Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
299/17.3TXEVR-G.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: HABEAS CORPUS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL
PENA DE PRISÃO
CUMPRIMENTO DE PENA
LIBERDADE CONDICIONAL
PENA ACESSÓRIA
PENA DE EXPULSÃO
EXTINÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 07/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão:
IMPROCEDÊNCIA/NÃO DECRETAMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / MODOS DE IMPUGNAÇÃO / HABEAS CORPUS EM VIRTUDE DE PRISÃO ILEGAL.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / LIBERDADE CONDICIONAL.
Doutrina:
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508;
- Joaquim Boavida, A Flexibilização da Prisão, Almedina, 2018, p. 235-241;
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343-344;
- Maia Costa, Código de Processo Penal comentado, Henriques Gaspar et alii, 2.ª ed., Almedina, 2016.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 222.º, N.º 2, ALÍNEA C).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 61.º, N.º 4.
CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE (CEPMPL): - ARTIGOS 138.º, N.º 4, ALÍNEA E) E 188.º-A.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 27.º, 28.º, 31.º E 32.º, N.º 1.
ENTRADA, PERMANÊNCIA, SAÍDA E AFASTAMENTO DE ESTRANGEIROS DO TERRITÓRIO NACIONAL, LEI N.º 23/2007, DE 04 DE JULHO: - ARTIGO 159.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 09-01-2019, PROCESSO N.º 589/15.0JALRA-D.S1, IN SASTJ, SECÇÃO CRIMINAL, JANEIRO 2019, WWW.STJ.PT;
- DE 28-02-2019, PROCESSO N.º 2058/17.4TXLSB-C.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-05-2019, PROCESSO N.º 1206/17.9S6LSB-C.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. O habeas corpus, constitucionalmente consagrado como direito fundamental contra o abuso de poder, traduz-se processualmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegais, independente do direito ao recurso enquanto garantia do direito de defesa em processo penal (artigos 31.º e 32.º, n.º 1, da Constituição), sendo uma garantia privilegiada do direito à liberdade garantido nos artigos 27.º e 28.º da lei fundamental.
II. No âmbito da providência de habeas corpus, o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode e deve verificar se a prisão resultou de uma decisão judicial, se a privação da liberdade foi motivada pela prática de um facto que a admite e se foram respeitados os respectivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (artigo 222.º, n.º 2, do CPP).

III. Orientada para a ressocialização do condenado, a execução da pena de prisão é acompanhada pelo tribunal de execução das penas através de um processo individual de liberdade condicional, no âmbito do qual é concedida a liberdade condicional e executada a pena acessória de expulsão.

IV. Sendo aplicada a pena acessória de expulsão a um cidadão estrangeiro condenado em pena de prisão superior a 5 anos, o juiz de execução das penas, cumpridos dois terços da pena de prisão, deve ordenar a execução daquela pena de expulsão (artigo 188.º-A do CEPMPL), a qual, na intenção do legislador, visa a realização de objectivos de reinserção, idênticos aos prosseguidos pela concessão da liberdade condicional (em território nacional).

V. A execução da pena acessória de expulsão integra-se no processo de execução da pena principal de prisão; inicia-se com a decisão obrigatória do juiz de execução das penas e termina com a entrega da pessoa no país de destino, competindo ao SEF (artigo 159.º da Lei n.º 23/2007) dar execução à decisão judicial que a determina.

VI. A pena (principal) de prisão em execução mantém-se, com a duração fixada na sentença condenatória, durante os procedimentos necessários à execução da pena acessória, até ser declarada extinta depois e em virtude de o condenado ser enviado e recebido no país de destino (artigo 138.º, n.º 4, al. e), do CEPMPL), sem prejuízo da concessão obrigatória da liberdade condicional nos termos previstos no artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal.

VII. A lei apenas impõe que o juiz ordene a execução da pena acessória logo que cumprido o tempo de prisão legalmente previsto, o que não significa que a execução dessa pena, isto é, a expulsão, deva ter lugar nessa data; a decisão do juiz não produz, por si mesma, qualquer efeito que juridicamente se projecte na execução da pena principal, pelo que, estando o condenado na situação de reclusão em cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, nessa situação deverá continuar até que se mostrem concluídos os procedimentos de entrega do condenado ao país de destino, através do SEF.

