Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B2690
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUÍS FONSECA
Descritores: FALSIDADE
FALSIDADE INTELECTUAL
INCIDENTES DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: SJ200310230026902
Data do Acordão: 10/23/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 2816/01
Data: 12/18/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I- A falsidade ideológica, também conhecida por falsidade intelectual, de um documento, consiste na desconformidade entre o que realmente se passou e o que se exarou no documento.
II- A arguição da falsidade de um documento pressupõe que haja indícios que o documento seja falso.
III- Sendo manifesto que o documento está conforme a realidade, não se deve dar seguimento ao incidente de falsidade.
IV- O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação (salvo os casos de conhecimento oficioso), transitando em julgado as questões nelas não contidas, e, por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores.
V- Nas causas julgadas com aplicação do Código de Processo Civil de 1961, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei nº 242/85, de 9 de Julho, não é admissível recurso para o S.T.J., no que respeita à organização da especificação e do questionário.
VI- Só a falta completa de fundamentação de facto e de direito é causa da nulidade da sentença ou acórdão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L propuseram acção especial de interdição por anomalia psíquica, contra M que também usa os nomes de ... e de ..., pedindo que seja decretada a interdição da requerida, fixando-se como data do início da incapacidade uma data não posterior a 1/1/1990, ou, caso assim não se entenda, que seja decretada a sua inabilidade a partir da mesma data.
Alegam para tanto que a arguida sofre de anomalia psíquica que a torna incapaz de reger a sua pessoa e bens.
Citada a arguida, pronunciou-se esta sobre a constituição do conselho de família e da pessoa a quem deveria ser deferida a sua tutela.
Nomeado o conselho de família, reuniu este, dando por maioria, parecer favorável ao pedido de interdição.
Procedeu-se ao interrogatório e exame da arguida, concluindo os peritos médicos pela capacidade daquela para reger a sua pessoa e bens, não devendo ser interditada por anomalia psíquica.
Os autores requereram então que a arguida fosse submetida a exame psiquiátrico em estabelecimento da especialidade, o que foi deferido, concluindo o relatório do referido exame (a fls. 204 e 205 dos autos) que a arguida é capaz de reger a sua pessoa e bens, não devendo ser interditada por anomalia psíquica.
Falecida a arguida em 31/1/99, foi requerido e prosseguiram os autos, tendo contestado o seu legal representante, impugnando os factos alegados na petição inicial, concluindo pela improcedência da acção.
Houve réplica dos autores.
Saneado e condensado, o processo seguiu seus termos, realizando-se a audiência de julgamento, tendo posteriormente sido junto (a fls. 474 e 475) um outro relatório clínico, relatado pela mesma Ex.ma Perita, no qual se conclui, como no anterior, isto é, não haver razão para determinar a interdição da arguida por anomalia psíquica.
Os autores arguiram então a falsidade dos relatórios médicos de fls. 204/205 e 474/475, o que foi indeferido por despacho de 19/6/01, tendo aqueles interposto recurso de agravo desta decisão, o qual foi admitido com subida diferida.
Foi proferida sentença onde se julgou a acção improcedente, não se decretando a interdição da arguida M, nem a sua inabilitação.
Os autores apelaram, tendo a Relação de Évora, por acórdão de 18 de Dezembro de 2002, negado provimento a ambos os recursos, confirmando as decisões recorridas.
Os autores interpuseram recurso de revista para este Tribunal, concluindo, assim, a sua alegação do recurso:
1- A arguida nasceu em 30/1/1916, pelo que fez 82 anos em 31/1/98, tendo o relatório de fls. 204 e 205 sido elaborado, necessariamente, depois de 16/1/98, uma vez que na identificação da examinanda (a arguida) lhe é atribuída a idade de 82 anos.
2- O relatório do "EXAME MÉDICO-LEGAL", de fls. 204 e 205 está datado de "SETÚBAL, 18.12.98".
3- A autora do relatório de fls. 204 e 205, datado de 18/12/98, declarou no seu depoimento na 4ª sessão da audiência de julgamento, em 5/2/01, que O EXAME É ANTERIOR À DATA DO RELATÓRIO, CERCA DE UM MÊS, "TALVEZ TENHA OCORRIDO EM NOVEMBRO DE 1998".
4- Mais declarou, então, a autora do relatório que O EXAME OBJECTIVO FOI FEITO EM SETÚBAL E OS EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÒSTICO REALIZARAM-SE EM LISBOA.
5- Como está provado nos autos e se refere nos 8 e 9 e suas alíneas das presentes alegações, os referidos exames complementares de diagnóstico foram requisitados em 18/2/98 e realizados no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, em 1 e 3/4/98, não constando dos autos em que data os resultados de tais exames chegaram ao conhecimento da autora do referido relatório.
6- A arguida foi internada no Lar da Quinta da Ponte em Montemor-o-Novo, em Maio de 1997 - COM TOTAL DESCONHECIMENTO DOS AA. E DO TRIBUNAL - E SÓ DE LÁ SAÍU, JÁ FALECIDA, EM 31/1/99, com excepção de um internamento de uma semana no Serviço Ortopédico do Hospital Distrital de Évora.
7- Este internamento da arguida, no referido Lar, está confessado pelo seu "representante legal", no requerimento que formulou, na acta de fls. 415 e 416, SENDO CERTO QUE NUNCA ANTES O MESMO FORNECEU TAIS ELEMENTOS NO PROCESSO.
8- No seu requerimento de fls. 458, o "representante legal" da arguida declarou que "só então" (em 27/8/98) a Drª N elaborou o Relatório de fls. 204 e 205, o que nunca foi alegado e é desmentido pelas declarações produzidas nos autos pela própria Drª N.
9- Acrescentou o referido "representante legal" que a arguida "APENAS ESTEVE UMA VEZ NA PRESENÇA DA DRª N, PRESENÇA QUE TEVE LUGAR EM "1997 (NOVEMBRO ?).
10- É assim evidente e insanável a contradição entre a versão sustentada pela arguida - através do seu representante legal - e todas as diversas versões apresentadas pela Drª N:
a) No relatório de fls. 204 e 205;
b) No seu depoimento de fls. 413, 434 e 505; e
c) No relatório clínico de fls. 474 e 475.
11- Também os ofícios de fls. 182 e 184, desmentem de forma irrebatível a versão referida do representante legal da arguida.
