Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1764/21.3T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: CONCURSO PÚBLICO
NEGÓCIO UNILATERAL
REGULAMENTO
INTERPRETAÇÃO
PROMESSA PÚBLICA
REVOGAÇÃO
JUSTA CAUSA
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: IMPROCEDÊNCIA/NÃO DECRETAMENTO
Sumário :
I - Nos termos do n.º 2 do artigo 463.º do Código Civil, a decisão sobre a admissão dos concorrentes ou a concessão do prémio a qualquer deles pertence exclusivamente às pessoas designadas no anúncio, estando expressamente previsto no n.º 5 do artigo 6.º do Regulamento que “as decisões tomadas pelo júri não são suscetíveis de recurso”, o que significa que a deliberação do júri nesta matéria se deve ter por definitiva naquele mesmo momento.

II - Do texto do anúncio ou do regulamento não resulta que a atribuição do prémio ficaria condicionada por alguma circunstância a analisar posteriormente, designadamente ao nível da sua exequibilidade económico-financeira (porquanto esse ponto já devia ter sido previamente ponderado aquando da seleção das ideias apresentadas pelos vários proponentes).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. Ubiwhere, Lda. intentou a presente ação, com processo comum, contra Imprensa Nacional–Casa da Moeda, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:

a) a quantia de €100 000,00, acrescida de juros moratórios, à taxa legal para as operações civis, desde o dia 05/06/2019 (data em que a Ré efetivamente se recusou a proceder à entrega de tal quantia) e até efetivo e integral pagamento;

b) cumulativa, ou na pior das hipóteses subsidiariamente, e por violação do disposto no art. 227.º do C. Civil, a quantia de €212 200,00 a título de indemnização, à qual acrescerão juros moratórios, à taxa legal para as operações civis contados desde a data de citação da Ré para a presente ação e até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese:

- no ano de 2017, tomou conhecimento do lançamento, por parte da Ré do “Prémio Inovação ICNM 2017”;

- nos termos do Regulamento elaborado pela Ré, o referido prémio foi promovido no âmbito das parcerias da sua rede de inovação colaborativa, tendo em vista o desenvolvimento e a promoção de atividades de Investigação e Desenvolvimento e Inovação (I&DI);

- as três ideias com melhor classificação seriam premiadas com prémios de € 500.000,00 para o primeiro classificado, € 250.000,00 para o segundo classificado e €100.000,00 para o terceiro classificado, sendo 2% dos valores antes referidos destinados a premiar diretamente os investigadores proponentes das ideias;

- a A. apresentou a sua candidatura ao referido prémio com o projeto denominado “BlockCarPollution”, com o qual se pretendia estimular o recurso por parte da população em geral aos transportes coletivos através de um sistema de recompensa, onde cada consumidor teria acesso a uma carteira virtual (smart wallet) à qual seriam adicionadas moedas virtuais (tokens) sempre que este adquirisse bilhetes ou passes de transportes coletivos, através de um sistema de bilhética multicanal (com especial foco no smartphone), modular e desmaterializado;

-em 01/03/2018 foi informada de que o seu projeto havia sido selecionado pelo júri do prémio como um dos três finalistas do mesmo. Na sessão pública agendada para o dia .../05/2018, que contou com a presença da Senhora Ministra ..., a A. foi distinguida com o 3º prémio, tendo sido entregue ao seu representante um cheque gigante com a indicação do valor de € 100.000,00;

- Depois de feitas várias démarches no sentido da concretização do projeto no dia 05/06/2019, sem que nada o fizesse prever, recebeu da Ré um email a informar ter-se concluído que o projeto que concretiza a ideia não reunia as condições económicas e financeiras necessárias para sua execução, facto que impossibilitava a INCM avançar com o seu financiamento.

2. Citada, a Ré veio contestar, alegando, em síntese, que:

- conforme as disposições imperativas do Regulamento do concurso – art. 9.º-, há dois níveis de prémios a atribuir aos vencedores do Prémio Inovação INCM 2017, concretamente ao 3º classificado: a) 2% dos valores referidos são destinados a premiar diretamente os investigadores proponentes das ideias – art. 9.º, nº 3;

b) financiamento do projeto de I&D necessário ao desenvolvimento da ideia até um valor de € 100.000,00-art. 9.º, nº 2, alínea c);

- acontece que procedeu ao pagamento, aos investigadores que desenvolveram a ideia apresentada pela A., dos 2% que aos mesmos estaria destinado, todavia, o júri no âmbito das suas competências determinou não ser de premiar o projeto apresentado pela A., por não reunir condições económicas e financeiras e que o prémio de € 100.000,00 cobria, como valor máximo, toda a atividade do 3º selecionado (a ora A.) no desenvolvimento do projeto que apresentou com vista à sua execução.

3. Foi proferido despacho saneador e foram elaborados os temas da prova.

4. Procedeu-se a julgamento, tendo o Tribunal de 1.ª instância julgou totalmente improcedente os pedidos formulados pela Autora absolvendo, em consequência, a Ré.

5. Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação.

6. O Tribunal da Relação do Porto veio a proferir Acórdão, tendo o dispositivo o seguinte teor: “Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta procedente, por provada, e, consequentemente, revogando a decisão recorrida condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 98.000,00 (noventa e oito mil euros) acrescida de juros de mora a taxa legal para as operações civis a contar de 05/06/2019 até efetivo e integral pagamento.”

7. Inconformada, a Ré veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão de fls…, que julgou procedente a apelação interposta pela Autora, revogando a sentença da 1.ª Instância e condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 98.000,00 (noventa e oito mil euros) acrescida de juros de mora a taxa legal para as operações civis, a contar de 05/06/2019, até efetivo e integral pagamento, condenando ambas nas custas na proporção do decaimento.

II. A sentença, do Juízo Central Cível de ..., absolveu a Ré Imprensa Nacional – Casa da Moeda, S.A. do pedido, determinando pela não contenção do custo do projeto dentro do valor do prémio.

III. Em concordância com a decisão, o fundamento desta questão, é também na opinião da Ré, de clara interpretação do Regulamento do concurso: a alínea c) do n.º 2 do artigo 9.º, que prevê: c) 3.º Lugar - financiamento do projeto de I&D necessário ao desenvolvimento da ideia até um valor de 100.000€.

IV. Os três prémios atribuídos neste concurso, destinavam-se ao financiamento dos projetos; concluindo-se que o custo da investigação não poderia ir além do valor do prémio. De contrário, o prémio não se destinaria “ao financiamento I&D necessário ao desenvolvimento da ideia”, mas a contribuir para esse desenvolvimento.

V. Ficou provado que, durante as diligências de avaliação efetuadas pelo júri do procedimento da INCM, que o projeto vencedor não poderia jamais ser desenvolvido com os € 100 000,00, tornando-se inviável. Com efeito, e cfr. documento fls. 38/45 é referido o montante necessário de € 830 250,00.

VI. Neste enquadramento, a sentença julgou que a não contenção do custo do projeto dentro do valor do 3.º prémio (€ 100.000,00) é, de alguma forma, justa causa da não entrega do seu valor – parte final do n.º 1 do artigo 461.º do Código Civil, aplicável por analogia. Se o prémio se destina a implementar (concretizar) um projeto de inovação não pode ser atribuído se o seu valor não dá para pagar o seu desenvolvimento até final e não foi possível encontrar outra fonte de financiamento.

VII. Em síntese, foi esta a fundamentação da sentença para a improcedência do pedido de pagamento do prémio: por o seu valor não cobrir a concretização do projeto de inovação.

VIII. O Acórdão recorrendo, em discordância, (fls…, pág. 38), determinou em sentido contrário: “Portanto, tendo a apelante apresentado a ideia “Bolck Car Pollution” ao prémio inovação INCM 2017 e tendo sido classificada em terceiro lugar, outra alternativa não restava à Ré senão proceder ao pagamento do valor correspondente ao prémio em causa, já que não vem provado nos autos que o custo do projeto de Investigação e Desenvolvimento (I&D) necessário ao desenvolvimento da ideia fosse superior a esse valor, aliás, mesmo que o fosse, sempre a apelante tinha direito ao valor do prémio, ficando a expensas suas o remanescente que fosse necessário para a sua conclusão.”.

IX. Ora, se a ideia foi premiada, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º do Regulamento com: “2% dos valores acima são destinados a premiar diretamente os investigadores proponentes das ideias.” (n.º 2 dos Factos Provados) – e a alínea c) do n.º 2 do artigo 9.º do Regulamento previa: “(…) financiamento do projeto de I&D necessário ao desenvolvimento da ideia até um valor de 100.000€.” – cumpre diferenciar, refutando a posição do Acórdão recorrendo.

