Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
28305/16.1T8LSB.L2.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
BANCO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DEVER DE INFORMAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 01/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
Em consonância com a orientação do ponto 4 do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 6 de Dezembro de 2021, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República n.º 212/2002, Série I, de 13.11.2022, verifica-se nexo de causalidade adequada entre o cumprimento defeituoso pelo BPN da obrigação de informar o Autor marido quando às reais características das obrigações SLN 2006 e a perda do capital investido que resultou da decisão de subscrever aquelas obrigações
Decisão Texto Integral:
*

I – Relatório

I.1 – Questões a decidir

AA e BB, autores/recorrentes nos presentes autos vieram pedir revista do acórdão proferido em 09-07-2020 pelo Tribunal da Relação de Lisboa que julgou procedente a apelação, revogou a sentença recorrida, e absolveu do pedido o Réu Banco BIC Português, S.A., requerendo a revogação do acórdão recorrido, para o que apresentaram as correspondentes alegações, que terminam com as seguintes conclusões:

1. Atendendo a que o Tribunal recorrido, com a exceção da alteração da data constante do artigo 34º, e da redação dada ao artigo 19º, retirando-lhe a conotação de direito, manteve os factos impugnados, nos exatos termos fixados pelo Tribunal de 1ª instância, no nosso entender, poderia e deveria resultar num diferente enquadramento jurídico dos factos, por forma a alcançar uma decisão conducente à procedência da ação.

I. Do recurso da matéria de direito

i. Da responsabilidade civil do Banco Réu

2. O BPN, na sua relação com os Autores, intervinha como instituição de crédito e como intermediário financeiro, por conta da SLN, apesar de estes não o saberem.

3. Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações, nomeadamente os artigos (art.73º e 74º do RGICSF), e ainda o critério de diligência previsto no artigo 76.º, segundo o qual devia atuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.

4. Por sua vez, enquanto intermediário financeiro (cf. arts. 289º, nº1, al. a) e 290º, nº1, al. c), do Código dos Valores Mobiliários) encontrava-se vinculado às normas que estabelecem regras próprias quanto aos deveres dos intermediários financeiros (cf. arts. 304º a 342º, do CVM).

5. O CVM (desde a sua redação originária conferida pelo DL 486/99, de 13.11), aplicável ao caso dos autos, continha (e contém) várias normas de proteção ao investidor, impondo ao intermediário financeiro uma multiplicidade de deveres visando permitir ao cliente formar um juízo esclarecido acerca da adequação do investimento.

6. A obrigação de informação está inscrita no artigo 312º do CVM e o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

7. Sendo certo que, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há-de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objeto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação, contrariando assim de modo evidente, a decisão do pleito.

8. E é indiscutível que a qualidade da informação deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, conforme ressalta do guião diretivo imposto pelo artigo 7º do CVM.

9. De acordo com a disciplina consagrada no artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e nesse relacionamento devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

10. A responsabilidade do intermediário financeiro, no caso do Banco Réu decorre, desde logo, do disposto no artigo 314.º do CVM.

11. Com efeito, a responsabilidade do intermediário financeiro a que alude o art.º 314º do CVM, apresenta-se desde logo como uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo art.º 798º do CC, sendo a causa de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, e presume-se nos termos do artigo 799º do CC.

12. Ora, o ónus de prova que prestou todas as informações ao A. marido, de forma esclarecida e fundamentada cabia ao Banco Réu, por via do disposto nos artigos 304.º-A, n.º 2 do C.V.M. e 344.º, n.º 1 do Código Civil.

13. No entanto, nenhuma prova significativa foi mobilizada ou requerida pelo Banco Réu, a quem lhe incumbia o ónus de prova, no sentido de permitir, com segurança, de se concluir seja pela informação cabal e esclarecida das obrigações em causa (antes pelo contrário a mesma foi objetivamente condicionada), seja pela prestação de informações falsas/erróneas, seja pela não entrega de qualquer ficha informativa/técnica sobre o aludido produto, seja mesmo pelo exato momento do seu conhecimento ulterior.

14. A factualidade do caso concreto demonstra que o comportamento do Réu/recorrente esteve, inequivocamente, longe de preencher os critérios ético-normativos decorrentes das normas do CVM supra citadas.

15. Com efeito, o Banco Réu tem um dever de diligência ativa, no sentido de se inteirar, atenta a experiência e conhecimentos do cliente, da razoabilidade e adequação da aplicação financeira, tanto mais que, o Banco apresenta-se ao destinatário como tendo qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem este investidor a confiar.

16. Assim sendo, no caso de o cliente não ser um investidor institucional ou experiente, carece objetivamente de particular proteção, nomeadamente, em termos de informação.

17. Essa informação deve cobrir os aspetos técnicos necessários, de forma clara e apreensível pelo cliente em causa, para produzir o efeito útil a que se destina.

18. A informação só é completa quando não omite dados informativos que, pela sua importância, devam ser tidos como essenciais por relevante no processo de tomada da decisão de investir – cf. Simão Mendes de Sousa, Contrato de Swap de Taxa de Juro: Dever de Informação e Efeitos da Violação do Dever, AAFDL, 2017, pp. 55-56.

