Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
259/09.8YFLSB
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: FACTORING
CESSÃO DE CRÉDITOS
CONFISSÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 342º, 577º, 585º
DL Nº 56/86, DE 18 DE MARÇO
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA DE 24 DE JANEIRO DE 2002 (WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 01B3857), DE 17 DE MAIO DE 2004, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 04A1556, DE 24 DE JUNHO DE 2004, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 04B4345, DE 8 DE MARÇO DE 2007, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 07B131).

Sumário : 1. O erro numa declaração confessória constante de documento junto pela parte tem de ser oportunamente alegado, sob pena de preclusão.
2. A prova da existência de uma conta corrente de natureza meramente contabilística e de que nela foram lançados determinados débitos não dispensa a prova da constituição dos correspondentes créditos.
3. A falta de prova da notificação da cessão de créditos impede a produção de efeitos em relação ao devedor que a não aceitou
4. O devedor não pode opor ao cessionário os meios de defesa posteriores ao conhecimento da cessão.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA, SA, anteriormente denominada …, SA, instaurou uma acção contra BB de Centros Comerciais, SA, pedindo a sua condenação no pagamento de 9.118.574$00, com juros de mora contados desde 14 de Abril de 1998 até efectivo pagamento.
Para o efeito, e em síntese, alegou que, no exercício da sua actividade de factoring, adquiriu créditos no montante de 4.772.159$00 que CC, Lda tinha sobre DD, SA, entretanto incorporada na ré; que os créditos não foram pagos nas datas de vencimento (14, 17 e 31 de Março de 1992), apesar de a ré ter sido por diversas vezes instada para o efeito e de se ter reconhecido como devedora; e que os juros de mora vencidos somavam 4.346.415$00.
A ré contestou, sustentando que, quando a CC cessou a sua actividade, a conta corrente (de natureza meramente contabilística) que existia entre as duas sociedades apresentava um saldo de 407.666$00 a seu favor. E que, se assim se não entendesse, nunca o crédito da autora poderia exceder 3.485.005$00, como resulta de confissão da sua parte (remetendo para o documento de fls. 58-59, junto com a petição inicial).
A autora replicou.
Pela sentença de fls. 499, BB de Centros Comerciais, SA foi condenada a pagar à autora “a quantia em Euros equivalente a Esc. 9.118.574$00”, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde 14 de Outubro de 1998.
Todavia, pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 615, foi concedido provimento parcial à apelação da ré, por se entender que resultava provado do documento de fls. 58-59 que o montante do capital em dívida era de 3.485.005$00, e não de 4.772.159$00. Assim, a ré foi absolvida “do pedido relativo ao equivalente em euros da quantia de Esc. 1.287.154$00 e respectivos juros pedidos”; quanto ao mais, a sentença foi confirmada.
A fls. 639, foi indeferida a reforma requerida por EE e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, SA (na qual a autora se incorporou, por fusão).
2. BB – Exploração de Centros Comerciais, SA e EE e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, SA recorreram para o Supremo Tribunal da Justiça. Os recursos foram admitidos como revista, com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentou, EE e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, SA formulou as seguintes conclusões:
«1ª. A absolvição parcial da Recorrida alicerçou-se (apenas) no documento n.° 8 junto com a petição inicial.
2.ª Tal documento consiste em cópia de uma carta que a Recorrente remeteu à Recorrida no dia 19.06.1992, e na qual – por evidente erro de escrita – se refere que as guias de remessa em poder daquela indicam a existência de determinados descontos e se explica que os montantes a liquidar são, não os que vêm mencionados nas facturas que constituem os documentos n.°s 2,3 e 4 da petição inicial e que foram reclamados na presente acção, mas antes os resultantes da aplicação dos mencionados descontos.
3.ª No que concerne à factura n.° 7723, de 14.01.1992 (cfr. doc.º n.° 2 da petição inicial), o Tribunal a quo considerou não ser devida a quantia de Esc. 2.061.166$00 – que vem mencionada no canto inferior direito do documento em análise –, mas antes o valor de Esc. 1.488.162$00, resultante do abatimento àquela quantia do montante correspondente ao desconto de 20% + 5% + 5% (o qual vem referido na carta cuja cópia constitui o documento n.° 8 da petição inicial).
