Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8329/18.5T8CBR.C1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: BURLA
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
CONCURSO DE CRIMES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
PENA ÚNICA
CRITÉRIOS
PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – DISPOSIÇÕES PRELIMINARES E GERAIS / DEFINIÇÕES LEGAIS.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
Doutrina:
- A. Rodrigues da Costa, O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ;
- J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 280 ; Direito Penal, Parte Geral, Tomo 1ª, 2ª ed., p. 979;
- Souto de Moura, A Jurisprudência do S.T.J. Sobre Fundamentação e Critério da Escolha e Medida da Pena, p. 6;
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 1.º, ALÍNEAS I), J), K), L) E M).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 77.º, N.ºS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 205.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 16-03-2011, PROCESSO N.º 92-08.4GDGMR.S1;
- DE 18-02-2016, PROCESSO N.º 118/08.1GBAND.P1.S2, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-09-2016, PROCESSO N.º 71/13.0JACBR.C1.S1, WWW.DGSI.PT;
- DE 23-05-2018, PROCESSO N.º 799/15.OJABRG.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. O cúmulo jurídico é uma construção normativa, de matriz dogmática, com a finalidade de fundir numa pena única, as penas de prisão em que o mesmo agente foi condenado por ter cometido uma multiplicidade de crimes que, entre si, estão numa relação de concurso real.

II. À unificação jurídica da multiplicidade dos crimes cometidos pelo agente, através do instituto do concurso real, corresponde a conjunção das consequências jurídicas.

III. Da inclusão em novo cúmulo jurídico de mais penas de prisão parcelares não deverá resultar a aplicação de pena única mais baixa que a fixada em cúmulo anterior ou da pena conjunta mais elevada quando há mais que um cúmulo jurídico anterior que englobe alguns dos crimes do mesmo concurso.

IV. No reverso, também a pena conjunta não deve ultrapassar a soma das penas finais - parcelares ou únicas -, aplicadas nas condenações englobadas no cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de outros crimes integrantes do mesmo concurso.

V. Se a anterior pena única é irrelevante para a moldura penal do concurso de crimes, se o condenado não deve ser prejudicado pelo conhecimento superveniente do concurso, também não deve ser “premiado” por se descobrir depois que o mesmo concurso de infracções inclui mais crimes que os considerados num anterior cúmulo jurídico das penas de uma parte dos delitos dessa unidade jurídica.

VI. Assim, do conhecimento posterior de que um concurso de crimes inclui outro ou outros crimes não deve resultar a diminuição da pena única aplicada em anterior cúmulo jurídico ou, sendo vários, da pena conjunta mais elevada.

VII. Na determinação da pena conjunta, a ponderação dos crimes e das penas deve adequar-se ao tipo de criminalidade com enfase agravante quando concorrem crimes de terrorismo, ou, gradativamente, em casos de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de criminalidade altamente organizada -cfr. art. 1º alªs i) a m) do CPP.

VIII. O parâmetro primordial do «modelo» de determinação de qualquer pena judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados, estabelecendo, em concreto, o limiar mínimo abaixo do qual se perde aquela função tutelar

IX. Na expressão do legislador, em perfeita consonância com o pulsar da vida, “mais do que a moldura penal abstractamente cominada na lei, é a concretização da sanção que traduz a medida da violação dos valores pressupostos na norma, funcionando, assim, como referência para a comunidade” –cfr. . Exposição de Motivos do DL n.º 48/95 de 15/03.

X. O princípio da proporcionalidade (à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente), deve ser especialmente ponderado quando se determina o quantum da pena conjunta.

XI. Sempre que se convoque o princípio da «justa medida», impõe-se fundamentar o procedimento que conduziu à obtenção do juízo da desproporcionalidade da pena conjunta e da dimensão do correspondente excesso, enunciando o juízo comparativo efectuado, e exige-se demonstrar as razões convincentes e o suporte normativo que podem justificar a intervenção correctiva e respetiva amplitude –art. 205º n.º 1 da Constituição da República.

