Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A2768
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
Nº do Documento: SJ20081009027686
Data do Acordão: 10/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O processo de insolvência visa acautelar o pagamento dos créditos sobre o insolvente em igualdade de condições.
II. O contrato de cessão de posição contratual celebrado pelo insolvente, na pendência do processo que veio a culminar com a declaração de insolvência, em que aquele aliena a referida posição contratual como promitente comprador num contrato promessa, em troca da extinção de uma dívida que tinha para com a cessionária, é passível de ser resolvida a favor da massa insolvente, verificados os demais requisitos previstos nos arts. 120º e 121º do CIRE.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Por apenso à acção com processo especial de insolvência em que é insolvente a sociedade AA e Filhos, Lda., que corre termos pelo 3º Juízo Cível de Barcelos, veio a firma “M. & C, S. A.” mover a presente acção de impugnação da declaração de resolução de contrato, nos termos do artº. 125º., do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE ), contra a Massa Insolvente da firma referida, pretendendo que se declare improcedente aquela declaração, mantendo-se válido e eficaz o contrato de cessão da posição contratual que celebrou com a Insolvente em 30/Maio/2006.
Fundamenta alegando, em síntese, que é concessionária no Distrito de Braga das marcas de veículos automóveis “Volkswagen”, “Audi” e “Skoda” e os re-presentantes destas marcas entenderam que a sua actividade de venda e assistência pós-venda devia estender-se ao concelho de Barcelos. Na sequência disso, depois de averiguar o local que melhor se adaptaria a esta finalidade, veio a celebrar, em 22/Fevereiro/1999, um contrato-promessa com a Insolvente que teve por objecto a venda de cerca de 3.016 m2 de um terreno que esta iria adquirir dos respectivos donos, pelo preço de 60.320.000$00 e ainda uma área 1.500 m2 pelo preço de 75.000.000$00 que corresponderia à área do rés-do-chão do prédio urbano que a Insolvente se propunha construir no mesmo terreno.
No acto da celebração deste contrato emitiu e entregou à Insolvente um cheque no valor de 34.128.000$00 e em 29/04/1999 emitiu e entregou-lhe outro cheque, este no valor de 36.196.000$00, quantias que a mesma levantou.
Porque uma parte da quinta, na qual se integrava aquela parcela de terreno que foi objecto do contrato-promessa mencionado, estava arrendada, ela, Impu- gnante, com vista a remover este obstáculo ao desenvolvimento do projecto, in-demnizou o arrendatário, pagando-lhe 7.500.000$00, que por acordo com a insolvente, se imputou no preço a pagar a esta ao abrigo do contrato promessa referido.
Tendo a Insolvente iniciado as obras em meados de 2000, por conta do pre-ço, entregou-lhe, no mês de Agosto de 2001, quatro cheques, no valor global de 50.000.000$00, que ela fez seus, havendo-lhe entregue ainda mais € 50.000 em 19/11/2002.
Finalmente, e para pagamentos pontuais da Insolvente, descontou-lhe várias letras que esta não liquidou e/ou só parcialmente reformou, valores que ascenderam ao montante de € 234.095,90.
As importâncias supra mencionadas ascendem aos € 921.679,31,
Entretanto, e porque a Insolvente pretendia construir em toda a superfície do terreno que comprara, pediu a concessão de uma linha de crédito na Caixa Geral de Depósitos, que lhe foi concedida quando esta veio a saber que parte desse terreno era destinado à Impugnante.
Tendo a Insolvente apresentado um projecto de construção e de constituição da propriedade horizontal junto da Câmara Municipal de Barcelos, a formalização da venda à Impugnante do terreno e construção, que viriam a constituir a fracção “B”, ficava dependente da aprovação daquele projecto.
No entretanto, a Insolvente conseguiu vender a parte que constituiria a fracção “A” a “D.S.T. – Imobiliária S. A.” que, por sua vez, a iria revender à “Staples Office Centre” e dada a urgência desta venda, assumiu aquela a liderança do processo de licenciamento e construção, tendo, para o efeito, celebrado uma escritura pública com a Insolvente pela qual esta lhe vendia a totalidade do prédio.