19. A informação é verdadeira sempre que seja coincidente com a realidade dos factos, das circunstâncias, não induzindo em erro o potencial investidor – cf. Simão Mendes de Sousa, Op. Cit., p. 57.

20. No caso em apreço, estamos perante um relacionamento pré-contratual e contratual em que de um lado está um banco, um profissional apetrechado no âmbito da sua atividade comercial, e de outro alguém posicionado ao nível de um mero leigo, investidores não qualificados em serviços/produtos bancários/financeiros, pessoas sem qualificação ou formação técnica quanto a tais instrumentos da complexa órbita financeira e de perfil conservador, o que logo mostra o existente desequilíbrio de posições negociais, com marcado défice de conhecimento/preparação dos Autores face à contraparte (banco intermediário financeiro), para além da sua ausência de contacto (e de conhecimento) com a entidade emitente das obrigações.

21. E, não podemos olvidar, a relação muito enraizada entre as partes (os Autores e o seu banco), em que o cliente depositava a sua confiança no funcionário bancário, que bem conhecia, funcionário esse que o ajudava (ou devia ajudar) nas suas necessidades de informação/esclarecimento (ou mesmo conselho), num âmbito até de proteção da contraparte, quanto a matérias técnicas que não dominava, como é o caso das aplicações financeiras e seu funcionamento – de inegável complexidade para o leigo -, confiança essa a não poder ser traída, sob pena de ainda maior resultar o desequilíbrio de posições negociais entre as partes, com mais cavado défice para o cliente impreparado e eventuais resultados danosos para a sua esfera patrimonial.

22. Na situação concreta com que nos deparamos nos autos, provou-se de forma transparente, que os recorrentes acederam na subscrição das obrigações, atenta a proposta apresentada pelo funcionário do Banco, pessoa em que depositavam confiança, e atendendo a que, como foi por ele transmitido e assegurado, a aplicação em causa era em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com maior rentabilidade, ou seja, a aplicação não tinha quaisquer riscos, pois tratava-se de uma aplicação com a garantia de reembolso do capital, convencendo-se que a garantia era prestada pelo Banco.

23. Sendo certo que, para além do produto em causa ser absolutamente inadequado ao perfil conservador do Autor (e daí nem deveria sequer ter sido proposto pelo funcionário do Banco), também as características que lhe foram transmitidas estavam longe de corresponder à realidade do que era efetivamente o produto em causa, não tendo o A. marido a verdadeira perceção dos riscos do aludido produto, porque dos mesmos não foi alertado.

24. Ora, é evidente que as características supra mencionadas e que foram transmitidas ao A. marido, não o foram inocentemente, antes pelo contrário, foram transmitidas com o propósito vincado e pré-determinado de o ludibriar e de o convencer a subscrever tal produto, pois se assim não fosse, ou seja, se não fosse manifestada a garantia total do capital pelo próprio Banco e a qualidade e segurança do produto antes da sua subscrição, os Autores nunca teriam tomado tal decisão.

25. O certo é que, a sociedade proprietária do banco necessitava de capitais para se financiar, como resulta da finalidade da emissão das obrigações, pelo que o A. marido, assim como tantos outros clientes, foram vítimas de uma estratégia agressiva de assédio ou reveladoras de um aproveitamento fraudulento da pura iliteracia financeira por parte do Banco Réu, para angariar esse capital.

26. Ou seja, estando a SLN (mãe do banco) em grandes dificuldades financeiras, que já existiam à data da subscrição, mas só eram conhecidas pelo círculo restrito de administradores e outros altos funcionários, aproveitaram os bancos de que eram proprietários para se financiarem junto dos clientes desses bancos, ocultando os problemas que já sabiam que iriam ocorrer, em absoluta deslealdade para com os seus clientes.

27.  Tanto assim é que, ficou assente a ação de persuasão por parte do Banco Réu, nomeadamente, que pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que o produto não estava associado a qualquer risco quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação do reembolso do capital.

28. Ora, se era esta a ideia que a administração do Banco BPN queria que os seus funcionários passassem aos clientes, é porque sabia que se transmitissem as verdadeiras características do produto, e os consequentes riscos que daí podiam advir, claramente que o A. marido e todos os demais clientes que foram enganados, não aceitariam subscrever tal produto.

29. Neste conspecto, estamos em total discordância com o argumento plasmado no douto acórdão recorrido, que defende que, o facto de ter sido dito que o capital era garantido pelo BPN, não consubstancia por si só, a violação do dever de informação, pois a probabilidade de a entidade emitente não cumprir era muito semelhante à do Banco BPN não cumprir.

30.  De facto, independentemente de a probabilidade de uma outra entidade não cumprir ser muito semelhante, o que realmente está em causa é saber se efetivamente as informações prestadas pelo Banco são ou não verdadeiras, e as circunstâncias em que foi formada a vontade do A. marido em subscrever tais obrigações.