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acorda em conferência:
A- RELATÓRIO:

No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, o Juízo Central Criminal de ... - Juiz 1, por acórdão datado de 21 de dezembro de 2018, efectuando o cúmulo jurídico das penas de prisão impostas à arguida AA, ..., ... de ...anos, nos seguintes processos:

- comum singular 301/11.2TALSA, que correu termos no tribunal judicial da extinta comarca da ..., e deu origem ao presente (8329/18.5T8CBR), por sentença transitada em julgado em 22.11.2017, a pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, pela prática, em outubro de 2011, de um crime de burla qualificada punido pelo art. 218.º, n.º 2, al.ª b) do Código Penal;

- comum singular 170/12.5TABNV, do Juízo Local Criminal de ... J1, comarca de Santarém, por sentença transitada em julgado em 02.07.2018, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, pela prática, em 27 de janeiro de 2912, de um crime de burla qualificada, punido pelo art. 218.º, n.º 2, al.ª b) do Código Penal;

- comum coletivo 132/10.7JACBR, do Juízo Central Criminal de ..., -J3, por acórdão transitado em julgado em 16.07.2014, nas seguintes nove penas de prisão: uma de 4 anos; uma de 3 anos e 9 meses; uma de 3 anos e 6 meses; duas de 2 anos e 9 meses; quatro de 2 anos e 7 meses; e em cúmulo jurídico na pena conjunta de 5 anos e 9 meses, pela prática, entre junho de 2009 e abril de 2012, de 9 crimes de burla qualificada, punidos pelo art. 218.º, n.º 2, al.ª b) – um também pela al.ª a) e três ainda pela alínea d) - do Código Penal;

- comum singular 1504/09.5JAPRT, do Juízo Central Criminal de ..., por acórdão transitado em julgado em 11.02.2016, pela prática em novembro de 2009, de um crime de falsificação de documento, punido pelo art. 256.º, n.º 1, al.ª a) do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão; e pela prática de um crime de burla qualificada, punido pelo art. 218.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão

- comum coletivo 1/11.3JAFUN, do Juízo Central Criminal de ... -Juiz 2, por sentença transitada em julgado em 27.05.2016, pela prática, entre janeiro e novembro de 2010, de:

-19 crimes de falsificação de documentos punidos pelo art. 256º n.º 1 do Cod. Penal nas seguintes penas de prisão: dezassete de 1 ano; uma de 9 meses;

-17 crimes de burla qualificada, punido pelo art. 218.º, n.º 2 al.ª b) do Código Penal nas seguintes penas de prisão: duas de 3 anos e 3 meses; e quinze de 3 anos

-1 crime de burla qualificada na forma tentada, punido pelos art. 218.º, n.º 2 al.ª b) e 22º do Código Penal, praticado em 15 de abril de 2010, a pena de 9 meses de prisão;

-e, em cúmulo, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão,

condenou-a na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

a) o recurso:

Inconformada com a medida da pena única, interpôs recurso, para Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ao abrigo do disposto no art. 432º n.º 1 al.ª c) do Código de Processo Penal (CPP).

Remata a alegação, com as seguintes:
- CONCLUSÕES:

a) Há data da prática dos vários crimes elencados no douto Acórdão sob recurso a arguida era primária;

b) Até tal data, a arguida teve um percurso de vida sem reparos, com um nível educacional acima da média (licenciatura em ...) e a idade (atualmente com quase ... anos);

c) Perante o quadro fáctico supra descrito, não pode a Justiça ter uma atitude segregacionista, devendo tratar de forma desigual aquilo que é desigual, pois só assim se pode dar cumprimento integral ao princípio da igualdade – plasmado inclusivamente ao nível constitucional;

d) Assim, considerando os fatores acima descritos e os indicados na decisão sob recurso, bem como as penas parcelares aí aludidas, entende-se por adequada a pena única de 7 (sete) anos de prisão.

