Portugal, nomeadamente: (a) modelos de negócio; (b) lista de clientes e respetivos contratos; (c) rede de distribuição; (d) equipa de pessoal; (e) procedimentos internos da Autora; (f) sistemas de informação; e (g) balanço e contas, documentação que permaneceu com as rés e não devolveram autora, o que se mostra de acordo coma cláusula 5.ª do acordo de confidencialidade de 03-11-2011;

- durante este período de sete meses, de negociações paralelas com as Rés e com Vinzeo, a Autora forneceu a pedido das Rés informações relativas aos seus funcionários e ainda informações, designadamente, sobre a sua rede de distribuição; os seus clientes e as vendas por cada cliente e por tipo de produto; o seu modelo de funcionamento; a sua estrutura organizativa e de pessoal (incluindo as respetivas remunerações);

- ao longo dos anos de atividade, a Autora construiu junto da Apple e dos revendedores em Portugal, uma imagem de seriedade, de competência, conhecimento do produto e de capacidade de resposta às necessidades do mercado;

- a Autora deixou de poder satisfazer tais necessidades, vendo-se forçada a suspender os fornecimentos à rede de revendedores;

- a A. passou a ser vista no mercado como uma empresa que não consegue responder às necessidades do mercado;

- o investimento feito pela Autora ao longo de 23 anos de atividade e a força da marca Apple conferiam ao negócio de distribuição da autora um valor, para além das coisas físicas (goodwill), porém não determinado.


Entendeu o Acórdão recorrido que a autora, em virtude da conduta das rés, perdeu a oportunidade encaixar a quantia de €5 740 000,00, decorrente da aceitação da proposta da VINZEO.

De facto, a Autora preparava-se para aceitar a proposta da VINZEO, o que só não fez, porque as Rés lhe pediram para o não fazer, tendo em seguida ocorrido a reunião do dia 28-04-2011 entre as partes e a Letter of Intent Project Cipango, de 03-05-2011, que previa a exclusividade de negociações entre as partes. Na verdade, na sequência destes acontecimentos, e só por causa deles, a Autora informou a VINZEO que rejeitava a sua proposta.

Em face dos factos provados, não merece dúvida de que a Autora, teria aceitado a proposta da VINZEO, o que só não fez porque as Rés solicitaram-lhe para não o fazer, pois pretendiam superar a proposta desta concorrente, tendo, de modo sério, criado essa confiança na Autora, através da referida reunião e da LOI.

Caso as Rés não tivessem criado esta confiança e expetativa nas negociações com a Autora, que já anteriormente se encontrava a negociar com a VINZEO, a Autora teria contratado com esta, conforme se preparava para fazer e não fez, devido à conduta das Rés.


Estamos no âmbito do interesse contratual negativo, pois caso as Rés não tivessem negociado da forma como negociaram com a Autora, após a reunião de 28-04-2011 e a LOI de 03-05-2011, a Autora teria aceitado a proposta da VINZEO, o que não fez por causa das Rés.  (Cf., Acórdão do STJ, de 11-07-2013 (Revista n.º 5523/05.2TVLSB.L1.S1), citando Paulo Mota Pinto in Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo, vol. II, págs. 871/883; Antunes Varela, ob. cit., vols. I, pág. 238, 274 a 279 e II, pág. 93, nota 1; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª ed., págs. 598/599, escreve o seguinte: “A indemnização pelo dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se, por não haver confiado, não houvesse iniciado as negociações com vista à conclusão do contrato, ou se o contrato não tivesse sido celebrado, “sendo-lhe ressarcidas, por um lado, as despesas tornadas inúteis, causadas por tal confiança ou celebração, bem como os lucros que perdeu por, devido à confiança na declaração ou no poder de representação, ou devido à celebração do contrato, ter “desviado” os seus recursos e a sua actividade de outras aplicações, designadamente, concluindo outros negócios.”).


 Por todo o exposto, verifica-se que se mostram verificados os pressupostos da responsabilidade pré-contratual: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

           

Contudo, e quanto ao dano, é possível quantificá-lo, como o fez o Acórdão recorrido?

As Recorrentes referem que a Autora nunca teria o encaixe total daquela quantia (€5 740 000,00, como decidiu o Acórdão recorrido).

Ora, no caso presente, como atrás se referiu, verifica-se a existência de um dano sofrido pela Autora.

Porém, as instâncias responderam não provado quanto ao ponto 34.º da base instrutória, dando, assim, como não provado que “a aceitação da proposta da VINZEO representaria para a Autora o encaixe de €5.740.000 (cinco milhões, setecentos e quarenta mil euros)”.

Assim, se por um lado, sabemos da existência de um dano, por outro lado, afastado está o montante apontado no Acórdão recorrido.

Ora, prescreve o artigo 566.°, nº 3 do Código Civil que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.

