Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | BETTENCOURT DE FARIA | ||
| Descritores: | JULGAMENTO MATÉRIA DE FACTO | ||
| Nº do Documento: | SJ20080214030322 | ||
| Data do Acordão: | 02/14/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | 1. O despacho que, no decurso do 2º. julgamento, em resultado da matéria de facto ter sido ampliada pelo Tribunal Superior, determina que o memo julgamento se estenda a toda a restante base instrutória, não é contraditório com o despacho que indeferiu tal extensão requerida por uma das partes no inicio da discussão da causa. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal da Justiça I AA e BB moveram a presente acção ordinária contra CC e DD, pedindo que se declare a nulidade dos contratos de confissão de dívida e hipoteca e respectivas escrituras de 15.09.97, com as legais consequências, ordenando-se o cancelamento, na respectiva Conservatória do Registo da referida e simulada hipoteca. Os réus contestaram. O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, que julgou a acção procedente e provada, decretando a nulidade e o cancelamento peticionados. Apelaram os réus, tendo o Tribunal da Relação determinado a anulação da sentença de 1ª instância, a fim de se proceder a novo julgamento que abrangesse todos os factos pertinentes à boa decisão da causa. Remetidos os autos à 1ª instância, foi a base instrutória, que era constituída por 5 quesitos, aditada com os quesitos 6º a 28º. No início do novo julgamento, os réus requereram que a produção da prova incidisse sobre toda a matéria dos quesitos – 1º a 28º - , o que foi indeferido, com a ressalva de se verificarem contradições nas respostas aos quesitos e com o fim exclusivo de as evitar. Tal recurso foi admitido como de agravo e subida diferida. No decurso do julgamento, ditou o tribunal o seguinte despacho: “Considerando a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto em sede de recurso oportunamente apresentado à sentença proferida nos autos, visto o disposto no artº 712º nº 4, parte final, do CPC e porque a decisão proferida em 18/06.2004 (acta de fls. 294 e segs.) ainda não transitou em julgado – está pendente recurso interposto da mesma - , julga-se agora conveniente para a boa decisão da causa, designadamente para evitar contradições entre as respostas oportunamente conferidas aos quesitos constantes da originária base instrutória e aqueles que possam resultar da decisão de facto sobre os quesitos na sequência da douta decisão do tribunal superior, ampliar a discussão da matéria de facto àqueles primeiros quesitos. Notifique e, após trânsito, abra conclusão nos autos.” – fls. 403 - . Finda a produção da prova, o tribunal respondeu à matéria da base instrutória (quesitos 1º a 28º). Não tendo sido objecto de recurso o despacho transcrito, foi proferido despacho nos autos a declarar a inutilidade superveniente da lide do aludido agravo, interposto pelos réus. Agravaram os autores deste despacho que declarou a inutilidade superveniente da lide. Foi proferida sentença que absolveu os réus do pedido e condenou os autores como litigantes de má fé. Dela apelaram os autores. O Tribunal da Relação negou provimento ao agravo, bem como negou a revista. Recorrem novamente os autores, declarando também pretender discutir no recurso a matéria do agravo, por ofensa do caso julgado. Nas suas alegações de recurso, apresentam, em síntese, as seguintes conclusões: 1 Se se considera que o despacho que organizou a nova BI, não reclamado e consolidado, com base no qual as partes apresentaram os meios probatórios e até iniciaram o julgamento, é merecedor de tutela, não pode aceitar-se que seja alterado ao arrepio das leis processuais; portanto, o despacho de fls. 403 nãopode ter o efeito anulatório de quanto anteriormente se passou, devendo considerar-se irregular e ineficaz, por esgotado o poder jurisdiciona. 2 A resposta ao quesito 10º viola o que consta dos documentos aceites por ambas as partes, pois não é possível o recurso a prova testemunhal para infirmar o que deles consta. 