Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
828/18.5YRLSB.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
UNIÃO DE FACTO
ESCRITURA PÚBLICA
Data do Acordão: 05/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSOS ESPECIAIS / REVISÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS / NECESSIDADE DA REVISÃO.
Doutrina:
- Carlos Ferreira de Almeida, Texto e enunciado na teoria do negócio jurídico, Vol. I, Coimbra, 1992, p. 121 a 126;
- José Alberto dos Reis, Processos especiais, Vol. II, p. 156.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 978.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 22-05-2013, PROCESSO N.º 687/12.1YRLSB.S1;
- DE 25-06-2013, PROCESSO N.º 623/12.5YRLSB.S1;
- DE 25-06-2013, PROCESSO N.º 623/12.5YRLSB.S1;
- DE 28-02-2019, PROCESSO N.º 106/18.0YRCBR.S1;
- DE 21-03-2019, PROCESSO N.º 559/18.6YRLSB.S1;
- DE 21-03-2019, PROCESSO N.º 925/18.7YRLSB-A.S1.
Sumário :
A escritura pública declaratória de união estável prevista pelo direito brasileiro não pode ser confirmada ou revista nos termos do art. 978.º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


          

      1. AA e BB intentaram a presente acção de revisão/confirmação de sentença estrangeira, pedindo que fosse revista e confirmada a escritura pública de união estável outorgada no Brasil.


    2. O Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator proferiu despacho em que indeferiu liminarmente o pedido, por considerar que a escritura pública de união estável outorgada no Brasil “não se enquadra em nenhuma [das] situações [a que deva aplicar-se o art. 978.º do Código de Processo Civil] uma vez que não estamos perante uma sentença ou qualquer título que defina um estado civil”.

       Os Requerentes reclamaram para a conferência, que confirmou, por unanimidade, a decisão singular reclamada.


    3. Inconformados, os Requerentes interpuseram recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do art. 985.º do Código de Processo Civil.

         Finalizaram a sua alegação com a seguinte Conclusão e pedido:


“Ante o exposto, pugnam os recorrentes pelo provimento do presente Recurso de Revista para fins de reforma do Acórdão criticado e, como consequência, sejam confirmados os efeitos da Escritura Pública de União de Facto no ordenamento jurídico português”.


    4. O Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator proferiu despacho, indeferindo o requerimento de interposição de recurso, por não estarem preenchidos os pressupostos do art. 985.º do Código Civil.


    Inconformados, os Requerentes deduziram reclamação, com fundamento no art. 643.º do Código de Processo Civil, que foi deferida.


     5. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


      6. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a questão a decidir, in casu, é a seguinte: — A escritura declaratória de união estável, prevista pelo direito brasileiro, em que os Requerentes declaram a união ou coabitação estável entre ambos, contém uma decisão administrativa ou judicial sobre direitos privados, que possa ser apreciada ou revista para que tenha eficácia em Portugal?


II. — FUNDAMENTAÇÃO


            OS FACTOS


         Em 2 de Agosto de 2017, na Sucursal Governador do Cartório … Ofício de Notas, situada na …., n.º 2315, loja …, …., …, Brasil, os Requerentes outorgaram entre si escritura pública de união estável, onde declaram a união ou coabitação entre ambos, como se casados fossem, desde 5 de Outubro de 2006.


            O DIREITO


   I. — O termo decisão sobre direitos privados deve interpretar-se em termos amplos.

     Em primeiro lugar, embora se fale decisões proferidas por tribunal estrangeiro, o sentido do termo decisão deve interpretar-se em termos suficientemente amplos para abranger decisões proferidas seja por autoridades judiciais, seja por autoridades administrativas [1].