Só após a outorga desta escritura é que a C. M. Barcelos autorizou a constituição da propriedade horizontal e, tendo aquela “D.S.T. – Imobiliária S. A.” concluído as obras na fracção “A”, concedeu-lhe a licença de ocupação.
No entretanto, para salvaguardar a posição da Impugnante, aquela “D.S.T. – Imobiliária prometeu vender à Insolvente a parte correspondente à fracção “B”, e esta, como se havia comprometido com a Impugnante, cedeu-lhe a sua posição contratual naquele contrato, acto que foi objecto da resolução aqui impugnada.

A MASSA INSOLVENTE contestou pela forma como melhor consta de folhas 84 e sgs., defendendo que com a celebração daquele contrato a Impugnante foi clara e objectivamente beneficiada em relação aos demais credores, dando-se como ressarcida dos montantes que a Insolvente alegadamente lhe devia, não se vendo aquela na contingência, como os demais, de ir à insolvência reclamar a verificação do seu alegado crédito e, como os demais, aguardar um eventual pagamento.
Conclui, defendendo que a cessão da posição contratual celebrada entre a Insolvente e a Impugnante mais não foi do que uma forma de extinção da obrigação daquela de devolver a esta as quantias supostamente dela recebidas, bem como do valor das letras descontadas e não pagas, que esta última não podia exigir uma vez que em momento algum é alegada a interpelação ou a fixação de algum prazo para devolução das quantias alegadamente em dívida que, por isso, não estariam vencidas, pelo que a situação integra-se na previsibilidade descrita na alínea f) ou na alínea g), do artº. 121º, do CIRE.
Replicou a Impugnante, como consta de folhas 108 a 110, realçando que o contrato subjacente ao de cessão da posição contratual foi celebrado em 22/02/99 e, portanto, quatro anos antes de ser declarada a insolvência, sendo demonstrativo da boa fé dos contratantes o facto de terem aposto, àquele contrato de cessão, a data de 30 de Maio de 2006.
Foi proferido despacho saneador e foi seleccionada a matéria de facto assente e a incluir na base instrutória, realizando-se, em seguida, o julgamento, sendo decidida a matéria de facto
Em seguida foi proferida sentença julgando improcedente o pedido.
Inconformada a autora apelou, tendo a Relação de Guimarães julgado improcedente aquele recurso.
Mais uma vez insatisfeita a autora veio interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado as conclusões seguintes:
A. O poder de anulação de determinados contratos, por parte do Administrador, visa, essencialmente, os negócios fraudulentos, muitas vezes sem qualquer correspondência com a realidade, isto é, imaginários.
B. Tanto é assim, que um dos requisitos fundamentais daquela faculdade é, precisamente, a má fé dos contraentes. E,
C. O propósito de prejudicar os credores da massa insolvente ou beneficiar o próprio Insolvente.
D. Nada disto se verifica no caso em apreço.
E. O negócio anulado era absolutamente real, já que a recorrente se mostrava lesada na quantia que efectivamente pagou à Insolvente.
F. A recorrente agiu com o único propósito de assegurar o seu direito, real e efectivo.
G. Não conhecia a insolvência e não teve intenção de lesar os demais credores.
H. Agiu, pois, sempre com a mais total boa fé.
I. E, sem má fé de ambos os contraentes, a anulação do contrato em causa deixa de ter base legal. Além disso,
J. O contrato que está em causa neste processo é o contrato promessa celebrado em 22 de Fevereiro de 1999, em cumprimento do qual a recorrente pagou à insolvente cerca de um milhão de euros, ao longo dos anos.
O que significa que,
K. O contrato de cessão de posição contratual referido no douto acordão recorrido apenas e tão só operou uma mudança subjectiva daquele contrato promessa, deixando incólume o seu objecto. E significa mais,
L. Que o contrato em causa neste processo seja apenas o celebrado em 1999, muito anterior à declaração de insolvência.
M. Faltando, assim, o pressuposto fundamental para declaração da sua resolução, como foi feito.
N. Mostra-se, pois, desrespeitado o disposto no artigo 121º n.º1º alínea f) do CIRE
Pelo exposto, deve ser revogado o acto de resolução do Sr. Administrador da Insolvência, por manifestamente se mostrar ilegal e iníquo.
