Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
235/05.0TYLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: FIRMA
SINAL
COMERCIANTE
MARCAS
MARCA NOTÓRIA
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
CONFUSÃO
IMITAÇÃO
ERRO
DEFESA DO CONSUMIDOR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MARCA
Doutrina: - Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Noções Fundamentais, CJ, Ano XII, T1, 16.
- Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Noções Fundamentais, CJ, XII, T1, 154.
- Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Noções Fundamentais, CJ, Ano XII, T2, 24, 25.
- Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Noções Fundamentais, CJ, XII, T4, 17.
- Cassiano dos Santos, Direito Comercial Português, I, 2007, 192 a 194, 195 e 196.
- Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, I, 7ª edição, 2009, 387 a 391.
- Fernandez-Nóvoa, Fundamentos de Derecho das Marcas, 1993, 458 a 461.
- Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, 1973, 278 a 282, 283, 299, 300, 331, 333, 339, 345 e 346.
- Jorge Patrício Paúl, Concorrência Desleal, 35, 41 e 42.
- Justino Cruz, Código da Propriedade Industrial Anotado, 210 e 211.
- Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 2ª edição, revista e aumentada, 2008, 184, 197 e 198, 234 e 235.
- Maria Miguel Carvalho, A Marca Descritiva Apreciada pelo Tribunal de Justiça, no Acórdão PostKantoor, Scientia Ivridica, Setembro/Dezembro de 2004, Tomo LIII, nº 300, 512 e 521
- Nogueira Serens, Firma e Língua Portuguesa, Revista do Notariado, 1994, 104, 109, 110 e 113.
- Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, II, Direito Industrial, 1994, 60.
- Oliveira Ascensão, Lições de Direito Comercial, II, Direito Industrial, 1994, 56.
- Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, I, 331.
- Pinto Coelho, RLJ, 89º, 23 e ss..
- Pupo Correia, Direito Comercial, 10ª edição, revista e actualizada, 2007, 86, 90.
Legislação Nacional: CÓDIGO COMERCIAL: - ARTIGOS 18.º, Nº 1 E 13.º, Nº 2.
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI), CRIADO PELO DL Nº 36/03, DE 5 DE MARÇO. – ARTIGOS 4.º, Nº 4, 5.º, Nº 3, 24.º, Nº 1, D), 189.º, Nº 1, M), 193.º, Nº 1, 222.º, N.º1 E 2, 223.º, Nº 1, C)224.º, N.º1, 239.º, NºS 1, A) E B) E 2, A), 258.º, 269.º, Nº 2, B), 317.º, A).
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 9.º, Nº 1, C), 10.º, NºS 1 E 3, 200.º, N.º 1, 275.º, N.º 1.
REGIME DO REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLECTIVAS (RRNPC), INTRODUZIDO PELO DL Nº 129/98, DE 13 DE MAIO: - ARTIGOS 3.º, 32.º, NºS 1, 2 E 3, E 33.º, NºS 1, 2, 4, 5 E 6, 38.º, Nº 1, 62.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 27-3-1979, Pº Nº 067773, WWW.DGSI.PT
- DE 22-10-1992, BMJ Nº 420, 609.
- DE 25-11-1993, Pº Nº 067773 E STJ, DE 20-10-92, Pº Nº 081786, WWW.DGSI.PT
- DE 19-4-1994, PROCESSO Nº 084787, 1ª SECÇÃO, WWW.DGSI.PT
- DE 19-11-1996, Pº Nº 722/96, 1ª SECÇÃO,
- DE 26-6-1997, PROCESSO Nº 96B920, 2ª SECÇÃO, WWW.DGSI.PT
- DE 11-11-1997, CJ (STJ), ANO V, T3, 127.
- DE 15-2-2000, CJ, ANO VIII, T1, 97

- SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS, Nº 5, 22.
- SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS, Nº 12, 61, WWW.DGSI.PT
Sumário : I - Sendo a firma um sinal de identificação e distinção do comerciante, o respectivo juízo de confundibilidade, nomeadamente, quanto ao objecto do seu comércio, há-de ser aferido com respeito ao conteúdo global da mesma, que deve ser sempre distinta, não só de outras firmas, como de outros sinais distintivos, mesmo que estes estejam fora do âmbito da actividade do comerciante.
II - No quadro do princípio da especialidade que preside à tutela da marca contra os riscos de confusão sobre a origem dos produtos, exige-se, para além da igualdade ou semelhança dos sinais, uma certa similitude entre os produtos marcados.
III - Os sinais descritivos do produto ou serviço carecem, por vezes, de capacidade distintiva, o que não acontece, nomeadamente, no caso de se tratar de uma marca sugestiva ou expressiva, que se apresenta, conceitualmente, referida ao produto ou serviço que distingue ou fazendo parte do património semântico comum, podendo deixar adivinhar o objecto assinalado.
IV - O que está em causa, no âmbito da protecção do direito à marca, não é a confusão dos produtos ou a confusão directa de actividades, mas antes a que possa ocorrer entre sinais distintivos do comércio, ou seja, a confusão indirecta de actividades.
V - A imitação entre uma marca e uma denominação só existe quando a imitada e a imitante digam respeito ao mesmo produto ou serviço ou a produtos ou serviços semelhantes, ou afins, devendo efectuar-se a apreciação de uma eventual imitação, menos pelas dissemelhanças que ofereçam os seus diversos pormenores, considerados, isolada e separadamente, do que pelas semelhanças do conjunto dos elementos que a constituem.
VI - Dedicando-se a autora, essencialmente, à “prestação de cuidados médicos e de saúde”, enquanto que o fim prosseguido pela ré consiste, na sua componente mais expressiva, “na prestação de serviços de saúde e de assistência médica”, existe manifesta afinidade entre as marcas «MÉDIS» da autora, por um lado, e a denominação social «ANTAVAMÉDIS – SERVIÇOS DE SAÚDE, SA» da ré, por outro, susceptível de induzir em erro o consumidor que não tenha os dois em presença.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA :

AA-“COMPANHIA P... DE SEGUROS DE SAÚDE, SA”, com sede na Av. J... M..., n°..., Lisboa, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra “Antavemédis - SAÚDE E HIGIENE E MEDICINA DO TRABALHO, Lda.”, presentemente, denominada "Antavemédis - SERVIÇOS DE SAÚDE, SA", com sede na R. P... B..., ... D, Lisboa, pedindo que, na sua procedência, seja determinada a anulação da denominação social “Antavemédis – SAÚDE E HIGIENE E MEDICINA DO TRABALHO, Ldª, invocando, para tanto, e, em síntese, que é titular de várias marcas notórias, caracterizadas pela expressão "Médis", destinadas a assinalar serviços de cuidados de saúde conhecidos e utilizados por um grande número de pessoas e instituições e que são prioritárias face à denominação da ré.
Porém, esta denominação da ré tem como elemento preponderante o vocábulo "Médis", expressão de fantasia criada pela autora, sem que esta lhe tivesse dado autorização para o efeito, violando, assim, os seus direitos de propriedade industrial.
Na contestação, a ré alega que a sua actividade não está contida nos serviços que as marcas da autora assinalam, pelo que, inexistindo identidade de produtos e serviços, não há fundamento para a anulação da sua denominação.
Por outro lado, acrescenta a ré que as denominações não são confundíveis, resultando a expressão "Antavemédis..." da associação ao grupo “Antavemédis”, pretendendo-se relacionar a ré com o grupo a que pertence e com a área de actuação respectiva, que é a prestação de serviços médicos.
A sentença julgou a acção procedente e, em consequência, determinou a anulação da denominação social da ré.
Desta sentença, a ré interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação, confirmando a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação de Lisboa, a mesma ré interpôs recurso de revista, terminando as alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1ª – O presente recurso foi interposto da aliás douta sentença proferida no processo acima identificado, mas com a qual - e com o devido e muito respeito - a agora recorrente não concorda.

2ª - No caso dos autos, as marcas invocadas pela recorrida são marcas mistas, ou seja, não se circunscrevem (1) à palavra "Médis" e (2) à representação gráfica que a recorrida lhe deu, acrescendo-lhe ainda (3) uma componente figurativa ou imagética, tudo nos termos em que se encontram representadas no canto inferior esquerdo de fls. 19, 24 e 28.

3ª - Nestas circunstâncias, quando se suscita a questão de uma alegada "associação" ou até possível "confusão" entre a denominação social da recorrente e as referidas marcas, essa questão não pode ser decidida exclusivamente, como o foi, pelo confronto do vocábulo "Antavemédis", ou melhor, "Médis", incluído na denominação da ré, e do vocábulo "Médis" nas marcas da autora, numa análise incidindo exclusivamente sobre palavra se descurando os aspectos gráficos e figurativos das marcas acima salientados.

4ª - No confronto entre uma denominação social e determinadas marcas, a análise comparativa não pode situar-se a um nível exclusivamente verbal ou linguístico e tem de ser também diferente e mais exigente, não podendo descurar os aspectos "extra-linguísticos", ou seja, os dados figurativos e gráficos da marca e avaliar, então, se, também à luz desses dados, há possibilidade de confusão - que, no caso concreto e atenta essa análise, se não verifica.

5ª - Aliás, os destinatários das realidades em causa, ou seja, o público em geral, reconhecem como distintas uma denominação social - que é "Antavemédis -Serviços de Saúde", ou, anteriormente -"Antavemédis - Saúde e Higiene e Medicina do Trabalho, Lda." e marcas mistas - como são as marcas n° --------, -------- e -------- invocadas na acção.

6ª - Acresce, quanto à existência de sinais "Médis", que a denominação da recorrente não é um sinal "Médis", o que não é manifestamente o caso, e que, quanto à prestação de "serviços idênticos", a ré (prestadora de serviços médicos) não os presta semelhantes aos da autora (empresa seguradora).

7ª - E, para se poder formular um juízo sobre a associação ou, o que é mais, sobre a possibilidade de confusão, seria necessário que se tivesse perfeitamente definido e esclarecido qual o objecto social e a actividade desenvolvida quer pela autora, quer pela ré, o que não aconteceu.

8ª - Assim, se, quanto ao objecto social e quanto à ré, isso foi alegado, até pela autora, na petição e foi objecto de decisão - ponto 5 da matéria de facto - já quanto à própria autora esta não referiu qual fosse o seu objecto social.

9ª - E quanto às actividades desenvolvidas por uma e outra sociedades, nada ficou esclarecido quanto à ré e, quanto à autora, apenas, de forma indirecta e obscura, a questão foi objecto dos pontos 12 e 13 dos factos dados como provados, dizendo-se - ponto 12 - que "os serviços prestados pela A. (e não se diz quais sejam) funcionam como um sistema integrado de prestação de cuidados de saúde" - mas não se extrai da matéria de facto em que consistirá tal "sistema"!

10ª - Assim, e por carência dos necessários fundamentos, deveria concluir-se pela improcedência da acção.

11ª - Além disso, os elementos "Médis" ou "Médis", constitutivos de palavras de uso vulgar que são "medicina", "médico", "medicamento", que pretendem evocar, devem ser entendidos, tais como estas palavras, como termos correntes e de uso comum, identificadores das actividades relacionadas com medicina e saúde, e, como tal, insusceptíveis de apropriação individual ou exclusiva por qualquer pessoa ou entidade.

12ª - E ainda antes do registo das marcas da autora, já dezenas de outras denominações, usando os mesmos elementos, tinham sido registadas, como pode ver-se do documento autêntico emitido pela Senhora Conservadora do Registo Nacional de Pessoas Colectivas de fls. 237 a 249 - o que não é questão irrelevante, ao contrário do que foi entendido.

13ª - Assim, a denominação da recorrente não induz em erro sobre a titularidade da marca "Médis", sendo bem distinta, do ponto de vista gráfico e fonético o elemento característico "Antavemédis" e a marca mista "Médis", ainda que aquela expressão inclua na sua composição a sequência silábica "Médis", que faz parte das marcas mistas da autora.

14ª - E "Médis" não só é apenas parte das marcas que a autora fez registar, como é também uma referência silábica muito vulgar nas denominações de sociedades ligadas à área da medicina, tanto antes, como depois, da recorrente ter logrado registar a referida marca.

15ª - Existindo mesmo sociedades cujo direito ao uso exclusivo da denominação é anterior ao registo da marca "Médis".