31. Como resultou provado e não mais pode ser alterado, os Autores contrataram sem estar devidamente esclarecidos sobre os termos do negócio e induzidos em erro quanto a tal: a sua convicção (e porque assim lhe foi transmitido), foi de que não havia risco algum e que o Banco BPN garantia a operação, respondendo pelo reembolso, o que não correspondia à verdade.

32. Portanto, o A. marido confiou e acreditou na informação que lhe foi transmitida de que o capital era garantido pelo BPN, quando na realidade não o era, ou seja, a sua vontade foi formada com base numa informação falsa, que o Banco R. ardilosamente incutiu no A. marido, bem sabendo que esta informação o influenciaria a subscrever tal produto.

33. Tanto assim é que, tal como ficou assente, se o A. marido soubesse que estaria a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006 (produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN), não o teria autorizado.

34. Sendo certo que, o facto de ter sido dito ao A. marido que o capital estava garantido pelo BPN, veio dar ainda mais confiança e segurança para aplicar o seu dinheiro, pois o BPN é uma entidade bancária de todos conhecida no mercado financeiro e com credibilidade, na qual o Autor confiava plenamente, o que o Banco Réu sabia, e daí ter assumido ele próprio a garantia do capital.

35. Daí que, e em face das referidas informações [inexatas], tenha o A. marido, prima facie confiante, dado autorização para aplicação de fundos seus no valor de 50.000,00€ em obrigações SLN 2006, convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.

36. Assim, a informação prestada no sentido de que era uma aplicação equivalente a um depósito a prazo quando em verdade não o era, assume tanto maior gravidade quanto se sabe que o funcionário em causa sabia que os Autores não fariam aplicações que não tivessem capital garantido e que não pudessem ser resgatadas em qualquer altura – ou seja, no sentido de que a informação prestada foi afinal determinante da vontade contratual dos Autores.

37. Sendo certo que, esta referenciação ao DP não é, evidentemente, inocente, uma vez que se trata de um produto muito divulgado, de todos conhecido, e sobretudo, reconhecido pela sua segurança, sobre ele recaindo invariavelmente conforme o réu sabia e resultou provado, a preferência dos Autores.

38. Pelo que, a saliência exagerada da comparação a um depósito a prazo (quanto ao risco de investimento), e a garantia do capital pelo próprio BPN, ofuscou tudo o resto, não tendo os Autores a verdadeira perceção das consequências adversas que potencialmente estavam contidas na operação em causa, o que permite imputar ao Banco Réu a violação dos deveres que sobre si impendiam, mormente deveres de informação.

39. Acresce que, a declaração do Banco de assegurar ao A. marido que o produto financeiro proposto era sem risco, com reembolso do capital garantido pelo próprio, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais (art.236º do CC), só pode significar que o Banco assume um compromisso perante o cliente, o do reembolso do capital.

40. Temos, pois, que no caso dos autos, o banco Réu assumiu perante os Autores aquando da aquisição do produto financeiro (2006), o compromisso da garantia do capital que havia sido investido.

41. Trata-se, neste caso, de um compromisso contratual em que o banco réu assume perante os Autores o pagamento do capital investido na aludida aquisição dos ativos financeiros e nessa medida verifica-se uma situação de responsabilidade contratual que o banco réu não pode deixar de assumir e com as consequências decorrentes do art. 798 do C. Civil.

42. Donde e relativamente à responsabilidade pelo reembolso do capital investido na aplicação financeira em causa do banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, a mesma só existe, no caso em apreço, porque o banco réu assumiu, segundo o que vem provado, proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos em causa, o que consubstancia um compromisso contratual, ao qual não pode fugir, como acima já se referiu.

43. No caso dos autos, o banco réu, na qualidade de intermediário financeiro em que aqui operou, não podia deixar de pautar o seu comportamento contratual em nome do relacionamento de confiança existente entre si e os Autores pelo princípio da boa-fé (cfr.art. 762º nº2 do C.Civil).

44.  No entanto, a factualidade provada aponta para uma subscrição, em que o essencial não foi devidamente explicado, omitindo-se, ou deturpando-se os reais riscos da mesma – transparecendo a ideia de que o Banco Réu se responsabilizava pelo pagamento das obrigações, embora na realidade, e tendo em conta o seu comportamento posterior, não tivesse essa intenção.

45. A tudo isto ainda acresce o facto, de o Banco Réu ter omitido ao A. marido que tais obrigações tinham natureza subordinada, e quais as implicações caso a entidade emitente fosse declarada insolvente.

46. A omissão de informação de que tais obrigações tinham natureza subordinada, consagra a violação do dever de informação perante os Autores, pois a referência a tal modalidade e natureza da obrigação configura-se, de forma manifesta, com caráter essencial ou primordial.

47. Com efeito, não estamos perante uma informação de somenos importância, pois tal colide com o grau de proteção concedido ao titular da mesma, tanto mais premente in casu quando estamos perante uma obrigação menos favorável à pretensão dos obrigacionistas, na medida em que, em caso de insolvência da entidade emitente, os titulares de tais obrigações apenas serão reembolsados depois dos demais credores da dívida não subordinadas (art. al. c) do art.48º do CIRE - DL nº53/2004, de 18 de Março).

