Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1333/06.8TBFLG.G2.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DECISÃO ARBITRAL
RECURSO DE ARBITRAGEM
INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
CASO JULGADO
Data do Acordão: 10/30/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática: DIREITO ADMINISTRATIVO - EXPROPRIAÇÕES
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS - INSTRUÇÃO DO PROCESSO/ PROVA PERICIAL - SENTENÇA - RECURSOS
Legislação Nacional: CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (CEXP/1999): - ARTIGOS 23.º, 25.º, N.º2, 26.º, N.º12, 27.º, N.º3, 52.º, 61.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 490.º, 578.º, 661.º, 684.º, N.º4.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 62.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13-7-2010, PROCESSO N.º 4210/06;
-DE 12-10-2010, PROCESSO N.º 4925/07.
Sumário :
I - A decisão arbitral em processo de expropriação por utilidade pública faz caso julgado no que respeita ao montante indemnizatório fixado quando a decisão transita, quanto a esse ponto, em relação ao recorrente.

II - No caso de recurso interposto por expropriado que sustente a atribuição de uma indemnização de montante superior à fixada na decisão arbitral, designadamente pela perda de rendimento, os critérios de avaliação que a decisão arbitral tomou em consideração e que, no conjunto, estiveram na base do montante fixado, estão todos sujeitos a reponderação judicial tendo em vista determinar se a justa indemnização é aquela que foi fixada na decisão arbitral ou aquela que os expropriados consideram ser a devida.

III - Assim, ainda que, relativamente a algum ponto parcelar, o expropriado não tenha suscitado objeção relativamente ao que foi considerado na decisão arbitral, o Tribunal pode considerá-lo de modo diverso, não se devendo entender haver aqui caso julgado, pois a indemnização a atribuir, agora no plano do recurso interposto da decisão arbitral, não pode deixar de tomar em linha de conta, para ser uma justa indemnização (art. 23.º do CExp de 1999), o correto valor a atribuir a cada um dos elementos que se considera concorrerem para a fixação da indemnização por expropriação sem o que estaria posto em causa a reponderação do critério de avaliação e, consequentemente, a possibilidade de fixação de justa indemnização (art. 62.º, n.º 2, da CRP e art.23.º, n.º 1, do CExp de 1999).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. Os expropriados recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do disposto no artigo 678.º/4 do CPC invocando contradição entre o acórdão recorrido e os acórdãos  fundamento da Relação de Coimbra de 23-2-2011 (N.º 3091/08.2TBVIS) e de 13-12-2011 (N.º 2139/09.8 TBVIS.C1.

2. Este processo trata da expropriação por utilidade pública de uma parcela de terreno com a área de 17.157m2 em que é expropriante EP- Estradas de Portugal, EPE e expropriados AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG.

3. Provaram-se os seguintes factos:

a) a parcela nº 159 tem a área de 17.157 m2, destacada do prédio situado no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Felgueiras, que confronta a Norte com HH, a Sul com ... e Quinta do ..., a Nascente com II e a Poente com rego de consortes, com a área total de 1.5620 ha, inscrito à matriz predial sob o artigo 1053.° e omissa a descrição no registo predial;

b) por despacho n.° 10 329-H/2004 de 23 de abril de 2004 do Secretário de Estado das Obras Públicas, publicado no Diário da República, II Série, n.º 122, de 25 de maio de 2004, foi declarada a utilidade pública com caráter urgente dos bens imóveis e direitos a ele relativos, correspondentes às áreas devidamente identificadas na planta parcelar à execução da variante IP4/A4, sublanço Vizela - Felgueiras;

c) relativamente à parcela n.º 159, procedeu-se à pertinente vistoria ad perpetuam rei memoriam, onde se descreve tal parcela como constituída por terreno florestal com uma forte inclinação no sentido Nascente - Poente, povoada maioritariamente por pinheiros e eucaliptos de médio porte; apresenta ainda uma pequena bolsa de carvalhos e, de acordo com o PDM aplicável, a parcela encontra-se em Espaços Florestais;