3 E as dadas aos quesitos 12 a 15, produzidas com base em prova testemunhal são contrariadas pela força jurídica dos documentos juntos e analisados. 4 Dessas respostas constam ainda a concessão duma garantia, cujo fundamento não pode ser aceite, sem que haja um fundamento que a fundamente, ignorando-se também qualquer dos seus elementos construtivos, quanto à natureza, objecto, beneficiário, montante, prazo etc. 5 As instâncias omitiram a existência de um documento de grande alcance, da autoria de um dos réus (fls. 142) que contraria insofismavelmente a sua versão que subjaz aos factos dados por provados. 6 Este documento não pode ser alheio ao conteúdo das respostas aos quesitos 6º a 8º, nem podem ser considerados os depoimentos de parte dos próprios réus, na medida em que favorecem os depoentes. 7 Por outro lado, as respostas dadas aos quesitos 12 a 15 vão contras os usos que regem o comércio internacional, os que regem a actividade bancária e o senso comum. 8 As demais respostas, 16 a 28, por estarem dependentes e baseadas nas respostas ao núcleo anterior devem comungar da mesma sorte. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II As instâncias deram por assentes os seguintes factos: 1 Em 30.10.97, no Cartório Notarial de Espinho, os autores declararam constituir seu bastante procurador CC, a quem declararam conceder os mais amplos poderes para prometer vender, vender, confessar-se devedor de quaisquer quantias e hipotecar os prédios descritos na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob os nºs 2402º-A e 2403º, da freguesia de Grijó, receber o preço e dar quitação – A. 2 Através de escrituras públicas lavradas no Cartório Notarial de Espinho, no dia 15.11.97, o réu CC, invocando a qualidade de procurador dos autores, declarou que os autores se confessavam devedores a DD de duas vezes a quantia de 16.000.000$00, quantias essas que teriam sido emprestadas na mesma data e pelo prazo de um ano – B - . 3 Através da mesma escritura o réu CC, invocando sempre a referida qualidade de procurador, dos autores, declaram que estes hipotecam a favor de DD: o prédio 2.043º referido em 1, registado a favor dos autores, para garantir uma dívida de 16.000.000$00; o prédio 2.402º-A referido em 1, registado a favor dos autores, para garantir uma dívida de 16.000.000$00 – C - . 4 Das hipotecas foi feito o registo na competente Conservatória do Registo Predial – D . 5 DD nunca emprestou aos autores, através do procurador CC (ou directamento, ou através de qualquer outra pessoa) as importâncias referidas nas escrituras, nem os autores pessoal ou directamente tinham interesse ou necessidade desse empréstimo – 4º -. 6 O réu DD nunca entregou aos autores ou a qualquer outra pessoa que não o réu CC as quantias que nas escrituras se diz ter sido emprestada - 7º - . 7 O autor AA era e é sócio-gerente da sociedade Classiflor Lda – 9º - . 8 A Classiflor Lda importou de Hock Lee Marine, sedeada em Hong-Kong, flores artificiais no valor de cerca de 35.000.000$00 – 10º - . 9 A firma Grijómar Lda, de que o réu CC era então sócio, desempenhou funções de transitário relativamente a tal transacção – 11º - . 10 O fornecimento de tal mercadoria era feita contra a entrega em simultâneo do respectivo preço e o levantamento da mesma dependia de um documentário bancário denominado “Bill of Landing” que a respectiva entidade somente libertava, mediante as garantias de cobrança que ela própria exigia: “cash” ou títulos cartulares – 12º e 13º - . 11 Classiflor Lda pediu, através do autor AA e demais sócios, à Grijómar Lda que lhe entregasse a mercadoria transportada sem que tivesse efectuado o pagamento do fornecimento comprovado pela apresentação do referido documento – 14º - . 12 Perante a garantia dada pela Classiflor Lda de que depois pagaria e dada a relação familiar e de amizade que unia o réu CC ao autor, a exigência de tal documento foi dispensada pela Grijómar Lda – 15º - . 