X. Como ficou assente na matéria de prova, existem dois níveis de prémios a atribuir aos vencedores do Prémio Inovação INCM 2017, concretamente ao 3.º classificado: (i) 2% dos valores acima são destinados a premiar diretamente os investigadores proponentes das ideias; (ii) financiamento do projeto de I&D necessário ao desenvolvimento da ideia até um valor de € 100.000,00. (Cfr. n.º 30 dos factos provados).

XI. Enquanto, em cumprimento da alínea c) do n.º 2 do artigo 9.º do Regulamento previa, desencadearam-se as diligências com vista ao “(…) financiamento do projeto de I&D necessário ao desenvolvimento da ideia até um valor de 100.000€.”

XII. O douto Acórdão em apreço parece englobar o prémio numa única obrigação, indistinta, forçosa e líquida: “não havendo razão fundante que resulta do Regulamento do concurso para que a Ré decida proceder ao pagamento de um prémio e não do outro.” seguindo a esteira do Acórdão em apreço, considerando que: “(…) o custo do projeto de Investigação e Desenvolvimento (I&D) necessário ao desenvolvimento da ideia fosse superior a esse valor, aliás, mesmo que o fosse, sempre a apelante tinha direito ao valor do prémio, ficando a expensas suas o remanescente que fosse necessário para a sua conclusão. Conforme a posição do douto Acórdão, criar-se-ia uma interpretação muito apetecível às concorrentes que, não desejando senão colher o “prémio” de financiamento, sem os constrangimentos de ter de desenvolver qualquer projeto efetivo, bastar-lhes-ia apresentar um qualquer orçamento desproporcionado (p. ex. oito vezes superior ao prémio), para induzir a promotora do concurso desistir do desenvolvimento (por inviável) e receber o prémio por inteiro.

XIII. Na perspetiva da Ré, torna-se alarmante a desproporção da interpretação feita pelo Acórdão ao instituto do concurso público, previsto no artigo 463.º do Código Civil, bem como ao Regulamento do concurso. Tal interpretação legal incapacitaria a Ré de continuar a desenvolver o “Prémio Inovação INCM”, que tem atribuído nos últimos anos, em cada edição, mais de € 852 000,00, em conformidade com o artigo 9.º do Regulamento do concurso.

XIV. Não se alcança, pois, a conclusão extraída pelo acórdão revidendo ao considerar que: Diante do exposto não se sufraga o entendimento plasmado na decisão recorrida de que a não contenção do custo do projeto dentro do valor do prémio (€ 100.000,00) é, de alguma forma, justa causa da não entrega do seu valor – parte final do nº 1 do artigo 461.º do CCivil, aplicável por analogia.

XV. Isto é, a interpretação do Acórdão acerca da inadequação do regime previsto no artigo 461.º, parece-nos plausível, por aplicável ao negócio jurídico unilateral de promessa pública, previsto nos artigos 459.º a 461.º do Código Civil, a favor de quem praticasse determinado facto, ou de quem se encontrasse em determinada situação, um direito a uma prestação.

XVI. Mas a conclusão de impossibilitar, de todo, a revogação (ainda que não através do artigo 461.º) torna-se aberrante.

XVII. Socorrendo-nos, uma vez mais, da jurisprudência desta instância22: A promessa pública consiste numa declaração, feita mediante anúncio público, pela qual se promete uma prestação a quem se encontre em determinada situação ou pratique certo facto. O traço essencial deste tipo de negócio, como declaração unilateral consiste em a obrigação dela decorrente prescindir da aceitação do credor, nascendo diretamente da declaração do promitente e não do facto ou situação a que a prestação prometida se refere.

E a obrigação decorrente da promessa pública nasce no momento do anúncio público da promessa e abrange aqueles que se encontrem na situação prevista ou tenham praticado o facto sem atender à promessa ou na ignorância dela (artigo 459.º do Código Civil).

XVIII. Assim, na perspetiva da Ré, o Acórdão revidendo, alheou-se da doutrina e jurisprudência mais pormenorizada (como a citada), resumindo-se a uma análise imediatista do prémio enquanto um “todo”, olvidando-se do que impõe o Regulamento nos n.ºs 3 e 4 do artigo 10.º: “divulgar, desenvolver, utilizar, explorar e produzir, por conta própria e em qualquer suporte, a referida ideia, bem como a proceder à sua comercialização a nível nacional e internacional”; e elaborar um “acordo específico a definir, mas sempre na condição da INCM poder fazer uso desses resultados a título gratuito no exercício da sua atividade.”

XIX. E perante a inexequibilidade de uma ideia cuja implementação custa oito vezes mais do que o valor do prémio, questiona-se não poderá o júri lançar mão do apanágio concedido pelo artigo 12.º do Regulamento23 e excluir o financiamento da proposta?

XX. Estamos perante a necessidade de nortear a melhor interpretação do artigo 463.º do Código Civil, que é uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma aplicação do direito.

XXI. Ora, estaremos perante um beco sem saída, onde na inexequibilidade do projeto, imporá à Ré, a única opção de pagar a totalidade de um financiamento que nunca verá a luz do dia?

XXII. Parece ser a opção do Acórdão revidendo, mas não a única: a jurisprudência do STJ já se debruçou sobre esta questão: “I - Em concurso público, através de anúncio em órgão de comunicação social, com oferta de um prémio para o concorrente que, verificados certos requisitos, obtiver o primeiro lugar, proferida a decisão final sobre a atribuição do prémio prometido, não pode o promitente proceder à desclassificação do concorrente beneficiado com esse prémio (artigo 463.º, n.º 3 do Código Civil). II - A admitir-se essa possibilidade, seria necessária a alegação e prova de vício suscetível de fundamentar a nulidade ou a anulação do negócio jurídico.”

XXIII. Provou-se não ter ocorrido uma “desclassificação” do concorrente, tendo-se cumprido o Regulamento – a ideia foi premiada, mas o projeto acabou por não ser financiado.

XXIV. Discorda-se, pois, com a forma de consubstanciação dos factos provados neste processo, pelo Acórdão revidendo, ao artigo 463.º do Código Civil.

XXV. Desconsiderou, o Acórdão, que a A. apresentou uma ideia que se verificou, por sua admissão, não cumprir o orçamento disponível para o financiamento até € 100 000,00.

XXVI. As circunstâncias impediram a execução do projeto idealizado – criando um vício sobre o objeto material ou mediato do contrato a celebrar.

XXVII. As circunstâncias que constituem a base do negócio, passaram a ter um orçamento “impossível”, muito superior ao que o prémio de financiamento previa, tal circunstância apenas poderia redundar na resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio fosse concluído – ou a Ré propunha novos stakeholders ao nível governamental ou camarário, como fez através da reunião na Secretaria de Estado do Ambiente, em 18/06/2018 (cfr. ponto n.º 15 dos Factos Provados) – ou não logrando tais apoios, deveria oferecer o nu valor do financiamento por inteiro, como se de um prémio de consolação se tratasse?! Concordamos como Acórdão STJ citado, que estamos perante prova de vício suscetível de fundamentar a nulidade ou a anulação do negócio jurídico. – que inibe a A. de receber a parte do prémio destinada ao financiamento (artigo 463.º, n.º 3 do Código Civil).

XXVIII. Assim, extrai-se a aceitação pelo regulamento da regra do n.º 2 do artigo 463.º do Código Civil, quanto à definitividade da deliberação do júri sobre a admissão dos candidatos e sobre a atribuição dos prémios.

XXIX. O escopo do Prémio Inovação INCM 2017, permitiu numa primeira fase premiar a ideia através do pagamento de 2% e, subsequentemente, previu a possibilidade de efetuar um financiamento até ao valor referido para o 3.º lugar.

XXX. Reitera-se, como na sentença: a haver regulamento, este tem de ser observado, não podendo haver atribuição contra o que nele for estabelecido.

XXXI. No caso do “Prémio Inovação INCM 2017”, o regulamento existe e é preciso e abrangente quanto ao objeto (artigo 2.º), às áreas (artigo 3.º), ao júri (artigo 6º) e às fases do processo (artigo 8º).

XXXII. Ora, o projeto da A. acabou por ser rejeitado por não reunir “as condições económicas necessárias para a sua execução, facto que impossibilita a INCM de avançar com o seu financiamento” –, a Ré reitera que o júri não elegeu o projeto da A. – financiando-o com € 100.00,00 – apenas o classificou em 3.º lugar; o projeto da A. acabou por ser rejeitado por não reunir “as condições económicas e financeiras necessárias para a sua execução, facto que impossibilita a INCM de avançar com o seu financiamento” – sendo matéria da competência exclusiva do júri, exercido de forma irrecorrível.

