Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B1550
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: FALÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
SALÁRIOS EM ATRASO
CRÉDITO LABORAL
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
Nº do Documento: SJ200306120015502
Data do Acordão: 06/12/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 712/02
Data: 04/16/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I - No âmbito do art. 12º da Lei 17/86, de 14 de Junho (Lei dos Salários em Atraso) cabem apenas os créditos laborais de natureza retributiva, ou seja, os decorrentes da existência e normal desenvolvimento do contrato de trabalho - e não também os créditos de natureza indemnizatória, emergentes da violação do contrato e consequente rescisão, operada pelo trabalhador.

II - Só os primeiros - e não já os segundos - gozam do privilégio imobiliário geral criado pela LSA e referido no seu aludido art. 12º.

III - A interpretação que conduz à conclusão afirmada no número anterior não belisca minimamente o princípio da justiça e da igualdade de tratamento.

IV - O art. 4º da Lei 96/01, de 20 de Agosto, veio alterar os privilégios dos créditos dos trabalhadores resultantes da LSA e dos restantes créditos emergentes do contrato de trabalho e a graduação dos mesmos em processos instaurados ao abrigo do CPEREF.

V - O apontado normativo é de aplicação imediata, por se tratar de norma relativa ao modo de realização dos direitos e porque, dispondo sobre o conteúdo de uma relação jurídica, abstrai do facto que lhe deu origem.

VI - A partir da entrada em vigor da Lei 96/01, os créditos indemnizatórios dos trabalhadores, aludidos nos n.os I e II, passaram a gozar, também eles, de privilégio imobiliário geral, nos termos do seu art. 4º/1.b).

VII - A Lei 17/86 e a Lei 96/01 não contêm norma reguladora do conflito entre o privilégio imobiliário geral dos créditos dos trabalhadores e os direitos reais de garantia de outros credores sobre os bens objecto daquele privilégio.

VIII - Tal lacuna da lei deve ser preenchida com a formulação de uma regra de conteúdo materialmente coincidente com a estatuição do art. 749º do CC.

IX - Assim, os privilégios imobiliários gerais criados pelas Leis 17/86 e 96/01, de que gozam os créditos dos trabalhadores, não têm preferência sobre crédito de terceiro garantido por hipoteca.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

Na falência da sociedade por quotas A foram, entre outros, reclamados créditos pelos trabalhadores da falida, B, C, D e E, compreendendo salários em atraso, férias e subsídios de férias, e indemnização por cessação do contrato de trabalho.
Na sentença de graduação, e no tocante ao bem imóvel apreendido para a massa, estes créditos foram graduados em segundo lugar, como créditos comuns, a seguir ao crédito reclamado pelo F, que goza de hipoteca sobre o dito imóvel.
Os nomeados trabalhadores, inconformados com o assim decidido, apelaram da sentença para o Tribunal da Relação do Porto, limitando o recurso a essa parte da graduação de créditos.
A Relação julgou a apelação parcialmente procedente, decidindo pela forma que a seguir se transcreve:
- os créditos a ter em conta na sentença de graduação e verificação de créditos, relativamente ao imóvel, que gozam de privilégio imobiliário, são os créditos pedidos pelos recorrentes B, C, D e E, a fls. 118 e reconhecidos a fls. 182, que derivam de salários em atraso de Junho e Julho de 1998, férias e subsídios de férias e respectivos proporcionais, identificados a fls. 118 (salários e remunerações em atraso), menos os créditos de indemnização;
- tais créditos graduam-se em primeiro lugar, a preceder o da hipoteca, que será em 2º lugar;
- seguir-se-ão os créditos comuns.

Deste modo, os créditos reclamados pelos apelantes e constantes de fls. 118, serão repartidos e graduados, conforme se trata de salários e remunerações em atraso ou de indemnização, como créditos privilegiados em 1º lugar, aqueles, ou como comuns, estes.
Em primeiro lugar aqueles, porque precedem a hipoteca existente - art. 751º do C. Civil.
Estes, porque sucedem à hipoteca.
Em consonância com o decidido, a Relação revogou, em parte, a sentença apelada, alterando-a por forma a que os créditos reclamados ficassem graduados e verificados de acordo com a transcrição acabada de efectuar.