VIII. O período de tempo a considerar para efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP é, nestes casos, o correspondente à duração da pena de prisão aplicada na sentença condenatória.

IX. A não determinação de execução da pena de expulsão nos termos do artigo 188.º-A do CEPMPL pelo facto de o condenado dever ser julgado noutro processo não constitui fundamento de habeas corpus.

Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA, com identificação nos autos, preso em cumprimento de pena, apresenta petição de habeas corpus, subscrita pelo seu advogado, com fundamento no artigo 222.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal (CPP), nos seguintes termos (transcrição):

«1. No âmbito do processo n.º 235/14.9JELSB do Juízo Central Criminal de Portimão, foi o peticionante condenado numa pena de 7 anos e 6 meses de prisão efetiva que se encontra a cumprir.

2.    Foi ainda condenado na pena acessória de expulsão pelo período de 5 anos.

3.    Dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 188.º-A do CEPMPL o seguinte:

1 - Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução logo que:

b. Cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontrem cumpridos dois terços das penas.

4.    O peticionante cumpriu os dois terços da pena em que foi condenado no dia 16.07.2019, o que aliás foi fixado no despacho judicial de 10.04.2019 do TEP de Évora.

5.    Acontece que o Sr. Dr. Juiz do TEP de Évora não ordenou a execução da pena expulsão no dia 16.07.2019.

6.    Entende, para tanto, que não se encontra estabilizada a situação jurídico-penal do peticionante, pois tem ainda pendente contra si o processo n.º 806/15.5JDLSB, com início de julgamento agendado para novembro deste ano, razão pela qual não pode ser executada a pena acessória de expulsão.

7.    Ora, não obstante o peticionante ter outro julgamento marcado para novembro deste ano, o certo é que não foi condenado, muito menos julgado, pelo que não tem condenações pendentes para que se possa falar numa questão de penas sucessivas ou de cúmulo jurídico neste momento.

8.    Por outro lado, importa ter em conta que o facto de o arguido ainda não ter sido julgado no processo n.º 806/15.5JDLSB se deve a total inércia do tribunal onde corre termos.

9.    O processo 806/15 remonta a factos ocorridos no ano de 2015, tendo o arguido prestado declarações em 27.03.2018.

10.  Foi agendado julgamento para junho deste ano sem que o arguido (preso desde que chegou a Portugal) tivesse sido notificado da acusação, o que determinou o reagendamento da audiência de julgamento para o próximo mês de novembro.

11.  É flagrante que a demora na realização do julgamento no processo 806/15 não é imputável ao arguido, pelo que não pode o mesmo ser responsabilizado por tal pendência.

12.  A não execução da pena acessória de expulsão com base no facto da situação jurídico-processual do peticionante estar ainda indefinida viola o princípio da presunção de inocência.

13.  Seguindo o raciocínio do Sr. Juiz do TEP de Évora, também não seria concedida a liberdade condicional obrigatória ao condenado nacional, decorridos os 5/6 da pena cumprida, encontrando-se pendente o início de um julgamento no âmbito de um outro processo. O que a nossa legislação penal não aceita!

14.  Como refere o Dr. Juiz Desembargador Joaquim Boavida [A Flexibilização da Pena de Prisão, Almedina, 2018, p. 225/226]:

a. A liberdade condicional não é aplicável ao recluso condenado em pena acessória de expulsão do território nacional exequível.

O recluso de nacionalidade estrangeira, condenado nessa pena acessória, beneficia de uma forma específica de libertação antecipada relativamente ao termo do cumprimento da pena de prisão, que é a execução da pena acessória de expulsão. (...)

A execução da pena acessória de expulsão apenas depende do preenchimento de um único pressuposto formal, traduzido no cumprimento da mencionada parte substancial da pena (...)

Preenchido o requisito objetivo do cumprimento de metade ou de dois terços da pena, consoante a dimensão desta, a execução da pena acessória é obrigatória e deve ser ordenada pelo juiz do tribunal de execução de pena.

(...)

Também não se apura se estão ou não preenchidos os pressupostos materiais da liberdade condicional, pois, verifiquem-se ou não, é obrigatória a execução da referida pena acessória.

15.  Neste momento, o peticionante já alcançou o pressuposto formal dos 2/3 no dia 16 de julho de 2019, pelo que é obrigatória a sua libertação antecipada, expulsão e extinção da pena.