d) a entidade expropriante tomou posse da descrita parcela em 26 de novembro de 2004;

e) os peritos nomeados pelo Tribunal, em seu nome, no dos expropriados e no da entidade expropriante, pelo relatório de folhas 341 a 345, datado de 25 de julho de 2007, fixaram por unanimidade o valor da indemnização pela expropriação daquela parcela em euros 110.466,79, nos termos e com os fundamentos daquele relatório, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzidos;

f) a parcela identificada em a), está integrada em "Espaços Florestais" nos termos do PDM de Felgueiras, aprovado em 24 de setembro de 1993, ratificado pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 7/94, de 30 de dezembro de 1993, publicado no D.R. n.º 23,1 Série - B, de 28/01/94;

g) a parcela identificada em a) passa a ter as seguintes confrontações: a Norte com HH, a Sul com ... e Quinta do ..., a Nascente com II e a Poente com rego de consortes;

h) O prédio era servido por uma via pública, ainda que não se encontrasse pavimentada.

4. O acórdão arbitral classificou a parcela como solo para outros fins, considerou 16t/ha como produção média possível e fixou o montante indemnizatório em 54.902,40€ (I Vol - fls. 7/10).

5. Do acórdão arbitral recorreram os expropriados sustentando que o PDM de Felgueiras qualifica o solo como espaços florestais sendo nele possível construir-se uma moradia por cada 3000m2 desde que o prédio confronte com via pública e, por isso, porque nele podem ser construídos 6  habitações, o valor deveria, na parte afetada à construção, ser fixado em 292.550,00€.

6. O valor de produção de madeira por ha é de 16 toneladas devendo ser considerado o valor de 60€ por tonelada de madeira de pinho.

7. O laudo pericial considerou, na parte que aqui interessa, que o solo devia ser classificado como solo para outros fins e devia reconhecer-se, dado o disposto no artigo 27.º/3 do CE99, a possibilidade de edificação de uma habitação, afetando-se-lhe uma área de 300m2 com um pequeno logradouro de apoio, considerando 450m2 de área de construção, fixando, assim, o valor de 19.756,13€.

8. Quanto à área sobrante considerou o laudo o rendimento possível em termos de produção de 20t/ha e, com base noutros elementos que agora não relevam, foi fixado o valor de 90.690,66€. O valor total da indemnização fixou-se 110.466,79€ ( fls. 345).

9. O Tribunal, na sentença,  considerou todavia que o pressuposto considerado que permitiria a construção da moradia não se verificava. É que o PDM  permite a edificação de habitação familiar desde que a habitação isolada obedeça às seguintes condicionantes:

a) Se destine exclusivamente a habitação unifamiliar e a parcela confine com a via pública  e tenha uma área mínima nunca inferior a 3000 metros.

b) Se destine exclusivamente a habitação familiar, independentemente da área de terreno, e a parcela confine com a via pública e se situe entre duas construções já existentes entre si 50 metros ou inferior, e respeite a legislação em vigor.

10. Referiu a decisão a este propósito:

Ora, é evidente que na parcela expropriada não se poderia construir qualquer habitação  familiar, pois nem a parcela expropriada  confina com a via pública, cf. factos provados, nem sequer existem construções seja a que distância for da parcela, logo, é claro que nem sequer os 450m2 podem ser classificados como solo apto para construção.

11. Considerou ainda a sentença que não se verificavam no caso nenhuma das situações que possibilitam a classificação do solo como solo apto para construção elencadas no artigo 25.º/2 do CEXP99.