Face ao exposto, por o Tribunal a quo ter violado a correta interpretação do disposto nos artigos 77º e 78º do C. Penal, deverá o douto Acórdão ser revogado e, em consequência disso, alterar-se a pena única de 9 (nove) anos de prisão para 7 (sete) anos de prisão.

b). a resposta:

O Ministério Publico na 1ª instância, respondeu, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido, culminando a sua alegação com as seguintes:

Conclusões:

1. Nos autos em epígrafe, foi proferido douto acórdão, datado de 21/12/2018, condenando a arguida AA na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

2. Inconformada com o douto acórdão, dele veio a arguida interpor recurso, pedindo que o mesmo seja revogado e substituído por outro que reduza a pena única para 7 (sete) anos de prisão.

3. Para tanto invoca, em síntese, que o douto Tribunal a quo violou os artigos 77.º e 78.º, do Código Penal, porquanto a arguida era primária quando cometeu os crimes, teve um percurso de vida sem reparos e tem um nível educacional acima da média, visto ter licenciatura em ....

4. Salvo o devido respeito pela posição contrária, cremos não assistir razão à arguida e recorrente.

5. O cúmulo jurídico efectuado reporta-se a condenações pela prática de 29 (vinte e nove) crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º e 218.º, do Código Penal (sendo um deles na forma tentada e todos os demais na forma consumada) e de 20 (vinte) crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

6. Estes 49 (quarenta e nove) crimes revelam um total desrespeito pelos bens jurídicos em apreço, atento o modo de execução, a reiteração no tempo e as consequências para as vítimas.

7. Aplicando as regras de punição previstas no artigo 77.º, n.º2 do Código de Processo Penal, a pena única aplicável ao cúmulo jurídico tinha como limite mínimo 4 anos de prisão e como limite máximo 116 anos e 6 meses de prisão, ou melhor, 25 anos, atento o disposto no artigo 77.º, n.º2, do Código Penal.

8. Na determinação da medida concreta da pena única, o douto Tribunal a quo considerou, em conjunto, com grande acerto e ponderação, os factos e a personalidade da arguida, sem desconsiderar todo o seu contexto pessoal.

9. A pena única aplicada à arguida AA – 9 (nove) anos de prisão – é indubitavelmente branda, pois que se aproxima do limite mínimo da moldura penal.

10. Se o douto Tribunal a quo tivesse aplicado uma pena única ainda inferior, estaria a desatender, em absoluto, às necessidades de protecção dos bens jurídicos, sem sequer beneficiar a ressocialização da arguida.

11. Com efeito, aplicando uma pena desproporcionalmente baixa, o Tribunal estaria a ignorar ou desconsiderar o mal cometido, e, consequentemente, estar-se-ia a demitir das suas funções de administração da justiça, desprotegendo as vítimas e dando aos criminosos um sinal claro de que as suas condutas eram aceites ou, pelo menos, toleradas.

12. Por todo o exposto, não podemos deixar de considerar que a pena única aplicada se mostra inteiramente justa e, mesmo, muito benévola.

c) parecer:

A Digna Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, na vista estabelecida no art. 416º n.º 1 do CPP, emitiu douto parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso com os fundamentos seguintes:
B.
O Ministério Público na 1ª instância, destacou o largo lapso temporal em que a recorrente desenvolveu a sua actividade delituosa, que a levaram à comissão de 49 crimes de burla e 20 crimes de falsificação de documentos, no desenvolvimento de uma persistente intenção criminosa dirigida à apropriação de avultadas quantias monetárias, alheias, como sucedeu.
Em relação, à moldura penal abstracta, do concurso, anota que ela vai de 4 anos [a] 116 anos e 6 meses de prisão, beneficiando, no entanto do travão contido no n º 2 do art 77º, do CP. Conclui assim que pena única no contexto do provado de modo algum pode por ser tida por excessiva, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente.
C.
O tribunal colectivo procurou ilustrar a imagem global do facto, salientou que o período em que os factos delituosos considerados ocorreram, e a reiterada prática de crimes [de] burla qualificada e da falsificação de documentos, sempre com o propósito de fazer suas elevadas quantias das vítimas. Neste conspecto, afigura-se-nos que a pena única de 9 anos de prisão, constituí a pena mínima, ainda adequada a satisfazer as elevadas necessidades de prevenção geral.