16.  Neste momento, a expulsão é exequível, pois está determinada a identidade do peticionante – o que, a contrario, invalidaria a execução da pena de expulsão 2 – e estão a ser feitas diligências pelo SEF e EP no sentido de se emitir o necessário documento de viagem para os EUA.

17.  Salvo o devido respeito por outra posição, estavam reunidas as condições para que o peticionante fosse colocado à ordem do SEF para expulsão no dia 16.07.2019.

18.  O facto de o peticionante ter ainda processo pendente de julgamento – sem que, até à data, se saiba o seu desfecho – não constitui   impedimento   formal   –   pois   apenas   é   exigido   o cumprimento de 2/3 da pena – ou material – porque não se aplicam – à execução da pena de expulsão.

19.  Do exposto, há que concluir que o peticionante se mostra ilegalmente preso desde o dia 16.07.2019, razão pela qual deverá ser restituído imediatamente à liberdade.

20.  Vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 09.07.2014, no âmbito do processo n.º 37/14.2YFLSB.S1 (disponível em www.dgsi.pt) que nos diz o seguinte: “Apenas no caso de se tratar de uma pena acessória de expulsão, apenas neste caso, uma vez atingida a metade da pena ou os 2/3 (consoante os casos) é que haverá libertação imediata e, subsequentemente, expulsão do território nacional; e somente nesta situação, passado aquele período de tempo mantendo-se o condenado na prisão sem que tenha sido expulso, é que teríamos um caso de prisão ilegal.”

Nestes termos e nos melhores de direito deverá a presente providência de habeas corpus ser julgada procedente e, em consequência, ordenar-se a libertação imediata e a expulsão do território nacional do peticionante.»

2. Da informação prestada pelo Senhor Juiz do processo no tribunal de execução das penas, a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sobre as condições em que foi efectuada e se mantém a prisão, consta o seguinte (transcrição):

«- O recluso AA – que antes se identificou como BB –, encontra-se privado da liberdade desde 16/07/2014, em cumprimento da pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, a qual lhe foi aplicada no processo n.º 235/14.9JELSB do Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 3, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, onde igualmente lhe foi aplicada a pena acessória de expulsão do território nacional, pelo período de 5 (cinco) anos;

- Procedeu-se à liquidação da pena, a qual foi realizada nos seguintes termos: meio em 16/04/2018, 2/3 em 16/07/2019, 5/6 em 16/10/2020 e termo em 16/01/2022;

- No dia 28.06.2018 foram apreciados os pressupostos da liberdade condicional (ao meio da pena), tendo-se entendido que os mesmos não se encontravam reunidos, motivo pelo qual não foi concedida a liberdade condicional a AA, o qual se mantém recluso, em cumprimento de pena supra referida;

- No dia 1.07.2019 (fls. 233 a 237 - ref.: 397665) veio o recluso requer, ao abrigo da b), do n.º 1, do artigo 188º-A do CEPMPL e face à proximidade dos 2/3 da pena, que fosse ordenada a execução da pena acessória de expulsão no dia 16.07.2019, o que foi indeferido por despacho proferido no dia 5.07.2019 (ref.: 1751315), por se ter entendido que «(…) o recluso tem ainda pendente contra si o processo nº 806/15.5JDLSB, em que é acusado da prática de um crime de falsificação e documento e de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, pelo que não se encontrando estabilizada a sua situação jurídico-penal a pena acessória de expulsão não pode ser executada.(...)».

3. O processo encontra-se instruído com certidão de documentação dos seguintes actos relevantes do processo de liberdade condicional do Tribunal de Execução das Penas de Évora:

(a) Acórdão condenatório de 27.07.2015 que aplicou ao peticionante a pena de 9 anos de prisão e a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 anos, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 4, e 24.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;

(b) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.11.2016 que, concedendo provimento parcial ao recurso do arguido, reduziu para 7 anos e 6 meses a pena de prisão aplicada;

(c) Indicação das datas calculadas para o termo da pena e para concessão da liberdade condicional (liquidação da pena) e respectiva homologação;

(d) Decisão do TEP de 28.06.2018 que, cumprida metade da pena, negou a concessão da liberdade condicional;

(e) Relatório do processo de liberdade condicional (renovação da instância), de 09.04.2019;

(f) Ficha biográfica do peticionante com indicação da sua «situação jurídico penal»;

(g) Mensagem de correio electrónico do Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz dirigida ao juiz do processo, de 17.04.2019, informando que «este EP solicitou junto do consulado dos E.U.A., requerimento com vista à emissão da documentação de viagem necessária – passaporte (ou salvo conduto) para a execução da pena acessória de expulsão, aguardando-se resposta».