Assim se decidindo, será cumprida a Lei e feita J U S T I ÇA.

Contra-alegou a recorrida defendendo a manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, 1 do Cód. de Proc. Civil -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Das conclusões da aqui recorrente se deduz, que esta, para conhecer neste recurso, levanta as seguintes questões:

A) O poder de anulação de determinados contratos por parte do administrador da insolvência visa apenas os negócios fraudulentos, realizados sem correspondência com a realidade, efectuados com o propósito de prejudicar os credores ou beneficiar o próprio insolvente ?
B) A recorrente agiu sempre com a mais total boa fé, exigindo a lei para a anulação a verificação da má fé por parte de ambos os contraentes ?
C) O contrato em causa neste processo é o contrato promessa celebrado em 22-2-1999, sendo o contrato de cessão de posição contratual resolvido mera mudança subjectiva daquele contrato, pelo que se não aplica o disposto na al. f) do nº 1 do art. 121º do CIRE ?

Mas antes de mais nada, há que especificar a matéria de facto que as instâncias deram por apurada e que é a seguinte:
1.- No âmbito do processo de insolvência de “AA & Filhos, Ldª.” veio o administrador da insolvência notificar a Impugnante por carta registada com a/r, recebida em 21 de Setembro de 2006 que "tendo tomado conhecimento do contrato de cessão de posição contratual celebrado em 30 de Maio de 2006 entre a v. sociedade e a aludida insolvente, após análise do mesmo, dos elementos da insolvente e tendo em conta a situação da mesma à data da celebração do aludido contrato, seguramente do v. conhecimento venho pela presente resolver o mesmo em beneficio da massa insolvente nos termos do artº. 120º. do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas", conforme documento junto a fls. 19 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (alínea A)).
2.- Em 22 de Fevereiro de 1999, “AA & Filhos, Ldª.” e a Impugnante celebraram o contrato promessa, mediante o qual a sociedade “AA & Filhos, Ldª.” prometia vender à Impugnante que por sua vez prometia comprar, uma parcela de terreno com a área aproximada de 3.016 m2 pelo preço de 60.320.000$00 (sessenta milhões e trezentos e vinte mil escudos) e ainda uma área de 1.500 m2 pelo preço de 75.000.000$00 (setenta e cinco milhões de escudos) que corresponderia à área do rés do chão do prédio urbano que aquela firma se propunha construir, área de construção essa, em grosso e sem qualquer tipo de acabamentos (cláusulas 1, 2, 3 e 4 do doc. 2) desde que “AA & Filhos, Ldª.” adquirisse até 30 de Abril de 1999 o prédio que se propunha comprar e no prazo de 30 dias após o registar em seu nome, de acordo com o processo de licenciamento (cláusula 7 doc. 2), conforme documento de fls. 20 a 25 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (alínea B)).
3.- Celebrado o contrato promessa logo a Impugnante emitiu o cheque nº. 6912223103, datado de 23/02/99 à ordem da promitente vendedora sobre a sua conta no B.P.A. no valor de 34.128.000$00, correspondente ao sinal e principio de pagamento do preço previsto nas cláusulas 2 e 3 do contrato promessa, cheque que entregou à promitente vendedora que o depositou na sua conta fazendo seu o respectivo montante conforme documento junto a fls. 31 e cujo teor se dá por reproduzido (alínea C)).
4.- Em 29 de Abril 1999 a Impugnante emitiu à ordem de “AA & Filhos, Ldª.” um cheque do B.P.A. com o nº. 2712223237 no valor de 36.196.000$00 que esta recebeu por conta do preço (alínea D)).