12. A sentença considerou ainda que, apesar de o laudo pericial ter atribuído um valor médio de produção de 20t/ha, antes devia ser reconhecido o valor fixado no acórdão arbitral de 16t/ha, perfazendo-se, assim, o valor de 800€ atento o preço médio de produção de 50€ (16x50=800);  quanto à taxa de capitalização a atender devia ser a de 2% fixada na avaliação pericial e defendida pelos expropriados ( fls. 223) e não a de 2,5% fixada no acórdão arbitral

13. A sentença ( ver fls. 626/639) referiu o seguinte justificando a sua posição:

Nesta matéria, alega a entidade expropriante que os expropriados não se podem fazer valer da média de produção de 20ha porquanto conformaram-se com a quantidade de 16ha e aceitam um rendimento florestal líquido anual de 768€ quando no acórdão arbitral é fixado  o rendimento de 800€ e no relatório de avaliação é de 1000€.

Assim, deve manter-se o valor fixado no acórdão arbitral e isto por duas ordens de razões, em 1º lugar porque não existe qualquer razão objetiva para afastar a decisão tomada e, em 2º lugar, porque o tribunal não pode arbitrar mais do que o peticionado por extravasar o objeto do recurso […]

Na esteira da jurisprudência citada é, desde logo, de afastar o cálculo médio da produção em 20t/ha, em virtude de os recorrentes se terem conformado com o cálculo efetuado e decidido em sede de acórdão arbitral - 16t/ha; do mesmo modo que é de aceitar a capitalização de 2% alegada pelos recorrentes e confirmada em sede de relatório de avaliação.

14. No entender da decisão ( ver fls. 635), apoiada em acórdão que referencia,

se o resultado da avaliação assenta em toda uma série de premissas que são decididas pelos árbitros, a força do caso julgado há de estender-se àquelas premissas, àqueles parâmetros que determinam o resultado final da avaliação.

15. Assim, aceite pelos recorrentes o valor médio de produção de 16t/ha que foi o valor considerado no acórdão arbitral, não podia ser considerado o valor médio de produção de 20t/ha considerado na avaliação pericial.

16. A decisão foi, pois, no sentido de considerar, para o cálculo indemnizatório, o valor médio de produção de 16t/ha; não considerou o valor de produção de 60€/t como sustentavam os recorrentes contra o acórdão arbitral que fixara esse valor em 50€/t tal como a avaliação pericial; já quanto à taxa de capitalização a decisão foi no sentido de se fixar esta em 2% como sustentavam os expropriados contra o acórdão arbitral e que teve acolhimento na avaliação pericial.

17. Fixou a sentença a indemnização a atribuir aos expropriados em 75.147,66€, valor que teve ainda em atenção um rendimento de 75€/ha/ano correspondente a 15 carros de mato a 5€/carro,  considerando-se, portanto, no cálculo do rendimento não apenas os 800€ mencionados mas 875€.

18. O Tribunal da Relação, face ao recurso dos expropriados, continuou a classificar o solo como solo para outros fins mas ponderou a aptidão edificativa reconhecida pelo PDM fixando o valor de 19.756,13€ em conformidade com relatório pericial de avaliação.

19. Divergiu no plano de facto visto que considerou, contrariamente à sentença recorrida, que  " o prédio era servido por via pública, ainda que não se encontrasse pavimentada" e, por conseguinte, aplicava-se    -lhe a previsão constante do artigo 22.º do PDM acima transcrita.

20. No que respeita à verificação do caso julgado o acórdão da Relação considerou que "embora as premissas da decisão não adquiram, em regra, força de caso julgado, deve reconhecer-se-lhe essa natureza, quer quando a parte decisória a elas se referir de modo expresso, quer quando constituem antecedente lógico, necessário e imprescindível da decisão".

21. Ora, no caso, " a produção média de 16 t/ha constitui pressuposto necessário da decisão arbitral uma vez que, se outro número tivesse sido pelos árbitros adotado, teria conduzido necessariamente  a uma diferente decisão final, pelo que se encontra abrangido pela força do caso julgado".