XXXIII. Não obstante, foi posição assumida no Acórdão ora recorrido, que tendo a apelante apresentado a ideia “Block Car Pollution” ao prémio inovação INCM 2017 e tendo sido classificada em terceiro lugar, outra alternativa não restava à Ré senão proceder ao pagamento do valor correspondente ao prémio em causa, já que não vem provado nos autos que o custo do projeto de Investigação e Desenvolvimento (I&D) necessário ao desenvolvimento da ideia fosse superior a esse valor, aliás, mesmo que o fosse, sempre a apelante tinha direito ao valor do prémio, ficando a expensas suas o remanescente que fosse necessário para a sua conclusão. Afinal, a posição do douto Acórdão recorrido: torna irrelevante o escopo do Prémio Inovação.

XXXIV. Mais o Acórdão recorrido ignorou que o “custo do projeto de Investigação e Desenvolvimento (I&D) necessário ao desenvolvimento da ideia fosse superior a esse valor” do (3.º) prémio; quando é patente que o mesmo foi orçado pela A. em € 830.250,00 (n.ºs 22 e 23 dos Factos Provados, documento a fls. 38/45).

XXXV. Chegando a determinar: “(…) mesmo que o fosse (como se provou que é), sempre a apelante tinha direito ao valor do prémio, ficando a expensas suas o remanescente que fosse necessário para a sua conclusão.” – do que se discorda clamorosamente.

XXXVI. Assim, para não concatenar a evidente não contenção do custo do projeto dentro do valor do prémio, o Acórdão recorrido, força a equiparar o regime do concurso previsto no artigo 463.º do Cód. Civil – com prémio de ideia e financiamento até ao montante máximo de € 100 000,00 – a uma de duas possibilidades: i) a ideia funciona e é financeiramente viável, pelo que deverá ser financiada no montante que se revelar apropriado; ii) a ideia não é viável, e o valor previamente previsto para o financiamento torna-se uma doação forçosa (!).

XXXVII. Cremos que tal escapa enormemente à ratio legis do artigo 463.º do Código Civil.

XXXVIII. A Ré, entende, como a sentença recorrida, que quanto à não contenção do custo do projeto dentro do valor do prémio, resulta claro das alíneas do n.º 2 do artigo 9.º do Regulamento que os prémios se destinam ao financiamento dos projetos; se é assim, o custo da investigação não pode ir além do valor do prémio. De contrário, o prémio não se destinaria “ao financiamento I&D necessário ao desenvolvimento da ideia”, mas a contribuir para esse desenvolvimento.

XXXIX. Em resultado, deverá improceder o pedido dos € 100.000,00; considerando a não contenção do custo do projeto dentro do valor do prémio (€ 100.000,00) é, de alguma forma, justa causa da não entrega do seu valor.

XL. Mais considerando, se o prémio se destina a implementar concretizar um projeto de inovação, não pode ser atribuído se o seu valor não permitir pagar o seu desenvolvimento até final e não for possível encontrar outra fonte de financiamento.

XLI. A não se verificar “determinada situação” ou a prática de “certo facto, positivo ou negativo”, estaríamos em violação dos artigos 459.º e 463.º, ambos do Código Civil, do Regulamento do concurso, e admitir-se-ia um vício suscetível de fundamentar a nulidade ou a anulação do negócio jurídico.”.

E conclui: “… deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo e, em consequência, absolver a Ré Imprensa Nacional – Casa da Moeda, S.A., de todos os pedidos…”

8. A Autora contra-alegou, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

I) A Recorrente, ao longo das alegações de recurso pela mesma apresentadas, vem lançar mão de suposta matéria factual alegadamente provada, quando a verdade é que a mesma não está efetivamente assente nos presentes autos e, como tal, é insusceptível de fundamentar uma decisão a proferir nos mesmos;

II) Defende a Recorrente que “a não contenção do custo do projeto dentro do valor do prémio (€ 100.000,00) é, de alguma forma, justa causa da não entrega do seu valor”; defende ainda que “se o prémio se destina a implementar concretizar um projeto de inovação não pode ser atribuído se o seu valor não para pagar o seu desenvolvimento até final e não foi possível encontrar outra fonte de financiamento”; concluindo que “a não se verificar “determinada situação” ou a prática de “certo facto, positivo ou negativo”, estaríamos em violação dos artigos 459.º e 463.º, ambos do Código Civil, do Regulamento do concurso, e admitir-se-ia um vício suscetível de fundamentar a nulidade ou a anulação do negócio jurídico”;

III) Não tem a Recorrente razão;

IV) Em primeiro lugar, tal como muito bem referido pelo Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, tal entendimento contende com a própria fundamentação apresentada pela Recorrente para o não pagamento do prémio à Recorrida e constante do facto provado 20, uma vez que em nenhum dos pontos constantes da comunicação dirigida por ela à recorrente tem correlação com os custos financeiros do projeto, nem foi essa a argumentação desenvolvida por aquela para confirmar a sua decisão;

V) Em segundo lugar, porque, contrariamente ao que defende a Recorrente nas suas alegações de recurso, não foi considerada como provada factualidade que permita sustentar as conclusões avançadas pela Recorrente, pelo que as mesmas assentam em factualidade ficcionada pela Recorrente e que se revela insusceptível de ser mobilizada pelo Tribunal de recurso;

VI) Em terceiro lugar, porque não tem qualquer sustentação no Regulamento do Concurso elaborado pela Recorrente o entendimento pela mesma defendido no sentido de que, posteriormente às duas fases do concurso previstas no art. 8º do regulamento, seria admissível a ocorrência de uma nova fase de avaliação da viabilidade económica da ideia vencedora, estando o pagamento do prémio dependente desta análise feita numa terceira fase do concurso público;

VII) É matéria pacífica que, ao nível dos concursos públicos, “o concurso público pode ter, ou não, um regulamento. Se o tiver, como acontece neste presente caso do “Prémio Inovação INCM 2017” (fls. 17v,/21), o processo que leva à concessão do prémio fica vinculado ao mesmo (Regulamento)”, querendo “isto dizer que o regulamento aceita a regra do nº 2 do art. 463.º do C. Civil quanto à definitividade da deliberação do júri sobre a admissão dos candidatos e sobre a atribuição dos prémios”, pelo que “a haver regulamento, este tem de ser observado, não podendo haver atribuição contra o que nele for estabelecido”, sendo que “no caso do “Prémio Inovação INCM 2017”, o regulamento existe e é preciso e abrangente quanto ao objeto (artigo 2.º), às áreas (artigo 3.º), ao júri (artigo 6º) e às fases do processo (artigo 8º)” (tudo isto conforme a sentença do Tribunal de 1ª Instância e o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal recorrido);

VIII) Assim e no que toca ao caso vertente, existindo um regulamento do concurso, o mesmo tem de ser observado, sendo o mesmo preciso e abrangente desde logo quanto às fases do processo (artigo 8.º);

IX) Ora, no que diz respeito às fases do processo de concurso (artigo 8º), o regulamento do concurso não contempla qualquer fase que permita à Recorrente, depois de proceder à seleção das três ideias finalistas e depois de proceder ao anúncio da classificação final das mesmas, decidir pela atribuição ou não do prémio tendo em conta uma qualquer análise da viabilidade financeira da ideia, análise essa que, por não estar contemplada, nem sequer se sabe quais os critérios que deveriam nortear a mesma;

X) Pelo contrário, o que resulta do regulamento do concurso (artigo 9º, nº. 1) é que uma vez selecionadas as três ideias com melhor classificação, as mesmas serão premiadas, não resultando do regulamento qualquer possibilidade ou sequer eventualidade de não ser atribuído prémio depois de ser feita tal seleção;

XI)E não tendo sido pelo júri do concurso exercido a possibilidade prevista no regulamento do concurso (artigo 8º, nº. 3) de “não atribuir todos os prémios, caso considere que alguma ou nenhuma das ideias a concurso preenche os requisitos de qualidade e inovação mínimos”, não pode haver lugar, uma vez selecionadas as três ideias vencedoras, à não atribuição do prémio respetivo;

XII) Assim, os termos em que foi anunciada a promessa de prémio e supra enunciados, só consentem um sentido, qual seja o da necessidade de atribuição de prémio às três ideias vencedoras e consoante a graduação desenvolvida após apresentação pública das mesmas;

XIII) Ora, onde o texto do anúncio não distingue, não pode o intérprete distinguir, sendo que a leitura de que é possível o não pagamento do prémio a uma das ideias vencedoras por força de uma qualquer análise posterior daa viabilidade financeira da ideia contende flagrantemente com o texto do regulamento, que não comporta esse sentido interpretativo – arts. 236.º e 238.º, n.º1 do Código Civil;