4.ª No que diz respeito à factura n.° 7739, de 17.01.1992 (vide doc.º n.° 3 da petição inicial), aquele mesmo Tribunal entendeu não ser devida a quantia de Esc. 1.671.340$00 – que está igualmente indicada no canto inferior esquerdo do documento em apreço –, mas antes o valor de Esc. 1.206.707$00, decorrente do abatimento àquela do montante equivalente ao desconto de 20% + 5% + 5% (que vem igualmente mencionado no documento n.° 8 da petição inicial).
5.ª Relativamente à factura n.° 7875, de 31.01.1992 (cfr. doc.º n.°4 da petição inicial), o Tribunal a quo considerou não ser devida a quantia de Esc. 1.039.653$00 – que vem mencionada no canto inferior direito do documento em análise –, mas antes o valor de Esc. 790.136$00, resultante do abatimento àquela quantia do montante correspondente ao desconto de 20% + 5% (o qual vem referido na carta cuja cópia constitui o documento n.° 8 da petição inicial).
(…) 13.ª No documento n.° 8 junto com a petição inicial, laborando em manifesto lapso, a Recorrente interpela a Recorrida para proceder ao pagamento de uma verba que resulta da realização de descontos sobre montantes que, em si mesmos, já traduzem a aplicação de descontos.
14.ª Mal andou o Tribunal a quo ao absolver a Recorrida do pagamento de uma quantia que mais não é do que o produto da realização de descontos a valores que deles já foram objecto.
15.ª Constam do processo determinados documentos – mais concretamente, as facturas juntas com a petição inicial como doc.°s n.°s 2 a 4 – que, só por si, deveriam ter implicado necessariamente uma decisão diversa da proferida e que não foram tomados em consideração pelos Venerandos Juízes Desembargadores da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
Termos em que, se requer muito respeitosamente a Vs. Exas. se dignem conceder provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, condenando a Ré no pagamento integral da quantia peticionada pela Autora, pois só assim se fará JUSTIÇA!
Quanto à recorrente BB-Exploração de Centros Comerciais, SA, concluiu do seguinte modo as alegações:
«1. Com referência às transacções comerciais havidas entre a "CC" e a recorrente, estabeleceu-se uma conta corrente meramente contabilística;
2. Nessa conta corrente eram imediatamente lançadas a débito da recorrente todas as facturas emitidas pela "CC";
3. Se, todavia, se viesse a verificar mais tarde que, afinal, havia 1ugar à sua devolução, por comodidade contabilística, emitia-se uma nota de débito, que anulava o lançamento da factura;
4. Do ponto de vista jurídico, porém, o que se configurava era uma total ausência do direito de crédito por parte da "CC";
5. No cômputo do valor que a recorrente terá de pagar à recorrida, haverá que levar em conta o crédito da mesma recorrente, no montante de Esc. 2.775.488$00, proveniente da cessão que lhe foi feita e a que se refere o quesito 19° da douta base instrutória;
6. Por outro lado e em concreto, resulta provado (quesitos 9º e 10°, com excepção da nota de crédito n° 1228) que ocorreram devoluções de mercadorias nos montantes exarados no quesito 9º e que esses valores foram lançados na conta-corrente;
7. Portanto, como foram devolvidos esses produtos formalmente facturados e vendidos pela "CC" esta, em rigor jurídico, não possuía os inerentes créditos alguns sobre a recorrente, uma vez que eram inexistentes ou se extinguiram;
8. Não pode, portanto, a recorrida ter adquirido por cessão esses créditos inexistentes ou extintos, os quais também deverá ser abatidos ao valor que a recorrente terá de lhe pagar;
9. Igualmente e por fim, haverá que descontar nos créditos cedidos os valores a que aludem os quesitos 3º, 12° e 16° da douta base instrutória;
10. A recorrente pode opor à recorrida, como cessionária, todos os meios de defesa e excepções que poderia opor à cedente dos pretensos créditos;
11. Foi isso que ocorreu valida e eficazmente no caso dos autos;
12. Sendo de realçar que, em parte, nem se pode falar de uma verdadeira compensação, visto que parte dos créditos cedidos nem sequer tinham existência ou foram extintos (face às devoluções ocorridas);
13. Portanto, sempre haverá de convir em que o valor que a recorrida terá direito a haver da recorrente é manifestamente inferior àquela em que a mesma recorrente foi condenada;
14. O douto acórdão em crise violou, além do mais, por errada aplicação e interpretação, o disposto nos arts. 577° e seguintes do C.C..