22. No que respeita à parte sobrante o Tribunal da Relação fixou a indemnização em 73.833,66€ , valor que diverge do da avaliação pericial na medida em que esta considerou 450m2 de área de construção e a Relação apenas 300 m2.

23. O valor total de indemnização foi fixado em 93.589,79€

24. Os expropriados interpõem recurso para o Supremo Tribunal com fundamento em contradição do acórdão da Relação de Guimarães com acórdãos da Relação de Coimbra que indicam (artigo 678.º/4 do CPC).

Vejamos então.

Sobre a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento da Relação de Coimbra de 23-2-2011

25. Segundo os expropriados, o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão fundamento da Relação de Coimbra de 23-2-2011 - 3091/08,2TBVIS.C1 - pois, neste último,  sustenta-se que a definição, por um Plano Diretor Municipal, de um terreno como “espaço agrícola” e “espaço florestal” (espaços destinados a um uso específico, mas nos quais não existe uma proibição absoluta de edificar, dentro de determinados condicionalismos) corresponde a uma classificação do solo resultante da vontade de afetação de terrenos ao uso específico, expresso nesse instrumento de ordenação territorial – traduz esta classificação aquilo que habitualmente se designa como uma classificação do plano e "nestas situações (classificação de solos decorrente de um PDM), tem sentido recorrer ao critério do nº 12 do artigo 26º do CE no cálculo da indemnização, tomando por base o pressuposto de que este critério de cálculo só se aplica a classificações decorrentes de um PDM (e não a situações em que a exclusão da edificabilidade decorre da integração na RAN)

26. Diversamente no acórdão recorrido evidenciou-se que a classificação atribuída resultou de o PDM de Felgueiras não mencionar que a parcela expropriada está " destinada a adquirir as características descritas na alínea a) do n.º2 do artigo 25.º do CE, pois só admite a possibilidade de construção de uma moradia de habitação unifamiliar  e/ou de apoio à agricultura para uma área mínima de 3.000m2 pelo que não poderia o solo deixar de ser classificado como 'solo apto para outros fins'".

27. A classificação de solo apto para construção pressupõe que se verifique a previsão constante de alguma das alíneas mencionadas no artigo 25.º/2 do CE99.

28. No caso vertente importa a alínea c) que prescreve que se considera solo apto para construção " o que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a), alínea esta que prescreve considerar-se solo apto para construção " o que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, e energia elétrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações neles existentes ou a construir".

29. Não estando em causa que tais características se verifiquem no caso em apreço, o acórdão da Relação considerou que o PDM de Felgueiras não destina esse terreno a futuro espaço urbanizável a dotar com as infraestruturas mencionadas na alínea a) do artigo 25.º do CE99, pois tão só admite a possibilidade de construção de uma moradia de habitação nos termos indicados.

30. No acórdão fundamento a realidade é efetivamente bem diferente, pois, como nele se menciona, os dados de facto a considerar, isolando no elenco acima transcrito os diretamente respeitantes (os como tal indicados pelo Tribunal a quo) à qualificação da parcela expropriada como terreno apto para construção, isolando tais elementos, dizíamos, observamos corresponderem eles, nesse elenco, aos itens 4. ([d]e acordo com o PDM de Viseu, a propriedade afetada pela expropriação […] encontra-se situada em zona definida como «Espaço Florestal I», em 5.880m2 e como «Espaço Agrícola I» em 400 m2”), 8. (“[a]o longo do caminho dispõe de energia elétrica em baixa tensão, de telefone e [a] menos de 300 m existem várias construções industriais e habitacionais), 9. (“[à] parcela acede-se através de caminho público asfaltado”) e 10. ([a] parcela encontra-se integrada no núcleo urbano de ... de … e …)".