*

Foi observado o disposto no art. 417º n.º 2 do CPP.

B. OBJETO DO RECURSO:

O recurso dirige-se contra acórdão proferido pelo tribunal colectivo que aplicou uma pena única de prisão superior a 5 anos, e visa exclusivamente o reexame de matéria de direito (arts. 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP).

Nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.

A única questão suscitada pela recorrente enfoca-se na medida da pena conjunta, que pretende ver reduzida.


C. FUNDAMENTAÇÃO:

1. os factos:

O Tribunal colectivo julgou os seguintes:
- Factos provados:

1. A arguida foi condenada no processo comum singular 301/11.2TALSA, que correu termos no tribunal da ..., que deu origem ao presente, por sentença datada de 21.03.2017, transitada em julgado em 22.11.2017, pela prática de um crime de burla qualificada, pp. pelos artigos 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;

2. A arguida foi condenada neste processo por, em comunhão de esforços com o seu companheiro, em outubro de 2011, publicar em jornais anúncios de concessão de empréstimos com condições vantajosas, tendo o ofendido respondido ao anúncio pedindo um empréstimo, tendo-lhe sido solicitado a entrega de € 797,00 para dar início ao processo e posteriormente mais € 700,00, que este entregou, sem que lhe tenha sido concedido qualquer crédito.

3. No processo comum singular 170/12.5TABNV, do Juízo Local Criminal de ..., J1, Comarca de ..., por sentença datada de 02.12.2016, transitada em julgado em 02.07.2018, a arguida foi condenada pela prática de um crime de burla qualificada, pp. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses.

4. Os factos que fundamentam esta decisão ocorreram no dia 27 de janeiro de 2012, tendo a arguida com outro arguido, em comunhão de esforços e intenções, publicado em jornais anúncios de concessão de empréstimos com condições vantajosas, tendo o ofendido respondido ao anúncio pedindo a quantia de € 20.000,00, tendo-lhe sido solicitado a entrega para dar andamento ao processo de € 787,42 e posteriormente mais € 500,00, € 713,00, € 512,25, € 522,50, € 500,00, € 212,00, € 300,00 e € 1.212,50 que este entregou, sem que lhe tenha sido concedido qualquer crédito.

5. No processo comum coletivo 132/10.7JACBR, do Juízo Central Criminal de ..., J3, por acórdão datado16.12.2013, transitado em julgado em 16.07.2014, a arguida foi condenada pela prática de:

- um crime de burla qualificada, pp. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código Penal, na pena de 4 anos (quatro),

- um crime de burla qualificada, pp. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alíneas b) e d) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão,

- um crime de burla qualificada, pp. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alíneas b) e d) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão,

- um crime de burla qualificada, pp. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alíneas b) e d) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão,

-·um crime de burla qualificada, pp. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão,

-·um crime de burla qualificada, pp. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão,

-·um crime de burla qualificada, pp. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão,

-·um crime de burla qualificada, pp. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão,

-· um crime de burla qualificada, pp. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alíneas b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão,

6. Em cúmulo foi a arguida condenada na pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses.

7. Os factos referentes a esta condenação prendem-se com a publicação em jornais [de] anúncios de concessão de empréstimos com condições vantajosas, por parte da arguida e outro arguido.

8. Em junho de 2009, BB respondeu ao anúncio pedindo a quantia de € 5.000,00, tendo-lhe sido solicitado a entrega para dar andamento ao processo de € 490,00 e posteriormente mais € 1.476,00.

9. Decidiram depois aumentar o crédito para € 10.000,00, tendo sido solicitado ao ofendido a entrega de € 1.476,00, € 1.500,00 e € 1.250,00.