XIV) Em quarto lugar acresce que, uma vez apresentadas as ideias e uma vez colocadas as mesmas em andamento (como aconteceu no caso vertente), a Recorrente fica na posse de informação privilegiada e sensível relativa às ideias vencedoras, seja no que diz respeito a todos os aspetos técnicos da mesma, seja no que diz respeito a todos os aspetos financeiros, que lhe permitiria, em última análise e seguindo as conclusões constantes das alegações de recurso apresentadas, apreender todo o know how necessário à implementação das ideias e eximir-se da responsabilidade de pagamento dos prémios em causa, bastando para tal alegar que os mesmos não são viáveis (financeira ou tecnicamente), podendo depois, por si só, aproveitar e implementar as ideias mais interessantes;

XV) Abrir-se-ia, assim, a possibilidade de, a coberto de um prémio nunca efetivamente atribuído, a Recorrente absorver e tomar conhecimento de todos os aspetos referentes a ideias de tal forma inovadoras e interessantes que classificadas de entre as 3 melhores de todas aquelas que anualmente são apresentadas a concurso;

XVI) Tal possibilidade (obviamente aberta com as alegações de recurso apresentadas) constituiria um tal desequilíbrio entre as partes que apenas a interpretação acima aduzida do regulamento do concurso permitiria de alguma forma acomodar a ratio do art. 237º do Código Civil;

XVII) Em quinto lugar, tal como se refere no facto dado como provado no ponto 12, a Recorrente procedeu ao pagamento do prémio aos investigadores proponentes da ideia apresentada pela Recorrida, tal como previsto no artigo 9.º, n.º3 do regulamento do concurso, sendo que nele (regulamento do concurso) não se prevê a possibilidade de ser pago um dos prémios e não o outro, bem pelo contrário, uma vez que do mesmo resulta de forma insofismável que, sendo devido o prévio aos investigadores e constante do artigo 9.º, n.º3 do regulamento do concurso, necessariamente o prémio previsto no n.º2 da mesma norma também terá de ser devido, não havendo qualquer margem para que a Recorrente decida proceder ao pagamento de um prémio e não do outro;

XVIII) Defende a Recorrente nas alegações de recurso por si apresentadas que “conforme a posição do douto Acórdão, criar-se-ia uma interpretação muito apetecível às concorrentes que, não desejando senão colher o “prémio” de financiamento, sem os constrangimentos de ter de desenvolver qualquer projeto efetivo, bastar-lhes-ia apresentar um qualquer orçamento desproporcionado (p. ex.º oito vezes superior ao prémio), para induzir a promotora do concurso desistir do desenvolvimento (por inviável) e receber o prémio por inteiro”;

XIX) A argumentação em causa é, salvo o devido respeito, falaciosa e não tem qualquer sentido;

XX) Por um lado, mesmo que tal situação se verificasse nunca a Recorrente estaria desprotegida, como a mesma dá a entender, porque teria a Recorrente ao seu dispor ferramentas legais das quais poderia lançar mão por forma a obviar à verificação de tal situação, nomeadamente o instituto do abuso de direito;

XXI) Por outro lado, e provavelmente mais importante ainda, porque estaria nas mãos da Recorrente e apenas dela criar as condições, nomeadamente regulamentares, para que uma situação ficcional como a que a mesma apresentou não comporte quaisquer riscos para a Recorrente, bastando para o efeito que a Recorrente, no regulamento dos próximos concursos que resolva lançar, fazer incluir uma efetiva 3ª fase do concurso, devidamente regulada e dada a conhecer, antecipadamente, a todos os concorrentes que quiserem concorrer ao “Prémio Inovação”, que determine a tal avaliação da viabilidade financeira das propostas a concurso e defina concretamente os termos concretos e específicos em que tal análise será desenvolvida;

XXII) Em alternativa, sempre poderia/deveria a Recorrente, aquando da primeira fase de avaliação das propostas, fazer incidir tal avaliação também no aspeto da viabilidade financeira das propostas e apenas selecionar como vencedoras e integrantes da segunda fase, aquelas às quais reconheça tal viabilidade financeira;

XXIII) O que não pode ser permitido fazer à mesma é, mantendo o referido Regulamento inalterado, selecionar, publicitar e “premiar” três ideias, trabalhar conjuntamente com a proponente de uma dessas ideias ao longo de largos meses (art. 28º da factualidade dada como provada) e finalmente, ao abrigo de uma não prevista e não regulada terceira fase de avaliação da viabilidade financeira da proposta, determinar unilateralmente o não pagamento do prémio;

XXIV) Admitir-se tal cenário, como muito bem se refere no Douto Acórdão recorrido, corresponderia, no limite, a uma situação de abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”.

XXV) O Douto Acórdão recorrido encontra-se devidamente fundamentado, quer de facto quer de direito, e não é possuidor de qualquer vício que inquine a sua validade, quer formal, quer substancial;

XXVI) Sem prescindir, no caso de eventual revogação do Douto Acórdão recorrido (hipótese que não se aceita, nem concede), terá de se determinar a baixa do processo novamente ao Tribunal da Relação do Porto, por forma a que o mesmo aprecie o pedido subsidiário desenvolvido pela Autora, o que expressamente se requer.

E conclui pela improcedência do recurso.

9. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se, nos termos do regulamento público em causa nos autos, deve ou não ser atribuído à Autora o prémio correspondente ao lugar em que ficou classificada a ideia por si apresentada.

III. Fundamentação

1. As instâncias (com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação do Porto) deram como provados os seguintes factos:

1.1. A A. tem por objeto: realização de projetos de IDI (investigação, desenvolvimento e inovação) nas áreas das telecomunicações e territórios inteligentes, tecnologias de informação, informática, domótica, automação, robótica e sistemas de segurança; prestação de serviços de consultoria e desenvolvimento de software e hardware, tecnologias de informação, informática, telecomunicações e telemática; realização de atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas; prestação de serviços de consultoria e formação nas áreas do desenvolvimento e dos serviços às empresas, nomeadamente de apoio ao empreendedorismo, de apoio ao negócio, à gestão, à qualidade/certificação, ao desenvolvimento e à gestão de processos e ao desenvolvimento de projetos; prestação de serviços de consultoria e formação em atividades de investigação, desenvolvimento e inovação tecnológica; prestação de serviços de apoio ao financiamento público e privado de projetos; realização de projetos de qualificação, capacitação e desenvolvimento, apoio ao negócio e internacionalização; comercialização, aluguer e reparação de equipamento informático e de telecomunicações; consultoria, promoção e gestão de comunicação, informação e imagem, marketing de produtos e serviços, organização de congressos e conferências, publicidade e serviços; edição de livros e publicações, produção e comercialização de conteúdos de Internet, produção e distribuição de programas de rádio e televisão; compra e venda de imóveis, promoção imobiliária e arrendamento de imóveis; consultoria imobiliária; gestão e arrendamento de imóveis; gestão imobiliária de ativos imobiliários; gestão de participações sociais; avaliações, peritagens, projetos de arquitetura e engenharia; prestação de serviços de contabilidade, consultorias, assessoria fiscal, estudos económicos–fls. 13v./17 (A).

1.2. A Ré é uma empresa de capitais exclusivamente públicos, que se rege pelo disposto no Decreto-Lei n.º 235/2015, de 14 de outubro e nos seus Estatutos, tendo por objeto social o exercício de determinadas atividades em regime de concorrência de mercado e outras em regime de exclusividade (B).

1.3. As atividades referidas no objeto social da Ré, previstas no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 235/2015, de 14/10, incluem designadamente, em regime de concorrência de mercado, as seguintes atividades: a) a edição de jornais e boletins oficiais; b) a produção de moeda metálica e de papel-moeda para países estrangeiros, gravuras, selos, valores postais, dísticos, estampilhas, medalhas comemorativas, títulos, cheques, cartões e demais suportes para licenças, impressos e outros documentos de natureza equivalente; c) a produção de documentos de identificação, de viagem e de outros documentos de segurança; d) a conceção, desenvolvimento e operação de sistemas de informação que visem, de forma segura, autenticar, certificar e validar pessoas, atos, bens e documentos; e) a prestação de serviços de intermediação de autenticação segura de pessoas, atos, bens e documentos, com recurso a suportes físicos e eletrónicos; f) a prestação de serviços de desmaterialização, gestão e custódia de documentos, físicos e eletrónicos, com garantias de segurança e confidencialidade; g) a produção, edição e divulgação de obras de relevante interesse cultural; h) a autenticação de materiais gemológicos; i) a prestação de serviços de laboratório para a determinação de características físico-químicas de materiais; j) a realização de perícias a produtos gráficos de segurança e a moeda metálica–fls. 72/77 (C).