12- A deslocação da arguida a Setúbal, em 27/8/98, falsamente alegada a fls. 557, nº 5, teria sido comunicada oficialmente ao Tribunal, como foram as anteriores.
13- Estando assentes e provados os factos constantes das conclusões 1ª, 3ª, 4ª, 6ª e 7ª, é inexorável a conclusão de que o "EXAME MÉDICO LEGAL" a que respeita o relatório de fls. 204 e 205, NUNCA FOI FEITO, porque na data do mesmo constante (18/12/98) - e mesmo cerca de um mês antes, talvez em Novembro de 1998 - sempre teria sido impossível que a Dr.ª N tivesse examinado a arguida em Setúbal, PORQUE A MESMA SE ENCONTRAVA EM MONTEMOR-O-NOVO, DESDE MAIO DE 1998.
14- E impossível teria sido igualmente, concluir sobre o estado de saúde da arguida, nessa data, uma vez que, desde Maio de 1998 até falecer, em 31/1/99, a arguida nunca saiu do Lar com excepção do referido internamento em Évora) e nunca esteve na presença da Dr.ª N.
15- Quando a arguida esteve na presença da Dr.ª N, em 17/12/97 - única vez em que tal aconteceu - foi para se submeter ao "INÍCIO DE OBSERVAÇÃO", como atestam os ofícios de fls. 182 e 184, oportunidade em que foram julgados necessários os exames complementares de diagnóstico, referidos neste último ofício.
16- Sem os resultados desses exames complementares, não era possível, técnica nem cientificamente, examinar a doente e formular conclusões sobre o seu estado de saúde, designadamente mental e psíquico.
17- Tais exames complementares foram pedidos ao Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, em 18/12/98, como provam os ofícios de fls. 196 e 200, e marcados por este Hospital para os dias 1 e 3 de Abril de 1998, como provam os ofícios de fls. 190 e 191.
18- Assim, os resultados desses exames complementares de diagnóstico só podem ter sido conhecidos em data não determinada, mas necessariamente posterior a 1 e 3 de Abril de 1998, pelo que,
19- O EXAME MÉDICO-LEGAL (principal) SÓ PODERIA TER SIDO EFECTUADO A PARTIR DESSA DATA NÃO DETERMINADA, ALUDIDA NA CONCLUSÃO ANTERIOR.
20- E esse exame médico-legal teria também, por imposição legal, que ser feito com observação pessoal da doente depois de serem conhecidos os resultados dos exames complementares de diagnóstico.
21- Daí que, constitui impossibilidade total e absoluta, que o relatório de fls. 204 e 205 respeite ao exame que a arguida diz ter sido efectuado em 17/12/97, na presença da Dr.ª N, quando está provado que, nessa data, a referida perita julgou necessário que a arguida fosse submetida aos exames complementares de diagnóstico que vêm referidos e que foram efectuados em Abril do ano seguinte.
22- Das conclusões anteriores decorre, igualmente, que o "RELATÓRIO CLÍNICO" de fls. 474 e 475, datado de 26/3/01 e elaborado em Setúbal, pela mesma Drª N, está igualmente inquinado de falsidade ideológica, de forma indesmentível.
23- Na verdade, e para além das razões expostas pelos autores, no requerimento de fls. 552 e 554 - já que o exame não podia ser efectuado sem a presença da arguida - o relatório clínico de fls. 474 e 475 não poderia dispor de quaisquer elementos que pudessem fundamentar qualquer conclusão sobre o estado mental e psíquico da arguida, em 17/12/97, uma vez que, nessa data, a perita em causa, se limitou a "INICIAR A OBSERVAÇÃO" da arguida e a solicitar os exames complementares de diagnóstico.
24- De resto o relatório clínico de fls. 474 e 475, CONFESSADAMENTE, PELA SUA AUTORA, não relata qualquer EXAME, visto que, expressamente, afirma ter-se limitado a observar a arguida e nunca a EXAMINÁ-LA nessa ou em qualquer outra data.
25- De resto, como confessa o representante legal da arguida, a fls. 558, nº 12, "é evidente que não se trata de um relatório no verdadeiro sentido do termo", referindo-se ao documento de fls. 474 e 475.
26- Ora, no caso em apreço, a lei impõe que a arguida tivesse sido examinada nos termos previstos pelo art. 951º, nº 4 do CPC de 1961 que coincidem com a versão introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12/12.
27- Tal exame consiste na averiguação, feita por peritos, de factos que tenham deixado vestígios ou sejam susceptíveis de inspecção ou exame ocular em pessoas ou coisas móveis (art. 568º, nº 2 do CPC de 1961) - arts. 568º e segs. da redacção do DL 183/00, de 10/8.
28- Não existe na tramitação do processo qualquer justificação ou oportunidade para a apresentação do "relatório clínico" de fls. 474 e 475 - que "à socapa" se pretende fazer passar pelo exame médico-legal exigido pelo art. 951º, nº 4 do CPC.
29- Na verdade, o único exame médico-legal que a lei admite na fase do processo previsto na citada disposição legal é aquele a que se refere o relatório de fls. 204 e 205.
30- Tanto o relatório de fls. 204 e 205, como o de fls. 474 e 475, ESTÃO FERIDOS DE FALSIDADE IDEOLÒGICA, porque a sua comum autora ATESTOU NELES FACTOS, DOS QUE LHE COMPETIA ATESTAR, MAS QUE NUNCA TIVERAM LUGAR: o exame médico legal da arguida, de 18/12/98, em Setúbal (ou mesmo de Novembro de 1998, ou ainda de 17/12/97), como está provado pelos documentos juntos aos autos e identificados nas conclusões precedentes - ver art. 372º, nº 2 do Cód. Civil.
31- Os autores nunca arguiram a FALSIDADE MATERIAL (art. 376º, nº 1 do Cód. Civil e 360º do CPC de 1961) dos relatórios de fls. 204 e 205 e 474 e 475, mas ANTES E SÓ A SUA FALSIDADE IDEOLÓGICA (arts. 372º, nº 2 do Cód. Civil e 360º, nº 2 - actual art. 546º, nº 2 - do CPC).
32- O relatório clínico de fls. 474 e 475 não constitui, nem contém qualquer resposta - E MUITO MENOS A RESPOSTA RIGOROSA PEDIDA PELO TRIBUNAL, SOBRE A DATA EM QUE A DRª N EXAMINOU A DOENTE "objecto do relatório" de fls. 204 e 205 - única informação que o Mmº Juiz solicitou aos serviços de psiquiatria de S. Bernardo, em Setúbal.