16ª - Nestes termos, o aliás douto acórdão recorrido, por ter violado as disposições do artigo 10° do Código das Sociedades Comerciais, dos artigos 3°, 33° e 35° do Regime do RNPC e dos artigos 653°/4/CPC e 10°/3/CSC, deverá ser revogado e julgar-se a acção improcedente, absolvendo-se a ré do pedido.

Nas suas contra-alegações, a autora defende que a revista deve ser julgada improcedente, mantendo-se a douta sentença que mandou anular a denominação social “Antavemédis – SERVIÇOS DE SAÚDE, SA”.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
1. “Antavemédis - Serviços De Saúde, SA”, pessoa colectiva nº --------, com sede na R. S... M..., nº ..., ...º, sala ..., Lisboa, encontra-se matriculada, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, ...ª secção, sob o nº ------, desde 7 de Novembro de 2001.

2. À data da respectiva matrícula, a sociedade tinha a

denominação social de -"Antavemédis - Medicina do Trabalho e Higiene eSegurança, Lda.".

3. Em 16 de Julho de 2003, foi inscrita na matrícula da sociedade a alteração da sua denominação social para -"Antavemédis - Saúde e Higiene e Medicina do Trabalho, Lda.".

4. E, em 10 de Setembro de 2004, a sua transformação em sociedade anónima e a alteração da sua denominação social para "Antavemédis - Serviços De Saúde, S.A.".

5. A sociedade tem por objecto social a gestão e exploração de estabelecimentos hospitalares e centros de saúde, assistenciais e similares, próprios ou alheios; a prestação de serviços de saúde, residências para idosos e casa de repouso para idosos, reabilitação física e recuperação pós-operatório; o transporte de doentes e apoio domiciliário; a prestação de serviços de enfermagem e de assistência médica; a realização de exames complementares de diagnóstico; a prestação de serviços de higiene e segurança no trabalho e medicina do trabalho; a medicina dentária; a exportação, importação de medicamentos, materiais e equipamentos hospitalares e a formação profissional.

6. A autora é titular do registo das seguintes marcas nacionais:

1 - n° -------- "Médis" mista, pedido em 26 de Maio de 1998 e concedido por despacho de ... de Fevereiro de 1999, destinada a assinalar na classe 36a "seguros" e na classe 42a "prestação de cuidados de saúde, integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos";

2 - n° -------- "Médis" mista, pedido em ... de Agosto de 1999 e concedido por despacho de ... de Maio de 2000, destinada a assinalar na classe 36a "seguros" e na classe 42a "prestação de cuidados de saúde, integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos";

3 - n° -------- "Médis Acidentes" mista, pedido em 22 de Dezembro de 1997 e concedido por despacho de ... de Agosto de 2001, destinada a assinalar na classe 42a "prestação de cuidados de saúde, integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos";

7. O registo das marcas, referidas em 6., foi requerido antes de a ré ter requerido o certificado de admissibilidade da sua denominação social.

8. A autora não deu autorização à ré para que esta incluísse na sua denominação social o vocábulo "Médis".

9. No dia 10 de Setembro de 2003, a ré requereu o registo da marca nacional n° ---.--- "Antavemédis" (mista), destinada a assinalar serviços da classe 44a.

10. No dia 2 de Outubro de 2003, a ré requereu, junto do INPI, a

modificação da lista de serviços que pretende assinalar com a marca

---.---, restringindo-a aos seguintes serviços da classe 44a: "serviços

médicos e cuidados de higiene e de beleza para seres humanos".

11. Em ... de Maio de 2005, o RNPC emitiu o certificado de

admissibilidade da denominação "Antavemédis - Serviços de Saúde, S.A.".

12. Os serviços prestados pela autora funcionam como um sistema integrado de prestação de cuidados de saúde que oferece aos seus clientes o acesso a médicos e hospitais.

13. Bem como a vários serviços e profissionais de saúde.

14. Que são conhecidos e utilizados por um grande número de pessoas e instituições.

15. É efectuada, regularmente, na imprensa escrita publicidade à marca "Médis".

16. A marca "Médis" é do conhecimento de grande parte da população portuguesa.

17. E é associada pelo público a um sistema de prestação de cuidados de saúde.

18. O vocábulo "Antavemédis" resulta da associação da ré ao grupo "Antavemédis, S.A.".

19. E a designação "Antavemédis" resulta da conjugação dos nomes do seu sócio fundador, CC .

20. O grupo "Antavemédis" é composto por várias empresas, entre as quais se inclui a "Antavemédis" e a "Antavemédis".

21. A designação "Antavemédis" funde os vocábulos "Antavemédis" e "Médis" com o objectivo de associar a actividade da empresa na área da saúde ao grupo "Antavemédis".

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, consiste em saber se existe confusão entre as marcas registadas da autora e a denominação social da ré.

I. DA CONFUSÃO DOS SINAIS DISTINTIVOS DO COMÉRCIO

Através da presente acção, a autora pede que se declare a anulação da denominação social da ré -“Antavemédis - SAÚDE E HIGIENE E MEDICINA DO TRABALHO, Lda.”, invocando como causa de pedir a titularidade do registo de marcas “Médis”, confundíveis, dada a sua notoriedade, com a firma “Antavemédis” da ré, cujo elemento distintivo é semelhante, sendo o pedido de autorização da denominação social da ré posterior aos pedidos de registo daquelas marcas da autora.

Dispõe o artigo 224º, nº 1, do Código da Propriedade Industrial (CPI), criado pelo DL nº 36/03, de 5 de Março, que “o registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina”.

Por outro lado, “o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor” e constitui “…fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis, se os pedidos de autorização ou de alteração forem posteriores aos pedidos de registo”, como decorre do preceituado pelos artigos 258º e 4º, nº 4, do CPI.

Do carácter exclusivo do direito à marca emergem, assim, duas consequências, contempladas pelo artigo 258º, do CPI, sendo a primeira a de que o seu titular se pode opor à sua utilização por terceiros, sem o seu consentimento, e a segunda a de que um terceiro não pode utilizar, no exercício de actividades económicas, o sinal que constitua a marca de outrem, de modo a lesar o correspondente direito, confundível com marca registada para produtos ou serviços idênticos ou afins, sob pena de se constituir na autoria de um acto ilícito.