48. Ora, a informação prestada pelo funcionário do Banco de que os riscos eram os mesmos de um depósito a prazo, colide de forma vertiginosa, com o caráter subordinado de tais obrigações, pois coloca os investidores (neste caso os Autores), numa posição bem mais desvantajosa do que os simples depósitos a prazo, informação essa que lhes foi claramente e intencionalmente ocultada.

49. E quanto ao argumento defendido pelo douto acórdão recorrido, de que na altura não havia qualquer indício de risco de insolvência do emitente, o mesmo não pode colher por duas razões: a primeira porque das condições de subscrição estava expressamente referida tal situação na cláusula relativa à subordinação e acima transcrita; e , em segundo, face ao que hoje se sabe, tais indícios já existiam, só que não eram do conhecimento do público em geral e nem sequer dos funcionários do banco. Aliás, foi certamente a situação periclitante do grupo SLN que determinou que se engendrasse este esquema de captação de investimento, tal como no grupo Espírito Santo.

50.  O facto de não ser previsível, à época, o colapso do sistema financeiro, não justifica o facto de o Banco Réu ter omitido aos Autores o risco de insolvência da SLN, e a possibilidade de nunca mais virem a reaver o dinheiro investido, pois as obrigações do intermediário financeiro acima referidas e designadamente a obrigação de informação, já estão consagradas na lei desde data muito anterior ao início da mencionada crise.

51. Outrossim, ainda que, à data, pudesse não ser previsível que viesse a ocorrer insolvência da sociedade emitente (risco especial), a Ré tinha a obrigação de alertar os Autores para o risco (geral) da insolvência da emitente, sobretudo face à posição extremamente desfavorável atribuída aos credores obrigacionistas em tal situação.

52. Também, não se pode esquecer o prazo de 10anos, prazo extremamente longo, pelo que, em tão dilatado período de tempo, nunca ninguém poderia afirmar que no final o capital estava garantido, e por isso mesmo, a insolvência sempre seria de se admitir e considerar (mais uma vez o banco réu prestou informação falsa).

53.  E, não se pode dizer que não havia exemplo de insolvências de bancos (o que não é correto, pois já havia ocorrido com a Caixa Económica Faialense, no ano de 1986), quando a SLN nem sequer era o banco, mas sim uma empresa ou uma holding de empresas de vários ramos de negócio, com todos os riscos que isso envolve, designadamente de contágio entre elas.

54.  A própria Nota Informativa, inicia logo, no ponto 1, com a “advertência aos investidores”, onde evidencia a necessidade de os investidores serem alertados para a possibilidade da insolvência da sociedade emitente.

55. Da Nota Informativa, decorre de forma irrefutável que haviam duas características cruciais a serem advertidas aos clientes: a primeira prende-se com a possibilidade de insolvência da sociedade emitente, ou seja, que a SLN só lhes restituiria o capital no final do prazo de 10 anos se chegado esse tempo futuro ela tivesse disponibilidade financeira para proceder à restituição, e a segunda, diz respeito à subordinação dessas obrigações, pois nestas condições, o reembolso do capital, só seria pago depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados.

56. Com efeito, se o produto é vendido como de capital garantido e sem risco, é absolutamente essencial, explicar que a garantia do capital pode não se vir a concretizar por via da impossibilidade financeira da emitente e que se ocorrer uma insolvência, os obrigacionistas por força da condição de subordinação, são os últimos a receber, isto é, imediatamente antes dos acionistas.

57. Não se pode aceitar que se diga que a advertência aos investidores relativa ao risco de insolvência não era informação exigível ao banco Réu, uma vez que à data nada fazia prever o que se veio a concretizar, isto é, a insolvência da SLN.

58. Não foi isso que entendeu a própria SLN e o Banco de Portugal, aliás, ambos entenderam diferente, daí constar da Nota Informativa como advertência a ser dada e explicada aos investidores.

59. No caso dos autos, o Banco Réu não provou ter fornecido cópia da Nota Informativa aos Autores, e muito menos provou ter-lhes dado as explicações que dela constam (ónus que lhe incumbia).

60. O facto de não ter provado que entregou aos A. marido, qualquer Nota Informativa sobre o emitente das Obrigações, integra a violação dos deveres consignados nos artigos 312º-C e 312º-F, ambos do Código dos Valores Mobiliários, especialmente no que tange a falta de documentação da informação a prestar.

61. Em suma, e sem margem para quaisquer dúvidas, porque a factualidade assente fala por si, é inquestionável que in casu o intermediário financeiro/Banco violou o dever de informação, não elucidando convenientemente [antes prestando informação incorreta, para não dizer enganadora e ardilosa] aos Autores sobre as características do produto financeiro que lhes era proposto/sugerido.

62. Estamos, aqui no domínio da responsabilidade contratual feita em nome do relacionamento anterior de clientela existente entre os Autores e o Banco Réu e nessa perspetiva o banco réu tem de assumir contratualmente o reembolso do capital investido (cfr. art. 798 e segs. do C. Civil).