31. No acórdão fundamento reconheceu-se  à parcela expropriada a natureza de "solo apto para construção" por se verificar a previsão constante das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 25.º do CE99 como claramente consta do acórdão: "vale este entendimento – ao qual aderimos e que ora reafirmamos – para considerar que a existência das infraestruturas enumeradas nos itens 8. e 9. do elenco dos factos, associada à integração do terreno num núcleo urbano existente (item 10. do mesmo elenco), determina a aptidão para edificação no terreno aqui em causa, nos termos do artigo 25º, nº 2, alínea b) do CE."

32. Não ocorre, por conseguinte, nenhuma contradição jurisprudencial sendo certo que a aplicação do disposto no n.º 12 do artigo  26.º do CE99 pressupõe que  o solo se classifique como solo apto para construção.

33. No que respeita ao prejuízo resultante do "Espaço Canal" o acórdão fundamento é omisso quanto a essa questão, não existindo, por conseguinte, contradição possível.

Sobre a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento da Relação de Coimbra de 13-12-2011

34. No que respeita à questão do caso julgado, os expropriados consideram que o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão da Relação de Coimbra 2139/09. 8TBVIS.C1 assim sumariado:

1. A decisão arbitral, não obstante ter o valor e a força de uma decisão judicial, dado que é proferida por um tribunal arbitral necessário, apenas tem eficácia no que tange à declaração da medida da indemnização.

2. Impugnada a mesma por qualquer das partes por ela abrangidas, é posta em causa toda a decisão, incluindo os critérios jurídicos de qualificação que motivaram a fixação da indemnização a atribuir aos expropriados, sem esquecer que a indagação da qualificação jurídica dos factos está reservada ao juiz que não está vinculado pela apreciação que dos mesmos é feita na decisão arbitral.

3. Daí que a diferente qualificação unanimemente dada pelos peritos e acolhida na sentença recorrida, de que uma parcela de 400 m2 integrada em área de expansão se deve considerar como “solo apto para construção”, diferente do usado na decisão arbitral, não constitui violação do caso julgado formal.

4. No cálculo do valor da indemnização pela expropriação da parcela em causa deve atender-se, em conformidade com o disposto no art. 23º nºs 1 e 5 e no art. 27º nº3 do CE, não só ao valor do solo, mas também ao valor das árvores aí existentes, pelo que haverá duplicação de valores num caso em que para a valorização do terreno florestal, se considerou a produção expectável de pinho e depois se atribuiu ainda, como valor de benfeitorias, o dos pinheiros existentes.

35. Salientam os expropriados que o acórdão recorrido entendeu que " a decisão arbitral transitou no seu todo nomeadamente quanto ao montante de 16t/ha aplicado pelos árbitros na sua avaliação. Ora, como contrariamente decidiu o acórdão invocado, ' pensamos que a decisão arbitral […] apenas tem eficácia no que tange à declaração da medida da indemnização" e " assim, impugnada a mesma por qualquer das partes por ela abrangidas, é posta em causa toda a decisão, incluindo os critérios jurídicos de qualificação que motivaram a fixação da indemnização a atribuir aos expropriados, sem esquecer que a indagação da qualificação jurídica dos factos está reservada ao juiz que não está vinculado pela apreciação que dos mesmos é feita na decisão arbitral".

36. Se analisarmos a posição dos expropriados, quando interpuseram recurso da decisão arbitral, o que eles defenderam foi que a parte restante do terreno cuja área não fosse afetada à construção de habitação nos termos facultados pelo PDM devia ser valorizada considerando uma produção de 16t/ha ao custo de 60€/t, considerando uma capitalização de 2%, reconhecendo a sentença, de modo diverso, que o custo por tonelada era de 50€ em sintonia com o acórdão arbitral e a subsequente avaliação pericial. Ficaram vencidos os expropriados. E ficaram vencidos ainda porque tinham sustentado o valor do solo de 8,48€/m2 ( fls. 223) pois, para além da perda de produção de madeira, tinham valorizado a perda de produção de resina que não lhes veio a ser reconhecida. No recurso para a Relação sustentaram que o valor por m2 devia ser de 5,38€ ( ver fls. 677, artigo 77º), valor em sintonia com o dos peritos (fls. 344) só que a Relação considerou um valor inferior por m2 ( o de 4,38€) precisamente porque entrou em linha de conta, no cálculo, com o valor possível de produção de 16t/ha e não com o de 20 t/ha que tinha sido o valor admitido pelos peritos.