(h) Certificado do registo criminal;

(i) Ofício de 26.04.2019 do Juízo Local Criminal de Lisboa dirigido ao juiz do TEP, informando que no processo 806/15.6JDLSB foram designadas para julgamento as datas de 14.06.2019 e de 19.06.2019;

(j) Despacho de 21.05.2019 do juiz de execução das penas pelo qual foi ordenado (1) que fosse prestada informação ao processo 806/15.6JDLSB de que «a execução da pena acessória de expulsão está dependente da decisão a proferir no (…) processo 806/15.6JDLSB, pois caso venha a ser condenado em pena de prisão efectiva será necessariamente alterada a data de expulsão» e (2) que fosse informado o EP e o SEF de que «a situação jurídico-penal do recluso não se encontra estabilizada, sendo que a execução da pena acessória de expulsão se encontra dependente da decisão a proferir no processo 806/15.6JDLSB.»

(k) Despacho de acusação do Ministério Público, de 17.07.2018, proferido no processo 806/15.6JDLSB, em que é imputada ao peticionante a prática de um crime de falsificação de documento e de um crime de falsidade de documento ou declaração, p. e p., pelos artigos 256.º, n.º 1, al. f), e n.º 3, e 359.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, respectivamente;

(l) Requerimento do peticionante dirigido ao juiz de execução das penas, apresentado em 01.07.2019, em que, alegando estarem reunidas as condições para ser colocado à ordem do SEF para expulsão no dia 16.07.2019, requeria que fosse «determinada a execução da expulsão no dia 16.07.2019» e que o SEF fosse «avisado para que possa tratar com a devida antecedência dos procedimentos necessários»;

(m) Despacho do juiz de execução das penas, de 05.07.2019, que indeferiu o requerido pelo peticionante em 01.07.2019, ordenando que o processo continuasse a aguardar até à realização do julgamento no processo 806/15.6JDLSB, com referência à nova data, de 27.11.2019, designada para o efeito, e que, nada sendo comunicado até final de Dezembro de 2019, seja solicitada informação actualizada a esse processo.

4. O despacho de indeferimento anteriormente referido em 3.(m) encontra-se assim fundamentado:

«Conforme tivemos oportunidade de explanar no despacho de fls. 201-202, o recluso foi condenado no processo à ordem (processo n.º 235/14.9JELSB) na pena principal de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, bem como na pena acessória de expulsão pelo período de 5 (cinco) anos, sendo que nessas situações há lugar à execução da pena acessória de expulsão quando cumpridos 2/3 da pena principal, o que se prevê que venha a ocorrer em 16 de Julho de 2019.

Contudo, conforme também já tivemos oportunidade de explanar no despacho de fls. 228, o recluso tem ainda pendente contra si o processo 806/15.6JDLSB, em que é acusado da prática de um crime de falsificação de documento de documento e de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, pelo que não se encontrando estabilizada a sua situação jurídico-processual, a pena acessória de expulsão não pode ser executada.

Tal solução é de compreensão evidente, por diversas razões:

- Caso o recluso fosse expulso antes de julgado no processo n.º 806/15.6JDLSB, a exequibilidade da pena a que viesse a ser condenado estaria colocada em causa (obviamente sem prejuízo da presunção de inocência de que beneficia em tal processo);

- Caso venha a ser condenado em tal processo, a actual data dos 2/3 da pena torna-se irrelevante, pois aí passará a contar a data dos 2/3 da pena única a que venha a ser condenado (caso se verifique situação de concurso de crimes) ou os 2/3 do somatório das penas de execução sucessiva (caso não se verifique situação de concurso de crimes) – veja-se o disposto no art.º 188.º-A, n.º 1, do CEPMPL.»

5. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, tudo em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.

Terminada a audiência, a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.