De novo inconformados, os apelantes pedem revista.
E, nas alegações de recurso oportunamente apresentadas, formulam o seguinte leque de conclusões:
1º - Os créditos dos recorrentes, enquanto trabalhadores que foram da falida, emergem dos respectivos contratos de trabalho e da sua violação e cessação e respeitam a indemnizações não pagas e a indemnização legal decorrente do respectivo despedimento.
2º - Ora, o art. 12º/1 da Lei 17/86, de 14 de Junho, estabeleceu que os créditos emergentes do contrato individual de trabalho gozam de privilégio mobiliário geral e imobiliário geral.
3º - Tal dispositivo legal deverá ser interpretado no sentido de que, com tal expressão, se pretendeu abranger quer os créditos laborais decorrentes da existência e normal desenvolvimento do contrato de trabalho quer os créditos emergentes da sua violação, seja por virtude de rescisão pelo trabalhador com justa causa, seja em razão do respectivo despedimento, seja por força de qualquer outra causa para a qual o trabalhador não tenha contribuído, não fazendo tal normativo qualquer distinção quanto à origem ou natureza dos créditos laborais.
4º - Nem há razão para distinguir, sob pena de violação dos princípios da justiça e da igualdade de tratamento que enformam o nosso sistema jurídico-constitucional (art. 13º da CRP) e da criação de flagrantes injustiças relativamente aos trabalhadores que se mantiveram na empresa até ao fim por comparação com outros que porventura tivessem rescindido os respectivos contratos de trabalho por falta de pagamento atempado dos salários.
5º - A entender-se que a Lei 17/86, na parte ora em questão, apenas cobriria os casos em que estivessem em causa o não pagamento de salários em atraso e a rescisão dos contratos de trabalho com base nesse facto, estar-se-ia a aceitar que tal lei constituiria um incentivo ao próprio despedimento, na medida em que os trabalhadores, particularmente os mais avisados e dotados, num momento em que a empresa careceria do seu apoio, seriam como que compelidos e incentivados, pelo jogo das indemnizações garantidas (ao abrigo dos arts. 6º e 12º), a pôr cobro ao vínculo laboral, abandonando a empresa.
6º - É patente a inconstitucionalidade de tal entendimento, por violação dos arts. 13º e 58º da CRP.
7º - Por isso, os créditos dos recorrentes respeitantes às indemnizações por despedimento sem justa causa, resultando, como resultam, da violação e cessação dos respectivos contratos de trabalho, provocadas por razões estranhas à sua vontade, devem ser enquadrados no âmbito da norma do aludido art. 12º da Lei 17/86, gozando como tal dos privilégios ali mencionados, quer mobiliário geral quer imobiliário geral, e sujeitos às regras preferenciais ali também vertidas, o que determina a sua graduação em igualdade de circunstâncias e ao mesmo nível dos créditos decorrentes das retribuições não pagas e, como tal, em primeiro lugar no que respeita também aos bens imóveis da falida.
8º - Por outro lado, a Lei 96/2001, de 20 de Agosto, deverá ser aplicada ao presente caso.
9º - Com efeito, o seu art. 4º veio atribuir expressamente privilégio imobiliário geral aos créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei 17/86 ainda que preexistentes à data da entrada em vigor daquela Lei, sendo que o que consta do n.º 3 daquele artigo não significa que a preferência resultante daquele privilégio seja relegada para lugar inferior ao que é atribuído à preferência inerente aos créditos emergentes da Lei 17/86 e aos privilégios anteriormente constituídos com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da lei em causa.
10º - E isso porque a intenção da lei vai claramente no sentido de obstar à iniquidade acima mencionada.
11º - Assim, ao decidir pela não graduação ao mesmo nível das retribuições em dívida aos recorrentes dos créditos resultantes das indemnizações que lhes são devidas em razão do respectivo despedimento sem justa causa, o acórdão recorrido fez errada interpretação do art. 12º da Lei 17/86 e não tomou em devida conta o disposto nos arts. 13º e 58º da CRP, interpretando também de modo incorrecto o disposto no art. 4º da Lei 96/2001, assim violando esses normativos.

O F apresentou contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

2.

São os seguintes os factos provados, que interessam à decisão do recurso:
I - Por sentença de 17.06.98, já transitada, foi decretada a falência de A , com sede no Porto;
II - Foram apreendidos para a massa falida bens móveis e um imóvel;
III - Publicado o respectivo anúncio no DR - III Série, de 17.07.98, foram apresentadas as consequentes reclamações de créditos;
IV - Entre outras pessoas e entidades, reclamaram créditos:
- o F; e
- os ex-trabalhadores da falida acima nomeados;
V - O F reclamou um crédito de 181.690.526$00, garantido por hipoteca voluntária sobre o imóvel aludido em II, celebrada por escritura pública de 14.03.94, provisoriamente registada a favor do Banco em 08.02.94, tendo tal registo sido convertido em definitivo em 06.04.94;
VI - Os ex-trabalhadores da falida reclamaram os respectivos créditos, referentes a indemnização por despedimento ilícito (indemnização de antiguidade), férias e subsídio de férias vencidos em 01.01.98, férias proporcionais e respectivo subsídio, e proporcional do subsídio de Natal (todos estes proporcionais respeitantes ao ano de 1998), e salários vencidos (Junho/98 e Julho/98) e vincendos.
VII - Os créditos destes trabalhadores foram reconhecidos pelos montantes reclamados.