33- A questão reiteradamente suscitada pelo Mm.º Juiz, nos termos referidos na conclusão anterior, NUNCA TEVE RESPOSTA, NEM QUALQUER EXPLICAÇÃO OU JUSTIFICAÇÃO DA MESMA.
34- À FALSIDADE IDEOLÓGICA arguida pelos autores são aplicáveis o nº 2 do art. 360º do CPC de 1961 (art. 546º, nº 2 da versão do DL 180/96) e o art. 372º, nº 2 do Cód. Civil, pelo que
35- O prazo para a arguição da falsidade nunca poderia ter tido início antes de 29.6.2001, com a notificação os autores das respostas ao questionário e do relatório clínico de fls. 474 e 475, PELO QUE O REQUERIMENTO DE FLS. 546 até 554 FOI APRESENTADO DENTRO DO PRAZO LEGAL.
36- Em 6/3/00, por carta registada expedida em 2/3/00, o Tribunal notificou os autores, na pessoa do advogado signatário, "para em 15 dias apresentar o ROL DE TESTEMUNHAS E REQUERER QUAISQUER OUTRAS PROVAS.
37- Os autores, em cumprimento de tal notificação, apresentaram em 20/3/00, o Rol de testemunhas e requerimento de provas, constante de fls. 261 a 265.
38- Os autores não foram notificados para requerer a gravação da audiência final nem a intervenção do Colectivo, nos termos previstos pelo art. 512º, nº 1 do CPC, na versão do DL nº 375-A/95, de 20/9.
39- Por isso, ainda se não iniciou o prazo oponível aos autores, para requerem tal gravação ou intervenção do colectivo.
40- O Tribunal Singular é incompetente, em razão da matéria, para efectuar o julgamento da presente acção, por força do disposto nos arts. 512º, nº 1, 522º-B e 646º do CPC, na versão introduzida pelo DL nº 375-A/99, de 20/9.
41- O Tribunal Singular, ao efectuar o julgamento da presente acção, conheceu de matéria que extravasa o âmbito da sua competência DECISÓRIA ou FUNCIONAL, em razão da matéria e, por isso,
42- Cometeu as nulidades previstas pelos arts. 658º, nº 1, al. d), 656º, nº 3 e 716º do CPC.
43- Igualmente, não qualificou a legalidade da prolação, em repetição, da sentença de fls. 513 a 528, de 2/4/01, pela sentença de fls. 606 a 623, de 25/6/01.
44- Deve, assim, ser declarado nulo o julgamento ao abrigo do disposto nos arts. 201º, nº 1, 668º, nos 1, al. d) e 3, 643º, nº 3 do CPC de 1961 - coincidente com a versão actual - no que respeita à violação da competência decisória e funcional do colectivo, com os legais efeitos.
45- O acórdão recorrido omitiu caracterizar a natureza jurídica do fundamento com base no qual o despacho de fls. 564, "DEU SEM EFEITO", a sentença proferida em 2/4/01.
46- Devem, igualmente, serem declaradas nulas ambas as sentenças identificadas na conclusão 43º.
47- Deve ser deferida a reclamação dos autores contra a especificação e questionário, constante de fls. 252, que foi indeferida por despacho de fls. 258, com violação do regime estabelecido pelos arts. 511º, 513º, 660º, 663º e 664º do CPC com os legais efeitos.
48- Os documentos de fls. 86, 147, 148, 180, 182, 184, 186, 190, 191, 196, 197, 203, 473, 338, 436, 467, 469, 473, devem ser declarados DOCUMENTOS AUTÊNTICOS, COM FORÇA PROBATÓRIA PLENA; e
49- Mesmo na hipótese de ser entendido que têm natureza de PARTICULARES, devem ser considerados com força probatória plena porque não foram impugnados nem arguidos de falsos.
50- Todos os documentos considerados autênticos ou particulares com força probatória plena, nas presentes alegações, não podem, quanto à sua força probatória, estar sujeitos à livre apreciação do Tribunal.
51- O Tribunal não apreciou, nem valorou criticamente, as provas produzidas, violando assim, os deveres que lhe são impostos pelos arts. 653º, nº 1, 264º e 265º, nº 3 do CPC e 349º e 351º do Cód. Civil.
52- O perito Dr. O foi médico particular da arguida em 1995 e a Dr. N foi, igualmente, médica particular da mesma, DURANTE E APÓS O REFERIDO ANO, pelo que carecia da posição de independência, isenção e "distanciamento" em relação aos interesses inerentes aos efeitos dos exames médicos a que procederam e a que correspondem os relatórios de fls. 155 e 156, 166 a 168, 204 e 205 e 474 e 475 (falsamente, no caso da Drª N).
53- Assim, a intervenção dos dois referidos peritos médicos está ferida da ilegalidade prevista nos arts. 571º e 122º, nº 1, al. c).
54- De qualquer forma, o perito médico Dr. O, afirmou no seu relatório de fls. 168, que os factos alegados pelos autores nos 24, 26 e 35 de fls. 5 verso, 6 e 8 verso e 9 e 10, SÃO VERDADEIROS, O QUE CONSTITUI MATÉRIA DO SEU CONHECIMENTO PESSOAL, ESPECIALMENTE QUALIFICADO ENQUANTO PSIQUIATRA QUE A ARGUIDA CONSULTOU DIVERSAS VEZES.
55- O Tribunal não tomou conhecimento nem valorou estes insuspeitos e valiosos meios de prova.
56- Os exames médicos a que respeitam os relatórios de fls. 155 e 156 e 166 a 171 não chegaram a uma conclusão segura, o que constitui o fundamento de facto que é pressuposto essencial do cabimento legal do exame médico-legal previsto pelo art. 951º, nº 4 do CPC.
57- Daí que os autores tenham requerido este exame, que foi ordenado pelos despachos de fls. 177, 178, 179 e 180, transitados em julgado, o que expressa a posição de concordância de ambas as partes com o conteúdo da conclusão anterior.
58- No contexto subjacente à necessidade do exame previsto pelo art. 951º, nº 4, este deve ser considerado como diligência ÚNICA, dependente do sentido das conclusões anteriores e a sua efectuação deve ser objecto de um rigoroso e escrupuloso acompanhamento pelo Tribunal, tanto em relação à nomeação e verificação da independência do perito designado, como a sua competência científica e a exigência do máximo rigor na execução de tal exame.