1.4. Nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do no Decreto-Lei n.º 235/2015, de 14/10, a Ré exerce em exclusivo, as seguintes atividades: a) a edição eletrónica do Diário da República, bem como a prestação do respetivo serviço público de acesso universal e gratuito; b) a produção do passaporte, do cartão de cidadão e de outros documentos oficiais de segurança; c) a produção de cartões e demais suportes para licenças que contenham elementos de segurança; d) a produção de dísticos, impressos, estampilhas, e outros meios fiscais, que contenham elementos de segurança, e que sejam necessários aos serviços do estado ou a outras entidades públicas ou privadas; e) a produção de moeda metálica corrente e de coleção; f) a autenticação de artigos com metais preciosos; podendo ainda a Ré exercer quaisquer atividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias das referidas–fls. 72/77 (D).

1.5. Em 2017 a Ré promoveu, como faz anualmente, a 2.ª edição do concurso público de ideias, intitulado “Prémio Inovação INCM 2017” (E).

1.6. Do Regulamento do “Prémio Inovação INCM 2017” junto a fls. 17v./21v. consta (além do mais que não interessa reproduzir):

Artigo 1.º-A Imprensa Nacional–Casa da Moeda (INCM) decidiu promover o prémio “Inovação INCM 2017”, adiante abreviadamente designado por «prémio», no âmbito das parcerias da sua rede de inovação colaborativa, tendo em vista o desenvolvimento e a promoção de atividades de Investigação e Desenvolvimento e Inovação (I&DI).

Artigo 7.º:

1. Apenas serão admitidas ideias que se enquadrem na visão e missão empresariais da INCM e que incorporem a atividade de I&D realizadas ou a realizar no âmbito da Rede de Inovação.

2. As ideias apresentadas serão avaliadas pelo júri, tendo em conta a metodologia de avaliação incluída no anexo ao presente regulamento.

3. Serão selecionadas para apresentação as três ideias com maior pontuação.

Artigo 8.º:

1. Após o termo do prazo fixado para a entrega das ideias, o processo prosseguirá para as seguintes fases:

(…) b) Fase 2–As três ideias finalistas são apresentadas publicamente pelos candidatos em formato resumo (pitch), em horário e local a divulgar pela INMC. Após estas apresentações, o júri anuncia a classificação das ideias finalistas.

2. A INCM reserva-se o direito de publicar e anunciar os vencedores, no seu site (www.incm.pt), nas redes sociais e nos média. (…).

Artigo 9.º:

1. Serão premiadas as três ideias com melhor classificação com base nos critérios definidos no Artigo 7.º.

2. Os três vencedores terão direito aos seguintes prémios, consoante a sua classificação:

a) 1º lugar-financiamento do projeto de Investigação e Desenvolvimento (I&D) necessário ao desenvolvimento da ideia até um valor de € 500.000,00;

b) 2º lugar-financiamento do projeto de I&D necessário ao desenvolvimento da ideia até um valor de € 250.000,00;

c) 3º lugar-financiamento do projeto de I&D necessário ao desenvolvimento da ideia até um valor de € 100.000,00.

3. 2% dos valores acima são destinados a premiar diretamente os investigadores proponentes das ideias.

4. A entrega do prémio será efetuada no mesmo dia e local das apresentações públicas das ideias finalistas, após o júri anunciar a classificação final (F).

1.7. Um dos projetos que apresentou a sua candidatura ao “Prémio Inovação INCM 2017” foi o projeto da A. denominado “BlockCarPollution”–fls. 22/29 (G).

1.8. Com este projeto pretendia-se estimular o recurso por parte da população em geral aos transportes coletivos através de um sistema de recompensa, onde cada consumidor teria acesso a uma carteira virtual (smart wallet) à qual seriam adicionadas moedas virtuais (tokens) sempre que este adquirisse bilhetes ou passes de transportes coletivos, através de um sistema de bilhética multicanal (com especial foco no smartphone), modular e desmaterializado. A quantia que seria adicionada à carteira virtual do utilizador, aquando da aquisição de bilhetes, seria gerada dinâmica e automaticamente de acordo com as condições do smart contract registadas na blockchain, pelo operador de transportes. Estas moedas virtuais poderiam depois ser utilizadas pelo consumidor no marketplace, a desenvolver no projeto, para adquirir ou ter descontos em serviços dos parceiros associados (operadores de mobilidade, turismo ou até de restauração) (H).

1.9. Foi identificado como candidato responsável pela submissão da ideia:-nome: AA; instituição: U..., Lda.–fls. 28v. (I).

1.10. As 3 ideias finalistas foram selecionadas pelo júri do concurso em 26/02/2018 e a lista foi notificada aos concorrentes em 01/03/2018–fls. 29/29v. (J).

1.11. A sessão pública referida no art. 8.º, nº 1, alínea b), do Regulamento do “Prémio Inovação INCM 2017” ocorreu a 24/05/2018 e a ideia referida em 7 e 8 ficou classificada em 3.º Lugar (K).

1.12. A Ré procedeu ao pagamento, aos investigadores que desenvolveram a ideia apresentada pela A. dos 2% que aos mesmos estaria destinado (L).

1.13. No dia 30/05/2018, a Ré remeteu comunicação à Autora no sentido de ser agendada reunião com o objetivo de “discutir o trabalho futuro relativamente ao projeto vencedor do 3º lugar no Prémio Inovação 2017” – fls. 36 (M).

1.14. A 11/06/2018, decorreu uma reunião entre a A, e a Ré, acerca de detalhes da ideia da A. e agendamento de uma apresentação de 5 a 10 minutos a 18/06/2018–fls. 36v./37 (N).

1.15. Decorreu uma reunião na Secretaria de Estado do Ambiente a 18/06/2018 (O).

1.16. A A. remeteu à R. um “plano de negócio” em 08/01/2019, nos termos do email de fls. 46/53v., no qual apresenta um projeto (P).

1.17. A Ré remeteu em resposta ao plano remetido pela A., mencionado em 16 dos Factos Provados, o email de 23/01/2019, no qual informa que “a documentação interna que permite prosseguir com o processo de avaliação da ideia encontra-se concluída”, ressalvando a necessidade “(…) de um plano de pagamentos, ou seja, o orçamento apresentado tem de ficar dividido de acordo com a conclusão das tarefas” – fls. 54 (Q).

1.18. Em resposta, um representante da empresa ora A. remeteu, um e-mail de resposta de 24/01/2019, com uma sugestão de plano de pagamentos através de avença mensal– fls. 55 (R).

1.19. Em 13/02/2019, 07/03/2019 e e 28/05/2019 foram trocadas comunicações entre a Ré e a A., referentes às diligências de processamento do pagamento do valor (2%) destinado a premiar diretamente os investigadores proponentes das ideias a que alude o n.º 3, do artigo 9.º do Regulamento do concurso-fls. 56/58 (S).

1.20. No dia 05/06/2019, a A. recebeu da Ré o email de fls. 58v., do seguinte teor:

“No seguimento da ideia “Bolck Car Pollution”, que apresentaram ao prémio inovação INCM 2017 e classificada em terceiro lugar, informamos que se concluiu que o projeto que a concretiza não reúne as condições económica e financeiras necessárias para sua execução, facto que impossibilita a INCM avançar com o seu financiamento.

A seguir expõem-se as principais razões que sustentam esta decisão:

1. Verificou-se que o mercado de transportes públicos e coletivos é de muito difícil inserção, já com players muito importantes e bem implementados.

2. Por forma a ultrapassar este obstáculo, a proposta final previa o alargamento do âmbito de atuação: de uma plataforma de recompensa de mobilidade sustentável, para uma plataforma de recompensa de comportamentos ecologicamente sustentáveis (p. e. reciclagem de resíduos ou utilização de carros elétricos). No entanto, esta solução leva à inclusão de outros players inicialmente não previstos, tais como os municípios entre outros, o que incorre num esforço negocial/comercial inicialmente não previsto.

3. No que se refere ao marketplace do projeto, e por forma a minimizar o esforço comercial na procura de empresas que o integrassem, foi incluído na proposta final a associação da plataforma prevista na proposta de projeto à plataforma digital de recompensas cashbackworld. Contudo, esta ainda tem pouca expressão em Portugal pelo que existirá sempre um esforço comercial/negocial associado.

4. Acresce ainda o facto de já existir no mercado várias soluções de recompensas (por exemplo, o cartão de pontos do hipermercado continente), pelo que se estima que haja uma fraca adesão do cidadão ao marketplace previsto no projeto.

5. Por fim, existe ainda iniciativa governamental que levou a uma redução significativa do preço dos passes sociais, por forma a promover a utilização dos transportes públicos, deixa o mecanismo previsto no projeto de recompensas e o marketplace para sua utilização pouco atrativo.