5.- Em 28 de Abril de 1999 “AA & Filhos, Ldª.” adquiriu a MN e esposa ML pelo preço de 120.000.000$00 o prédio misto composto por casa de dois pavimentos, cobertos, logradouro e junto eirado de cultura situado no lugar de Mereces, freguesia de Barcelinhos, concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº. 294/Barcelinhos e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 189 e na matriz predial rústica sob o artigo 211, conforme documento junto a fls. 26 a 30 e cujo teor se dá por reproduzido (alínea E)).
6.- Como consta do preâmbulo do contrato promessa uma parcela de terreno desse prédio rústico com a área de 2.620 m2 encontrava-se arrendado para fins de comércio de máquinas industriais por um período de 5 anos, cujo termo seria em 30 de Março de 2002 a “S.V.M., Ldª.”, conforme documento junto a fls. 35 a 38 e cujo teor se dá por reproduzido (alínea F)).
7.- Entretanto o projecto fornecido pela impugnante para licenciamento de stands e oficinas de apoio, foi apresentado na Câmara Municipal de Barcelos pela proprietária do terreno – “AA & Filhos, Ldª.” - ao qual foi atribuído o processo de licenciamento nº. 582/00-R (alínea G)).
8.- Tendo “AA & Filhos, Ldª.” iniciado em meados de 2000 obras no terreno através de terraplanagem, escavações e inicio das fundações (alinea H)).
9.- A promitente vendedora depositou nas suas contas os valores discriminados nos documentos de fls. 41 a 49, tendo-os recebido (alínea I)).
10.- A promitente vendedora depositou na sua conta o cheque constante de fls. 50, tendo o recebido (alínea J)).
11.- “AA & Filhos, Ldª.” abriu um crédito na Caixa Geral de Depósitos até ao montante de 190.000.000$00 (cento e noventa milhões de escudos), dando de hipoteca a totalidade do prédio adquirido, conforme documento junto a fls. 59 a 65 e cujo teor se dá por reproduzido (L)).
12.- Em 31 de Outubro de 2005 por escritura celebrada no Cartório Notarial de Barcelos “AA & Filhos, Ldª.” vendeu a totalidade do prédio à referida “D.S.T. Imobiliária, S. A.” pelo preço de € 1.421.595,00, conforme docu-mento junto a fls. 66 a 70 e cujo teor se dá por reproduzido (alínea M)).
13.- Na mesma data, ou seja, em 31 de Outubro de 2005, a “D.S.T. Imobiliária, S. A.” prometeu vender a “AA & Filhos, Ldª.” ou a quem esta indicasse a fracção "B" da propriedade horizontal a constituir, conforme documento junto a fls. 71 a 73 e cujo teor se dá por reproduzido (alínea N)).
14.- Só após a outorga da escritura de venda à “D.S.T. Imobiliária, S. A.”, a Câmara Municipal de Barcelos autorizou a constituição da propriedade horizontal, conforme documento junto a fls. 59 a 66 e cujo teor se dá por reproduzido (alínea O)).
15.- Tendo a compradora “D.S.T. Imobiliária, S.A.” concluído a obra da fracção "A" após obter a respectiva licença de ocupação vendendo-a por sua vez a “Staples Office Centre”, conforme documento junto a fls. 59 a 66 e cujo teor se dá por reproduzido (alínea P)).
16.- Em 30 de Maio de 2006, a Impugnante celebrou com “AA & Filhos, Ldª.” o contrato de cessão da posição contratual conforme documento junto a fls. 74 e cujo teor se dá por reproduzido (alínea Q)).
17.- E, na mesma data, a impugnante notificou a “D.S.T. Imobiliária, S. A.” da referida cessão, conforme documento junto a fls. 75 e 76 e cujo teor se dá por reproduzido (alínea R)).
18.- O contrato promessa celebrado entre a Insolvente e a “DST Imobiliária, Ldª.” em 31 de Outubro de 2005 foi também resolvido em favor da massa insolvente nos termos do artº. 120º. do CIRE, tendo sido solicitada a devolução da quantia de € 250.000,00 paga a título de sinal, conforme documento junto a fls. 94 a 96 e cujo teor se dá por reproduzido (alínea S)).