63. Efetivamente, tendo o Banco Réu avançado para a aquisição do produto financeiro aqui em causa sem observar os deveres de informação junto dos Autores, a que estava obrigado na qualidade de intermediário financeiro em que interveio, torna-se responsável pelos prejuízos causados aos Autores, nos termos do art. 314 nº1 do CVM, sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o nº2 do citado art. 314 que impendia sobre o banco Réu.

64. Dizer-se que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, quando, na verdade, não tem, não pode ser visto como artifício ou sugestão admissível, tanto mais que a obrigação de informação é essencial e resulta da lei (arts. 253.º, n.º 2, e 485.º, n.º 2, do CC).

65. Os Autores só aceitaram negociar com o Banco Réu, porque lhes foi comunicado que tinham uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo próprio BPN e com rentabilidade assegurada.

66. Ou seja, os Autores atuaram convictos de que estavam a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente banco.

67. O réu sabia que prestava informação errada aos Autores – dizendo-lhes que garantia o capital e os juros – e sabia que essa errada informação era determinante, como foi, da declaração de vontade emitida.

68. Ora, por força do art. 800º do C.C. (ou, para quem considere que em causa não está responsabilidade contratual, mas sim extracontratual, por força do art. 500º do C.C.), o BPN responde pelos atos dos seus funcionários.

69.  A situação dos autos pode ser igualmente enquadrada na modalidade de responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou os Autores que estava garantido o retorno do capital.

70. A apresentação do produto como produto seguro, como do próprio do banco constitui violação do dever de informação.

71.  Afirmar que o produto é produto seguro, como do próprio banco é o mesmo que afirmar que é o próprio banco que reembolsará o cliente do capital investido.

72. Que não é um produto de risco.

73. Relevante é que, ao dizer que o produto era produto seguro, do próprio do banco, os Autores não foram colocados perante a hipótese de investir as suas poupanças em produto que não era próprio do BPN.

74. Por força do art. 314º nº 2 do C.V.M. - redação original, presume-se a culpa do intermediário financeiro.

75. Porque o dano sofrido pelos Autores, decorreu da prestação de informação falsa e a falsidade da informação é uma forma de violação do dever de prestar informações por ação, presume-se a culpa do Banco Réu, nos termos previstos no nº 2, do artigo 304º-A do Código dos Valores Mobiliários.

76. Assim, a omissão de tal informação foi causal da segurança dos Autores em subscrever a Obrigações SLN 2006, fazendo que as subscrevesse, e agora sofram os Autores um dano por não lhes ser reembolsado o dinheiro.

77. Tanto assim é que, resultou provado que o que motivou a autorização por parte do A. marido foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco R., com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando o entendesse bastando avisar a agência com uma antecedência de três dias (cfr. Facto 6).

78. De tal forma que, o A. marido estava convicto que colocava o seu dinheiro numa aplicação segura, num produto com risco exclusivamente banco (cfr. Facto 7).

79. Pelo que, se o A. marido soubesse que estaria a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006 (produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN)não o teria autorizado (cfr.Facto 8).

80. Verifica-se, por isso, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e nomeadamente os deveres de informação a que o banco Réu está e os danos que os Autores reclamam (confrontar artigo 563.º do Código Civil).

81. Mesmo que assim não se entenda, o que não se concebe nem concede, veja-se a respeito do nexo de causalidade, a recente decisão singular, datada de 02/04/2019, no processo nº6295/16.0T8LSB.L1.S1-A, da relatora Maria João Vaz Tomé, que entendeu que se deve admitir uma inversão do ónus da prova de comportamento conforme à informação –causalidade preenchedora, incumbindo assim ao intermediário financeiro (devedor da informação), provar que, mesmo perante um cumprimento pontual dos deveres de informação, o investidor da informação teria tomado a mesma decisão, correndo deste modo o primeiro. E, daí que, no seu entendimento, se presume o nexo causal – preenchedor, entre o incumprimento ou deficiente cumprimento dos deveres de informar e a decisão de investimento adotada pelo investidor presunção essa que pode ser retirada do art.304º, nº2 do CVM).

82. No mais, entende ainda que, atualmente tende a prevalecer um entendimento amplo de presunção de culpa, quer daquela prevista no art.799º, nº1 do CC, que abrange também a de ilicitude e a da causalidade fundamentante, quer daquela prevista no art.304º-A, nº2, d CVM, que inclui a de ilicitude, a da causalidade fundamentante e a da causalidade preenchedora.

83. Sendo certo que, no caso em apreço, o Banco Réu não logrou ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelos Autores, pois como resultou provado, o que motivou a autorização, por parte do A. marido, para essa aplicação, foi o facto de lhe ter sido dito pelo funcionário que o capital era garantido, com juros semestrais, tendo o A. marido atuado convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo.

84. Assim, tanto com base na responsabilidade civil pré-contratual que decorre do preceituado no artigo 227.º do CC, como com base no preceituado no artigo 314.º do CVM, se chega à conclusão de que impende sobre o Réu a obrigação de indemnizar o Autor do dano por ele sofrido.