3.

Vem já decidido da 1ª instância, com trânsito em julgado, que os créditos dos recorrentes, reclamados a fls. 118 e seguintes dos presentes autos, gozam de privilégio mobiliário geral, na sua totalidade.
Também já definitivamente decidido se acha, na sequência do acórdão da Relação, que os ditos créditos, resultantes de salários em atraso de Junho e Julho de 1998, férias e subsídios de férias e respectivos proporcionais (excluídos, portanto, os créditos de indemnização), gozam de privilégio imobiliário geral sobre o bem imóvel apreendido para a massa falida.

Como resulta das conclusões da alegação dos recorrentes, são duas as questões que se perfilam à apreciação deste Tribunal.
Trata-se, em primeiro lugar, de saber se no âmbito do art. 12º da Lei 17/86 (conhecida como Lei dos Salários em Atraso) cabem apenas os créditos laborais de natureza retributiva - ou seja, como referem os recorrentes, os créditos decorrentes da existência e normal desenvolvimento do contrato de trabalho - ou se, ao invés, a genérica referência do citado normativo aos "créditos emergentes do contrato individual de trabalho" contempla igualmente os créditos de natureza indemnizatória - é dizer, os créditos emergentes da violação do contrato e consequente rescisão, operada pelo trabalhador.
Como vimos, o acórdão recorrido trilhou a primeira das duas indicadas vias, procurando os recorrentes, com a presente revista, demonstrar que devia ter sido a segunda a eleita.
Decidida esta questão, caberá ainda (se se entender correcta a posição quanto a ela assumida pela Relação) indagar da aplicação, ao caso em apreço, do disposto no art. 4º da Lei 96/2001, de 20 de Agosto - questão que o acórdão recorrido decidiu pela negativa.

Quid juris?

4.

A crise económica que varreu o País na primeira metade da década de 80, trouxe consigo e desenvolveu uma prática empresarial - a do não pagamento sistemático das retribuições aos trabalhadores - a que o Estado não pôde deixar de dar atenção, até porque, capitalizando a seu favor as repercussões sociais dessa falta de pagamento, os empresários usaram-na como forma de pressão para reivindicar vantagens e apoios do Estado e do sistema bancário. Impunha-se, assim, a publicação de legislação de emergência, capaz não só de assegurar e tutelar eficazmente o direito dos trabalhadores à retribuição, mas também o de possibilitar às empresas o pagamento dos salários e a superação das suas dificuldades.
Foi nessa conjuntura especialíssima que surgiu a Lei 17/86, de 14 de Junho (1).
Tratou-se de um diploma de natureza excepcional, cujo objecto foi claramente enunciado no seu art. 1º/1: estatuir sobre "os efeitos jurídicos especiais produzidos pelo não pagamento pontual da retribuição devida aos trabalhadores por conta de outrem".
Esses efeitos jurídicos especiais foram, depois, explicitados nos arts. 3º e seguintes, salientando-se entre eles:
- a concessão ao trabalhador (que se achasse nas condições enunciadas no n.º 1 do art. 3º) de um direito alternativo, de rescindir o contrato ou de suspender a sua prestação de trabalho;
- a estatuição de um regime especial para os trabalhadores que optassem pela rescisão unilateral com justa causa do seu contrato de trabalho, nos termos do art. 3º (art. 6º);
- a atribuição ao trabalhador, durante o período de suspensão da prestação de trabalho, da percentagem máxima do subsídio de desemprego (art. 7º);
- o direito, concedido ao trabalhador auto-suspenso, de exercer outra actividade remunerada fora da empresa (art. 10º).