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por uma outra que deduza ao valor de Esc. 3.485.154$00, arbitrado no douto acórdão recorrido, as quantias a que se referem os quesitos 3º, 9º, 10° (com excepção da nota de crédito 1228), 12°, 16° e 19° da douta base instrutória.»
AA, SA, contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso
3. Vem provada a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):
«1- A Autora é uma sociedade parabancária que tem por objectivo a actividade de factoring (al. A) da Matéria Assente);
2- No exercício da sua actividade, a Autora celebrou com a sociedade CC – "… & …, Lda.", um contrato de factoring por força do qual adquiriu créditos desta última, derivados da actividade da CC – "… & …, Lda.", a qual consistia na venda de tapetes e outros artigos do mesmo género (al. B) da Matéria Assente);
3- A CC – "… & …, Lda.", no exercício da sua actividade, no mês de Janeiro de 1992, vendeu à sociedade DD – Distribuição e Gestão Comercial, S. A., pelo preço de Esc: 4.772.159$00, os produtos do seu comércio, melhor discriminados nas facturas juntas aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (al. C) da Matéria Assente);
4 - Por escritura de 4 de Agosto de 1993, a sociedade DD, S. A. foi incorporada na ora Ré (al. D) da Matéria Assente);
5- A cessão do crédito do preço da Autora foi notificada pela CC – "… & …, Lda.", à sua cliente, soc. DD – Distribuição e Gestão Comercial, S. A., incorporada na ora Ré, bem como pela própria Autora, conforme docs. n°s 6 e 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (fls. 55 a 57 dos autos), sendo que pelo referido doc. n° 7 a ora Autora solicitou à "BB" "que lhe fossem prontamente comunicados os incidentes e/ou as contingências que, porventura ocorram e que afectem ou possam afectar a exigibilidade dos créditos que nos sejam cedidos, as transacções comerciais que lhes estejam subjacentes e/ou os valores constantes das respectivas facturas" {al. E) da Matéria Assente);
6- A cessão do crédito foi formalmente notificada nas próprias facturas, conforme decorre do carimbo nelas aposto com os seguintes dizeres: "para que estas facturas sejam liquidadas, os respectivos pagamentos deverão ser efectuados directamente à AA Factoring, S. A. com sede (...), que adquiriu este nosso crédito, ou a quem esta indicar, sob pena de o pagamento feito ser nulo e de nenhum efeito" (al. F) da Matéria Assente);
7- A CC – "… & …, Lda.", forneceu à Ré os bens discriminados nas facturas de fls. 43 a 45, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no valor global de 4.772.159$00 (al. G) da Matéria Assente);
8- Entre a CC – "… & …, Lda.", e a Ré foi acordado o pagamento no prazo de 60 dias após a data de emissão de cada factura (al H) da Matéria Assente);
9- Por contrato datado de 5 de Dezembro de 1994 "FF – Distribuição Alimentar, S. A." efectuou cessão de créditos a favor de BB -Exploração de Centros Comerciais, S. A., conforme documento de fls. 102 a 106, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (al. I) da Matéria Assente);
10- Entre a Ré e a CC – "… & …, Lda.", estabeleceu-se uma conta corrente de natureza meramente contabilística, na qual se lançaram os créditos e os débitos recíprocos e de que resultou um saldo (Resposta ao quesito 1º);
11- Foram lançadas a débito da CC – "… & …, Lda.", as quantias de 29.250S00, 29.250$00, 29.250$00 e 53.427$00, correspondentes, respectivamente, às notas de débito n°s 2.083, 2.156, 2.273 e 1.080 (Resposta ao quesito 3º);
12- Na conta corrente alegada, foram também lançadas a débito da CC –"… & …, Lda.", as quantias de 312.086$00, 15.872.00, 7.114$00, 3.557$00, 126.160S00, 184.598$00, 260.091$00, 654.807$00, 307.130$00 e 197.711 $00 (Resposta ao quesito 9º);