85. Tem, pois, o Banco Réu a obrigação de indemnizar os Autores pelo valor do capital investido (50.000,00€), acrescido de juros à taxa legal desde a data do termo do prazo das obrigações subscritas (arts. 805º nº 3 e 806º do C.C.) 86- Deste modo, e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2 ambos do CPC, a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” deverá ser revogada e substituída por outra que responsabilize o Banco Réu pelos prejuízos causados aos Autores, julgando, em consequência, a ação procedente por provada.

86.  A decisão recorrida fez desadequada aplicação do direito, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que condene o Banco Réu no pedido;

87.  O douto Acórdão recorrido, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, o disposto dos artigos 590º, 615º, nº1, al. d) e 672º todos do CPC; artigos 227º, 236º, 483º, 496º, 562º, 762º, 798º, 799º, 800º, 805º do Código Civil; 7º, 290º, 204º, 312º, 314º do CVM, entre outros.

Termos em que e nos mais de direito aplicáveis deve ser dado provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o acórdão sindicando, e substituindo-o por outro que condene o Banco Réu a restituir aos Autores a quantia de 50.000,00€, julgando, em consequência, a ação procedente por provada.

O réu, em suporte do acórdão recorrido apresentou contra-alegações que não contêm conclusões.

A instância foi suspensa por decisão proferida em 2 de Fevereiro de 2020 por estarem pendentes vários recursos para uniformização e jurisprudência sobre matéria idêntica ao objecto deste processo, vindo a ser redistribuído em 6 de Dezembro de 2022, na sequência da publicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 6 de Dezembro de 2021, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República n.º 212/2002, Série I, de 13.11.2022 cujo segmento uniformizador é o seguinte:

«1- No âmbito da responsabilidade civil pré -contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em ‘produtos de risco’ - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o ‘reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco’), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexactidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.»


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I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso de revista é admissível nos termos do disposto no art.º 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

                                                   *

I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões:

1. Violação dos deveres de informação do intermediário financeiro.

2. Nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos autores.

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I.4 - Os factos

O Tribunal da Relação considerou provados os seguintes factos:

1. Os AA. eram clientes do R. (BPN), na sua agência de ..., ..., com a conta à ordem n.º ...01, onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças.

2. Em 08.05.2006, o gerente do banco R. da agência de ... – ..., disse ao A. marido que tinha uma aplicação financeira em tudo semelhante a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com uma melhor rentabilidade.

3. O dito funcionário do banco sabia que o A. marido não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse destrinçar os produtos financeiros existentes e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que os explicassem devidamente.

4. O A. tinha um perfil conservador.

5. O valor que os AA. investiram - € 50.000,00 – foi colocado em obrigações SLN 2006.

6. O que motivou a autorização por parte do A. marido foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo banco R., com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando o entendesse bastando avisar a agência com uma antecedência de três dias.

7. O A. marido estava convicto que colocava o seu dinheiro numa aplicação segura, num produto com risco exclusivamente do banco.

8. E que se soubesse que estaria a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006 (produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN) não o teria autorizado .

9. Nunca foi intenção dos AA. investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do R., e o A. marido sempre esteve convencido que o capital e os juros lhe seriam restituídos quando os solicitasse .

10. Os juros foram sendo pagos até ao ano de 2016.

11. Os AA. não foram informados da compra de obrigações subordinadas SLN 2006.

12.  Nunca o gerente do R. lhes explicou que se tratavam de obrigações SLN 2006.

13. Os AA. nunca deram ordem de compra de obrigações SLN 2006.

14. Os AA. nunca assinaram qualquer documento, nem lhes foi explicado ou entregue cópia de qualquer contrato.

15.  O contrato celebrado não corresponde à vontade dos AA..

16. Na data do vencimento do produto – Maio de 2016 – não lhes foi restituído o capital investido.

17. O R. foi apresentado como garante da aplicação financeira em causa.

18. O R. pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que o produto não estava associado a qualquer risco quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação do reembolso do capital.

19. Em razão do não pelo Réu, do valor correspondentes ao capital investido, os AA. ficaram impedidos de usar o dinheiro como bem entendessem.

20. Os AA. sempre mostraram apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco.

21. E também em valores mobiliários.

22. Tendo investido em fundos de investimento imobiliários e obrigações.

23. As obrigações da SLN foram emitidas pela SLN SGPS, SA, sociedade titular de 100% do capital do banco R.

24. Participação que deteve até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizado.

25. O produto dado à subscrição dos AA. era tido como um produto seguro.

26. Tendo sido explicado que a SLN se tratava da sociedade-mãe do banco pelo que se tratava de um produto seguro.

27. Mais se apresentaram as condições do produto.

28. A sua remuneração, mais vantajosa que um DP.

29. O seu prazo, de 10 anos.

30.  E as condições de reembolso.

31. E a obtenção de liquidez ao longo de 10 anos, que apenas seria possível por via de venda.

32.  O que há data era fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

33.  E em questão de minutos aparecia um comprador.

34. Em 26.7.2008 foi subscrito por CC, em nome da Direcção de Coordenadora Empresas Centro do BPN um email com o assunto “Emissão de Papel Comercial da SLN Valor, SGPS, SA” do qual consta