19.- A Impugnante é concessionária no distrito de Braga das marcas de veículos automóveis “Volkswagen”, “Audi” e “Skoda”, marcas de renome e com impacto no mundo automóvel e de continua expansão comercial (artigo 1º.).
20.- Entenderam os representantes da Impugnante estender os seus serviços de venda e assistência pós-venda a esta cidade de Barcelos (artigo 2º.).
21.- Para o efeito, a Impugnante começou a procurar um terreno onde pudessem ser instalados os stands das marcas que representa e uma oficina especializada para melhor atender os seus clientes na área do concelho de Barcelos (artigo 3º.).
22.- Assim a Impugnante teve conhecimento que “AA & Filhos, Ldª.” tinha prometido comprar aos seus legítimos proprietários o aludido prédio sito no lugar de Mereces, freguesia de Barcelinhos deste concelho de Barcelos o qual pela sua privilegiada localização e área servia perfeitamente as finalidades que pretendia (artigo 4º.).
23.- A Impugnante entendendo que o arrendamento aludido em 6. impedia o desenvolvimento do projecto para a instalação dos stands e respectivas oficinas, estabeleceu negociações com esse inquilino que concluíram pela entrega deste espaço, livre de bens e pessoas em 10 de Abril de 2000 mediante o pagamento de uma indemnização de sete milhões e quinhentos mil de escudos (artigo 5º.).
24.- A qual foi titulada pelos cheques nº. 8712223683 do “B.P.A.” no valor de 3.750.000$00, datado de 10/04/2000, nº. 1912223572 do “B. P .A.” no valor de 1.250.000$00 datado de 02/03/2000 e ainda nº. 2982635660 do BCP no valor de 2.500.000$00 datado de 02/03/2000, à ordem de Albino...., o legal representante da “S.V.M., Ldª.” (artigo 6º.).
25.- Que fez seus tais montantes (artigo 7º.).
26.- Valores estes que por acordo com “AA & Filhos, Ldª.” os imputava no preço a pagar por conta do contrato-promessa (artigo 8º.).
27.- Para a execução das obras a Impugnante durante o ano de 2001 foi financiando a promitente-vendedora, por conta do preço, entregando-lhe os seguintes cheques:
a) no valor de 12.000.000$00, datado de 10/08/2001, do “B.N.U.” com o número 900000000;
b) no valor de 8.000.000$00, datado de 10/08/2001, do “B.N.U.” com o número 800000000;
c) no valor de 20.000.000$00, datado de 17/08/2001, do “B.N.U.” com o número 400000000;
d) no valor de 10.000.000$00, datado de 22/08/2001, do “B.C.P.” com o número 20000000 (artigos 9º.; 10º.; 11º.; e 12º.).
28.- Entregando também a Impugnante a AA & Filhos, Ldª., por conta do preço um cheque no valor de € 50.000,00 datado de 19/11/2002, do “B.C.P.” com o nº. 9600000000 (artigo 13º.).
29.- A obra sofreu atrasos, designadamente, porque a parte final das escavações deu em granito e devido a dois embargos que foram movidos à obra, mantendo, porém, a Impugnante interesse na abertura da oficina e do stand naquele local (artigo 16º.).
30.- Aquando do financiamento aludido em 11. a instituição bancária soube que a Impugnante tinha interesses, quer no terreno quer na construção (artigo 17º.)
31.- Foi também por ter obtido aquela informação, e por a Impugnante ser uma empresa credível, que aquela instituição bancária concedeu à “AA & Filhos, Ldª.” o empréstimo sob a forma de abertura de crédito (artigo 18º.)
32.- Devido ao que consta em 29., a construção pretendida pela Impugnante foi-se atrasando (artigo 19º.).
33.- A “AA & Filhos, Ldª.” colocou à venda a parte do terreno que constituiria a fracção “A” (artigo 20º.).
34.- A “AA & Filhos, Ldª.” veio a acordar com a “D.S.T. Imobiliária, S. A.”, com sede em Palmeiras, Braga, a venda daquela fracção “A” (artigo 21º.).