     Em segundo lugar, embora haja uma diferença entre o sentido de uma declaração contendo um enunciado assertivo ou constativo [2] e o sentido de uma declaração contendo um enunciado performativo [3] — entre uma declaração, designadamente sob compromisso de honra, de que um facto é verdadeiro e uma declaração de que se quer que um efeito se produza, ou não se produza —, o sentido do termo decisão dos arts. 978.º e 980.º deve interpretar-se em termos de abranger, p. ex., as decisões que reconhecem uma determinada circunstância ou uma determinada qualidade [4].

     Excluídas ficam contudo as decisões judiciais ou administrativas invocadas pelos Requerentes como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de decidir sobre os direitos atribuídos ou reconhecidos em Portugal (art. 978.º, n.º 2, do Código do Processo Civil) [5].


      II. — O teor do art. 978.º, n.º 2, deixa claro que a confirmação / revisão da escritura declaratória de união estável não é necessária para que tenha eficácia em Portugal.

    Independentemente de ser ou não confirmada / revista, a escritura declaratória de união estável prevista pelo direito brasileiro sempre será um simples meio de prova, sujeito à apreciação de quem haja de decidir sobre o reconhecimento de direitos constituídos pela união de facto [6].

     Esclarecido que a confirmação ou revisão não é necessária, deve determinar-se se é ou não possível — se a escritura pública pode ou não pode ser confirmada ou revista.

      O alcance do termo decisão relevante para efeitos do art. 978.º foi apreciado, designadamente, pelos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2013, no processo n.º 687/12.1YRLSB.S1, e de 25 de Junho de 2013, no processo n.º 623/12.5YRLSB.S1, concluindo-se em cada um dos acórdãos que abrange casos de “emissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo acto, ainda que de carácter meramente homologatório”, e casos em que não há exactamente uma emissão formal de vontade  — em que há, tão-só, “um acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido”.

     Ora a escritura declaratória de união estável prevista pela lei brasileira não faz com que o acto composto pelas declarações dos Requerentes seja “caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido” — com a consequência de que a escritura declaratória de união estável apresentada pelos Requerentes não pode ser confirmada / revista [7].

      Como se diz no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março de 2019, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins,


A declaração dos requerentes numa Escritura Pública Declaratória de União Estável, perante uma autoridade administrativa estrangeira (tabelião) de que vivem, como se casados fossem […], não deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 978º nº 1, do CPC, não podendo ser revista e confirmada para produzir efeitos em Portugal”.


III. — DECISÃO


   Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.

        Custas pelos Recorrentes AA e BB.



Lisboa, 9 de Maio de 2019


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

Paula Sá Fernandes

Maria dos Prazeres Beleza

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[1] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2013, no processo n.º 623/12.5YRLSB.S1: “III. — A decisão de uma autoridade administrativa estrangeira sobre direitos privados deve ser considerada como abrangida pela previsão do art. 1094.º, n.º 1, do CPC, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal.”

[2] Sobre a noção de enunciados assertivos ou constativos, vide Carlos Ferreira de Almeida, Texto e enunciado na teoria do negócio jurídico, vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, pág. 122.

[3] Sobre a noção de enunciados performativos, vide Carlos Ferreira de Almeida, Texto e enunciado na teoria do negócio jurídico, vol. I, cit., págs. 121-126.

[4] Em termos em tudo semelhantes, José Alberto dos Reis, Processos especiais, vol. II, cit., pág. 156.

[5] Cf. José Alberto dos Reis, Processos especiais, vol. II, cit., pág. 156.

[6] Cf. art. 2.º-A, n.º 1, da Lei n.º 7/2001, na redacção da Lei n.º 23/2010 — em princípio, a prova da união de facto pode ser feita “por qualquer meio legalmente admissível”.

[7] Cf. o acórdão do STJ de 28 de Fevereiro de 2019, no processo n.º 106/18.0YRCBR.S1, e os acórdãos do STJ de 21 de Março de 2019, nos processos n.º 559/18.6YRLSB.S1 e 925/18.7YRLSB-A.S1, relatados pelos Exmos. Senhores Conselheiros Ilídio Sacarrão Martins e Hélder Almeida, respectivamente.