10. Depois de o ofendido ser ameaçado com queixa, foi emitida uma declaração de dívida de € 6.000,00, que apenas produzia efeitos se o ofendido efetuasse o pagamento de € 2.000,00, tendo este efetuado dois depósitos de € 2.000,00.

11. Depois de ter sido convencido que iria receber um cartão de crédito no valor de € 38.000,00, o ofendido entregou à arguida mais € 3.000,00, € 2.000,00.

12.  De novo ameaçada pelos arguidos, o ofendido transferiu mais € 5.000,00, € 2.000,00, € 2.000,00, € 3.138.01€ 4.500.00, € 4.250,00 e € 3.145,00.

13. Enganado, de novo, o ofendido voltou a transferir € 3.921,25., € 1.570,00, € 3.000,00, € 2.000,00 e € 3.000,00.

14. Os arguidos apoderaram-se de todos estes valores e nunca entregaram ao ofendido os empréstimos acordados.

15. Em outubro de 2011, CC também respondeu ao anúncio da arguida, pedindo um empréstimo de € 30.000,00, sendo-lhe solicitado o pagamento da quantia de € 797,42, que pagou, e posteriormente entregou mais € 750,00, € 618,00, € 320,00, € 300,00, € 890,00 e € 890.00.

16. Enviaram então um cheque à ofendida com o valor do alegado empréstimo que veio a ser devolvido por falta de provisão.

17. Combinaram então enviar outro cheque mas a arguida tinha de entregar mais € 890,00.

18. Apresentado o cheque a pagamento veio o mesmo a ser devolvido por falta de provisão.

19. Pediram então à arguida que entregasse mais € 412,00, o que esta fez.

20. A ofendida ainda depositou mais € 360,00, € 470,55, € 211,00, sem que lhe tenha sido concedido qualquer crédito.

21. No mês de março de 2012, ofendida DD também respondeu a um anúncio dos arguidos, solicitando em empréstimo de € 10.000,00, tendo-lhe sido solicitado o pagamento prévio de € 787,00 e € 100.00, sem que lhe tenha sido concedido qualquer empréstimo.

22. No dia 28 de março de 2012, os ofendidos EE e FF, respondendo ao anúncio da arguida, solicitaram um empréstimo no valor de € 50.000,00.

23. Efetuaram diversos pagamentos no valor total de € 2.531,62, que lhes solicitaram os arguidos e não obtiveram qualquer empréstimo.

24. Situação semelhante ocorreu com o ofendido GG, em março de 2012, que entregou aos arguidos € 838,00, sem obter qualquer empréstimo.

25. O mesmo aconteceu com HH que, em abril de 2012, solicitou um empréstimo aos arguidos, entregou-lhes a quantia global de € 2.927,00, sem que lhe tenha sido concedido qualquer empréstimo.

26. Também II solicitou um empréstimo aos arguidos, em fevereiro de 2012, tendo efetuado transferências para os arguidos no valor total de € 2.467,85, sem que tenha auferido qualquer empréstimo.

27. De igual forma aconteceu com JJ, em 17 de novembro de 2011, que entregou aos arguidos o valor global de € 20.275,86, sem que lhe tenha sido concedido qualquer empréstimo.

28. Joaquim Russo, em novembro de 2011, solicitou um empréstimo aos arguidos, entregando-lhes a quantia de € 2.924,64 e não recebeu o empréstimo solicitado.

29. A arguida foi condenada no processo comum singular 1504/09.5JAPRT, que correu termos no Juízo Central Criminal de ..., por acórdão datado de 19.05.2015, transitado em julgado em 11.02.2016, pela prática de um crime de falsificação de documento, pp. no artigo 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, e pela prática de um crime de burla qualificada, pp. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.

30. Em cúmulo foi a arguida condenada na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão.

31. A arguida foi condenada neste processo por, em comunhão de ideias e de esforços com o seu companheiro, publicar em jornais anúncios de concessão de empréstimos com condições vantajosas.