59- O Tribunal aceitou como perita a Drª N e tomou como exercício sábio, isento e experiente da sua perícia médica o teor meramente formal e infundamentado que a mesma expressou nos relatórios de fls. 204 e 205 e 474 e 475, INSANAVELMENTE CONTRADITÓRIOS COM O QUE AFIRMOU QUANDO INQUIRIDA na 4ª sessão da audiência de julgamento.
60- E persistiu nesse injustificado crédito de confiança à Drª N, mesmo depois de ter nos autos, prova segura - por depoimento do Dr. O - de que a mesma era médica particular da arguida quando aceitou ser perita para efectuar o exame previsto pelo art. 951º, nº 4 do CPC.
61- A informação que o Tribunal, por despacho constante de fls. 435, ordenou que fosse prestada pelo Director Coordenador de Psiquiatria Forense do Hospital de São Bernardo, de Setúbal, foi, APENAS, a de, "COM A BREVIDADE POSSÍVEL", fornecer a "DATA RIGOROSA EM QUE A DRª N EXAMINOU A DOENTE, OBJECTO DO RELATÓRIO" de fls. 204 e 205, NUNCA FOI PRESTADA.
62- O Tribunal não solicitou a elaboração nem o envio de qualquer "RELATÓRIO CLÍNICO" mas apenas a data referida na conclusão anterior e que, no seu depoimento na acta de fls. 434, apenas soube dizer que teria ocorrido em Novembro ou Dezembro de 1998.
63- Este relatório clínico de fls. 474 e 475, datado de 26/3/01, NÃO FORNECEU A RESPOSTA SOLICITADA PELO TRIBUNAL EM 19/2/01, A FLS. 435 e não tem qualquer cabimento na economia do processo.
64- Assim, a perita autora do relatório médico-legal de fls. 204 e 205 e os Serviços de Psiquiatria do Hospital de São Bernardo de Setúbal, continuam sem responder ao pedido da informação da "data rigorosa" em que foi efectuado o exame a que respeita o relatório de fls. 204 e 205, que lhes foi feito, em cumprimento do despacho exarado na acta de fls. 435.
65- Não existe, assim, nos autos, pronto e acabado, o relatório do exame médico-legal referido na alínea anterior.
66- O tribunal não teve em conta toda a prova documental constante dos autos, e de-, que a cuja correcta análise crítica e competente valoração, resulta provado que a arguida, a partir de data não posterior ao início de 1992, sofreu de anomalia psíquica - ESQUIZOFRENIA, PSICOSE PSICOGÉNICA E PSICOSE ALUCINATÓRIA DELIRANTE que a incapacitava, em absoluto, de governar a sua pessoa e bens.
67- O acórdão revidendum decidiu a improcedência da acção sem apreciar criticamente a prova pericial e documental existente nos autos e sem conhecer e fundamentar as questões suscitadas nas alegações dos recursos de fls. 647 a 651 e 693 a 700.
68- Para alcançar o resultado seguro referido na conclusão 66, foi ordenada a execução do exame previsto pelo art. 951º, nº 4 do CPC (entre os restantes meios de prova), QUE NUNCA FOI REALIZADO, SENDO A PERITA ENCARREGADA DE O EFECTUAR PESSOA COM LIGAÇÃO À ARGUIDA, DE QUEM ERA MÉDICA PARTICULAR - O QUE É ILEGAL.
69- O acórdão revidendum violou as normas sancionadas pelos arts. 646º, nos 1, 3 e 4, 544º e segs., 716º, 668º, nº 1, als. b) e d), 264º, 265º, nos 1 e 3, 266º, 650º, al. f), 653º, 655º, nos 1 e 2, 660º, nº 2, 951º, nº 4, 652º, nos 1 e 2, 266º, 266º-A, 511º, 158º, 512º, nº 1 (versão do DL 375-A/99), 522º-B, 535º, nº 2, 657º, 659º, 660º, nº 2, 513º, 664º, 666º, nº 3, 515º, 571º, 122º, 264º, 265º, nos 1 e 2 do CPC e 342º, 363º, 364º, 369º, 370º, 371º, 372º, 379º, 392º, 352º, 349º, 351º e 138º do Cód. Civil, 10º da LOFTJ e 205º da Constituição da República.
Termina, pedindo que:
a) Se anule o julgamento e se ordene que o Tribunal cumpra o disposto no art. 512º do CPC, na versão do DL nº 375-A/99 de 20/9, com os legais efeitos.
b) Quando assim se não entenda,
bb) se revogue o despacho de fls. 58 e se defira o requerimento dos autores de fls. 52, com os legais efeitos.
c) Se declarem nulas as sentenças proferidas a fls. 513 até 528 e 606 até 623, assim como o despacho de fls. 603 até 605 e o acórdão de fls. 738 e segs., com fundamento na violação das normas invocadas na conclusão 69º.
d) Deve este Tribunal conhecer do objecto da revista, ao abrigo do disposto nos arts. 726º e 715º do CPC e julgar a acção procedente por provada com os legais efeitos.
e) Quando assim não se entender deverá o processo baixar às instâncias nos termos previstos nos arts. 726º e 712º do CPC com os legais efeitos.
Contra alegou a recorrida, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Foi proferido o acórdão de 8/5/03, entendendo-se que nenhuma nulidade foi cometida no acórdão recorrido.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
As instâncias julgaram provados os seguintes factos:
1- A arguida é filha de D e de P, tendo nascido em 30 de Janeiro de 1916.
2- A arguida casou com Q, em 26 de Outubro de 1939.
3- Este casamento foi dissolvido por óbito do marido, ocorrido em 26/10/94.
4- A arguida e marido tiveram uma única filha, de nome Y', que faleceu no estado de divorciada, em 16/8/92.
5- A requerida não tem ascendentes vivos.
6- A requerida teve os seguintes irmãos já falecidos:
- Q, nascido em 1/3/1908;
- U, também conhecida por ..., nascida em 6/10/1910;
- C, nascido em 28/4/1912;
- M, nascida em 16/12/1914;
- R, nascido em 6/4/1920;
- S, nascido em 5/4/1899 (seu irmão uterino) e falecido em 5/3/1961, o qual deixou como seus herdeiros os filhos:
- T, nascido em 15/6/1937;
- S, nascido em 29/4/1939.
7- Os requerentes A e B são filhos do Q.
8- Os requerentes C, D e M são filhos de U.
9- Os requerentes F e G são filhos de C.