II. Fundamentação

6. O artigo 31.º, n.º 1, da Constituição da República consagra o direito à providência de habeas corpus como direito fundamental contra o abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal privando uma pessoa do direito à liberdade, do direito de não ser detido, aprisionado ou confinado a um espaço fora das condições legais.

O habeas corpus, que pode ser requerido pela própria pessoa lesada no seu direito à liberdade ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos (n.º 2 do artigo 31.º da Constituição), consiste numa providência expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343-344).

Nos termos do artigo 27.º, todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena ou de aplicação judicial de medida de segurança privativas da liberdade. Exceptua-se a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, em que se inclui a prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos [n.º 3, al. b)].

7. Tratando-se de um caso de alegada prisão ilegal, é aplicável o artigo 222.º do CPP, que dispõe:

«1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

  2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

   a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

   b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

   c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”

8. Como tem sido reiteradamente afirmado na jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, a providência de habeas corpus constitui uma medida extraordinária ou excepcional de urgência (no sentido de acrescer a outras formas processualmente previstas de reagir contra a prisão ou detenção ilegais) perante ofensas graves à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra a lei, ou seja, perante situações que, nos termos das alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, configuram casos de inadmissibilidade legal da prisão.

A providência de habeas corpus não constitui um recurso de uma decisão judicial, um meio de reacção tendo por objecto actos do processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido ou um «sucedâneo» dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (artigos 399.º e segs. do CPP).

A providência não se destina a apreciar alegados erros de direito nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade. «Os fundamentos da providência [de habeas corpus] revelam que a ilegalidade da prisão que lhes está pressuposta se deve configurar como violação directa e substancial e em contrariedade imediata e patente da lei: quer seja a incompetência para ordenar a prisão, a inadmissibilidade substantiva (facto que não admita a privação de liberdade), ou a directa, manifesta e autodeterminável insubsistência de pressupostos, produto de simples e clara verificação material (excesso de prazo)» [acórdão de 04.01.2017, proc. n.º 109/16.9GBMDR-B.S1; assim também, entre outros, os acórdãos de 02.11.2018, proc. n.º 78/16.5PWLSB-B.S1, e de 16-05-2019, proc. n.º 1206/17.9S6LSB-C.S1, em www.dgsi.pt]. «No âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe julgar e decidir sobre a discussão que [os actos processuais] possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo)»; a providência de habeas corpus «não pode decidir sobre actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso dos actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos ou dos modos processualmente disponíveis e admissíveis de impugnação, pois que «a medida não pode ser utilizada para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o processo ou o recurso como modo e lugar próprios para a sua reapreciação» (acórdão de 5 de Maio de 2009, processo n.º 665/08.5JAPRT-A.S1, citado no acórdão de 16-05-2019, processo n.º 1206/17.9S6LSB-C.S1. Assim também, reflectindo jurisprudência constante, entre muitos outros, os acórdãos de 21.09.2011, proc. n.º 96/11.0YFLSB, de 09.02.2012, proc. n.º 927/1999.0JDLSB-X.S1; de 06.02.2013, proc. n.º 109/11.5SVLSB.S1; de 15.02.2017, proc. 6/17.0YFLSB.S1, de 31.10.2018, proc. 663/09.1JAPRT-B.S1, em www.dgsi.pt).

9. A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe a actualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que este é apreciado, como igualmente tem sido repetidamente sublinhado (acórdão de 02.11.2018, proc. n.º 78/16.5PWLSB-B.S1, cit.; cfr. também, entre outros, os acórdãos de 21.11.2012, proc. n.º 22/12.9GBETZ-0.S1, 09.02.2011, proc. n.º 25/10.8MAVRS-B.S1, de 11.02.2015, proc. n.º 18/15.9YFLSB.S1, e de 17.03.2016, proc. n.º 289/16.3JABRG-A.S1, em www.dgsi.pt).

10. A providência de habeas corpus não interfere nem é incompatível com o recurso ordinário de decisões sobre questões de natureza processual que possam afectar a situação de privação da liberdade, sendo diferentes os seus pressupostos (assim, Canotilho/Vital Moreira e Jorge Miranda/Rui Medeiros, loc. cit., e Maia Costa, comentário ao artigo 222.º, Código de Processo Penal comentado, Henriques Gaspar et alii, 2.ª ed., Almedina, 2016). A diversidade do âmbito de protecção do habeas corpus e do recurso ordinário configuram diferentes níveis de garantia do direito à liberdade, numa relação de complementaridade, em que aquela providência permite preencher um espaço de protecção imediata perante a inadmissibilidade legal da prisão.