13- Estas quantias correspondem, respectivamente à nota de débito n° 1.711 e às notas de crédito da própria CC – "… & …, Lda.", n°s 1.220, 1.221, 1.222, 1223, 1.224, 1.225, 1.226 e 1.227 (Resposta ao quesito 10°);
14- Na conta corrente mostra-se ainda lançada a quantia de Esc: 184.231 $00 a débito da CC – "… & …, Lda.", correspondente à nota de débito n° 871-A (Resposta ao quesito 12ª);
15- Na conta corrente sempre em causa foram lançadas a débito da CC –"… & …, Lda.", as quantias de Esc: 236.569$00 e de 331.324$00, correspondentes, respectivamente, às notas de débito n°s 2.349 e 1.190 (Resposta ao quesito 16ª);
16- A sociedade FF, S. A. cedeu à Ré o seu crédito de 2.775.488$00, que detinha a CC – "… & …, Lda." (Resposta ao quesito 19°);
17- A assinatura dos documentos n°s 2 e 17 juntos com a contestação, constantes respectivamente de fls. 79 e 80 e 98 e 99 não é de qualquer sócio gerente da CC – "… & …, Lda.", (Resposta ao quesito 23°);
18- A actividade da … & …, Lda. (CC – "… & …, Lda.") cessou em 11/03/92, em consequência do óbito dos seus sócios gerentes (Resposta aos quesitos 24°e 25ª);
19- No segundo semestre de 1992 a CC – "… & …, Lda.", já não exercia qualquer tipo de actividade (Resposta ao quesito 26ª);
20- No âmbito do processo que corre termos pela 2ª Secção do 17° Juízo Cível com o n° 225/95 foi efectuada uma peritagem à escrita (Resposta ao quesito 28°);
21- Os documentos 18 e 19 juntos à contestação, constantes respectivamente de fls. 100 e 101 são documentos internos da própria Ré e não documentos emitidos pela CC – "... & …, Lda." (Resposta ao quesito 29ª)».
4. Cumpre conhecer dos recursos, aos quais não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, começando pelo que foi interposto por EE e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, SA
A recorrente pretende que seja alterado o montante da condenação da ré, sustentando tratar-se de lapso evidente a referência aos descontos indicados no documento de fls. 58-59, junto com a petição inicial. Sustenta ainda que o processo contém documentos (as facturas também juntas com a petição inicial como documentos 2, 3 e 4, de fls. 43 e segs.) que, “só por si”, deveriam ter conduzido a decisão diversa da que foi tomada no acórdão recorrido.
Trata-se de questão já suscitada perante a Relação, quando, a fls. 629, a ora recorrente veio requerer a reforma do acórdão de fls.615; e que foi indeferida pelo acórdão de fls. 639.
A Relação considerou que, não tendo a autora “desmentido o (…) conteúdo” nem invocado o “aludido lapso”, apesar de ter juntado o documento com a petição inicial e de a ré, na contestação e nas alegações da apelação, ter sustentado resultar do mesmo a “confissão da própria A. (…)” que “o pedido (…) nunca deveria exceder 3.485.005$00”, “operou-se a confissão dos respectivos factos, com força probatória plena contra a confitente, nos termos do artº 358º, nºs 1 e 2, do Código Civil, e de forma irretractável, além do mais porque a Ré a aceitou invocando-a em juízo (artº 567º do CPC)”.
Da carta de fls. 58-59, que se refere às facturas cujas cópias se encontram a fls. 43 e segs., consta: “Confirmamos que as Guias de Remessa em n/poder indicam a existência dos seguintes descontos: Factura 7723 – 20% + 5% + 5%; Factura 7739 – 20% + 5%; Factura 7875 – 20% + 5%”; nas facturas, que indicam o número das guias de remessa a que cada uma corresponde, figuram exactamente os mesmos descontos, mas a incidir sobre o preço da mercadoria.
A verdade, todavia, é que o documento de fls. 58 contém realmente uma declaração confessória, que veio a ser aceite pela ré logo na contestação, traduzida no reconhecimento de terem sido concedidos descontos sobre os valores constantes das guias de remessa; o afastamento do seu valor probatório implicava a alegação oportuna de lapso, ou seja, de erro na declaração.