10- Os requerentes H, I e J são filhos de M.
11- A requerente L é filha de D.
12- A arguida nasceu no Monte da Seiceira, freguesia de Sines, e toda a sua vida decorreu no ambiente isolado dos "Montes" pertencentes aos prédios rústicos onde sempre viveu. Vivendo primeiro com os pais e depois com o marido, sendo no Monte de Vale Travesso, freguesia de Sines, em que há muitos anos tinha a sua habitação e residência.
13- A partir de 1989 a filha da requerida passou a sofrer de doença, a qual determinou o internamento hospitalar da doente em 1990 e lhe veio a causar a morte.
14- A arguida era portadora de arteriosclerose que implicava esquecimentos e troca de palavras, aqui e além, necessitando de ajuda para a sua higiene, vestuário e alimentação.
15- A arguida esteve internada no Hospital Júlio de Matos entre os dias 16/9/1966 e 16/11/1966.
16- Em alguns períodos da vida da arguida, designadamente na altura em que sua filha adoeceu e posteriormente ao seu falecimento, aquela tinha atitudes em que manifestava desconfiança, quer em relação a familiares, quer em relação a terceiros, que se traduziam no convencimento que todos a queriam enganar.
17- Consultou o Dr. V, médico em Grândola, simulando ser pobre para não pagar a consulta, uma vez que esse médico era uma pessoa de grande generosidade e quando cobrava as consultas, o fazia modicamente.
18- A arguida, em relação a alguns sobrinhos, designadamente ao C e ao H, imputava-lhes a intenção de lhe quererem fazer mal.
19- A doença da filha e o seu posterior falecimento causaram à arguida um profundo estado depressivo e de melancolia.
20- Em situações e momentos determinados, a arguida chegou a referir que tinha umas laranjas guardadas para o Dr. X, que as viria buscar.
21- A arguida disse a alguns dos seus sobrinhos que tinha visto a filha na televisão.
22- Em 3/4/1993 a requerida disse à sobrinha G que estava muito doente porque o marido a atirara ao chão e lhe partira a "espinha".
23- O marido da referida sobrinha levou-a ao médico - Dr. Z - em Sines, e pelo caminho, face à insistência com que a requerida se queixava de que tinha a "espinha" partida, disse-lhe que se acalmasse pois não tinha a "espinha partida", uma vez que, se fosse esse o caso, ela não conseguiria mexer-se e muito menos estar de pé e andar de pé.
Respondeu-lhe a requerida de pronto: "então tu agora já és médico".
24- Uma vez no consultório do Dr. Z, a requerida disse a este que ele tinha que mandar prender o marido porque ele lhe partira a espinha.
25- A arguida disse algumas vezes a familiares e a terceiros que a personagem da telenovela brasileira que via na televisão, intitulada "Barriga de Aluguer", era a sua filha.
26- A arguida referia-se algumas vezes a roubos de azeite que lhe tinham feito, imputando geralmente esses roubos ao sobrinho T.
27- A arguida era paciente do Dr. Y por quem foi consultada várias vezes.
28- O Dr. Y, na sequência de uma consulta que fez à arguida, ocorrida já após o falecimento da filha, por lhe ter detectado um profundo estado melancólico e depressivo, recomendou o seu internamento no Hospital Miguel Bombarda, onde efectivamente esteve três dias, com o fim de aí serem feitos exames diferenciados só possíveis em tal estabelecimento hospitalar.
29- A arguida, em momento indeterminado, chegou a ameaçar o sobrinho C com uma espingarda.
30- A arguida foi internada no Hospital de Santiago de Cacém, em 11/11/94, na sequência da sua sobrinha Y'', mulher do sobrinho H, ter ido ao Monte e ter visto a sua tia deitada na cama, toda vomitada, e, após ter sido assistida pelo Dr. Y''', saiu.
31- Em 16/12/94 esteve de novo internada no Hospital de Santiago de Cacém para fazer exames que foram recomendados pelo Dr. X', tendo saído do Hospital em 22/12/94.
32- O sobrinho da arguida, H, algum tempo após a morte do marido da D. M, sua tia, foi-a buscar a sua casa, sita no Monte do Vale Travesso, e levou-a para a sua residência, sita em Sines, na Azinhaga das Percebeiras, lote A-2ºD.
33- Algum tempo depois este referido sobrinho instalou a tia numa outra casa de rés-do-chão que possuía em Sines.
34- A irmã da arguida, de nome XX, foi interditada por decisão judicial de 11/10/1952.
35- A arguida tinha graves problemas auditivos que se agravaram ao longo do tempo, sendo praticamente surda nos últimos tempos da sua vida.
36- Sem prejuízo de algumas situações de conflito familiar, localizadas no tempo e dos períodos depressivos que passou aquando da doença e posterior falecimento da filha, a arguida tinha um bom relacionamento com a generalidade das pessoas.
37- A arguida, mesmo antes do falecimento da filha ter ocorrido, já padecia de psicose psicogénica, com sentido regressivo, estado que, nessa altura e devido a esse mesmo facto, se agravou e se demonstrava numa profunda depressão e melancolia.
38- A qual depois de diagnosticada e devidamente controlada clinicamente, quer pelas consultas a que se submeteu, quer pelos medicamentos tomados, estabilizou e deixou de se fazer sentir.
39- A arguida pouco mais sabia do que desenhar o seu nome e apenas sabia ler palavras escritas em letra de forma.
40- Dada a sua avançada idade, a arguida deixou de administrar os seus bens, tendo para o efeito outorgado procuração a favor do seu referido sobrinho, em casa de quem vivia, com poderes gerais de administração.
41- O facto descrito em 14, não foi causa de incapacidade de reger a sua pessoa e bens.
42- A arguida interveio desde 1990 em diversos instrumentos notariais, designadamente procurações, sem que alguma vez tenha sido posta em dúvida a sua capacidade de entender.
43- A arguida sempre foi acompanhada por médicos de várias especialidades, designadamente psiquiatria que nunca deixou de frequentar.
São as conclusões da alegação do recurso que delimitam o seu objecto - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C., devendo conhecer-se de todas as questões (desde que não prejudicadas pela solução dada a outras - cfr. nº 2 do art. 660º do mesmo Código) que elas abrangem, que não todos os argumentos que as fundamentam - cfr. acórdãos do S.T.J. de 2/11/82, de 25/3/86 e de 5/4/89, B.M.J. 322º- 315, 359º- 522 e 386º- 446, respectivamente.