 “Meus caros,

Chegou o momento de colocarmos em evidência e à vista de todos (Administração, Accionistas e restantes Colegas), tudo aquilo por que temos vindo, nestes últimos 2 anos a lutar, ou seja, profissionalismo, atitude, e fundamentalmente, honestidade profissional e reconhecimento pela casa, pela nossa casa, o (BPN). Independentemente dos objectivos que venham a ser fixados (divulgá-los-ei, logo que conhecidos) quero pedir a todos que, logo a partir das 8h30m de 2.ª feira, iniciem contactos, já definidos ou não, para a subscrição. Relembro que a SLN Valor é a maior accionista da SLN SGPS (31%), que por sua vez detém 100% do BPN, ou seja, na prática estamos a “vender” o equivalente a um DP, com uma excelente taxa, logo no 1.º ano, de EUR 12m+1,75%, que atingirá (se o cliente entender renovar no final do ano) no 5.º ano EUR12+2,25%. Quando o cliente efectua um DP no BPN está a comprar risco BPN. Não vejo diferenças (…)”

Factos não provados

a) Sem que os AA. soubessem o que era e desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.

b)  O R. sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.

c) Os AA. não sabiam o que era a SLN e pensavam que era uma mera denominação de conta a prazo que o R. utilizava.

d) O valor entregue pelos AA. deveria ter sido aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses.

e)  Não tem sido cumprido o pagamento dos juros acordados.

f) O Banco R. garantiu o pagamento dos juros remuneratórios.

g)  A actuação do R. colocou os AA. num permanente estado de ansiedade e preocupação, com receio de não reaverem o dinheiro ou de não saber quando iam reaver o dinheiro.

h)  E tem provocado nos AA. ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras de gerir e sua vida.

i)   Os AA. andam em permanente estado de “stress”, doentes e sem alegria de viver por terem sido desapossados das suas economias de uma vida e sem perspectivas de futuro.

j) E em valores relevantes.

k) O incumprimento foi determinado por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais, como uma nacionalização e a forma como essa nacionalização foi determinada, separando o banco do resto do grupo de empresas.

l) Constituindo esse produto valores mobiliários em representação da dívida da sociedade emitente.

m) A liquidez era obtida por via de endosso.


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II – Fundamentação

1. Violação dos deveres de informação do intermediário financeiro

A factualidade dada como provada, ainda que não isenta de algumas deficiências, afigura-se, à luz do ponto 2 do AUJ n.º 10/2022, transcrito supra, como suficiente para dar como provada a violação dos deveres de informação.

Na verdade, tendo sido dado como provado que, em 08.05.2006, o gerente do banco R. da agência de ... – ..., onde os AA. eram clientes do R. (BPN), com a conta à ordem n.º ...01, onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças disse ao A. marido que tinha uma aplicação financeira em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN, com uma melhor rentabilidade, com juros semestrais e que poderia ser levantando, incluindo capital e respectivos juros quando o entendesse bastando avisar a agência com uma antecedência de três dias. Com base em tal informação o A. investiu € 50.000,00 nesse produto que foi colocado em obrigações SLN 2006.

Como era do conhecimento daquele gerente, o A. tinha um perfil de investidor conservador e não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse destrinçar os produtos financeiros existentes e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que os explicassem devidamente.

O A. marido estava, então, convicto que colocava o seu dinheiro numa aplicação segura, num produto com risco exclusivamente do banco, pois, se soubesse que estaria a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006 (produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN) não o teria autorizado. Relativo a esse investimento os AA. nunca assinaram qualquer documento, nem lhes foi explicado ou entregue cópia de qualquer contrato.

  Apesar de o banco réu ser uma instituição de crédito, a sua intervenção na subscrição pelo Autor marido das Obrigações SLN 2006 deve ser qualificada como uma actividade de intermediação financeira, como aceite por ambas as partes. Com efeito, o então BPN ofereceu ao A. marido e sugeriu que subscrevesse as obrigações emitidas por uma terceira entidade - a SLN-Sociedade Lusa de Negócios, S.A. -, nos termos dos artigos 289.º, n.º 1, 290.º, n.º 1, al. b), e 293.°, n.º 1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários, vindo a executar a ordem de subscrição que dele recebeu, prestando-lhe, pois um serviço de intermediação financeira com base no contrato comercial de intermediação financeira celebrado entre o Autor marido e o BPN.

Dado que as obrigações SLN 2006 foram subscritas em Maio de 2006 a referida actividade de intermediação financeira rege-se pelas normas constantes do Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, com as alterações que se seguiram, até à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, nos termos do artigo 12.º do Código Civil versão do diploma a que nos passaremos a referir.