Foram ainda implementadas, na referida Lei, outras medidas de excepção, designadamente através da instituição de garantias patrimoniais para os créditos emergentes do contrato de trabalho por ela regulados - um privilégio mobiliário geral e um privilégio imobiliário geral (art. 12º/1 e 2) - e do estabelecimento de regras de graduação destes créditos (n.º 3 do art. 12º) claramente indiciadoras da intenção de os colocar em posição cimeira face aos demais créditos privilegiados, para assim lhes garantir uma efectiva protecção.
É assim que, relativamente ao privilégio mobiliário geral, e no que tange aos créditos abrangidos pela mencionada Lei, não fica a garantia do privilégio sujeita ao limite temporal cominado na alínea d) do n.º 1 do art. 737º do CC, sendo ainda este privilégio mobiliário geral graduado antes dos créditos referidos no n.º 1 do art. 747º, também do CC; e no que tange ao privilégio imobiliário geral foi este colocado a anteceder os créditos indicados no art. 748º. Mais: os privilégios estabelecidos pela Lei 17/86 foram colocados à frente dos créditos por despesas de justiça, que gozavam de prevalência absoluta, por força do disposto no art. 746º do CC.
Daqui a conclusão de que os créditos laborais em causa - os abrangidos pela Lei 17/86 - têm preferência sobre qualquer outro crédito privilegiado, o que vale dizer que os respectivos credores são "os primeiros, de entre os possuidores de idêntica garantia, a obter pagamento, seja sobre o produto da venda dos bens móveis, seja dos imóveis do devedor" (2) (Luís Miguel Lucas Pires, loc. cit., pág. 173).
Existe, pois, um claro tratamento de maior favor para os créditos laborais a que vimos fazendo referência, em face dos créditos laborais a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do art. 737º do CC: "o privilégio deixa de estar limitado no tempo, o seu objecto expande-se aos bens imóveis do empregador e a sua posição relativa na "grelha" de privilégios regista sensíveis melhorias (João Leal Amado, A protecção do salário, Coimbra, 1993, pág. 152).
Esta constatação impõe que se defina, com clareza, o âmbito de aplicação dos privilégios creditórios a que se reporta o art. 12º da já tantas vezes citada Lei 17/86.
O que nos coloca já frente à questão nuclear debatida neste recurso.
Já vimos que, verificado o condicionalismo enunciado no n.º 1 do art. 3º desta Lei, pode o trabalhador rescindir o seu contrato de trabalho; e, nesse caso, terá além do mais, direito a indemnização, tal como previsto no art. 6º.
Surge, então, a questão, que já acima deixámos equacionada: este crédito indemnizatório a que o trabalhador tem jus gozará dos privilégios previstos no art. 12º? Ou a protecção conferida por este normativo abrange apenas os créditos ditos retributivos?
Com o apoio da doutrina maioritária e de alguma jurisprudência, propendemos para a resposta restritiva, correspondente ao segundo termo da alternativa, entendendo que os aludidos privilégios se aplicam apenas aos créditos resultantes de salários em atraso, excluindo do seu âmbito os créditos resultantes da indemnização por violação ou rescisão do contrato de trabalho, e designadamente a contemplada no citado art. 6º.
Aponta neste sentido, desde logo, a natureza excepcional da Lei 17/86, a que já fizemos alusão. Ela visou a regulamentação de um tema muito específico - o não pagamento atempado do salário aos trabalhadores - e numa especial situação conjuntural, de que acima demos conta.
O cotejo com o preceito do art. 737º/1.d) do CC revela, igualmente, a evidente intenção do legislador em restringir a amplitude dos créditos agora protegidos. Na verdade, enquanto a norma do Cód. Civil garante os "créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato", o art. 12º reporta-se apenas aos "créditos emergentes do contrato individual de trabalho". E esta restrição parece ter sido deliberadamente criada, pois que, como refere Menezes Cordeiro - autor que, juntamente com Luís Miguel Lucas Pires, aqui seguimos de muito perto - no Projecto inicialmente apresentado pelo PCP, na fase de discussão da Lei na Assembleia da República, os privilégios abrangiam também os créditos resultantes da violação ou cessação do contrato, o que, não tendo tido, esta parte, assento na versão final da lei, mostra que se atentou na diferença relativamente ao Cód. Civil.
O elemento gramatical é outro factor a ter em conta na interpretação da lei em apreço.
A letra do art. 12º contém referência expressa aos "créditos emergentes do contrato de trabalho". E estes são apenas os que constituem a retribuição do trabalhador: os créditos indemnizatórios não emanam directamente do contrato, antes têm a sua fonte numa realidade complexa que inclui, além do próprio facto do atraso no pagamento da retribuição, a opção do trabalhador pela rescisão e outros factores, como, por exemplo, a antiguidade.
De igual modo, o elemento racional ou teleológico - seja, a razão de ser da norma em apreço (ratio legis), o fim com ela visado - aponta decisivamente no sentido da solução adoptada.
A Lei 17/86 (e o seu art. 12º em particular) tem como finalidade precípua a protecção de um bem muito especial - o salário do trabalhador - aceitando-se, a esse título, a criação de um privilégio especialíssimo que lhe conceda uma protecção eficaz, relegando para plano secundário outros direitos de terceiros igualmente respeitáveis e atendíveis, nomeadamente os direitos dos credores da empresa. É assim que o art. 13º da Lei, igualmente situado, na sistemática do diploma, no capítulo das "Garantias Patrimoniais", veda expressamente às entidades patronais com retribuições em dívida aos trabalhadores - inclusive sob ameaça de pena de prisão - certas práticas, designadamente a remuneração dos membros dos corpos sociais ou a efectivação de pagamentos a trabalhadores que não correspondam ao rateio proporcional do montante disponível [al. b) e d) do n.º 1].
Significa isto que, achando-se a entidade empregadora impossibilitada de satisfazer, na íntegra, os salários dos trabalhadores, deve fazê-lo pro rata, de acordo com o montante disponível. O pagamento de uma indemnização a um trabalhador, com o consequente agravamento do não pagamento dos salários, fá-la-ia incorrer em pena de prisão até 3 anos. Não se compreenderia, por isso, que uma tão rigorosa regra pudesse ser contornada pela via dos privilégios do art. 12º - seria deixar entrar pela janela aquilo que se quis evitar que entrasse pela porta!
O que impõe concluir que os privilégios, fixados no art. 12º, não podem garantir créditos indemnizatórios.
Argumenta-se ainda, em abono da solução propugnada, que a extensão destes privilégios aos créditos indemnizatórios constituiria um incentivo ao despedimento: "os trabalhadores, particularmente os mais dotados, num momento em que a empresa mais careceria do seu apoio, seriam como que incentivados, pelo jogo das (ampliadas) indemnizações garantidas, a pôr cobro ao vínculo laboral. Seria negativo para a empresa e, provavelmente, para eles próprios".
A solução aqui defendida é a sustentada por Menezes Cordeiro (3), Nunes de Carvalho (4) , Salvador da Costa (5) , Leal Amado (6) e Luís Miguel Lucas Pires (7) , e foi a seguida em várias decisões dos tribunais superiores, designadamente nos acórdãos deste Tribunal, de 21.10.98, de 27.10.98 e de 19.04.01(8) .
Não merece, pois, censura, o acórdão recorrido, na parte que os recorrentes põem em crise.