As primeiras 35 conclusões respeitam ao incidente de falsidade dos relatórios clínicos de fls. 204 e 205 e de fls. 474 e 475, deduzido pelos ora requerentes, o qual foi indeferido por despacho de 1976/01 que veio a ser confirmado pelo acórdão recorrido.
Ao caso aplica-se o Código de Processo Civil de 1961, designadamente o seu art. 360º, ns.º 1 e 2.
O prazo geral para arguir a falsidade é o de 8 dias, a contar do conhecimento da junção ou, sendo superveniente, do conhecimento do vício.
No despacho proferido na 1ª instância entendeu-se e bem assim no acórdão recorrido que o incidente de arguição da falsidade do relatório de fls. 204 e 205 « é extemporâneo (ao contrário do que referem os requerentes na parte final do seu requerimento, a questão que agora se suscita foi logo enquadrada e definida, quer no requerimento, quer no despacho proferido na referida acta (refere-se à acta da audiência de julgamento de 5/2/01, fls. 413 a 417), pelo que o seu conhecimento tem esse alcance temporal), para além de que a presente pretensão é manifestamente dilatória, uma vez que o conteúdo desse relatório (de fls. 204 e 205) dependendo a sua força probatória da livre convicção do juiz, sobre ele as partes puderam apresentar os meios de prova que entenderam, o que efectivamente veio a acontecer, não fazendo o menor sentido arguir a sua falsidade material, devendo por isso ser rejeitada a presente pretensão incidental ...».
Que dizer ?
Na audiência de julgamento de 5/2/01, acta de fls. 413 a 417, os ora recorrentes informaram o Tribunal, além do mais, de que tiveram conhecimento de que a arguida estivera internada num lar em Montemor-o-Novo desde 27/5/98 até que faleceu em 31/1/99, e de que nunca de lá saíra, concluindo que esta situação põe em causa a validade do exame médico de fls. 204 e 205, datado de 18/12/98.
Pediram o depoimento dos gerentes e proprietários do Lar, pessoas que os tinham informado.
O Sr. Juiz, entendendo que, a ser verdadeira tal informação, o exame médico-psiquiátrico com observação da arguida, não se teria realizado na data mencionada, decidiu inquirir aquelas pessoas e o médico que assistiu a arguida enquanto esta permaneceu no Lar.
As referidas testemunhas foram inquiridas na audiência de julgamento de 19/2/01, acta de fls. 434 e 435, tendo o Sr. Juiz proferido o seguinte despacho, «Na sessão do passado dia 5 de Fevereiro do corrente ano, a Perita Médica Drª A' no decurso do seu depoimento e quando foi pelo ilustre mandatário dos autores interrogada sobre se o exame por si feito à D. M coincidia com a data que no mesmo consta, ou seja, 18 de Dezembro de 1998 (confrontar fls. 205), a mesma respondeu o seguinte «O exame é anterior cerca de um mês, talvez tenha ocorrido em Novembro de 1998. O exame objectivo realizou-se em Setúbal e os exames complementares de diagnóstico foram realizados em Lisboa.»
«Uma vez que pelos depoimentos hoje prestados por Z' e ZZ nenhum deles conseguiu precisar se no período em que a Srª M esteve internada no Lar Quinta da Ponte entre 27 de Maio de 1998 e 31 de Janeiro de 1999, data do seu falecimento, a mesma senhora teria saído do Lar para alguma consulta ou exame no Hospital de Setúbal, apenas se recordando que em data que não precisaram tal senhora esteve internada algum tempo no Hospital Distrital de Évora, fazendo referência aos ofícios de fls. 182 e 203 e enviando fotocópia dos mesmos e relatório que acompanha este último, oficie ao Hospital de S. Bernardo em Setúbal, Director Coordenador de Psiquiatria Forense, que com a brevidade possível informe este Tribunal da data rigorosa em que a Srª Drª N examinou a doente, objecto do relatório.»
«Notifique o Sr. Dr. B' para a seguinte morada: Lar da Quinta da Ponte-Apartado 277 - Montemor-o-Novo, convocando tal ilustre clínico para comparecer neste Tribunal no próximo dia 26 do corrente mês pelas 10 horas a fim de prestar depoimento relacionado com a que foi internada em tal Lar, D. M, razão pela qual deve ser advertido de que venha munido dos elementos que reporte úteis e importantes para o seu depoimento.
Notifique.»
O referido médico foi inquirido na audiência de julgamento de 26/2/01, acta de fls. 458 e segs., não tendo ficado transcrito o seu depoimento.
Em 29/3/01 deu entrada na Secretaria do T.J. da Comarca de Santiago de Cacém, um relatório clínico referente à arguida, subscrito pela Drª N em que esta informa que aquela foi observada no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, em 17/12/97 e, no mais, repetindo o que já havia escrito no relatório de fls. 204 e 205.
A arguição da falsidade de um documento pressupõe, como é evidente, que haja indícios que o documento seja falso (isto é, que represente algo diverso da realidade, do que realmente se passou).
A falsidade ideológica, também conhecida por falsidade intelectual, consiste exactamente na desconformidade entre o que realmente se passou e o que se exarou no documento - cfr. Prof. Lebre de Freitas, «A FALSIDADE NO DIREITO PROBATÓRIO», págs. 46 e 47.
A argumentação dos recorrentes para arguirem a falsidade assenta no facto de não ter sido realizado exame à arguida, nomeadamente em 17/12/97 ou qualquer outra data.
Porém, é manifesto que tal exame foi realizado, como se constata do relatório do exame-médico legal de fls. 204 e 205, sendo o relatório clínico de fls. 474 e 475, praticamente uma repetição do que se disse no 1º relatório.
Com efeito, a Ex.ma Perita fez a história dos antecedentes familiares e pessoais, observou a examinanda em 17/12/97, como se verifica do ofício de fls. 184, subscrito pelo médico Coordenador da Psiquiatria Forense do Hospital Distrital de Setúbal (em cujo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental se realizou tal perícia médico-legal), e do relatório clínico de fls. 474 e 475 que confirma tal data.
Tal observação equivale ao exame objectivo da examinanda, atestando a Ex.ma Perita que a examinanda «encontrava-se lúcida, orientada no tempo e no espaço, auto e alopsiquicamente, discurso espontâneo, coerente, contacto sintónico, não se apurando alterações da percepção ou do conteúdo do pensamento. Atitude colaborante, humor deprimido. Sem ideias suicidas ou heteroagressivas. Capacidade de abstracção mantida, tal como a atenção e concentração. Inteligência dentro da média esperada para o seu nível de instrução, social e cultural.»