Considerando as analisadas semelhanças, importa verificar se as mesmas são susceptíveis de induzir em erro ou confusão, porquanto são postas em confronto as marcas “Médis” da autora e a denominação social -“Antavemédis - SAÚDE E HIGIENE E MEDICINA DO TRABALHO, Lda.”, da ré, em termos de aquelas poderem, eventualmente, gozar da tutela privativa conferida pelos sinais distintivos do comércio, atento o estipulado pelos artigos 32º, nºs 1 e 3, e 33º, nºs 1 e 2, do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RRNPC), introduzido pelo DL nº 129/98, de 13 de Maio, e 5º, nº 3, do CPI.

A firma, na sua acepção subjectiva, consagrada pelo sistema jurídico português, é o nome comercial do comerciante, um sinal distintivo do comerciante enquanto titular de certa empresa, de uso obrigatório, quer para os comerciantes em nome individual, quer para as sociedades comerciais, como resulta do estipulado pelos artigos 18º, nº 1 e 13º, nº 2, do Código Comercial, 9º, nº 1, c), do Código das Sociedades Comerciais (CSC), e 38º, nº 1, do RRNPC.
Com efeito, a firma tem por função essencial individualizar a sociedade, ou o comerciante em nome individual, por forma a distingui-los de outros, especialmente, na área do mercado onde se apresentam e se esgotam os seus produtos, ou no campo da sua exploração específica, e, ao mesmo tempo, esclarecer o mercado da espécie a que pertencem e, indirectamente, servir como um pólo de atracão de clientela.
A firma-denominação ou, simplesmente, denominação, é constituída por uma expressão relativa ao ramo de actividade, podendo incluir siglas, composições ou expressões de fantasia, atento o disposto pelo artigo 10º, nº 3, do CSC, sendo sempre um sinal nominativo e nunca emblemático, uma expressão verbal, com exclusão de qualquer elemento figurativo(2) .
Para tanto, os princípios da novidade e da verdade da firma, consagrados nos artigos 3º, 33º, nº 1 e 32º, nº 1, do RRNPC, com referência aos artigos 275º e 200º, do CSC, exigem que estas sejam distintas de outras que se encontrem inscritas no registo comercial, de modo a evitar a confusão ou erro pelo público com as registadas ou licenciadas, no mesmo âmbito de exclusividade.
Ainda quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras firmas, já registadas, ou com designações de instituições, notoriamente, conhecidas pelo público, exige que os seus elementos componentes sejam verdadeiros e não indutores em erro sobre a identificação, natureza ou actividade do seu titular, com a inerente incursão na proibição, a que alude o artigo 62º, do RRNPC, que a eventual conduta infractora do uso legal da firma ou denominação confere aos interessados, bem como na indemnização pelos danos daí emergentes, sem prejuízo da correspondente acção criminal, se a ela houver lugar.
Ora, sendo a firma um sinal de identificação e distinção do comerciante, o respectivo juízo de confundibilidade, nomeadamente, quanto ao objecto do seu comércio, atento o estipulado pelos artigos 10º, nº 1, do CSC, e 32º, nºs 1 e 2, do RRNPC, não é susceptível de acontecer quando os elementos comuns não sejam os prevalentes, ou seja, os mais adequados a perdurar na memória do público, porquanto novidade significa inconfundibilidade, e há-de ser aferida com respeito ao conteúdo global da firma, mas sempre com referência à diligência normal de um homem médio (3) .
É que o princípio da novidade, como bem resulta do preceituado pelo nº 2, do artigo 33º, do RRNPC, ao dispor que “os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas”, destina-se a assegurar a função identificadora das firmas, permitindo a fácil identificação por terceiros dos comerciantes com os quais se relacionam.
Porém, para o princípio da novidade, acabado de mencionar, a incorporação na firma ou denominação de sinais distintivos registados não deve ser apurada apenas em face das firmas, anteriormente requeridas, ou registadas, porquanto a respectiva legitimidade depende da consideração da existência de marcas e logótipos, já concedidos, que sejam de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos, devendo tomar-se em atenção os nomes e insígnias de estabelecimento e das marcas pré-existentes, já registadas ou pedidas, com base no preceituado pelos nºs 4, 5 e 6, do artigo 33º, do RRNPC.
Com efeito, para além da firma, também estes sinais distintivos são usados com estrita ligação à actividade comercial, embora com funções diferentes (4), sendo certo que a firma deve ser distinta, não só de outras firmas como de outros sinais distintivos, mesmo que estes estejam fora do âmbito de actividade do comerciante (5)..
Por seu turno, na lei geral da concorrência, a marca é o paradigma dos sinais distintivos do comércio, e a sua função distintiva essencial destina-se a individualizar produtos ou serviços e a permitir ao consumidor a sua diferenciação de outros da mesma espécie, postos à sua disposição (6), com vista à indicação da respectiva origem ou proveniência com uma pessoa ou entidade determinada (7), isto é, serve como instrumento de distinção, entre si, de produtos ou serviços congéneres, através da aposição de um símbolo, nominativo ou figurativo, que os referencia como procedentes de uma dada empresa, e que permite ao consumidor preferir ou rejeitar aquilo que lhe é oferecido no mercado relevante.
Porém, a marca assume, igualmente, como função derivada, a garantia da qualidade dos produtos ou serviços, e, por fim, uma função complementar, ao constituir um instrumento publicitário ou sugestivo destinado à promoção dos produtos ou serviços que assinala (8).
Por isso, o artigo 222º, do CPI, no seu nº 1, preceitua que “a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais…, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”, acentuando o respectivo nº 2 o seu “…carácter distintivo…”, e proibindo o artigo 269º, nº 2, b), do mesmo diploma legal, o seu uso enganoso, de modo a tornar-se “…susceptível de induzir o público em erro, nomeadamente acerca da natureza, qualidade e origem geográfica desses produtos ou serviços, no seguimento do uso feito pelo titular da marca, ou por terceiro com o seu consentimento, para os produtos ou serviços para que foi registada”.