Ao contrário do que também defendem os recorrentes, a interpretação acolhida não belisca minimamente o princípio da justiça e da igualdade de tratamento.
Este princípio não impõe que todos sejam tratados, em quaisquer circunstâncias, por forma idêntica, mas apenas que recebam tratamento semelhante os que se acham em condições semelhantes. Ou seja: só há que tratar por igual o que na sua essência for igual; a não discriminação não significa nem pressupõe uma igualdade jurídica em todas as relações.
Não ocorre violação do princípio quando se dá tratamento jurídico diferente a situações e realidades objectivamente diferentes.
Os créditos laborais de natureza retributiva não constituem, nem pela sua fonte, nem pela sua função, realidade intrinsecamente igual ou idêntica aos créditos de natureza indemnizatória. A protecção especial de que beneficiam radica na consideração de que a retribuição do trabalhador, para além de representar a contrapartida do trabalho por ele desenvolvido, constitui o suporte da sua existência e, as mais das vezes, da subsistência do seu núcleo familiar. Fala-se mesmo, para caracterizar esta perspectiva da retribuição, de uma dimensão social ou alimentar do salário (9) - que, manifestamente, não cabe à indemnização.

Quanto ao art. 58º da CRP - que os recorrentes dizem também ofendido - não vemos onde possa estribar-se tal afirmação.
Consagra este normativo o direito constitucional ao trabalho, que nenhuma relação apresenta com a situação em apreço.
Não se enxerga - e os recorrentes não o explicam - que a não consideração, no âmbito dos privilégios expressos no art. 12º da Lei 17/86, dos créditos de natureza indemnizatória, possa "criar flagrantes injustiças relativamente aos trabalhadores que se mantiveram na empresa até ao fim, por comparação com outros que porventura tivessem rescindido os respectivos contratos de trabalho por falta de pagamento atempado dos salários".
É precisamente o contrário!
Como também não se aceita, por contraditório, que tal interpretação constitui um incentivo ao próprio despedimento, nos termos expressos pelos recorrentes no n.º 5º das conclusões da sua alegação.
Repare-se, até, que este é precisamente um dos argumentos - como acima se deixou expresso - avançados por Menezes Cordeiro na defesa da sua posição, que é a do acórdão recorrido.

5.