No exercício dessa actividade de intermediação financeira, o Banco réu através do gerente da referida dependência bancária fez convergir a vontade do A. de rentabilizar o seu dinheiro com a aquisição daquele produto financeiro, dando-lhe informações conducentes a tal convergência e cumprindo os objectivos que o banco lhe impusera.

Ao fazê-lo, tal como resulta da matéria provada, indicou um produto financeiro que presumivelmente conferiria uma maior rentabilidade que um depósito a prazo, mas aproximou-o demasiado, de um depósito a prazo sem ter destacado, como lhe competia, que era um produto sem capital garantido, muito menos pelo banco réu.

Evidentemente que subscrever obrigações comporta maior risco que realizar um depósito a prazo, mas há obrigações que em certo momento, sendo embora aquisição de dívida de uma entidade, podem resultar num investimento rentável e seguro, posto que a solvabilidade da empresa emissora não corra perigo. Não era este o caso, como o futuro veio a demonstrar sendo irrelevante, para a decisão da causa, se o gerente tinha pessoal conhecimento da situação económica e financeira da empresa emitente das obrigações ou não na medido em que, em nome do Banco e seguindo as orientações deste, apresentou o produto financeiro ao A. marido com características de segurança que não correspondiam à realidade. Sabia, além disso que o A. não tinha conhecimentos técnicos para avaliar o risco do produto e que apenas confiava nas indicações que recebia do banco nesse sentido. Ora o dever de informação que o banco deveria ter cumprido perante o seu concreto cliente sobre as características daquele produto financeiro mostra-se incumprido naquilo que era mais significativo – avaliação do risco do investimento. Assim, a vontade do A. de subscrever as ditas obrigações mostra-se viciada por este cumprimento defeituoso do dever de informação sobre os riscos do negócio.

Ora, nos termos dos artigos 289.º, n.°1, al. a), e 290.º, n.º 1, al. c), do Código de Valores Mobiliários, o BPN enquanto intermediário financeiro estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do Código de Valores Mobiliários.

Mostra-se, pois, incumprido o dever de prestar informações que envolvam os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, em que a “extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (artigo 312.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código de Valores Mobiliários).

O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se sobre a obrigação de indemnização em situações similares vindo a decidir no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 6 de Dezembro de 2021, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República n.º 212/2002, Série I, de 13.11.2022 que:

os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

(…) a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a actividades de intermediação e emitentes, que seja susceptível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspectos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite”.

“(…) Existe um conjunto de informações que o intermediário está obrigado a prestar a um cliente, potencial investidor, antes de lhe prestar qualquer serviço de intermediação financeira. Trata-se de informações prévias no âmbito das quais se inserem todas as necessárias para que o cliente tome uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada (art.312.º Cód. VM), as respeitantes à estrutura empresarial do intermediário financeiro e ainda as relativas à natureza e características do investimento a realizar (artigos 38.º e 39.º do Regulamento n.º12/2000).”

“A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investidor. O legislador não dispensou, contudo, o enunciado de um conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontrando-se nesse grupo elementos cujo conhecimento é, desta forma, reconhecido como indispensável à adopção de qualquer decisão de investimento. Entre esses elementos encontram-se os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta [alíneas a) a d) do n.º1 do art. 312.º do Cód. VM e 39.º do Regulamento CMVM n.º12/2000]. O intermediário financeiro deverá ainda fornecer ao investidor toda a documentação necessária.”

O incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de informação constitui os intermediários financeiros na obrigação de indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, onde se integra o referido dever de informação – art.º 314.º, n.º 1, do Código de Valores Mobiliários -.

2. Nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos autores

Tendo em consideração as regras do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, e os pressupostos gerais da responsabilidade civil, a responsabilização de um intermediário financeiro pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso do referido dever de informação, depende da prova a cargo do cliente/ investidor do incumprimento desse dever (ilicitude), que foi, como analisamos no ponto 1 da fundamentação realizada.

Para ser gerador de obrigação de indemnização o incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação além de ilícito, presumindo-se a culpa do intermediário financeiro, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, carece de ser causa adequada do dano – perda dos valores investidos.

Como consta dos pontos n.º 3 e 4 do segmento uniformizador do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 6 de Dezembro de 2021:

“O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexactidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” 

Os AA lograram provar que:

1 - «O que motivou a autorização por parte do A. marido foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo banco R., com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando o entendesse bastando avisar a agência com uma antecedência de três dias» (facto 6);

2 - «E que se soubesse que estaria a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006 (produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN) não o teria autorizado» (facto 8).

A formulação do facto 6, pela positiva, tem essencialmente o mesmo significado que a formulação pela negativa do facto 8.

Por se mostrarem verificados todos os requisitos da responsabilidade civil da Ré, e não tendo as partes suscitado qualquer questão especificamente incidente sobre a medida do dano sofrido pelos AA., na qualidade de sucessora do BPN, procede a revista.


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III – Deliberação

Pelo exposto, concede-se a revista e revoga-se o acórdão recorrido, mantendo-se o decidido pelo Tribunal de 1.ª instância.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2023

Ana Paula Lobo (Relatora)

Afonso Henrique Cabral Ferreira

Maria Graça Trigo