Mas, sendo estas as funções sócio-económicas exercidas pela marca, movidas pela preocupação fundamental de tutelar os empresários contra os riscos de confusão sobre a origem dos produtos, os interesses daqueles, enquanto titulares de marcas, só estarão em causa, de modo, juridicamente, apreciável, se do uso indevido do sinal, por outrem, derivar a possibilidade ou risco de imputar ao produto marcado uma origem que, realmente, não é a sua, exigindo-se, para ser verosímil, para além da igualdade ou semelhança dos sinais, uma certa similitude entre os produtos marcados, razão pela qual se entende que a tutela da marca só se afirma, no quadro do chamado princípio da especialidade (9) , com assento no artigo 224º, nº 1, do CPI, segundo o qual o âmbito da protecção concedida a cada uma se destina a individualizar produtos ou serviços, por forma a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie, com vista à indicação da respectiva proveniência.
A visão clássica da função distintiva da marca, ou seja, a da tutela contra os riscos de confusão sobre a origem dos produtos, é, não obstante se encontrar ultrapassada pelas exigências da vida económico-social, a única, juridicamente, protegida por lei, o que, aproveitando, directamente, ao titular do sinal, pode ser, indirectamente, vantajoso para os consumidores (10).
Com efeito, o CPI enfatizou, de modo muito especial, a função distintiva da marca, ao estatuir, inovatoriamente, no seu artigo 223º, nº 1, c), como uma das excepções ao princípio da liberdade da escolha dos sinais distintivos da sua composição (11) , consagrado pelo artigo 222º, do mesmo diploma legal, “os sinais constituídos, exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;”, a que correspondem as designadas situações de «sinal descritivo» do produto ou serviço, nas quais a marca carece, por vezes, de capacidade distintiva, o que não acontece, segundo o correspondente nº 2, quando os aludidos elementos genéricos que entrem na sua composição tiverem adquirido eficácia distintiva.

Efectivamente, o sinal descritivo é distintivo, nomeadamente, no caso de se tratar de uma marca sugestiva ou expressiva, isto é, quando a mesma se limita a evocar, de forma invulgar, uma característica do produto ou serviço.

As marcas expressivas, também designadas por marcas débeis, em contraposição com as marcas fortes, apresentam-se, conceitualmente, referidas ao produto ou serviço que distinguem ou fazendo parte do património semântico comum, podendo deixar adivinhar o objecto assinalado (12).

Na verdade, contendendo a marca «Médis», para a generalidade do comum dos cidadãos, com a prestação de cuidados de saúde, enfim, com a Medicina, descrevendo indirecta, mas não, exclusivamente, as propriedades e características dos respectivos produtos ou serviços do tipo que assinalam, foi registada enquanto marca sugestiva, embora seja muito ténue a linha que a separa das marcas descritivas(13), as quais não dispõem, em princípio, de capacidade distintiva, como já se disse, sendo a excepção constituída pelo denominado «secondary meaning» ou distintividade superveniente, e, também, pelo imperativo de disponibilidade, porque existe a necessidade de as manter, livremente, disponíveis.

O titular do registo da marca adquire o direito de usar, em exclusivo, aquele sinal para os produtos indicados no seu pedido de registo, podendo impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o uso, na sua actividade económica, de qualquer sinal, idêntico ou confundível, com essa marca, para produtos ou serviços, idênticos ou afins aqueles para os quais aquela foi registada (14), isto é, a semelhança entre os sinais ou a afinidade dos produtos ou serviços cria, no espírito do consumidor, um risco de confusão que compreende o perigo de associação entre o sinal e a marca, em conformidade com o estatuído pelo artigo 239º, nºs 1, a) e b) e 2, a), do CPI.

