Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1407/19.5T8BCL.G1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
ACRÉSCIMOS SALARIAIS
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 02/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL.
Sumário :

Justifica-se a admissão de revista excecional para uma melhor aplicação do direito quando a natureza retributiva de um complemento salarial é excluída pela mera invocação do acordo individual no sentido de que se trata de “um conceito salarial, não pensionável, que é concedido tendo em atenção o desempenho, experiência, conhecimentos e dedicação à empresa, que em cada caso ocorram” e que por tal motivo “carece assim de sentido a referência a cláusulas do CCT, ou da lei”.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 1407/19.5T8BCL.G1.S2

Acordam na Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do CPC junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

AA no âmbito da presente ação de processo comum que intentou contra Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A. veio interpor recurso de revista.

Como decidiu o Exmo. Conselheiro Relator, no seu despacho de admissão do recurso, este recurso de revista incide sobre um segmento decisório relativamente ao qual existe “dupla conformidade”, a saber, o segmento do Acórdão recorrido que considerou improcedente o pedido de 29.399,07 euros relativo a um complemento salarial. Ainda que o Autor não o refira expressamente, pretende interpor, quanto a este segmento, revista excecional, invocando o artigo 672º, nº1, a), do C.P.C., e daí que esta Formação deva pronunciar-se sobre este objeto do recurso.

A este respeito afirma-se no recurso do Autor:

“[Q]uando o Tribunal da Relação de Guimarães decide que “Carece assim de sentido a referência a cláusulas do CCT, ou da lei, já que na sua génese a prestação é considerada não pensionável e a ser absorvida por futuros aumentos”., não se respeitou a hierarquia das normas a aplicar ao contrato, pois o contrato tem cláusulas que contrariam o C.C.T., atentas as cláusulas supra referidas, e não se demonstrando que são concretamente mais favoráveis ao trabalhador não podem ser aplicadas” (Conclusão Z; cfr., igualmente as Conclusões U a Y e AA a AC), afirmando que deve “a presente questão, pela sua relevância jurídica, ter que ser necessariamente reapreciada, pois mostra-se, como se demonstrará claramente necessária para a aplicação do direito, pois coloca-se em causa a hierarquia da aplicação das diversas disposições em concurso ao contrato de trabalho” (Conclusão N)

No Acórdão refere-se o seguinte:

O autor invoca a natureza retributiva da prestação CVI. Da prova resulta que no momento da sua contratação, foi atribuído ao autor o CVI, no valor de €350,00, conforme documento junto a fls. 156 e 220, assinado pelo autor em 19/07/2007”. Deste documento consta especificamente:

“O CVI é um conceito salarial, não pensionável, que é concedido tendo em atenção o desempenho, experiência, conhecimentos e dedicação à empresa, que em cada caso ocorram.

Todas as importâncias lançadas nesta rubrica serão consideradas como pagas por conta de todo e qualquer aumento futuro na retribuição mensal efetiva, resultante da negociação do clausulado do ACTV ou revisão contratual das cláusulas com expressão pecuniária e dos montantes necessários a ajustamentos resultantes das promoções imposta pelo ACTV ou da iniciativa do próprio banco…”

Tal documento consubstancia os termos em que o autor foi admitido, tratando-se da comunicação a informar da sua admissão no banco, documento que o mesmo assinou, declarando estar de acordo.

Carece assim de sentido a referência a cláusulas do CCT, ou da lei, já que na sua génese a prestação é considerada não pensionável e a ser absorvida por futuros aumentos”.

Esta afirmação feita pelo Acórdão recorrido suscita com efeito várias interrogações, mormente tendo em conta a hierarquia das fontes e a circunstância de que o contrato individual de trabalho só pode afastar-se da convenção coletiva quando em sentido mais favorável, bem como a existência de presunções legais na matéria, ainda que ilidíveis. Acresce, também, como o Recorrente refere no seu recurso, a questão da distribuição do ónus da prova quanto à natureza mais favorável do contrato individual de trabalho.

Por outro lado, e face à argumentação aduzida na sentença que considera que este complemento não estaria abrangido pelo princípio da irredutibilidade da retribuição, também este aspeto exige uma intervenção deste Tribunal para uma melhor aplicação do direito.

Decisão: Admite-se a presente revista excecional

Custas a fixar a final.

15 de fevereiro de 2023

Júlio Gomes (Relator)

Ramalho Pinto

Mário Belo Morgado