O acima exposto não prejudica o pagamento previsto no ponto 3 do artigo 9º, do regulamento do Prémio Inovação 2017, à equipa promotora da ideia” (T).

1.21. Na sessão pública que ocorreu a 24/05/2018, a Ré entregou ao representante da A. presente um cheque gigante no qual se lia “3.º Lugar - financiamento do projeto de I&D até um valor de 100.000€ e 2% desse valor para os promotores da ideia”.

1.22. Na reunião de 11/06/2018, referida em 14 dos Factos Provados, ficou definido entre a A. e a Ré que a A. deveria enviar uma apresentação do projeto em causa de 5 a 10 minutos, por forma a que a Ré pudesse, no dia 18/06/2018, apresentar o mesmo na Secretaria de Estado do Ambiente.

1.23. Cumprindo com o acordado, no dia 17/06/2018 procedeu a A. ao envio à Ré de documento final da apresentação a ser desenvolvida por esta última no dia seguinte na Secretaria de Estado do Ambiente.

1.24. No dia seguinte, a A. recebeu da Ré email do seguinte teor: “A reunião na Secretaria do Estado correu bem. Vamos continuar a trabalhar para que este trabalho possa arrancar e possa ser bem sucedido. Da parte da U..., Lda. necessitamos: orçamento mais detalhado e diagrama de Gantt com tarefas e sub-tarefas para a execução do projeto”–fls. 7.

1.25. A A. começou a trabalhar no desenvolvimento do projeto em causa.

1.26. Foram agendadas duas reuniões presenciais nas instalações da Ré, nas quais a A. apresentou os desenvolvimentos em curso.

1.27. No dia 08/01/2019 e depois de solicitação da Ré para o efeito, a A. envia à Ré, por email, todo o Plano de Negócios do projeto em que se encontrava a trabalhar referido em 16 dos Factos Assentes–fls. 46/53v..

1.28. A A. teve, entre os meses de maio de 2018 e janeiro de 2019, uma equipa composta por 9 elementos (BB, CC, DD, EE, FF, GG, por HH, II e JJ) a trabalhar no desenvolvimento e aperfeiçoamento do referido projeto.

1.29. Esta equipa nunca esteve a trabalhar em regime de exclusividade no referido projeto.

1.30. Existem dois níveis de prémios a atribuir aos vencedores do Prémio Inovação INCM 2017, concretamente ao 3.º classificado:

- 2% dos valores acima são destinados a premiar diretamente os investigadores proponentes das ideias;

- financiamento do projeto de I&D necessário ao desenvolvimento da ideia até um valor de € 100.000,00.

1.31. Durante os meses seguintes à sessão pública em que foram atribuídos os “Prémio Inovação INCM 2017”, foram desenvolvidas diversas diligências pela Ré no sentido de averiguar a adequação da ideia premiada no concurso a uma realidade de execução financiada.

1.32. Durante todo o processo de avaliação do projeto da 3.ª classificada no concurso, a Ré diligenciou no sentido de solicitar informação responsável àquela, acerca do projeto e custos associados, designadamente: cotações, prazos e viabilidade do projeto, com pedidos de aclaração, apresentações em powerpoint, entre outros, e marcação de algumas apresentações e reuniões, confrontando a ideia premiada com a realidade, designadamente junto da tutela do Ambiente.

1.33. [O júri, dentro das suas competências, diligenciou de boa-fé no sentido de detalhar a elegibilidade do eventual prémio de financiamento, através das suas iterações no sentido de se procurar tornar o projeto viável, dentro de uma política de despesas responsável, no âmbito dos poderes a si conferidos regulamentarmente].ponto eliminado pelo Tribunal da Relação por encerrar matéria conclusiva;

1.34. [Em momento algum a Ré estimulou a A., durante cerca de um ano, a investir tempo e recursos no desenvolvimento do projeto em causa, não correspondendo o processo de avaliação da ideia, através de pedidos de cotação e esclarecimentos necessários à apreciação do júri, à efetiva execução do mesmo]. - ponto eliminado pelo Tribunal da Relação por encerrar matéria conclusiva;

1.35. [O júri no âmbito das suas competências determinou não ser de premiar o projeto apresentado pela A., por não reunir condições económicas e financeiras, como consta da decisão final.]ponto eliminado pelo Tribunal da Relação por contradição com factos 6., 7., 8. e 11. dos factos provados.

1.36. O prémio de € 100.000,00 cobria, como valor máximo, toda a atividade do 3º selecionado (a ora A.) no desenvolvimento do projeto que apresentou com vista à sua execução.

1.37. [A entrega do cheque gigante e a publicitação do projeto da A. não era indiciadora do reconhecimento do direito desta à totalidade do prémio de € 100.000,00.] - ponto eliminado pelo Tribunal da Relação por encerrar matéria conclusiva.

2. E foram julgados como não provado os seguintes factos:

2.a) na sessão pública que ocorreu a 24/05/2018, a Ré entregou ao representante da A. presente de um cheque gigante com a indicação do valor de € 100.000,00;

2.b) na reunião de 11/06/2018 ficou definido entre a A. e a Ré que a A. deveria prosseguir os trabalhos para implementação da plataforma em causa no projeto pela mesma apresentado;

2.c) no dia 18/06/2018, a Ré transmitiu à A. que o projeto seria para avançar;

2.d) datas em que foi realizada a restante reunião presencial nas instalações da Ré;

2.e) nestas reuniões a A. projetou os trabalhos futuros;

2.f) a Ré validou, em 23/01/2019, todo o Plano de Negócios apresentado pela A.;

2.g) a Ré estimulou a A., durante cerca de um ano, a investir tempo e recursos no desenvolvimento do projeto em causa para depois, sem que nada o fizesse prever e sem que se alterassem minimamente as circunstâncias que determinaram o prosseguimento do projeto, concluísse pelo não financiamento do referido projeto;

2.h) a equipa da A. referida em 28 dos Factos Provados esteve a trabalhar no projeto por estímulo e solicitação da Ré;

2.i) esta equipa só até janeiro de 2019 despendeu 416 dias no desenvolvimento do referido projeto;

2.j) a A. despendeu € 212.200,00 com os honorários da referida equipa;

2.k) os argumentos utilizados pela Ré para não avançar com o financiamento projeto, referidos em 20 dos Factos Provados, a serem verdadeiros, já eram do conhecimento da Ré quando esta estimulou a A. a avançar com o desenvolvimento do projeto;

2.l) houve sessões de perguntas e respostas (Q&A) dos vários representantes da Ré e elementos do júri.

3. Apreciação do recurso

3.1. Da interpretação do Regulamento aplicável ao concurso público com promessa de prémio

Atendendo às conclusões do recurso de revista interposto pela Ré, a questão essencial a decidir assume, como vimos, natureza normativa, mostrando-se definitivamente estabilizada a matéria de facto apurada nos autos.

A qualificação jurídica do negócio jurídico celebrado pelas partes também não vem questionada pelas partes, mostrando-se correta a subsunção jurídica feita pelo Acórdão recorrido, no sentido de estarmos perante um negócio unilateral, na modalidade prevista no artigo 463.º do Código Civil.

Dispõe o referido preceito legal, com a epígrafe “Concursos Públicos”, o seguinte:

1. A oferta da prestação como prémio de um concurso só é válida quando se fixar no anúncio público o prazo para a apresentação dos concorrentes.

2. A decisão sobre a admissão dos concorrentes ou a concessão do prémio a qualquer deles pertence exclusivamente às pessoas designadas no anúncio ou, se não houver designação, ao promitente.”.

Escreve Antunes Varela (in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9ª edição, pág. 459) que “os problemas fundamentais que, na prática, costuma pôr-se a propósito dos concursos públicos são os dois a que a lei faz expressa alusão: o da admissão (ou exclusão) dos concorrentes e o da atribuição do prémio oferecido. A resolução deles compete, em primeiro termo, às pessoas designadas no anúncio (a que, em regra, se dá o nome de membros do júri); na falta de designação (ou tendo o júri sido extinto por qualquer causa), ao próprio promitente…”.

Na situação sob escrutínio, o concurso publicitado pela Ré tinha um regulamento, cujos concretos termos deverão ser tidos em consideração no âmbito do processo que leva à concessão do prémio anunciado.

Conforme escreve Fernando Oliveira e Sá (in Comentário ao Código Civil, Das obrigações, Das Obrigações em Geral, UCP, 2018, pag. 226-228), “nos casos em que o anúncio do concurso seja acompanhado por um regulamento, a decisão do promitente ou o júri do concurso encontram-se vinculadas ao seu pontual cumprimento, o que resulta numa significativa redução da sua margem de discricionariedade.”.