13 Classiflor Lda não encontrava meios para dar satisfação às exigências de pagamento do assinalado fornecimento, colocando a Grijómar Lda em risco de ser contratualmente responsabilizada por incumprimento pela entidade fornecedora estrangeira – 16º e 17º - . 14 Cônscios disso mesmo, os autores e demais sócios puseram à disposição bens pessoais, designadamente bens imóveis, a fim de através de hipotecas ou de outro expediente legal, obterem dinheiro para honrarem os seus compromissos – 18- . 15 Todos eles se prontficaram a outorgar tudo o que fosse necessário, tendo chegado a filha dos autores a oferecer um terreno que o futuro marido tinha comprado na Urbanização dos Canaviais, em Grijó, e os demais sócios ofereceram as suas próprias casas para hipotecar – 19º, 20º e 21º - . 16 Em condições de serem hipotecadas encontravam-se apenas as propriedades dos autores, sobre as quais não incidia qualquer hipoteca ou ónus e achavam-se completamente documentadas – 22º - . 17º Conferida a situação, os autores logo se ofereceram para outorgar procuração com os poderes necessários para efectuar hipotecas, confessar dívidas e efectuar registos, tudo com o objectivo último de obter-se o necessário capital para pagar a dívida em causa, ficando o réu CC encarregue de obter e pagar os ditos capital e dívida. – 23º e 24º - . 18 O réu CC obteve o dinheiro necessário do réu DD e, com o dinheiro obtido, procedeu ao pagamento integral da dívida ao fornecedor estrangeiro, tal como era vontade expressa dos autores e demais sócios de Classiflor Lda e em plena sintonia com os autores – 25º, 26º, 27º e 28º - . III Apreciando 1 A primeira questão, de ordem processual é a de saber se há contradição entre certos despachos proferidos nos autos, nomeadamente, com violação do caso julgado. O Tribunal da Relação determinou a ampliação da matéria de facto e no início do subsequente julgamento os réus pediram que o mesmo versasse, não só a matéria dos quesitos aditados, mas também aquela que já fora sujeita a julgamento, Esta sua pretensão foi indeferida, ressalvando-se a posterior verificação contradição das respostas. Nenhum reparo há a a fazer a tal decisão que se limitou a aplicar a disciplina do artº 712º nº 4 do C. P. Civil., que determina que a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão. Posteriormente, no decurso do julgamento, foi proferido novo despacho em que se entendeu que para evitar as ditas contradições, o julgamento seria estendido aos quesitos da base instrutória originária. A primeira observação a fazer é a de que não há a menor contradição entre os dois despachos; bem pelo contrário, o segundo não é mais do que a consequência do primeiro que já o prevê e de forma legal, como assinalámos. O tribunal ao longo da discussão da matéria de facto apercebeu-se da necessidade de estender essa discussão à matéria já dada por assente com vista a evitar contradições. Logo, no cumprimento da lei e do determinado pela ressalva feita no despacho anterior, ampliou o julgamento. Nem seria preciso invocar a falta de caso julgado por via do agravo interposto do primeiro deles, como fez a Ex.ma Magistrada que o admitiu a referida ampliação. Ainda que não se tivesse recorrido da não admissão do requerimento dos réus e esse primeiro despacho tivesse transitado, o segundo despacho não constituiria nenhuma violação do nele disposto. Como, igualmente, não se configura necessário, como fez a Relação, recorrer à figura da reparação do agravo, dado que o segundo despacho cumpre o que antes fora decidido, não decide de forma oposta. O recurso da primeira decisão tornou-se realmente inútil, porque, prevendo duas hipóteses – ampliação ou não ampliação - , veio a consolidar-se naquela que era favorável aos recorrentes. Falam os recorrentes em esgotamento da jurisdição. E têm razão. Uma decisão ainda que não transitada não pode ser modificada ao livre alvedrio de quem a proferiu. Contudo, pelo que consignámos, o segundo despacho não constitui uma modificação do primeiro. Acresce que, tendo este já transitado, sempre se impunha o seu acatamento, por ser a decisão que transitara em primeiro lugar – artº 675º nº 1 do C. P. Civil - . Pelo que, embora por outros motivos é de manter a decisão da Relação, quanto á não procedência da matéria do agravo. 