Por muito que o confronto entre a carta e as facturas juntas aos autos possa indiciar a existência de lapso – a divergência, na realidade, pode ter outras explicações, o lapso teria de ser provado –, valendo o princípio da preclusão relativamente à alegação de factos, a autora haveria de o ter invocado, pelo menos, na réplica, de forma a impedir a utilização da declaração confessória em benefício da ré.
Não tendo sido oportunamente alegado e provado, permitindo a sua apreciação em 1ª Instância e, eventualmente, em recurso, ficaram os tribunais superiores impedidos de o conhecer.
Improcede, assim, o recurso de EE e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, SA.
5. Nas alegações do recurso que interpôs, a ré sustentou, em síntese, que entre ela e CC – … & …, Lda foi celebrado um contrato de factoring, ao qual são aplicáveis as regras definidas pelo Código Civil para a cessão de créditos (artigos 577º e segs.); que operou a compensação entre o crédito da autora e o que lhe foi cedido (quesito 19º), no valor de 2.775.488$00, por FF, SA, cabendo-lhe o direito de a invocar perante a autora; que está assente que entre ela e CC – … & …, Lda se estabeleceu uma conta corrente meramente contabilística; que não chegaram a existir os créditos correspondentes a produtos devolvidos à CC – … & …, Lda (importâncias a que se referem os quesitos 9º e 10º); que devem ser descontadas as importâncias a que se referem os quesitos 3º, 12º e 16º.
Entende, em suma, que ao valor de 3.484.005$00 “em que (…) foi condenada” há que deduzir “as importâncias ou os valores a que se reportam os quesitos 3º, 9º, 10º (com excepção da nota de crédito 1228), 12º, 16º e 19º da base instrutória”.
6. Não está em discussão que entre a autora e CC – … & …, Lda foi celebrado um contrato de factoring; que a este contrato são aplicáveis as regras da cessão de créditos (artigos 577º e segs. do Código Civil), sem prejuízo de haver que tomar em conta as particularidades do contrato em que a cessão se insere (cfr. artigo 578º do Código Civil e Decreto-Lei nº 56/86, de 18 de Março, entretanto revogado pelo Decreto-Lei nº 171/95, de 18 de Julho, mas vigente à data dos factos relevantes); que é aplicável, nomeadamente, a regra de que são oponíveis ao factor (a autora, no caso), “ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa” que seria lícito à ré (agora, a BB-Exploração de Centros Comerciais, SA) invocar perante o aderente (CC – … & …, Lda, no caso), “com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão” (artigo 585º do Código Civil); que é necessário que a cessão de créditos seja notificada ao devedor ou por este aceite, para produzir efeitos em relação a ele (nº 1 do artigo 577º do Código Civil); que a cessão de créditos invocada pela autora foi notificada a DD – Distribuição e Gestão Comercial, SA; que esta sociedade foi notificada, nas próprias facturas a que os créditos concretamente em causa nesta acção se referem, de que deviam ser pagos ao factor; e que entre a ré e CC – … e …, Lda, “estabeleceu-se uma conta corrente de natureza meramente contabilística, na qual se lançaram, os créditos e os débitos recíprocos e de que resultou um saldo” (ponto 10 da lista de factos provados).
A recorrente pretende que sejam considerados contra a autora as importâncias ou valores a que se referem os quesitos:
– 3º – “… quantias de 29.250$00, 29.250$00, 29.250$00 e 53.427$00, correspondentes, respectivamente, às notas de débito nºs 2.083, 2.156, 2.273 e 1.080”;
– 9º e 10 º – “… quantias de Esc. 312.086$00, 15.872$00, 7.114$00, 3.557$00, 126.160$00, 184.598$00, 260.091$00, 654.807$00, 307.130$00 (…)”, correspondentes “à nota de débito nº 1.711 e “às notas de crédito da própria CC, SA, nºs 1-220, 1.221, 1.222, 1.2234, .1224, 1.225, 1.226, 1.227 (…)”;
– 12º – “… quantia de Esc. 184.231$00 (…), correspondente à nota de débito nº 871-A” ;
– 16 º – “… as quantias de Esc. 236.569$00 e de 331.324$00, correspondentes, respectivamente, às notas de débito nºs 2.349 e 1.190”;
– 19º – crédito sobre a sociedade CC cedido à ré por FF, SA, no montante de 2.775.488$00.