Efectivamente, a lei pretende defender o consumidor da possibilidade de ser induzido em erro ou confusão, procurando evitar que tenha de fazer um exame atento, para distinguir o âmbito da protecção das marcas (15).
O que está em causa, no quadro da protecção do direito à marca, não é a confusão dos produtos ou a confusão directa de actividades, mas antes a que possa ocorrer entre sinais distintivos do comércio, ou seja, a confusão indirecta de actividades (16) .
Daí que a tutela da marca e do nome de estabelecimento resulta mais da interconexão da esfera de protecção dos sinais distintivos diferentes, do que da incidência dos princípios da especialidade e da novidade.
O direito das marcas não existe para proteger as marcas, em si mesmas, mas para defender o público consumidor da confusão e, simultaneamente, para garantir ao titular da marca o seu direito a que o público não seja confundido (17).
E os produtos ou serviços são afins quando têm natureza ou características próximas e finalidades idênticas ou similares, ou, quando assumindo natureza, marcadamente diversa, têm finalidades idênticas ou semelhantes (18).
Por outro lado, o risco de confusão pressupõe uma dupla identidade ou semelhança, quer entre os sinais, quer entre os produtos ou serviços, considerados na perspectiva do homem médio, do consumidor vulgar, pessoa que se concebe distraída e desinformada, aquela que, apressadamente, passa os olhos pelas prateleiras de um supermercado, pelos painéis publicitários ou anúncios televisivos, à procura dos produtos de que necessita, ou para ficar, sumariamente, informada de um serviço de que pode vir a necessitar, relativamente ao qual a eficácia distintiva da marca deve actuar, e não do técnico do sector, do perito, do especialista, do homem culto (19), sendo certo, igualmente, que é, em relação aos produtos e serviços, que a confusão deve ser aferida.
Quando uma nova firma ou denominação surge desprovida de novidade ou exclusividade, gera-se uma situação de potencial confundibilidade com um anterior sinal registado que pode determinar o uso ilegal da firma (20).
De facto, a imitação entre uma marca e uma denominação só existe quando a imitada e a imitante digam respeito ao mesmo produto ou serviço ou a produtos ou serviços semelhantes (21), ou afins, por imperativo do estipulado pelos artigos 189º, nº 1, m) e 193º, nº 1, do CPI, sendo certo, outrossim, que este último normativo não se basta com uma qualquer afinidade, porquanto exige que a mesma seja manifesta, isto é, clara, ostensiva, patente e indiscutível (22), sendo necessário que a apreciação de uma eventual imitação se faça, menos pelas dissemelhanças que ofereçam os seus diversos pormenores, considerados, isolada e separadamente, do que pelas semelhanças do conjunto dos elementos que a constituem, por forma a afastar-se, terminantemente, a ideia de que só há imitação quando as semelhanças sejam tão marcadas, ou antes as dissemelhanças tão ténues que se torne necessário o confronto ou o exame atento para que as marcas se distingam (23).
Na apreciação das semelhanças existentes entre duas ou mais firmas, com vista a poder concluir-se pela confusão ou indução em erro, há que atender aos elementos preponderantes ou significantes, nominativos, figurativos ou emblemáticos, que integram o conjunto da sua composição (24), ou seja, aqueles elementos que, usualmente, o público mais conserva na memória, quer pela abreviatura ou expressão os tornar mais acessíveis a ser retidos, quer por, mais facilmente, serem pronunciados ou reproduzidos, desde que, só por si, sejam bastantes.
Na hipótese em apreço, constata-se que a autora adoptou, usa e registou várias marcas, com a designação “Médis”, enquanto que a ré optou, posteriormente, pela denominação social -“Antavemédis - SAÚDE E HIGIENE E MEDICINA DO TRABALHO, Lda.” e, mais recentemente, "Antavemédis - SERVIÇOS DE SAÚDE, S.A.".
Não é, totalmente, idêntico, porém, o objecto social visado por ambas as sociedades, pois que a autora se dedica à “prestação de cuidados de saúde, integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos”, enquanto que o fim prosseguido pela ré consiste “na gestão e exploração de estabelecimentos hospitalares e centros de saúde, assistenciais e similares, próprios ou alheios; na prestação de serviços de saúde, residências para idosos e casa de repouso para idosos, reabilitação física e recuperação pós-operatório; no transporte de doentes e apoio domiciliário; na prestação de serviços de enfermagem e de assistência médica; na realização de exames complementares de diagnóstico; na prestação de serviços de higiene e segurança no trabalho e medicina do trabalho; na medicina dentária; na exportação, importação de medicamentos, materiais e equipamentos hospitalares e na formação profissional”.
O elemento «SA» e «Ldª», apostos na denominação social ou firma da autora e da ré, é imposto aquela pelo artigo 275º, nº 1, e a esta pelo artigo 200º, nº 1, ambos do CSC, respectivamente.
De facto, se os sinais distintivos do comércio existentes na autora e na ré se distinguem, na parte em que a firma da primeira se designa por AA-“COMPANHIA P... DE SEGUROS DE SAÚDE, SA”, e a da segunda, actualmente, mas já antes da propositura da presente acção, por "Antavemédis - SERVIÇOS DE SAÚDE, SA", embora o pedido vise a anulação da denominação social pré-existente -“Antavemédis – SAÚDE E HIGIENE E MEDICINA DO TRABALHO, Ldª”, apresentam como denominador comum a designação «Médis», que constitui, simultaneamente, a marca da autora e parte da denominação social da ré, incluída na expressão «Antavemédis».
Será, porém, como sustenta a ré, que as designações «Médis» e «Antavemédis», por si só, não são susceptíveis de criar confusão no público destinatário, por se poderem considerar expressões, de significado secundário e genérico, no âmbito do teor integral do respectivo contexto, tratando-se, portanto, de um elemento que, isoladamente, deve ser subvalorizado?
De todos os elementos que compõem os dois aludidos sinais distintivos do comércio em confronto, é inequívoco que «Médis» e «Antavemédis» são os mais susceptíveis de serem fixados pelo homem médio, por serem aqueles que, mais vincadamente, lhe despertam, também, a atenção, embora o possam não ser para aqueles que, por terem conhecimentos técnicos ou especializados adquiridos, e são uma avassaladora minoria, estão, por via de regra, em melhores condições para se inteirarem das demais diferenças existentes e que se deixaram referidas.
A apreciação feita, nas aludidas firmas, das iniciais «SA» e «Ldª», não obstante servirem e serem obrigatórias para identificar a sociedade, como anónima ou por quotas, respectivamente, tornando-as, por consequência, diferentes uma da outra, escapa, vulgarmente, aos menos conhecedores ou avisados dessas espécies sociais, que representam, aliás, a maioria do público consumidor.
Assim sendo, se, à primeira vista, se poderia afigurar fácil a confusão entre aquelas duas composições gráficas, este diagnóstico perfunctório e preliminar ganha acrescida relevância se o enfoque tiver lugar na perspectiva da identidade das actividades do ramo de serviços que constituem o objecto social de ambas as entidades.
Com efeito, a autora dedica-se, essencialmente, à “prestação de cuidados médicos e de saúde”, enquanto que o fim prosseguido pela ré consiste, na sua componente mais expressiva, “na prestação de serviços de saúde e de assistência médica”.

Existe, assim, manifesta afinidade entre as marcas da autora, por um lado, e a denominação social da ré, por outro, por serem idênticos os seus sinais nominativos.
Considerando a globalidade dos elementos de semelhança, em especial, e de dissemelhança, secundariamente, entre os dois sinais, importa concluir pela possibilidade da confusão entre os analisados elementos distintivos, susceptível de induzir em erro o consumidor que não tenha os dois em presença, o que acontece, de igual modo, quanto às marcas e denominações sociais.
Por seu turno, a lei não enumera, nem tal poderia, razoavelmente, acontecer, sob pena de estrangulamento da actividade económica, os casos de semelhança entre marcas e sinais, limitando-se a indicar os critérios para a sua determinação, que revelarão para efeitos de recusa do registo.
Ora, considerando as analisadas semelhanças e diferenças, importa considerar, como já se disse, que são susceptíveis de induzir, em erro ou confusão, as marcas “Médis” da autora e a denominação social “Antavemédis – SERIÇOS DE SAÚDE, SA", da ré, em termos daquelas gozarem da tutela privativa conferida pelos sinais distintivos do comércio, atento o estipulado pelos artigos 32º, nºs 1 e 3, e 33º, nºs 1 e 2, do RRNPC, e 4º, nº 4, do CPI.

Quer isto significar que o elemento de referência predominante nas marcas da autora está representado pelo vocábulo «Médis», ao passo que, no caso da denominação social ré, tal é constituído pela expressão «Antavemédis».

Contudo, independentemente da natureza proeminente do elemento nominativo das marcas da autora, em relação ao homólogo sinal da denominação social da ré, destaca-se em ambos, primacialmente, como sinal nominativo, a expressão «Médis», a qual, bem vistas as coisas, aparece como o mais forte cartão de apresentação (25) dos dois sinais distintivos do comércio em confronto.