2 Pretendem os recorrentes que este Supremo se pronuncie sobre as respostas a determinados pontos da base instrutória, sem porem em causa a disciplina jurídica que foi aplicada pelas instâncias. Assim, esta será res judicata, no caso de improceder a pretensão de alteração da matéria de facto. É sabido que os poderes do STJ em sede da matéria de facto restringem-se, no que ao caso interessa, ao previsto no artº 722º nº 2 do C. P. Civil. Ou seja, pode sindicar da violação da exigência legal de certo meio de prova para a existência de um certo facto e da violação da fixação legal da força de determinado meio de prova. Vejamos. Dizem os recorrentes que na resposta ao quesito 10º não era possível fazer apelo à prova testemunhal., dado haver documentos juntos e aceites por ambas as partes. A questão era a de saber o montante total da importação de flores feita pela Classiflor A pesquisa deste montante pode perfeitamente ser feita por recurso a qualquer meio de prova, inclusive testemunhal, sendo que os documentos são apenas um dos meios, que conjugados com o que se passou em audiência permitiu dar a resposta, como decorre da respectiva fundamentação. Os ditos documentos titulam créditos, não provam a sua exclusividade. Provando as testemunhas que a dívida é maior não estão a ir contra o conteúdo do documento ou a adicionar-lhe outros elementos, conforme prescreve o artº 394º do C. Civil ao proibir a prova testemunhal. Pretendem os recorrentes que as respostas aos quesitos 12º e 15º são contrariadas pela força jurídica de certos documentos. Cotejando as suas alegações de recurso- fls, 624 e segs. -, não se divisa um único documento cuja força probatória plena seja invocada. Há sim um raciocínio lógico dedutivo sobre a força probatória de certos instrumentos, que aliás, não provariam por si, mas conjugados com outros elementos, nomeadamente, “as regras e usos bancários e da experiência comum”. Estamos, pois, fora do âmbito de apreciação do citado artº 722º nº 2. Falam também num documento, cujas letra e assinatura foram reconhecidas pelo seu autor, o documento de fls 142, que imporia uma diversa posição sobre a matéria de facto. No entanto, ao analisarem esse documento põem eles próprios problemas de convicção, mostrando assim que o documento, por si nada prova. Com efeito, dizem: “Aí o réu CC fala de um débito da Classifor à Grijomar, por certo a conta corrente que decorre dos documentos de fls. 36 a 40...A dívida da Classiflor que ele declara ter assumido perante a Grijomar, de que há um outro sócio, é por certo aquela a que se refere em primeiro lugar...(sunlinhado nosso)” desta maneira a questão está fora do âmbito de apreciação do STJ. Por isso, as respostas aos quesitos 6º, 7º e 8º, que os recorrentes entendem que deveriam beneficiar da prova trazida pelo dito documento, que, segundo eles, contraria os depoimentos de parte prestados pelos réus, não podem, agora, ser reavaliadas. A restante matéria factual que os recorrentes querem ver alterada, depende, segundo eles, da alteração das resposta atrás versadas. Não havendo lugar a qualquer alteração da mesma, fica prejudicada a análise dessa matéria factual. Deste modo, a matéria de facto que se dá por assente é a fixada pelas instâncias. Como já referimos os recorrentes só pedem a alteração da decisão de direito para a hipótese de ser alterada a matéria de facto: “Reapreciada a matéria de facto, como se pede, é entendimento dos recorrentes que há fundamentos para se concluir...”. Logo permanecendo os factos inalterados, forçoso é julgar improcedente o recurso. Pelo exposto, acordam em negar a revista e confirmam o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 14 de Fevereiro de 2008 Bettencourt de Faria (relator) Pereira da Silva Rodrigues dos Santos |