Como já se deixou referido, o acórdão recorrido não aplicou ao caso em apreço a Lei 96/2001, de 20 de Agosto.
Todavia, a fundamentação em que se abona - que releva, além do mais, de manifesta obscuridade e confusão - não pode ter-se por aceitável.
Na verdade, a elaboração da Relação gira em torno da aplicação, ao caso em análise, do disposto no art. 3º daquela Lei - normativo que, manifestamente, nada tem a ver com a solução do problema.
Este art. 3º limita-se a determinar que a alteração introduzida pelo art. 2º da mesma Lei à redacção do n.º 2 do art. 12º da Lei 17/86 é de aplicação imediata às acções pendentes em que não tenha havido sentença de verificação e graduação de créditos. E a Relação entendeu que a sentença de graduação dos créditos, já proferida nestes autos, arreda a possibilidade de aplicação do aludido art. 3º.
Não é, porém, a aplicação imediata do n.º 2 do art. 12º da Lei dos Salários em Atraso (na sua nova redacção) que está em causa, hic et nunc.
O que urge averiguar é se logra aplicação imediata o disposto no art. 4º da Lei 96/01 - mais concretamente, na parte em que cria um privilégio imobiliário geral para os créditos dos trabalhadores não abrangidos pela Lei 17/86 (e, consequentemente, para os créditos emergentes de indemnização por despedimento ilícito).
E não é, manifestamente, o indicado art. 3º que poderá responder a esta questão.
A resposta terá de procurar-se nos princípios doutrinais e no quadro normativo válidos em matéria de aplicação das leis no tempo.
Vejamos.

A Lei 96/01 veio alterar os privilégios dos créditos dos trabalhadores resultantes dos salários em atraso e dos restantes créditos emergentes do contrato de trabalho e a graduação dos mesmos em processos instaurados ao abrigo do CPEREF.
Por força do disposto no seu art. 4º, aos créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei 17/86 (exceptuados os créditos de carácter excepcional) são atribuídos os mesmos privilégios creditórios conferidos pelo art. 12º desta lei: privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário geral.
Daí que, partir da entrada em vigor da Lei 96/01, em 20.09.01 (cf. art. 10º), os créditos resultantes das indemnizações devidas aos trabalhadores em consequência da cessação dos respectivos contratos gozam de privilégio mobiliário geral e imobiliário geral, tal como os créditos abrangidos pela Lei 17/86; e, ainda que sejam anteriores àquela data, gozam de preferência nos mesmos termos atribuídos pelo n.º 3 do art. 12º aos créditos regulados pela Lei 17/86 (sendo, porém, certo que, em caso de concurso entre uns e outros, os créditos previstos na Lei 17/86 têm preferência em relação aos tutelados pela Lei 96/01).
Esta lei é de aplicação imediata (10) .
Constitui entendimento pacífico na doutrina o de que as normas relativas ao modo de realização dos direitos - aqui incluídas as respeitantes à garantia e à conservação dos mesmos direitos - são de aplicação imediata, pois que essa aplicação não afecta o fundo ou a substância dos direitos.
Trata-se de providências que apenas têm em vista definir o modo como os direitos devem ser exercidos ou acautelados, e que, por isso, constituem efeitos externos ou indirectos desses direitos. Elas não contendem com a existência do direito litigado, nem importam uma diferente valoração jurídica dos factos que lhe deram origem - apenas regulam o modo de realização judicial do direito.
Tais regras são produzidas tendo em vista a protecção do interesse geral ou de terceiros, ou ainda o interesse dos próprios titulares do direito em causa.
E porque não existe conexão entre as consequências jurídicas estatuídas por essas normas e as finalidades intrínsecas do direito acautelado, não pode opor-se à sua aplicação imediata um pretenso "direito adquirido" segundo a lei anterior, nem afirmar-se que tal aplicação imediata representa "aplicação a um facto passado".
Entre a vasta gama de normas que se podem incluir na assinalada categoria figuram as relativas aos privilégios creditórios.
Tem-se, na verdade, entendido que tais normas, quer estabeleçam novos privilégios, quer eliminem algum já existente, são de aplicação imediata, por apenas se referirem aos efeitos do crédito no processo de distribuição do activo do devedor.
A aplicação imediata do preceito em análise (o art. 4º da Lei 96/01) resulta ainda, a nosso ver, de jure, do disposto no art. 12º/2 do CC, uma vez que se trata de norma que dispõe sobre o conteúdo de uma relação jurídica, abstraindo do facto que lhe deu origem.
Há, assim, que aceitar - contra o decidido pela Relação - que também os créditos indemnizatórios reclamados pelos ora recorrentes gozam de privilégio imobiliário geral, por força do disposto no art. 4º da Lei 96/01, normativo que aquele Tribunal indevidamente deixou de aplicar.

6.