Atentemos, pois, no conteúdo do regulamento em causa nos autos.

Resultou, a este propósito, como provado que no Regulamento do “Prémio Inovação INCM 2017, constava o seguinte:

Artigo 1.º- A Imprensa Nacional–Casa da Moeda (INCM) decidiu promover o prémio “Inovação INCM 2017”, adiante abreviadamente designado por «prémio», no âmbito das parcerias da sua rede de inovação colaborativa, tendo em vista o desenvolvimento e a promoção de atividades de Investigação e Desenvolvimento e Inovação (I&DI).

Artigo 7.º:

1. Apenas serão admitidas ideias que se enquadrem na visão e missão empresariais da INCM e que incorporem a atividade de I&D realizadas ou a realizar no âmbito da Rede de Inovação.

2. As ideias apresentadas serão avaliadas pelo júri, tendo em conta a metodologia de avaliação incluída no anexo ao presente regulamento.

3. Serão selecionadas para apresentação as três ideias com maior pontuação.

Artigo 8.º:

1. Após o termo do prazo fixado para a entrega das ideias, o processo prosseguirá para as seguintes fases:

(…) b) Fase 2–As três ideias finalistas são apresentadas publicamente pelos candidatos em formato resumo (pitch), em horário e local a divulgar pela INMC. Após estas apresentações, o júri anuncia a classificação das ideias finalistas.

2. A INCM reserva-se o direito de publicar e anunciar os vencedores, no seu site (www.incm.pt), nas redes sociais e nos média. (…).

Artigo 9.º:

1. Serão premiadas as três ideias com melhor classificação com base nos critérios definidos no Artigo 7.º.

2. Os três vencedores terão direito aos seguintes prémios, consoante a sua classificação:

a) 1º lugar-financiamento do projeto de Investigação e Desenvolvimento (I&D) necessário ao desenvolvimento da ideia até um valor de € 500.000,00;

b) 2º lugar-financiamento do projeto de I&D necessário ao desenvolvimento da ideia até um valor de € 250.000,00;

c) 3º lugar-financiamento do projeto de I&D necessário ao desenvolvimento da ideia até um valor de € 100.000,00.

3. 2% dos valores acima são destinados a premiar diretamente os investigadores proponentes das ideias.

4. A entrega do prémio será efetuada no mesmo dia e local das apresentações públicas das ideias finalistas, após o júri anunciar a classificação final (F).”

Da leitura dos artigos do regulamento acabados de citar, decorre com clareza que o concurso público em causa se dividia em duas fases: numa primeira fase, as ideias apresentadas seriam objeto de avaliação pelo júri, sendo, depois, selecionadas para apresentação pública as três ideias com maior pontuação.

Numa segunda fase, seriam premiadas as três ideias com maior classificação, sendo que, nos termos do artigo 9.º do Regulamento, os três vencedores teriam direito a prémios, consoante a sua classificação. Decorre desse preceito regulamentar que o terceiro lugar teria direito ao financiamento do projeto de investigação necessário ao desenvolvimento da ideia até um valor de € 100.000,00.

No caso concreto, o júri classificou a ideia da Autora em terceiro lugar, pelo que, nos termos regulamentares, esta teria direito ao prémio de €100 0000,00.

Nada no texto do regulamento consente a interpretação pretendida defender pela Recorrente de que a atribuição do prémio dependeria da verificação de condições adicionais, designadamente de uma análise acerca da viabilidade financeira da ideia apresentada pela Autora, cujos critérios deveriam, se fosse esse o caso, estar prévia e devidamente definidos no regulamento do concurso público sob escrutínio.

Defende a Recorrente que, não obstante o 3.º lugar da Recorrida no concurso ora em causa, foi legítima a decisão de não pagamento do prémio respetivo, visto que se o prémio se destina a implementar concretizar um projeto de inovação, o mesmo não pode ser atribuído se o seu valor não dá para pagar o seu desenvolvimento até final e não foi possível encontrar outra fonte de financiamento.

Como salientado pelo Acórdão recorrido, de tal entendimento resulta que, posteriormente às duas fases do concurso previstas no artigo 8.º do Regulamento, seria admissível a ocorrência de uma nova fase ao nível do concurso, sendo a mesma de avaliação da viabilidade económica da ideia vencedora, estando o pagamento do prémio dependente desta nova análise que seria desenvolvida.

Sucede que tal entendimento não encontra qualquer apoio na letra do Regulamento, que não prevê a ocorrência de uma outra fase que permitisse à Recorrente, depois de proceder à seleção das três ideias finalistas e depois de proceder ao anúncio da classificação final das mesmas, decidir pela atribuição ou não do prémio tendo em conta uma qualquer análise da viabilidade financeira da ideia.

Pelo contrário, como vimos, o que resulta do regulamento do concurso (artigo 9.º, nº. 1) é que uma vez selecionadas as três ideias com melhor classificação, as mesmas serão premiadas, não resultando do regulamento qualquer possibilidade ou sequer eventualidade de não ser atribuído prémio depois de ser feita tal seleção; atente-se que o regulamento do concurso (no artigo 8.º, nº. 3) prevê expressamente a possibilidade de o júri “não atribuir todos os prémios, caso considere que alguma ou nenhuma das ideias a concurso preenche os requisitos de qualidade e inovação mínimos”, caso em que o processo não avançaria para a fase 2, mas de forma alguma abre a porta para que, uma vez selecionadas três ideias vencedoras, não se atribua o prémio respetivo.

Segue-se, assim, de perto o entendimento propugnado no Acórdão recorrido que, a este propósito, escreve o seguinte:

(…) no que diz respeito às fases do processo (artigo 8.º supra transcrito), o regulamento do concurso não contempla qualquer fase que permitisse à Ré, depois de proceder à seleção das três ideias finalistas e depois de proceder ao anúncio da classificação final das mesmas, decidir pela atribuição ou não do prémio tendo em conta uma qualquer análise da viabilidade financeira da ideia, análise essa que, por não estar contemplada, nem sequer se sabe quais os critérios que deveriam nortear a mesma.

Antes pelo contrário, o que resulta do regulamento do concurso (artigo 9.º, nº. 1-cfr. ponto 6- da fundamentação factual) é que, uma vez selecionadas as três ideias com melhor classificação13, as mesmas serão premiadas, não resultando do regulamento qualquer possibilidade ou sequer eventualidade de não ser atribuído prémio depois de ser feita tal seleção.

Repare-se que o regulamento do concurso (artigo 8.º, nº. 3) prevê expressamente a possibilidade do júri “não atribuir todos os prémios, caso considere que alguma ou nenhuma das ideias a concurso preenche os requisitos de qualidade e inovação mínimos”.

Significa, portanto, que os termos em que foi anunciada a promessa de prémio e supra enunciados, só consentem um sentido, qual seja o da necessidade de atribuição de prémio às três ideias vencedoras e consoante a graduação desenvolvida após apresentação pública das mesmas (cfr. pontos 13º- a 16-, 19- e 22- a 28- dos factos provados), sem que essa atribuição estivesse condicionada pela verificação de qualquer parâmetro posterior.

Ora, ubi textus non distinguit interpres nec id facere debet, sendo que, a leitura de que é possível o não pagamento do prémio a uma das ideias vencedoras por força de uma qualquer análise posterior da viabilidade financeira da ideia contende flagrantemente com o texto do regulamento, que não comporta esse sentido interpretativo (cfr. artigos 236.º e 238.º, nº 1 do Código Civil).”

Alega ainda a Recorrente de que a ideia foi premiada nos termos do n.º 3 do artigo 9.º do Regulamento com €2 000,00 (2%), pagamento este destinado a premiar diretamente os investigadores proponentes das ideias, estando a atribuição do valor previsto no n.º 2 do artigo 9.º do Regulamento necessariamente dependente da exequibilidade da ideia.

Defende, assim, a Recorrente de que, perante a impossibilidade de executar a ideia proposta pela Autora, que custa oito vezes mais do que o valor do prémio, deveria ser possível ao júri lançar mão do apanágio concedido pelo artigo 12.º, n.º 1, do Regulamento (que estabelece que “o não cumprimento das regras previstas no presente regulamento pelos concorrentes constitui motivo de exclusão da ideia apresentada”) e excluir o financiamento da proposta.

Discorrendo sobre este concreto ponto, o Acórdão recorrido foca uma questão que não deve ser menosprezada: com efeito, compulsada a comunicação dirigida pela Ré à Autora (cf. facto provado em 20), constata-se que a mesma não diz respeito propriamente aos custos financeiros do projeto em si mesmo considerado, reportando-se antes às condições para a sua execução quotidiana junto dos utentes. Veja-se que, nessa comunicação, a Ré termina dizendo que já existem no mercado várias soluções de recompensas, pelo que o mecanismo previsto no projeto de recompensas e o marketplace para a sua utilização seria pouco atrativo.