A densificação do conceito de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, encontra expressão exaustiva nas alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa – a prisão será ilegal se tiver sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente, se tiver sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou se se mantiver para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial.

11. É, pois, neste quadro, que, no âmbito da providência de habeas corpus, o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar se a prisão resulta de uma decisão judicial, se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e se estão respeitados os respectivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (acórdão de 09.01.2019, proc. n.º 589/15.0JALRA-D.S1, em www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/criminal_sumarios_janeiro_2019.pdf).

À luz do princípio da actualidade, o que, neste caso, está em causa é a verificação da legalidade da actual situação de privação de liberdade do peticionante, tendo em conta o prazo de duração máxima que deve ser respeitado [artigo 222.º, n.º 2, al. c), do CPP].

12. Da petição, da informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do CPP, dos documentos juntos e da informação complementar e documentos solicitados pelo relator resulta esclarecido, em síntese, com relevância para a apreciação e decisão, que:

¾ O arguido, agora peticionante, que antes se identificou como BB, encontra-se preso desde 16.07.2014, em cumprimento da pena de 7 anos e 6 meses de prisão aplicada por acórdão (do STJ, em recurso) de 09.11.2016, transitado em julgado em 02.03.2017, proferido no processo n.º 235/14.9JELSB, do Juízo Central Criminal de Portimão, Tribunal da comarca de Faro, pela prática de um crime de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B anexa.

¾ Ao arguido foi ainda aplicada (acórdão da 1.ª instância de 27.07.2015) a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 anos, nos termos dos artigos 134.º, n.º 1, al. b) e f), 140.º, n.º 3, 144.º e 151.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho;

¾ De acordo com a liquidação da pena efectuada, o arguido cumpriu metade da pena em 16.04.2018 e dois terços em 16.07.2019; cumprirá cinco sextos em 16.10.2020 e atingirá o seu termo em 16.01.2022;

¾ No dia 28.06.2018 foram apreciados os pressupostos da liberdade condicional (ao meio da pena), tendo o TEP entendido que estes não se encontravam reunidos, motivo pelo qual não foi concedida a liberdade condicional;

¾ No dia 01.07.2019 o recluso requereu, ao abrigo da b), do n.º 1, do artigo 188º-A do CEPMPL e face à proximidade dos 2/3 da pena, que fosse ordenada a execução da pena acessória de expulsão no dia 16.07.2019, o que foi indeferido por despacho proferido no dia 05.07.2019, por se ter entendido que «o recluso tem ainda pendente contra si o processo nº 806/15.5JDLSB, em que é acusado da prática de um crime de falsificação de documento e de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, pelo que não se encontrando estabilizada a sua situação jurídico-penal a pena acessória de expulsão não pode ser executada».

13. Na petição da presente providência de habeas corpus, reeditando as razões que apresentou no requerimento de 01.07.2019, alega o peticionante, em substância e em síntese, que, tendo atingido os dois terços da pena no passado dia 16.07.2019, devendo ser ordenada a execução da pena acessória de expulsão logo que cumpridos esses dois terços da pena e não tendo o juiz ordenado a execução, se encontra em situação de prisão ilegal desde aquela data.

O que, do seu ponto de vista, se reconduz à previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

14. Estando o peticionante recluso no estabelecimento prisional em cumprimento de uma pena (principal) de prisão e devendo ser executada uma pena acessória de expulsão do território nacional, importa, pois, convocar o essencial do regime aplicável.

15. Nos termos do n.º 1 do artigo 467.º do CPP, as decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português, dispondo o artigo 478.º do mesmo diploma que os condenados em pena de prisão dão entrada no estabelecimento prisional por mandado do juiz competente, que é o juiz do processo em que foi proferida a condenação (artigo 470.º, n.º 1, do CPP).

Transitada em julgado a sentença condenatória, o tribunal da condenação envia ao tribunal de execução das penas cópia da sentença que aplica a pena de prisão e indicação sobre as datas calculadas para o termo da pena e para efeitos de concessão de liberdade condicional (artigo 477.º, n.ºs 1 e 3, do CPP).