37. Está fora do âmbito dos poderes de cognição do Supremo a definição do montante indemnizatório, ou seja, a Relação podia, no exercício dos poderes que lhe estão cometidos, considerar que a produção da área florestal devia ser fixada em 16ha/ano por ser esse o valor indicado pelos expropriados, melhor conhecedores da realidade da propriedade, do que o valor calculado pelos peritos; podia, ao invés, ter entendido que o valor atribuído pelos peritos era o mais correto visto que os expropriados também não fundaram a sua declaração numa base real de vendas, antes numa estimativa passível de erro por desconhecimento dos valores de comercialização.

38. Do que não se duvida é que o valor indemnizatório sustentado pelos expropriados para os compensar dessa perda de rendimento é efetivamente um valor superior ao valor que lhes foi fixado pelo acórdão. Se multiplicarmos a área de 16857m2 (área sobrante ou área não afetada à construção do imóvel que foi de 300m2) pelos pretendidos 5,38€/m2 ( que pressupõe o valor de produção de 20t/ha, mantendo-se constantes todos os demais) obteremos a indemnização de 90.690,66€; se considerarmos o valor de 4,38€/m2 (que pressupõe o valor de produção de 16t/ha, mantendo-se inalterados todos os demais) obteremos, salvo erro, a indemnização de 73.833,66€ que foi o valor fixado pela Relação ( ver fls. 836-vº).

39. Fixada pela decisão arbitral uma determinada indemnização, a parte que não esteja de acordo com o montante fixado pode interpor recurso (artigo 52.º do CE99); foi o que sucedeu, sustentando os expropriados que deveria ter sido fixado montante superior; esse montante pedido pelos expropriados constitui o limite que deve ser observado sob pena de o expropriante ser prejudicado, pois valor superior que pudesse eventualmente ser reconhecido aos expropriados feriria o princípio do pedido (artigo 661.ºdo C.P.C.) que se conjuga com a proibição da reformatio in pejus que resulta do disposto no artigo 684.º/4 do CPC.

40. Para a fixação do montante indemnizatório o Tribunal pode considerar factos que sejam alegados pelas partes que já estejam definidos na vistoria ad perpetuam rei memoriam ( v.g. a existência de árvores de fruto, a existência de um poço, de uma edificação de apoio à agricultura, etc.) assim como pode considerar realidades  que não são passíveis de observação no momento da vistoria tal o caso dos prejuízos decorrentes da perda de rendimentos.

41. As diligências instrutórias entre as quais a lei impõe a avaliação pericial (artigo 61.º do CE99) incidem sobre os factos alegados pelas partes mas também sobre as questões que oficiosamente o juiz considere necessárias ao apuramento da verdade ( artigo 61.º/3 do CE99 e 578.º do CPC). Há, assim, no plano probatório, uma margem de intervenção oficiosa, o que levará em alguns casos a uma definição de  critérios de avaliação que podem não coincidir com os sustentadas pelos interessados, nada obstando a que os peritos considerem, com base em critérios de avaliação, realidades que sejam mais vantajosas para os interessados. No caso em apreço, verifica-se que os peritos consideraram um valor anual de produção de 20t, superior ao valor que os expropriados sustentaram; ao invés já os peritos consideraram um valor por tonelada (50€) inferior àquele que os expropriados indicaram (60€).