Para completar o diagnóstico, a Ex.ma Perita requisitou exames complementares de diagnóstico (EEG, exame por especialista de Medicina Interna e exames psicológicos) e, realizados estes, elaborou o relatório, datado de 18/12/98 (provavelmente a data em que foi dactilografado).
Como se refere no acórdão recorrido, «O exame foi feito, desde logo, naquilo que seria possível fazê-lo. Pretender retirar uma conclusão contrária baseado numa expressão "observada" não pode ter qualquer sentido. Precisamente por ter sido examinada é que se pedem exames complementares! Para que o relatório fosse completo, quanto ao estado de saúde mental da paciente, é que houve necessidade de proceder aos mencionados exames complementares. Recebidos estes, elabora-se o Relatório sem novas "observações"...»
Os casos em que se nega seguimento ao incidente estão descritos no art. 363º do Código de 1961, aplicável.
Mas, como entende o Cons. Rodrigues Bastos, "Notas ao Código de Processo Civil", Vol. II, pág. 193, «Além dos casos mencionados neste artigo deve negar-se seguimento ao incidente sempre que se mostre, por qualquer outra razão, que a pretensão do arguente não pode proceder...».
Neste caso é tão evidente a conformidade dos relatórios com a realidade, com o que realmente se passou, que a arguição da falsidade só pode ser entendida como um expediente meramente dilatório, tendente a protelar e complicar a marcha do processo.
Assim, como se decidiu, nega-se seguimento ao incidente.
As conclusões 36 a 42 e 44 respeitam ao facto do Tribunal de 1ª instância não ter notificado as partes para requererem a gravação da audiência final ou a intervenção do colectivo, conforme determina o art. 512º, nº 1, na redacção do art. 1º do DL nº 375-A/99, de 20/9.
Trata-se de uma omissão que pode influir na decisão da causa, constituindo a nulidade prevista no art. 201, nº 1 do C.P.C.
Porém os recorrentes não arguiram atempadamente tal nulidade (pelo que a mesma ficou sanada) e não requereram a intervenção do tribunal colectivo - cfr. art. 646º, nº 1 do C.P.C. na redacção do art. 1º do Dec-Lei nº 375-A/99 de 20 de Setembro, aplicável ao caso por força do disposto no art. 8º do referido Diploma Legal.
Assim, atento o disposto no nº 5 do art. 646º citado, o julgamento da matéria de facto incumbe ao juiz que deveria presidir ao tribunal colectivo, se a sua intervenção tivesse lugar.
Portanto, a intervenção do juiz singular na audiência de julgamento foi conforme a lei aplicável.
Aliás, os recorrentes estiveram presentes, através do seu Ex. mo Mandatário, em todas as sessões da audiência de julgamento presidida por juiz singular, nunca tendo suscitado a questão da incompetência do tribunal singular.
As conclusões 43, 45 e 46 respeitam a uma questão que não foi suscitada nas conclusões da alegação do recurso de apelação.
Ora, vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência, de forma pacífica, que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação (salvo os casos de conhecimento oficioso), transitando em julgado as questões nelas não contidas, e por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores (além de Alberto dos Reis, ver Castro Mendes, "Recursos", ed. da AAFDL, 1980, pág. 28, Armindo Ribeiro Mendes, "Direito Processual Civil, Vol. III, e, entre outros, acórdãos do S.T.J. de 29/4/92, de 24/3/92, de 10/12/91, de 2/7/91, de 14/12/91 e de 31/1/91, B.M.J. nos 416-612, 415-547, 412-660, 409-690, 404-364 e 403-382, respectivamente.
Assim, nem a Relação nem este Tribunal podiam conhecer de tal questão.
A conclusão 47 respeita à reclamação dos recorrentes contra a especificação e o questionário.
Porém, o acórdão do S.T.J. nº 4/99, de 14/4/99, publicado no Diário da República I-A Série, de 17 de Julho de 1999, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: «Nas causas julgadas com aplicação do Código de Processo Civil de 1961, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pelo que respeita à organização da especificação e questionário.»
Já o Prof. Alberto dos Reis entendia que «tratando-se de saber se a questão de facto está ou não bem condensada e focada no questionário, é aos tribunais de instância que interessa o problema» (Alberto dos Reis, Anotado, III Vol., pág. 231., citado neste acórdão).
Aliás, o art. 729º, nº 2 do C.P.C. é expresso no sentido da decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não poder ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 2 do art. 722º (que se não verifica).
E os factos relevantes para a decisão da acção foram especificados e quesitados, não havendo razão para ampliar a matéria de facto.
Portanto, o decidido no acórdão recorrido quanto à reclamação contra a especificação e o questionário, não pode ser alterado.
As conclusões 48 a 50 versam questões que não foram suscitadas nas conclusões da alegação do recurso de apelação.
Por isso e pelas razões já acima indicadas, não pode este Tribunal conhecer delas.
De qualquer forma os documentos juntos ao processo não infirmam os factos julgados provados nem o relatório do exame médico-legal onde se refere que «A evolução da sintomatologia foi favorável, com remissão do episódio psicótico, tendo a D. M recuperado as suas capacidades de contacto com o real e de realização de tarefas cognitivas mais elaboradas. As ideias delirantes persecutórias cessaram e o humor estabilizou.»
A conclusão 51 respeita à incorrecta valoração pelo Tribunal das provas produzidas.
Porém, como vem sido entendido pela jurisprudência, o Supremo tem de acatar não só os factos tidos por assentes nas instâncias, como as ilações da matéria de facto - cfr. acórdãos do S.T.J. de 14/6/78 e de 20/9/94, B.M.J. nos 278-178 e 439- 538.
A Relação é a instância final da fixação da matéria de facto.
As conclusões 52 e 53 referem-se ao facto do Dr. O e a Drª N terem sido médicos particulares da arguida, pelo que careciam de independência, isenção e "distanciamento" em relação aos interesses em jogo, estando a sua intervenção ferida de ilegalidade.
Porém, os recorrentes não recusaram os peritos na 1ª instância aquando da sua nomeação nem após o eventual conhecimento superveniente da situação, razão porque não podem agora vir invocar tal impedimento.