Ora, como, e bem, refere o Acórdão recorrido, as questões práticas relacionadas com a execução do projeto deveriam ter sido analisadas e ponderadas antes da seleção da proposta da Autora e da sua classificação em terceiro lugar. Não prevendo o regulamento expressamente que tais condicionantes poderiam vir a conduzir à exclusão posterior dos proponentes selecionados, o retrocesso na concessão do prémio decidido atribuir pelo júri do concurso – já parcialmente pago nos termos do n.º 3 do artigo 9.º do Regulamento – não pode ser tido como admissível.

Acresce que, nos termos do texto do Regulamento do concurso, é indiscutível que o prémio referido no n.º 3 do artigo 9.º corresponde a uma percentagem (2%) do prémio previsto no n.º 2 da mesma norma (não se tratando de dois prémios autónomos ou distintos), pelo que, tendo aquele sido concedido, não se vê como defender o entendimento da Recorrente que admite a possibilidade de ser pago um dos prémios e não outro, como se de dois prémios diferentes se tratasse. Ora, o regulamento do concurso está longe de suportar uma tal interpretação.

Neste sentido, atente-se no defendido ao nível do Acórdão ora em reapreciação, fundamentação à qual se adere:

Acresce que, não vemos razões para que, perante o mesmo regulamento concursal, a Ré apelada tenha adotado duas condutas completamente distintas.

Mostra-se assente no ponto 12- dos factos provados que a Ré procedeu ao pagamento do prémio aos investigadores proponentes da ideia apresentada pela Autora, tal como previsto no artigo 9º, nº. 3 do regulamento do concurso.

Como resulta do próprio teor literal de tal norma regulamentar, dúvidas não existem de que o prémio aí referido e destinado aos investigadores está intrinsecamente ligado ao prémio previsto no nº. 2 da referida norma Regulamentar e em causa nos presentes autos, sendo certo que em lado nenhum do regulamento do concurso se prevê a possibilidade de ser pago um dos prémios e não o outro.

Destarte, do regulamento do concurso resulta, sem margem para qualquer tergiversação, que sendo devido o prémio destinado aos investigadores e constante do artigo 9.º, nº. 3 do regulamento do concurso, necessariamente o prémio previsto no nº. 2 da mesma norma também terá de ser devido, não havendo razão fundante que resulta do Regulamento do concurso para que a Ré decida proceder ao pagamento de um prémio e não do outro”.

Entende, por sua vez, a Recorrente que a não contenção do custo do projeto dentro do valor do prémio constitui justa causa da não entrega do prémio, para tanto invocando o regime previsto no n.º 1 do artigo 461.º do Código Civil.

O artigo 461.º, n.º 1, do Código Civil, inserido sistematicamente no capítulo relativo aos negócios jurídicos unilaterais, dispõe que a promessa pública é revogável a todo o tempo pelo promitente; mas se houver prazo (como é o caso dos autos), só é revogável ocorrendo justa causa.

Não se ignorando que tal preceito é aplicável diretamente aos concursos públicos, não se vê que, no caso, tenha a recorrente pretendido revogar o concurso público por justa causa. O que a recorrente pretende é tão só e apenas não pagar o prémio que foi atribuído a uma das proponentes no âmbito do concurso por si publicitado.

Como é referido pelo Acórdão recorrido “uma coisa é a revogação da promessa ou concurso público, outra coisa é o não pagamento do prémio atribuído nesse mesmo concurso, ou seja, não existe qualquer analogia.”

Entendemos, assim, que o referido preceito legal não tem aplicação ao caso presente.

Acresce que a situação invocada pela Recorrente muito dificilmente poderia fundamentar uma qualquer justa causa para a não atribuição do prémio atribuído. Desde logo, porque, aquando da seleção dos proponentes das ideias, a Recorrente deveria desde logo ter ponderado as condicionantes económicas ou financeiras da proposta apresentada, a fim de saber se a mesma se inseria dentro dos pressupostos previamente definidos para o efeito.

Tendo o júri do concurso atribuído à Recorrida o terceiro lugar do concurso nos moldes sobreditos, sibi imputet se não levou em consideração todos os critérios ou pressupostos que deveria ter previamente ponderado para efeitos de seleção dos três primeiros lugares. E se a Recorrente entende que as condições financeiras para a implementação das ideias propostas constituem um fator excludente da atribuição de prémio, deveria ter tido o mesmo em consideração aquando da seleção das três ideias vencedoras.

Veja-se que, nos termos do anexo ao Regulamento, onde consta descrita “a Metodologia de Avaliação das Ideias Concorrentes”, um dos critérios para selecionar as propostas apresentadas diz respeito à “exequibilidade da ideia”, onde são tidos em conta os seguintes aspetos: (i) Viabilidade tecnológica; (ii) Viabilidade económico-financeira; (iii) Disponibilidade de recursos (materiais, logísticos, pessoal, etc.); (iv) Tempo de implementação da ideia.

Daqui decorre que incumbia ao júri o ónus de avaliar todos estes aspetos antes de selecionar as ideias vencedoras, assumindo-se como um comportamento contraditório premiar uma determinada proposta, validando designadamente a sua viabilidade económico-financeira, e depois, em fase de implementação do projeto, recusar a entrega do prémio por entender que afinal a proposta não reúne as condições financeiras para o efeito. É um comportamento manifestamente contrário, não só ao regulamento concursal, mas também à boa-fé que deve nortear a atuação de todos os intervenientes no negócio jurídico em causa nos autos.

Assim, ainda que porventura se concluísse pela existência a um qualquer direito de revogação do prémio atribuído na esfera jurídica da Recorrente, sempre haveria que concluir-se pela existência de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium (cf. artigo 334.º do Código Civil), conforme referido também pelo Acórdão recorrido. Há venire contra factum proprium quando uma pessoa manifesta a intenção de praticar determinado ato, alimentando legítimas expetativas e gerando confiança nos outros, e depois se nega a isso de forma inesperada. Foi justamente o que sucedeu no caso dos autos.

Em conclusão, temos que, no caso, a Recorrida apresentou uma ideia – “Bolck Car Pollution”, candidatando-se ao prémio inovação INCM 2017 e ficou classificada em terceiro lugar.

Nos termos do n.º 2 do artigo 463.º do Código Civil, a decisão sobre a admissão dos concorrentes ou a concessão do prémio a qualquer deles pertence exclusivamente às pessoas designadas no anúncio, estando expressamente previsto no n.º 5 do artigo 6.º do Regulamento que “as decisões tomadas pelo júri não são suscetíveis de recurso”, o que significa que a deliberação do júri nesta matéria se deve ter por definitiva naquele mesmo momento.

Do texto do anúncio ou do regulamento não resulta que a atribuição do prémio ficaria condicionada por alguma circunstância a analisar posteriormente, designadamente ao nível da sua exequibilidade económico-financeira (porquanto esse ponto já devia ter sido previamente ponderado aquando da seleção das ideias apresentadas pelos vários proponentes).

De igual modo, não resulta de nenhuma norma do regulamento que o valor de implementação do projeto tivesse de ser idêntico ou não pudesse ultrapassar o valor do prémio a atribuir. Veja-se que, no momento da apresentação da sua ideia, o proponente não consegue antecipar se vai ser selecionado e, sendo, qual o valor do prémio que lhe vai ser atribuído, pelo que não é minimamente expetável que se exija que as propostas não possam exceder os valores pecuniários dos prémios a atribuir.

Por outro lado, o que o regulamento refere é que o prémio a atribuir consiste no financiamento do projeto necessário ao desenvolvimento da ideia vencedora, no caso, até ao valor de €100 000,00. Interpretar este segmento como querendo significar que a implementação da ideia deve conter-se dentro daquele limite pecuniário não encontra na letra do regulamento qualquer correspondência verbal. Soçobra, assim, e em toda a linha, a argumentação defendida a este propósito pela Recorrente.

Na sequência de tudo quanto se deixa dito, é, para nós, inquestionável que a autora tem direito ao pagamento do valor correspondente ao prémio que lhe foi atribuído por ter ficado em terceiro lugar, descontado o montante, equivalente aos 2%, que já foi pago pela Recorrente.

Em conclusão, à luz dos fundamentos de direito atrás expendidos, a pretensão da Recorrente revela-se infundada, pelo que deve o presente recurso de revista ser julgado improcedente e mantido o juízo decisório do Acórdão recorrido.

Deste modo, o recurso tem de improceder.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 23 de janeiro de 2024

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Maria João Vaz Tomé

António Magalhães