Não obstante o que vem de ser referido no n.º anterior - é dizer, não obstante o entendimento de que os créditos indemnizatórios dos recorrentes gozam, in casu, de privilégio imobiliário geral, nos termos do art. 4º/1.b) e 3 da Lei 96/01 - não se segue daí que haja de reconhecer-se razão aos recorrentes na sua pretensão de - no que tange ao pagamento pelo produto do único imóvel apreendido para a massa - verem esses seus créditos graduados com precedência sobre a hipoteca constituída a favor do F e incidente sobre o dito imóvel.
Coloca-se, na verdade, a questão da definição da eficácia deste privilégio face a direitos de terceiros: a questão de saber como resolver o conflito entre o privilégio imobiliário geral do trabalhador e direitos reais de garantia de terceiros sobre os bens objecto desse privilégio.
A esta questão não dão resposta nem a Lei 17/86 nem a Lei 96/01.
E, procurando a solução nas normas do CC que disciplinam este tipo de problemas (arts. 749º, 750º e 751º) logo veremos que elas não contêm resposta inequívoca e directa para esta questão.
Pondo de lado o art. 750º, que estatui para o caso de confronto entre o privilégio mobiliário especial e os direitos de terceiro, não podendo ser, por isso, chamado à liça, ficamos colocados perante esta alternativa: será de aplicar o art. 749º, em atenção à natureza geral do privilégio imobiliário do trabalhador? Ou deverá este normativo ceder o passo ao art. 751º, fazendo prevalecer, sobre aquele carácter geral, a natureza de imobiliário do privilégio?
A dúvida nasce, como logo se vê, da circunstância de o CC não admitir a existência de privilégios imobiliários gerais (art. 735º/3).
E, ao adoptar essa figura, calando quanto à sua eficácia quando em confronto com direitos de terceiros, a Lei 17/86 fez nascer uma vera "lacuna de colisão". Na verdade, estamos perante um espaço jurídico aparentemente ocupado pelas duas citadas normas (o art. 749º, respeitante aos privilégios gerais, qualidade que assiste ao privilégio imobiliário em causa; e o art. 751º, que se reporta aos privilégios imobiliários, natureza que assume o privilégio geral em causa), mas, na realidade, desocupado, já que os dois preceitos se eliminam mutuamente (11).
Como preencher esta lacuna?
Como alerta Menezes Cordeiro (12), a análise do regime e da natureza dos privilégios creditórios, a partir dos normativos do CC que se lhes referem, permite concluir que, ao contrário do que parece resultar da letra do art. 735º, a distinção fundamental a operar não é entre privilégios mobiliários e imobiliários, sim entre privilégios gerais e especiais.
Na verdade, os privilégios mobiliários gerais atingem todas as coisas móveis existentes no património do devedor, à data da penhora ou acto equivalente.
Já os mobiliários especiais afectam bens relacionados com a causa dos créditos que garantem; e o mesmo se passa com os imobiliários (sempre especiais na óptica do CC), também eles incidentes sobre coisas relacionadas com a origem dos créditos garantidos.
Os privilégios mobiliários gerais constituem-se no momento da penhora ou de acto equivalente, e não valem contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente (art. 749º).
Os privilégios mobiliários especiais constituem-se no momento da formação do crédito garantido, e prevalecem contra os direitos de terceiro que sejam posteriores à formação do privilégio (art. 750º); e os imobiliários (sempre especiais, como se disse), comungam de um regime semelhante, pois também se constituem no momento da formação dos créditos garantidos, e prevalecem contra os direitos de terceiro de forma ainda mais vincada do que os seus congéneres mobiliários (art. 751).
Por outro lado, os privilégios mobiliários gerais não são verdadeiros direitos reais de garantia, não só porque incidem sobre a generalidade dos bens móveis existentes num património, num dado momento, como não têm sequela e, como vimos já, não prevalecem sobre outros direitos reais (de constituição posterior).
Nem sequer são direitos subjectivos autónomos, não passando, na sugestiva definição de Almeida Costa (13), de "meros direitos de prioridade que prevalecem, contra os credores comuns, na execução do património".
Ao contrário, os privilégios mobiliários especiais são, normalmente, direitos reais de garantia, já que, para além de incidirem sobre coisas móveis certas e determinadas, têm sequela e têm a prevalência já assinalada, conferida pelo art. 750º. E a mesma qualificação (de direitos reais de garantia) cabe, pelas mesmas razões, aos privilégios imobiliários (sempre especiais).
Tem, assim, plena justificação a acima assinalada posição de Menezes Cordeiro, quanto ao critério fundamental de distinção entre privilégios: fundamental é a distinção entre privilégios gerais e especiais, à semelhança, aliás, do que sucede com o Código Civil italiano (art. 2746), que, não raro, influenciou o nosso.
Sendo assim - sendo, isto é, a distinção marcante e que fundamentalmente modela as soluções legais na matéria, a operada entre privilégios gerais e especiais, e não entre mobiliários e imobiliários - deve preencher-se a acima assinalada lacuna, de acordo com o art. 10º do CC, com a formulação de uma regra de conteúdo materialmente coincidente com a estatuição do art. 749º do mesmo Código. O que vale dizer que o privilégio criado pelo art. 4º/1.b) da Lei 96/01 a favor do crédito indemnizatório dos recorrentes - como também o seu similar, criado pelo art. 12º/1 da Lei 17/86 a favor dos créditos de índole retributiva dos trabalhadores - atenta a sua natureza de privilégio geral, não constituindo um direito real de garantia, cede face a direitos reais de terceiros, como flui da regra do indicado art. 749º, aplicável por analogia.
Assim o entendem Menezes Cordeiro (14) e Leal Amado (15) ; e este Supremo Tribunal, em recente acórdão, adoptou o mesmo entendimento (16) .
Ademais, a sujeitarem-se os privilégios imobiliários gerais ao regime do art. 751º, resultaria gravemente ofendido o princípio constitucional da protecção da confiança (art. 2º da CRP), com óbvio prejuízo dos demais credores - sobretudo do credor hipotecário, que veria neutralizada a eficácia da hipoteca, ainda que anterior à constituição do crédito privilegiado, pela existência de uma garantia oculta e por ele ignorada, pois que nem sequer está sujeita a registo. O que levaria a considerar inconstitucional a norma do art. 4º/1.b) da Lei 96/01, quando interpretada no sentido de consagrar um privilégio oponível a terceiros com direito real, mesmo de garantia (como a hipoteca), sobre o prédio.
Revertendo ao caso em apreço, resulta do que vem de ser exposto que a parcela de natureza indemnizatória dos créditos dos recorrentes, gozando embora de privilégio imobiliário geral, não tem preferência sobre o crédito do F, garantido por hipoteca, pelo que não poderia ser graduada antes deste crédito, para ser paga com preferência, pelo produto do imóvel apreendido para a massa.
Solução que não prejudica o que vem decidido quanto à parcela de natureza retributiva dos ditos créditos, relativamente á qual funciona a cobertura do caso julgado.