Ora, a expressividade que o elemento nominativo assume, em ambos os sinais, e que, na denominação social da ré, surge mais esbatido, devido ao prefixo «Antavemédis» revestir natureza átona, torna indiscutível que o sintagma nominal, significante e caracterizador, de ambos os sinais consiste na expressão «Médis».

De facto, se os dois sinais analisadas se distinguem entre si, quanto ao elemento nominativo, na parte em que, nas marcas da autora, existe a expressão «Médis», e, na denominação social da ré, a expressão «Antavemédis», o certo é que, por si só, tal não bastaria para evitar a confusão, dado que são nomes em que as duas sílabas tónicas que os compõem, ou seja, «Médis», são impressivas, no âmbito do teor integral do respectivo contexto, tratando-se, portanto, de um elemento que, individualmente considerado, deve ser sobrevalorizado, independentemente do quadro das dissemelhanças verificadas que, em relação ao elemento nominativo global, assumem um significado secundário.

De todos os elementos que compõem os sinais em análise, é inequívoco que «Médis» é o mais susceptível de ser fixado pelo homem médio, por ser aquele que, mais vincadamente, lhe desperta, também, a atenção, embora o possa não ser para aqueles que, por terem conhecimentos técnicos ou especializados adquiridos, estão, por via de regra, em melhores condições para se inteirarem das demais diferenças existentes e que se deixaram referidas, mas sem que seja razoável sustentar que as marcas de serviços não são acessíveis às preferências dos cidadãos médios, como, aliás, já acontece com os artigos de vestuário, de cosmética ou com os automóveis, onde as melhores marcas são adquiridas, muitas vezes, pela maior variedade de cidadãos, oriundos do vasto universo dos consumidores.
Consequentemente, pode haver confusão entre as marcas da autora, cujo objecto social consiste na “prestação de cuidados médicos e de saúde, e a denominação social da ré, cuja finalidade prosseguida consiste, na sua componente mais expressiva, “na prestação de serviços de saúde e de assistência médica”.

II. DA TUTELA DOS SINAIS DISTINTIVOS DO COMÉRCIO NO ÂMBITO DA CONCORRÊNCIA DESLEAL

Os sinais distintivos do comércio gozam ainda de uma tutela supletiva, no âmbito dos pressupostos da concorrência desleal, sendo certo que, para se poder falar desta, é, porém, essencial que sejam idênticas ou afins as actividades económicas prosseguidas por dois ou mais empresários, e que os actos são qualificados como desleais, não com a finalidade de limitar ou restringir a concorrência, mas, pelo contrário, com a justificação de que, de outro modo, esta não poderia atingir o seu objectivo, que é o de permitir o triunfo das empresas que os consumidores reputem mais dignas de sucesso (26), pelo que a concorrência desleal só é possível quando se verifique uma certa proximidade entre as actividades desenvolvidas pelos agentes económicos em causa (27), a partir do momento em que o consumidor médio não for capaz de distinguir entre uma e outra actividade empresarial (28), sendo, portanto, de excluir quando as empresas em confronto de dedicam a indústrias, completamente diferentes (29), o que pressupõe que duas empresas disputem entre si uma posição de vantagem relativa, face a uma clientela comum (30).

Para determinar a semelhança ou afinidade dos produtos cumpre atender à sua função ou aplicação e à potencial existência de uma clientela concorrencial que entre eles se possa estabelecer, no sentido de ser razoável ao consumidor presumir que um deles pertence à mesma esfera económica do outro (31).
Ora, se na essência do acto de concorrência está subjacente o princípio fundamental da criação e expansão de uma clientela própria e, correlativamente, a idoneidade para reduzir ou mesmo para suprimir a clientela alheia (32), a finalidade económica visada pela ré tem virtualidade bastante para atingir esse desiderato.
E, se a imitação não significa identidade, antes supondo a existência de elementos diferentes, ao lado de elementos comuns, não tendo a ré qualquer intenção de imitar a autora, porque não escolheu, então, para integrar o elemento nominativo da sua denominação social, um vocábulo diferente de «Médis», porquanto lhe era bem fácil optar por uma designação diferente da que foi escolhida.
De facto, se o público consumidor, ao adquirir um produto ou comprar um serviço, pensa que os mesmos estão associados a uma determinada marca, sem que equacione a possibilidade da sua imitação, importa concluir que a denominação social da ré não lhe permite distinguir o serviço a que se reporta, senão depois de um exame atento ou de uma confrontação paralela, ou seja, colocando, lado a lado, as marcas da autora e a denominação da ré.
Há, assim, identidade gráfica entre os elementos dominantes das marcas e da denominação social que pode induzir, facilmente, em erro ou confusão, o consumidor, medianamente, atento, ao menos, em termos de associar a marca «Médis» à denominação «Antavemédis – SERVIÇOS DE SAÚDE, SA», considerando-a até uma derivação daquela, da iniciativa do mesmo empresário, risco este, particularmente, agravado, tendo em conta que a firma da ré se destina a assinalar produtos ou serviços idênticos aos das marcas nacionais registadas da autora, e em cujo mercado esta goza de demonstrada notoriedade, sendo, portanto, concebível o desvio de consumidores de uma empresa para a outra.
A isto acresce que constitui fundamento genérico de recusa de registo, agora, inovatoriamente, consagrado, em relação às marcas, o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível, independentemente da sua intenção, considerando-se, por seu turno, actos de concorrência desleal, além de outros, aqueles que são susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue, nos termos das disposições combinadas dos artigos 24º, nº 1, d), e 317º, a), do CPI.
Assim sendo, considerando a prioridade das marcas da autora, anteriormente, registadas, destinando-se estas e bem assim como a firma da ré a assinalar produtos idênticos, cuja semelhança, gráfica e fonética, induz, facilmente, em erro ou confusão, o consumidor, compreendendo ainda, no mínimo, um risco de associação com a firma da ré, de forma a que o consumidor não possa distinguir os dois sinais, senão depois de um exame atento ou confronto entre ambos, está comprovada a verificação dos requisitos legais da imitação da marca «Médis» pela denominação social «Antavemédis – SERIÇOS DE SAÚDE, SA», e da concorrência desleal levada a cabo pela ré.