7. Não está em dúvida neste processo que os créditos alegados pela autora, a que correspondem as facturas de fls. 43 a 45, se constituíram na esfera jurídica de CC – … & …, Lda e foram cedidos a AA –…, SA (entretanto incorporada em EE e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, SA ) no âmbito de um contrato de factoring entre ambas celebrado; e que a cessão foi notificada a DD – Distribuição e Gestão Comercial (entretanto incorporada na BB-Exploração de Centros Comerciais, SA), a devedora.
A ré e ora recorrente sustenta que, contrariamente ao decidido pelas instâncias, pode opor à autora os créditos a que se refere nas alegações, nos termos permitidos pelo artigo 585º do Código Civil.
Ora, independentemente de quaisquer outras considerações, é condição de procedência da sua defesa a prova da constituição dos créditos que invoca em seu favor; e essa prova não está feita, relativamente aos créditos a que se referem os quesitos 3º, 9º e 10º, 12º e 16º. Com efeito, a prova de que entre a recorrente e CC – … & …, Lda. existia uma conta corrente de natureza meramente contabilística e que nela foram lançados determinados débitos não dispensa a prova da constituição dos correspondentes créditos a seu favor, sendo certo que lhe incumbe o correspondente ónus (artigo 342º do Código Civil, nºs 1 e 2). Assim:
– Quanto às quantias referidas no quesito 3º, sabe-se que foram lançadas a débito de CC; mas não ficou assente que fossem devidas à ré (respostas negativas aos quesitos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º), desde logo por não ter ficado provado que resultassem de “cooperação publicitária e comercial havida entre” ambas, como alegara a mesma;
– Também ficou provado que foram lançadas a débito de CC – … & …, Lda as quantias a que se referem os quesitos 9º e 10º (com excepção da que corresponde à nota nº 1.228); mas não ficou provado que todas “respeitam a devoluções de mercadorias fornecidas pela CC SA e que esta aceitou receber de volta” (quesito 11º);
– Igualmente ficou por provar a constituição do crédito a que corresponde o quesito 12º (rappel do ano de 1992) – resposta negativa ao quesito 13º;
– E o mesmo se diga quanto aos créditos a que se refere o quesito 16º, resultantes de “correcções ou rectificação de erros que houvera no cálculo de descontos convencionados pela Ré e pela CC, SA” – cfr. resposta ao quesito 17º.
8. Já quanto ao crédito de 2.775.488$00, a que corresponde o quesito 19º, está assente a sua aquisição pela recorrente, pois que lhe foi cedido FF, SA por contrato de 5 de Dezembro de 1994.
Sucede, todavia, que não ficou provado que CC – … & .., Lda tenha sido notificada da cessão (resposta negativa ao quesito 20); tanto basta para que não tenha produzido efeitos em relação à devedora e que, portanto, não possa ser oposto ao abrigo do artigo 585º do Código Civil.
Assim como bastaria, para o mesmo efeito, a verificação de que a cessão do crédito de FF, SA, foi posterior ao conhecimento, pela ré, da cessão dos créditos que a autora pretende cobrar nesta acção (mesmo artigo 585º do Código Civil); como se explica, por exemplo, no acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Janeiro de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 01B3857), o devedor cedido – cujo consentimento não é necessário para a cessão – não pode ser prejudicado pela mudança subjectiva do lado do credor; mas (cfr. nomeadamente, os acs também deste Supremo Tribunal de 24 de Junho de 2004 ou de 8 de Março de 2007, www.dgsi.pt, procs. nºs 04B4345 e 07B131) “os meios de defesa posteriores ao conhecimento da cessão já não operam” (acórdão de 17 de Maio de 2004, www.dgsi.pt, proc. nº 04A1556).
9. Nestes termos, nega-se provimento a ambos os recursos.
Custas pelas respectivas recorrentes.

Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Fevereiro de 2010

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lázaro Faria
Lopes do Rego