Com esta disposição legal, pretende-se regular os casos em que exista impossibilidade absoluta de averiguar o valor “exato” dos danos e não os de falta de elementos para fixação do respetivo “quantum”.

Para este último caso é de aplicar a regra do artigo 609.°, n° 2 do Código de Processo Civil.

O recurso à equidade constitui um critério residual que só será aplicável desde que dos factos provados se tenha como demonstrada a existência de danos e quando estiverem esgotadas as possibilidades de determinação do valor desses danos, pelo que deverá deixar-se para liquidação a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência em ação declarativa, não existam elementos bastantes para fixar o seu quantitativo.

Quanto ao disposto no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, procura-se definir os limites da condenação, e dispõe que “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida”.

A jurisprudência do STJ vai no sentido de que a “A aplicação desta norma, para o que aqui interessa, depende da verificação, em concreto, de uma indefinição de valores de prejuízos. Mas como pressuposto primeiro de aplicação do dispositivo, deverá ocorrer a prova de existência de danos. Este preceito tanto se aplica no caso de se ter inicialmente formulado um pedido genérico e de não se ter logrado converter em pedido específico, como ao caso de ser formulado pedido específico sem que se tenha conseguido fazer prova da especificação, ou seja, quando não se tenha logrado coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o quantitativo na condenação (neste sentido A. Reis, C.P.C. Anotado, Vols. I pág. 614 e segs. e V pág. 71, Vaz Serra, RLJ, ano 114º, pág. 309, Rodrigues Bastos, Notas ao C.P.C, vol. III, pág. 233). Portanto e para o que aqui importa, tendo os AA. deduzido um pedido específico (isto é, um pedido de conteúdo concreto), não tendo logrado fixar com precisão a extensão dos prejuízos, poderão fazê-lo em liquidação em execução de sentença”.

 - Acórdão de 22-02-11, Processo nº 81/04.8TBVLF.C1.S1A –

Assim, provada a existência de danos mas não se tendo apurado com precisão o seu montante, e antes de lançar mão da equidade, há que condenar no que se vier a liquidar. E não se poderá dizer que por esta forma se está a facultar ao autor uma nova oportunidade para provar os danos pois que a existência dos mesmos já está definida.

Se resultar dos factos provados que assiste ao autor o direito acionado, expresso na apresentação dum pedido específico, sem que, porém, tenha sido possível ao tribunal lograr a prova da especificação, “a mais elementar razão de sã justiça, de equidade, veda a solução de se absolver o réu apesar de demonstrada a realidade da sua obrigação; mas também se revela inadmissível, intolerável, que o juiz profira condenação à toa.

Por isto, o legislador ditou a regra da condenação no que se liquidar em execução de sentença – artº 661º, nº 2, do Código de Processo Civil

 (Acórdão do STJ, de 29-01-98).

- Como se sabe, presentemente, artigo 609.º, n.º2, do Código de Processo Civil –

Deste modo, a falta de prova na ação declarativa do objeto ou da quantidade não implica decisão de absolvição do pedido, mas justifica a condenação no que se liquidar no incidente acima referido. Na realidade, não parece curial que, tendo o autor provado a existência de uma situação de direito à reparação do dano (artigo 562.º do Código Civil), apesar disso, a ação devesse ser julgada improcedente apenas porque se não provou o exato montante que se encontra, a esse título, em dívida.

No caso presente, provado o dano, não foi possível atingir-se um valor exato para a sua quantificação, mas ainda é possível atingi-lo com recurso a prova complementar sobre o montante exato ou muito próximo dos danos reais, atendendo aos danos constantes dos factos provados, entre outros, J, KA, LA, MA, P, PA, L, I, IB, SA, RA, YA, TA, VA, WA, XA, TB.

Nestes termos, em face da insuficiência de elementos para determinar o montante indemnizatório, deve relegar-se para incidente de liquidação o apuramento do “quantum” que, a título do interesse contratual negativo, incumbirá às Rés indemnizar a Autora, mas não poderá exceder o limite máximo de €5 740 000,00.


Em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso formulada pela Autora.


IV. Decisão

Posto o que precede, concede-se parcialmente a revista, e, consequentemente, condenam-se as Rés a indemnizar à Autora, pelos danos por esta sofridos e nos termos referidos, na perspetiva da conclusão do contrato, na quantia que vier a ser apurada em ulterior liquidação, mas que não poderá exceder o limite máximo de €5 740 000,00.

Custas pelas Recorrentes e pela Recorrida, na proporção de metade.


Lisboa, 8 de junho de 2021


Pedro de Lima Gonçalves (relator)

Fátima Gomes

Fernando Samões


Nos termos do disposto no artigo 15.º-A do decreto – Lei n.º20/2020, de 1 de maio, declara-se que têm voto de conformidade os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos Fátima Gomes e Fernando Samões.