42. É questão diversa saber se o Tribunal pode considerar factos que não tenham suporte na vistoria ad perpetuam rei memoriam ou que não tenham sido invocadas nas alegações de recurso da decisão arbitral de modo a possibilitar a sua ponderação na avaliação pericial. Com efeito, podem certas realidades de facto conexionar-se com um valor indemnizatório que, sem a sua alegação, não teria cabimento. A invocação dessas realidades em momento processual inadequado não permite que sejam tomadas em consideração e, por isso, o Tribunal não pode arbitrar a indemnização pretendida que nessas mesmas realidades não se fundou.

43. No entanto, há que distinguir os factos (v.g. um pomar com tantas árvores de fruto, um poço, uma edificação para apoio a trabalhos agrícolas, a confinância da propriedade expropriada com via pública respeitantes às existências na propriedade ou à sua localização) das estimativas de facto que são tomadas em consideração com base em critérios de avaliação. Assim, prescrevendo o artigo 23.º do CE/99 que "a justa indemnização visa ressarcir o valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo e possível numa utilização económica normal, à data da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data", já se vê que uma coisa é a determinação das "circunstâncias e condições de facto existentes" no imóvel expropriado à data da declaração de utilidade pública e outra coisa é a determinação de um rendimento na base de uma utilização económica normal da propriedade expropriada.

44. Sem dúvida que, para uma avaliação de perda de rendimento, podem ser invocados os rendimentos auferidos em períodos anteriores à data de declaração de utilidade pública ( v.g. as vendas obtidas com a produção de vinho ou as vendas obtidas com a venda de madeira ou de fruta) e aqui estamos perante realidades de facto a determinar em função da prova produzida. A mera declaração do expropriado interessado respeitante a rendimentos passados será um aspeto a ponderar, mas não vincula o Tribunal no seu juízo de ponderação. Essa perda de rendimentos passados constituirá um elemento a ponderar para efeito de determinação de uma perda de rendimento estimado, elemento importante, mas não decisivo. No entanto, porque se trata sempre de apurar uma perda de rendimento a partir de uma produção estimada, o Tribunal, e obviamente também os peritos que procedem à avaliação que constitui um elemento importante a considerar, não estão vinculados ao critério de avaliação que os interessados tenham apresentado.

45. Assim sendo, não se deve, a nosso ver, considerar fixada qualquer realidade de facto parcelar, como sucede no âmbito das ações declarativas atento o ónus de impugnação especificada (artigo 490.º do CPC), suscetível de escapar ao juízo do Tribunal tendo em vista a indemnização a atribuir, pois, a não ser assim, o Tribunal, apesar de dispor para tanto de todos os elementos probatórios, ficaria sujeito à vontade dos interessados, o que levaria a que, por tal razão de natureza processual, não fosse possível fixar a justa indemnização. Os interessados devem indicar as razões por que discordam da arbitragem e da avaliação efetuadas, mas o Tribunal não está sujeito às avaliações dos interessados incidentes sobre cada um dos elementos que concorrem para a determinação do montante indemnizatório final que se pretende constituir a justa indemnização.

46. No caso vertente, como se disse, os expropriados consideraram uma produção de 16t/ha/ano a 60€/t discordando do acórdão arbitral que considerou uma produção de 16t/ha/ano a 50€/t; na avaliação considerou-se uma produção de 20t/ha/ano a 50€/t. Ao Tribunal cumpre apreciar se a justa indemnização a fixar resulta de uma produção estimada de 16t ou de 20t e de um valor por tonelada de 50€ ou de 60€.

47. Quer isto dizer que a decisão arbitral faz caso julgado apenas no que respeita ao montante da indemnização e não quanto às qualificações que os árbitros tenham efetuado (ASTJ de 13-7-2010- Helder Roque - revista 4210/06) e, no que respeita ao limite indemnizatório fixado na decisão arbitral, ele vale quando nos deparamos com recurso interposto pela parte que pretende diminuição da indemnização fixada. Esse limite de montante da decisão arbitral não se verifica quando o recurso interposto visa uma alteração para mais do montante indemnizatório fixado, como sucede no caso em que estamos face a um recurso interposto pelo expropriado e não pela expropriante. Num outro acórdão do STJ  referiu-se que " a decisão arbitral é uma verdadeira decisão. Interposto recurso da decisão arbitral, por discordância com os valores encontrados para a determinação da justa indemnização, é também posta em crise a sua própria fundamentação. De qualquer forma, admitido o recurso, não se pode falar em ofensa de caso julgado da decisão arbitral, no caso de não atendimento dos valores consagrados nos respetivos laudos" (ACSTJ de 12-10-2010- Urbano Dias - revista n.º 4925/07. Esta é também a orientação do acórdão fundamento.