CONCLUSÕES:

I - Sendo a firma um sinal de identificação e distinção do comerciante, o respectivo juízo de confundibilidade, nomeadamente, quanto ao objecto do seu comércio, há-de ser aferido com respeito ao conteúdo global da mesma, que deve ser sempre distinta, não só de outras firmas, como de outros sinais distintivos, mesmo que estes estejam fora do âmbito da actividade do comerciante.
II - No quadro do princípio da especialidade que preside à tutela da marca contra os riscos de confusão sobre a origem dos produtos, exige-se, para além da igualdade ou semelhança dos sinais, uma certa similitude entre os produtos marcados.
III - Os sinais descritivos do produto ou serviço carecem, por vezes, de capacidade distintiva, o que não acontece, nomeadamente, no caso de se tratar de uma marca sugestiva ou expressiva, que se apresenta, conceitualmente, referida ao produto ou serviço que distingue ou fazendo parte do património semântico comum, podendo deixar adivinhar o objecto assinalado.

IV - O que está em causa, no âmbito da protecção do direito à marca, não é a confusão dos produtos ou a confusão directa de actividades, mas antes a que possa ocorrer entre sinais distintivos do comércio, ou seja, a confusão indirecta de actividades.

V - A imitação entre uma marca e uma denominação só existe quando a imitada e a imitante digam respeito ao mesmo produto ou serviço ou a produtos ou serviços semelhantes, ou afins, devendo efectuar-se a apreciação de uma eventual imitação, menos pelas dissemelhanças que ofereçam os seus diversos pormenores, considerados, isolada e separadamente, do que pelas semelhanças do conjunto dos elementos que a constituem.

VI - Dedicando-se a autora, essencialmente, à “prestação de cuidados médicos e de saúde”, enquanto que o fim prosseguido pela ré consiste, na sua componente mais expressiva, “na prestação de serviços de saúde e de assistência médica”, existe manifesta afinidade entre as marcas «Médis» da autora, por um lado, e a denominação social «Antavemédis – SERVIÇOS DE SAÚDE, SA» da ré, por outro, susceptível de induzir em erro o consumidor que não tenha os dois em presença.

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando o douto acórdão recorrido.


*

Custas pela ré -“Antavemédis - SAÚDE E HIGIENE E MEDICINA DO TRABALHO, Lda.”.

*
Notifique.


Supremo Tribunal de Justiça,

Lisboa, 28 de Setembro, de 2010.
Helder Roque (Relator)
Sebastião Póvoas

Moreira Alves


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(1) Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, 1973, 278 a 282; Cassiano dos Santos, Direito Comercial Português, I, 2007, 192 a 194.
(2) Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, 1973, 283; Pupo Correia, Direito Comercial, 10ª edição, revista e actualizada, 2007, 86.
(3) Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, 1973, 299 e 300.
4 Pupo Correia, Direito Comercial, 10ª edição, revista e actualizada, 2007, 90.
(5) Cassiano dos Santos, Direito Comercial Português, I, 2007, 195 e 196.
(6) STJ, de 26-6-1997, Processo nº 96B920, 2ª secção, www.dgsi.pt
(7) Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, 1973, 330 e 331 e nota (4).
(8) Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 2ª edição, revista e aumentada, 2008, 184, 197 e 198; Nogueira Serens, Firma e Língua Portuguesa, Revista do Notariado, 1994, 104.
(9) Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, 1973, 345 e 346; Nogueira Serens, Firma e Língua Portuguesa, Revista do Notariado, 1994, 109.
(10) Nogueira Serens, Firma e Língua Portuguesa, Revista do Notariado, 1994, 110 e 113.
(11) Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, 1973, 339.
(12) Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 2ª edição, revista e aumentada, 2008, 234 e 235 e nota (459).
(13) Maria Miguel Carvalho, A Marca Descritiva Apreciada pelo Tribunal de Justiça, no Acórdão PostKantoor, Scientia Ivridica, Setembro/Dezembro de 2004, Tomo LIII, nº 300, 512 e 521 e nota (45).
(14) Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Noções Fundamentais, CJ, Ano XII, T2, 25; STJ, de 15-2-2000, CJ, Ano VIII, T1, 97.
(15) STJ, de 19-4-94, Processo nº 084787, 1ª secção, www.dgsi.pt
(16) Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Noções Fundamentais, CJ, Ano XII, T2, 24.
(17) Fernandez-Nóvoa, Fundamentos de Derecho das Marcas, 1993, 458 a 461.
(18) Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, I, 7ª edição, 2009, 387 a 391.
(19) STJ, de 26-6-1997, Pº nº 96B920, Sumários de Acórdãos, nº 12, 61, www.dgsi.pt
(20) Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, I, 331; Acórdão do STJ, de 22-10-1992, BMJ nº 420, 609.
(21) STJ, de 27-3-1979, Pº nº 067773, www.dgsi.pt
(22) STJ, de 25-11-1993, Pº nº 067773 e STJ, de 20-10-92, Pº nº 081786, www.dgsi.pt
(23) Pinto Coelho, RLJ, 89º, 23 e ss; STJ, de 19-11-1996, Pº nº 722/96, 1ª secção, Sumários de Acórdãos, nº 5, 22; STJ, de 26-6-1997, Pº nº 96B920, Sumários de Acórdãos, nº 12, 61, citado, e www.dgsi.pt
(24) STJ, de 26-6-1997, Processo nº 96B920, 2ª secção, Sumários de Acórdãos, nº 12, 61, e www.dgsi.pt
(25) Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, 1973, 333, citando Ferrara Junior, A Teoria Jurídica da Empresa, 203.
(26) Jorge Patrício Paúl, Concorrência Desleal, 35, 41 e 42.
(27)Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Noções Fundamentais, CJ, XII, T1, 154; STJ, de 11-11-1997, CJ (STJ), Ano V, T3, 127.
(28) Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Noções Fundamentais, CJ, XII, T4, 17.
(29) Oliveira Ascensão, Lições de Direito Comercial, II, Direito Industrial, 1994, 56.
(30) Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, II, Direito Industrial, 1994, 60.
(31) Justino Cruz, Código da Propriedade Industrial Anotado, 210 e 211.
(32) Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Noções Fundamentais, CJ, Ano XII, T1, 16.