Por todo o exposto, nega-se a revista.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa,12 de Junho de 2003
Santos Bernardino
Moitinho de Almeida
Ferreira de Almeida
___________

(1) - Cf., a este respeito, Menezes Cordeiro, Manual do Direito do Trabalho (1991), pág. 741, e Salários em atraso e privilégios creditórios, na ROA (Jul./98), pág. 662, e Luís Miguel Lucas Pires, Os privilégios creditórios dos créditos laborais, in Questões Laborais, ano IX - 2002, pág. 178, nota (44).

(2) - A dificuldade que a esta afirmação parece colocar a parte final da al. a) do n.º 3 do art. 12º, ao determinar que a graduação se faça pela ordem dos créditos enunciados no art. 737º - ordem na qual os créditos laborais surgem em último lugar - o que torna o preceito incompreensível, vem sendo superada pela melhor doutrina, que vem entendendo que deverá considerar-se como não escrita aquele último segmento da norma em causa (cf. Luís Miguel Lucas Pires, loc. cit., pág. 171/172, nota (24) e os autores aí referidos).

(3) - No estudo referido na nota 1, publicado na ROA aí citada.

(4) - Reflexos laborais do Cód. dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, na RDES, ano XXXVII (X da 2ª Série) - N.os 1-2-3 (Jan.-Set./1995), pág. 55 e seguintes - ver, concretamente, pág. 74.

(5) - O concurso de credores, 2ª ed., pág. 259 e seguintes.

(6) - A protecção do salário, Coimbra 1993, pág. 151.

(7) - No estudo citado na nota 1, designadamente a págs. 181 e 184.

(8) - Col. Jur. - Acs. do STJ VI, 3, 259, BMJ 480/249 e Col. Jur. - Acs. do STJ IX, 1, 194, respectivamente.

(9) - A. Nunes de Carvalho, estudo citado, pág. 67.

(10) - Cf., sobre a explanação subsequente, J. Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Coimbra, 1968, págs. 18/28 e 256.

(11) - J. Leal Amado, ob. cit., pág. 153.

(12) - No estudo citado na nota 1, supra, pág. 661.

(13) - Direito das Obrigações, 6ª ed., Coimbra, 1994, pág. 825.

(14) - Direito das Obrigações, 2º vol., pág. 500/1.

(15) - Ob. cit., pág. 154.

(16) - Ac. de 27.06.02, Col. Jur. - Acs. do STJ X, 2, 146 (relator - Ex.mo Cons. Quirino Soares).