48. Assim sendo, a partir do momento em que os expropriados recorreram da decisão arbitral pugnando pela fixação de um montante indemnizatório superior tanto por discordarem da não ponderação da possibilidade de edificação contemplada no PDM e que, em seu entender, implicava um valor diverso da indemnização, questão esta de direito dependente da questão de facto consistente em saber se a propriedade confinava com a via pública, como também, a título subsidiário, por discordarem quanto aos prejuízos decorrentes da perda de rendimento em toda a propriedade, estão postos em causa todos os elementos que estiveram na base da indemnização atribuída; por conseguinte, o Tribunal não está impedido, por força de caso julgado, de verificar a correção de cada um dos elementos que concorrem para a avaliação do prejuízo, sem o que ficaria inviabilizada a fixação de justa indemnização.

Concluindo:

I- A decisão arbitral em processo de expropriação por utilidade pública faz caso julgado no que respeita ao montante indemnizatório fixado quando a decisão transita, quanto a esse ponto, em relação ao recorrente.

II- No caso de recurso interposto por expropriado que sustente a atribuição de uma indemnização de montante superior à fixada na decisão arbitral, designadamente pela perda de rendimento, os critérios de avaliação que a decisão arbitral tomou em consideração e que, no conjunto, estiveram na base do montante fixado, estão todos sujeitos a reponderação judicial tendo em vista determinar se a justa indemnização é aquela que foi fixada na decisão arbitral ou aquela que os expropriados consideram ser a devida.

III- Assim, ainda que, relativamente a algum ponto parcelar, o expropriado não tenha suscitado objeção relativamente ao que foi considerado na decisão arbitral, o Tribunal pode considerá-lo de modo diverso, não se devendo entender haver aqui caso julgado, pois a indemnização a atribuir, agora no plano do recurso interposto da decisão arbitral, não pode deixar de tomar em linha de conta, para ser uma justa indemnização (artigo 23.º do CE99), o correto valor a atribuir a cada um dos elementos que se considera concorrerem para a fixação da indemnização por expropriação sem o que estaria posto em causa a reponderação do critério de avaliação e, consequentemente, a possibilidade de fixação de justa indemnização (artigo 62.º/2 da Constituição da República e artigo 23.º/1 do CExp99).

Decisão: concede-se provimento parcial ao recurso por se julgar que o acórdão recorrido entrou em contradição com o acórdão fundamento da Relação de Coimbra de 13-12-2011 (Arlindo Oliveira) com o N.º 213/09.8 TBVIS.C1 publicado em www.dgsi.pt cujo entendimento, na parte que aqui importa, é de seguir e que está em sintonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, negando-se provimento ao recurso na parte que respeita à invocada contradição com o outro acórdão invocado da Relação de Coimbra, P. 3091/08.2 TBVIS.C1 de 23-2-2011 por se julgar inexistente tal contradição.

E, assim, consequentemente, devem os autos baixar ao Tribunal da Relação de Guimarães a fim de, com os mesmos juízes se possível, se considerar o  montante indemnizatório a atribuir aos expropriados.

Custas pelos expropriados.

Lisboa, 30 de outubro de 2012

Salazar Casanova (Relator)

Fernandes do Vale

Marques Pereira

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[1] Processo distribuido no STJ no dia 4-9-2012 [P. 2012/904 1333/06]