Orientada para a ressocialização do condenado, a execução da pena é acompanhada pelo tribunal de execução das penas através de um processo individual de liberdade condicional, no âmbito do qual é concedida a liberdade condicional e executada a pena acessória de expulsão (artigos 138.º, n.º 2, 144.º, 155.º, 173.º e segs. e 188.º-A e segs. do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade – CEPMPL).

Nos termos do artigo 61.º do Código Penal, o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional, com o seu consentimento, quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: (a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e (b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social (n.º 2). Nos termos do n.º 3, o tribunal coloca ainda o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do n.º 2. Sendo a pena de duração superior a 6 anos, o condenado é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena (n.º 4).

16. Sendo o condenado um cidadão estrangeiro a quem seja aplicada uma pena acessória de expulsão, dispõe o n.º 1 do artigo 188.º-A do CEPMPL que o juiz ordena a execução desta pena acessória logo que: (a) Cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas; (b) Cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontrem cumpridos dois terços das penas.

O n.º 2 do mesmo preceito permite a antecipação da execução desta pena acessória logo que estejam cumpridos um terço ou metade da pena, respectivamente, por iniciativa do director do estabelecimento ou do juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público (n.º 3), observado o procedimento previsto nos artigos 188.º-B e 188.º-C do mesmo diploma.

Os artigos 188.º-A a 188.º-C do CEPMPL foram aditados pela Lei n.º 21/2013, de 21 de Fevereiro (que procedeu à terceira alteração ao CEPMPL, constituindo a nova Secção IV deste diploma, com a epígrafe «Execução da pena acessória de expulsão»), com origem na Proposta de Lei n.º 76/XII, que adequou o regime de execução da pena às alterações introduzidas na Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto (resultante da Proposta de Lei n.º 50/XII), nomeadamente ao disposto no respectivo artigo 151.º, n.º 4, com a redacção resultante desta alteração. «Encontrando-se realizada a finalidade da pena na vertente de protecção da sociedade, a alteração» – lê-se na Proposta de Lei n.º 76/XII – «permitirá que, relativamente aos reclusos nas condições referidas» (condenados em penas privativas de liberdade e na pena acessória de expulsão) «a execução da pena possa ser também orientada no sentido da sua reinserção social, através do seu regresso ao país de origem, onde o recluso provavelmente terá laços familiares e afectivos, e onde mais facilmente se integrará».

A execução da pena acessória de expulsão do território nacional cumpridos os tempos mínimos da pena principal de prisão (n.º 1 do artigo 188.º-A), ou antecipadamente (n.º 2 do mesmo preceito), visa, pois, na intenção do legislador, a realização de objectivos de reinserção, idênticos aos prosseguidos pela concessão da liberdade condicional (em território nacional).

17. A execução da pena acessória de expulsão integra-se no processo de execução da pena principal de prisão. Inicia-se com a decisão obrigatória do juiz de execução das penas, que determina a execução concluídos os períodos de tempo mínimos do cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, e termina com a entrega da pessoa no país de destino, competindo ao SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (artigo 159.º da Lei n.º 23/2007) dar execução à decisão judicial que a determina.

A execução da pena acessória constitui causa de extinção da pena de prisão, que deve ser declarada pelo juiz do tribunal de execução das penas, nos termos do artigo 138.º, n.º 4, al. e), do CEPMPL. Dispõe este preceito que «compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria», «Determinar a execução da pena acessória de expulsão, declarando extinta a pena de prisão».

A pena de prisão em execução mantém-se, assim, com a duração fixada na sentença condenatória, durante os procedimentos necessários à execução da pena acessória, até ser declarada extinta depois e em virtude de o condenado ser enviado e recebido no país de destino.

Como é sabido, situações existem em que a efectiva execução da pena acessória de expulsão não é possível, mesmo depois de ordenada, nomeadamente em casos de condenados indocumentados ou com identidade falsa [como os tratados nos acórdãos de 09.07.2015, proc. 87/15.1YFLSB.S1 (Manuel Braz), e de 28-02-2019, proc. 2058/17.4TXLSB-C.S1 (Francisco Caetano), em www.dgsi.pt], de recusa do expulsando por parte do país de origem ou de perigo de perseguição no país de destino (situação esta protegida pelo artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos – protecção contra a tortura, tratamentos desumanos ou degradantes), casos em que, estando em execução uma pena de prisão, que deve ser cumprida, o condenado se deverá manter em cumprimento de pena no estabelecimento prisional, beneficiando, então, se for caso disso, do regime de liberdade condicional nos termos previstos no artigo 61.º do Código Penal (assim, Joaquim Boavida, A Flexibilização da Prisão, Almedina, 2018, pp. 235-241).