As conclusões 54 e 55 respeitam a afirmações feitas pelo médico Dr. O no seu relatório de fls. 168, que os factos alegados pelos autores nos nos 24, 26 e 35 de fls. 5 verso, 6 a 8 verso e 9 e 10, são verdadeiros.
Como já se referiu, o Supremo tem de acatar os factos tidos por assentes pelas instâncias.
Todavia, sempre se refere que no relatório do médico Dr. O, embora reconheça a realidade do afirmado nos 24, 26 e 35 da petição inicial, na medida em que diz, « se é verdade que no passado a arguida teve "atitudes, reacções e comportamentos do tipo dos referidos nos 24, 26 e 35 da petição inicial ... em momentos de descompensação psicótica aguda», acrescenta «também é verdade que ela, no presente, não apresenta sintomatologia produtiva psicótica, está lúcida, vigil, bem orientada, sem alterações de memória, de atenção ou de concentração, sem deterioração da personalidade e com juízo crítico preservado, de tal forma que se deverá considerar uma pessoa "normal" no que respeita à sua capacidade para gerir sua pessoa e bens e o seu estado mental, nesse sentido, "é igual ao de uma pessoa que não tenha tido antecedentes psiquiátricos".
Os antecedentes patológicos de qualquer pessoa existem sempre, por definição, enquanto antecedentes, são um dado da realidade, existiram mas são passado, não são presente, isto é, uma coisa é o passado (os antecedentes) outra coisa é o presente (o estado clínico actual).
Como disse, a evolução clínica posterior da arguida infirma o diagnóstico (provisório) de esquizofrenia certamente bem colocado em devido tempo, mas os vários episódios de psicose de que padeceu não deixaram sequelas que interfiram com a sua capacidade de reger devidamente a sua pessoa e bens.»
As conclusões 56 a 60 respeitam ao facto dos relatórios de fls. 155 e 156 e 166 a 171 não terem chegado a uma conclusão segura, daí que tenha sido solicitado novo exame que deve ser objecto de rigoroso acompanhamento pelo Tribunal, o qual aceitou como Perita a Drª N, «e tomou como exercício sábio, isento e experiente da sua perícia médica o teor meramente formal e infundamentado que a mesma expressou nos relatórios de fls. 204 e 205 e 474 e 475, insanavelmente contraditórios com o que afirmou quando inquirida na 4ª sessão da audiência de julgamento ...», «tendo persistido «nesse injustificado crédito de confiança à Drª N, mesmo depois de ter nos autos prova segura - por depoimento do Dr. O - de que a mesma era médica particular da arguida quando aceitou ser perita...»
Que dizer ?
No relatório elaborado no 1º exame pericial - cfr. doc. de fls. 155 e 156, conclui-se pela capacidade da arguida de reger a sua pessoa e bens, pelo que não deverá ser interditada por anomalia psíquica.
Todavia, por decisão transitada em julgado, decidiu-se pela realização de novo exame em clínica da especialidade, no qual se chegou às mesmas conclusões do anterior, isto é, que a arguida não deve ser interditada, sendo capaz de reger a sua pessoa e bens.
Os recorrentes, como já se referiu, não recusaram no momento próprio, a Drª N, como perita, e, aliás, não consta dos autos, dado que os depoimentos não foram gravados, qualquer alusão ao facto, afirmado pelos recorrentes, da Drª N ter sido médica particular da arguida.
Também não há prova de ter havido contradição entre o afirmado pela Drª N na audiência de julgamento e o que consta dos relatórios clínicos por si elaborados.
Estes revelam que a Drª N observou (ou examinou) a arguida e demonstram suficientemente a capacidade desta de reger a sua pessoa e bens.
Não havendo razão para duvidar da idoneidade e competência profissional da Ex.ma Perita.
As conclusões 61 a 65 respeitam ao facto de não ter sido pedido o relatório clínico de fls. 474 e 475 e de não ter sido prestada informação sobre a data em que a Drª N examinou a arguida, não estando concluído o relatório do exame médico-legal.
Efectivamente não foi pedido o relatório de fls. 474 e 475, o qual, aliás, nada acrescenta de novo ao relatório de fls. 204 e 205, sendo portanto irrelevante.
Porém, como já acima se demonstrou, o exame (ou observação, como lhe queiram chamar), feito à arguida pela Drª N, foi efectuado em 17/12/97, estando completo o relatório do exame médico-legal.
A conclusão 66 respeita ao facto do Tribunal não ter tomado em conta toda a prova documental e de não a ter valorado correctamente, apontando tal prova para um estado de doença psíquica da arguida que, a partir de data não posterior ao início de 1992, a incapacitava em absoluto de reger a sua pessoa e bens.
Como já se referiu, a Relação é a instância final da fixação da matéria de facto.
As instâncias apreciaram o conjunto da prova documental e testemunhal produzida e concluíram pela falta de fundamento do pedido de interdição da arguida, entendendo que esta era capaz de reger a sua pessoa e bens.
Não há razões válidas para censurar a decisão das instâncias.
Aliás, as respostas da arguida ao interrogatório do juiz revelam que a mesma estava lúcida e com um discurso coerente, tendo todos os peritos médicos que a observaram entendido que a mesma não devia ser interditada e que estava apta a gerir a sua pessoa e bens.
Na conclusão 67 repete-se que, no acórdão recorrido, não se apreciou criticamente a prova pericial e documental, acrescentando-se que não conheceu nem fundamentou as questões suscitadas nas alegações dos recursos.
As questões suscitadas nos recursos interpostos para a Relação foram conhecidas e fundamentadas, sendo certo que uma questão não se deve confundir com os argumentos apresentados pelas partes em favor da sua posição e só «a total omissão dos fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão» é causa de nulidade da sentença - cfr. Cons. Rodrigues Bastos, "Notas ao Código de Processo Civil", Vol. II, pág. 246.
Na conclusão 68 volta-se a insistir que o exame previsto no art. 951º, nº 4 do C.P.C. nunca foi realizado, sendo a perita encarregada de o efectuar, pessoa com ligação à arguida, de quem era médica particular - o que é ilegal.
A tal questão já foi anteriormente respondido.
Na conclusão 69 indicam-se inúmeros preceitos legais que, no entender dos recorrentes, for violados.
Porém, pelo que já se demonstrou, com a improcedência das outras conclusões, a decisão recorrida deve ser confirmada.
Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 23 de Outubro de 2003
Luís Fonseca
Lucas Coelho
Santos Bernardino