35.- Nesta altura as obras de construção das fracções “A” e “B” estavam ainda muito atrasadas (artigo 22º.).
36.- Só que e por sua vez a promitente compradora da dita fracção "A" – “D.S.T. Imobiliária, S.A.” - tinha um acordo com uma outra empresa para revenda dessa mesma fracção que não se compadecia com o desenvolvimento da construção até então existente (artigo 23º.).
37.- Pelo que a promitente compradora “D.S.T. Imobiliária, S.A.”, propôs a “AA & Filhos, Ldª.” a aquisição da totalidade do prédio dado possuir uma capacidade construtiva e financeira bem superior que lhe permitiria acabar a obra a tempo de cumprir o que tinha acordado com essa terceira entidade – “Staples Office Centre” (artigo 24º.).
38.- A “AA & Filhos, Ldª.” expôs a situação à Impugnante, no sentido de vender a totalidade do prédio à “D.S.T. Imobiliária S. A.” pelos motivos atrás referidos não tendo a impugnante manifestado oposição quanto a essa solução desde que os seus direitos sobre a fracção "B" fossem devidamente salvaguardados (artigo 25º.).
39.- Na iminência de vir a ser declarada a insolvência da “AA & Filhos, Ldª.”, esta e a Impugnante trataram de verificar os montantes que a primeira devia à segunda e colocaram o valor de € 921.169,38, como preço da cessão contratual, no contrato-promessa referido em 16. (artigo 27º.).
40.- Aquando da realização deste contrato de cessão de posição contratual, ambas as partes sabiam da pendência do processo de insolvência (artigo 28º.).
41.- E que tal negócio seria prejudicial para a massa insolvente (artigo 29º.).

Vejamos agora cada uma das concretas questões acima elencadas como objecto deste recurso.

A) Nesta primeira questão defende a recorrente que a resolução do contrato pelo administrador da massa insolvente apenas visa os actos fraudulentos sem correspondência com a realidade, efectuados com o propósito de prejudicar os credores ou beneficiar o insolvente.
Facilmente se vê a ausência de razão da recorrente nesta pretensão.
Ao longo do processo, a recorrente demonstrou que celebrara um contrato promessa em 1999 com a agora insolvente e que o negócio resolvido de cessão da posição contratual que a insolvente celebrara com a recorrente visava fazer esta pagar-se de uma dívida que a insolvente tinha efectivamente para com a recorrente e originada nesse contrato promessa antigo.
E até a recorrido aceita – embora de forma dubitativa, pelo menos, quanto ao montante exacto da referida obrigação – a existência desta obrigação, mas insurgindo-se contra o acto por ter propiciado à recorrente pagar-se nas vésperas do decretamento da insolvência, do seu crédito em desfavor dos demais credores, violando o princípio da igualdade da satisfação dos débitos comuns da insolvente.
Ora foi isto que resultou provado, ou seja, provou-se que aquando da celebração do negócio resolvido, a recorrente era credora da agora insolvente do montante elevado que consistiu no preço da cessão da posição contratual, tendo desta forma, a recorrente podido satisfazer-se integralmente do seu crédito em relação à ora insolvente, violando aquele princípio da igualdade da satisfação dos credores comuns.
Tal como resulta do ponto 6 do preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004 de 18/03, que aprovou o CIRE, o processo de insolvência “visa acautelar: o pagamento dos respectivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral”.
Esta finalidade também resulta do art. 1º do CIRE, além de resultar do conjunto das demais normas deste diploma e, nomeadamente, dos arts. 120º e 121º, como acertadamente realça a sentença de 1ª instância – fls. 305 -, ao dizer que a lei visa obstar a situações de favorecimento de credores injustificadas, ou seja, quando os créditos sejam comuns, ou privilegiados em igual grau.
Por isso, a circunstância de se não verificar no caso um negócio fantástico ou sem correspondência com a realidade e de não se demonstrar a intenção de prejudicar os credores ou beneficiar o insolvente, não releva para a justificação da resolução operada pelo administrador da massa insolvente.