18. O que vem de se expor conduz à conclusão de que, havendo condenação na pena de expulsão, acessória da pena de prisão (principal) aplicada, a lei apenas impõe que o juiz ordene a execução daquela pena acessória cumpridos dois terços desta (ou metade, consoante o caso, nos termos do artigo 188.º-A do CEPMPL) – o que não significa que a execução dessa pena, isto é, a expulsão, deva ter lugar nessa data (diz o artigo 188.º-A que «o juiz ordena a execução logo que» «cumprida metade da pena» ou «cumpridos dois terços da pena»).

Esta decisão do juiz não produz, por si mesma, qualquer efeito que juridicamente se projecte na execução da pena principal, pelo que, estando o condenado na situação de reclusão em cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, nessa situação deverá continuar até que se mostrem concluídos os procedimentos de entrega do condenado ao país de destino, através do SEF.

Conclusão diversa, que não encontra suporte legal, impediria a continuação da execução da pena de prisão, em oposição ao regime da liberdade condicional, que apenas impõe a libertação decorridos que sejam cinco sextos da pena no caso de esta ser superior a seis anos (artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal).

E, assim sendo, se deve concluir também que o período de tempo a considerar para efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP é, nestes casos, o correspondente à duração da pena de prisão aplicada na sentença condenatória.

Por conseguinte, carece de fundamento a alegação de que o peticionante «já alcançou o pressuposto formal dos 2/3 no dia 16 de julho de 2019, pelo que é obrigatória a sua libertação antecipada».

19. Manifesta ainda o recorrente a sua discordância quanto ao decidido pelo juiz de execução das penas, que recusou ordenar a execução da pena acessória de expulsão com fundamento no facto de se encontrar pendente contra si o processo n.º 806/15.5JDLSB, com julgamento designado para o próximo mês de Novembro.

Trata-se, porém, como anteriormente se explicitou (supra, 8 e 9), de matéria processual estranha ao âmbito e objecto da providência de habeas corpus, pois que o que o peticionante põe em causa é o mérito desse despacho, traduzido na questão de saber se, não obstante a pendência desse processo, deve ser ordenada a execução da pena acessória.

Pelo que não se conhece desta questão.

20. No que agora releva importa apenas verificar se, perante a conclusão a que se chegou, ocorre qualquer das situações previstas no n.º 2 do artigo 222.º do CPP, nomeadamente se a prisão se mantém para além do prazo fixado por decisão judicial [n.º 2, al. c)].

21. Relembrando os actos do processo com relevância, verifica-se que se mostram cumpridos dois terços da pena e que, sendo esta de duração superior a 6 anos de prisão, a libertação é obrigatória logo que sejam cumpridos cinco sextos, o que se prevê que venha a acontecer em 16.10.2020.

Assim sendo, tendo a privação da liberdade sido ordenada por ordem do juiz competente, para efeitos de cumprimento da pena de prisão, em conformidade com o disposto no artigo 27.º da Constituição e nos artigos 467.º e 478.º do Código de Processo Penal, não se mostra presente qualquer dos motivos de ilegalidade da prisão previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

Tendo a pena de prisão aplicada a duração de 7 anos e 6 meses e estando o peticionante privado da liberdade para cumprimento desta pena desde 16 de Julho de 2014, a prisão mantém-se dentro do prazo fixado por decisão judicial, não ocorrendo, assim também, o motivo de ilegalidade previsto na alínea c) do mesmo preceito.

Em consequência, deve concluir-se que o pedido carece de fundamento, devendo ser indeferido.

III. Decisão

22. Pelo exposto, deliberando nos termos dos n.ºs 3 e 4, alínea a), do artigo 223.º do CPP, acordam os juízes da secção criminal em indeferir o pedido por falta de fundamento bastante.

Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

Supremo Tribunal de Justiça, 26 de Julho de 2019.


Lopes da Mota (Relator)

Margarida Blasco

Henrique Araújo