Por isso, verificados os requisitos legais previstos nos citados arts. 120º e 121º - entre os quais se não conta os aqui defendidos pela recorrente -, tem de improceder a impugnação da resolução objecto do pedido desta acção.
Soçobra, desta forma, este fundamento do recurso.

B) Nesta segunda questão pretende a recorrente que sempre agiu de boa fé, tendo em conta que a lei exige a má fé para a procedência da resolução do negócio.
Também aqui a recorrente carece de razão.
Aquela pretensão está em contradição frontal com a matéria de facto dada por provada, pese embora ter a recorrente na apelação, sem êxito, tentado alterar aquela factualidade.
Com efeito, o art. 120º, nº 4 do CIRE estipula que salvo nos caso previstos no art,. 121º, a resolução pressupõe a má fé do terceiro.
E o seu nº 5 prescreve que se entende por má fé o conhecimento, à data do acto de qualquer das circunstâncias:
- De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
- Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
- Do início do processo de insolvência.
Tendo em conta o facto dado por provado e acima transcrito sob o número 40 – aquando da realização do contrato de cessão de posição contratual, ambas as partes sabiam da pendência do processo de insolvência -, claramente se vê que a última circunstância prevista no citado nº 5 se verifica, pelo que a recorrente aquando da celebração do negócio resolvido estava de má fé.
E isto independentemente de avaliar sobre se, no caso, era desnecessária a prova dessa má fé como concluiu o acórdão recorrido.
Naufraga, assim, mais este fundamento do recurso.

C) Finalmente, resta apreciar a pretensão da recorrente no sentido de que o contrato em causa é o de promessa de 1999, sendo o contrato de cessão de posição contratual resolvido mera mudança subjectiva daquele contrato, pelo que não cairia na aplicação do disposto na al. f) do nº 1 do art. 121º do CIRE.
Também aqui a recorrente não tem razão na pretensão.
Com efeito, os arts. 120º e 121º do CIRE prevêem a resolução em benefício da massa insolvente de actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
Consta dos autos que o referido processo de insolvência se iniciou em 23 de Março de 2006.
O acto ou negócio que foi resolvido foi o contrato de cessão da posição contratual que foi realizado em 30-05-2006, e foi este que se mostrou prejudicial à massa insolvente, na medida em que desfalcou esta de um bem consubstanciado naquela posição contratual, para pagar à recorrente créditos que esta tinha em relação à insolvente, prejudicando os demais credores que viram o património da insolvente diminuído.
Por isso, o acto resolvido ocorreu dentro do prazo previsto no art. 120º, nº 1 do CIRE.
A circunstância de este contrato ter ligação com outro mais antigo e ocorrido fora do referido prazo é irrelevante.
É que a causa da dívida cujo pagamento, ou dação em pagamento a recorrente e a insolvente pretenderam efectuar com o contrato resolvido é irrelevante para o efeito.
Essa dívida devia ter aguardado a declaração de insolvência e ser objecto de reclamação naquela, sendo satisfeita de acordo com a igualdade dos demais credores comuns.
O referido acto resolvido permitia o favorecimento da recorrente em desfavor dos demais credores, pelo que é passível de ser resolvida nos termos das disposições referidas.
Quando a al. f) do nº 1 do art. 121º mencionado fala em actos de pagamento ou outros actos de extinção de obrigações prescinde da causa ou fonte das mesmas obrigações e tem em vista apenas os actos ou negócios de extinção ou de pagamento, tornando-os passíveis de resolução, desde que esse acto de pagamento ou outro de extinção de obrigações esteja compreendido no âmbito temporal previsto naquela alínea, mas independentemente de a causa ou fonte das referidas obrigações terem ocorrido antes do referido circunstancialismo temporal.
Assim, improcede, também, este fundamento do recurso e com ele toda a revista.

Pelo exposto, nega-se a revista pedida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 09 de Outubro de 2008

João Camilo ( Relator )
Fonseca Ramos
Cardoso de Albuquerque.