32. O ofendido LL respondeu ao anúncio em 11 de setembro de 2009, pedindo um empréstimo de € 20.000,00, tendo-lhe sido solicitado a entrega de € 960,00 para dar início ao processo e posteriormente mais € 987,48, que este entregou, sem que lhe tenha sido concedido qualquer crédito.

33. Foi-lhe enviado um contrato para assinar e a fatura/recibo referente ao valor entregue, sem que lhe fosse concedido qualquer empréstimo.

34. O ofendido MM também respondeu a um anúncio em setembro de 2009, pedindo um empréstimo de € 15.000,00, tendo-lhe sido solicitado a entrega de € 960,00 para dar início ao processo, que este entregou, sem que lhe tenha sido concedido qualquer crédito.

35. Foi-lhe enviado um contrato para assinar e a fatura/recibo referente ao valor entregue.

36. O ofendido NN também respondeu a um anúncio em setembro de 2009, pedindo um empréstimo de € 10.000,00, tendo-lhe sido solicitado a entrega de € 400,00 para dar início ao processo, e posteriormente mais € 455,00, € 825,00, € 900,00 e € 1.600,00 que este entregou, sem que lhe tenha sido concedido qualquer crédito.

37. Foi-lhe enviado um contrato para assinar e a fatura/recibo referente ao valor entregue.

38. No processo Comum Coletivo 1/11.3JAFUN, do Juízo Central Criminal de ..., Juiz 2, por sentença datada 23.03.2016, transitada em julgado em 27.05.2016, a arguida foi condenada pela prática de:

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, na forma tentada, pp. nos artigos 22.º, 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

-  um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de falsificação de documento, pp. pelos artigos 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- um crime de burla qualificada, pp. nos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.

39. Em cúmulo, foi a arguida condenada na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

40. De acordo com esta condenação a arguida e os demais arguidos publicavam em jornais anúncios de concessão de empréstimos com condições vantajosas, ficcionando a existência de duas sociedades.

41. No dia 1 de julho de 2010, o ofendido OO respondeu ao anúncio solicitando um empréstimo bancário, entregando aos arguidos € 850,00 e posteriormente € 600,00, € 450,00, € 530,00 e € 1.120,00 que lhe foi pedido para pagamento de despesas, sem que lhe fosse concedido qualquer empréstimo.

42. Os arguidos emitiram ainda faturas e recibos falsos.

43. No dia 15 de abril de 2010, PP respondeu ao anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 50.000,00, entregando a quantia de € 1.550,00 e posteriormente mais € 1.550,00 que lhe foram solicitadas para pagamento de despesas.

44. Foi-lhe enviado um contrato para assinar e a fatura/recibo referente ao valor entregue, sem que lhe fosse concedido qualquer empréstimo.

45. No dia 25 de maio de 2010, QQ respondeu ao anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 10.000,00, entregando a quantia de € 850,00 e posteriormente mais € 600,00, € 325,00, € 320,00 e € 250,00 que lhe foram solicitadas para pagamento de despesas.

46. Foi-lhe enviado um contrato para assinar e a fatura/recibo referente ao valor entregue, sem que lhe fosse concedido qualquer empréstimo.

47. Em data próxima a 23 de agosto de 2010, RR respondeu ao anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 40.000,00, entregando a quantia de € 850,00 que lhe foi solicitada para pagamento de despesas.

48. Foi-lhe enviado um contrato para assinar e a fatura/recibo referente ao valor entregue, sem que lhe fosse concedido qualquer empréstimo.

49. Em 23 de março de 2010 os arguidos enviaram ao ofendido SS um contrato denominado de “contrato de empréstimo” no valor de € 20.000,00, que este assinou.

50. A pedido dos arguidos, o ofendido efetuou os seguintes entregas de dinheiro: € 1750,00, € 1.600,00; € 1.600,00, € 600,00 e € 600,00.

51. Os arguidos enviaram-lhe um cheque no valor de € 27.270,00 que veio a ser devolvido por falta de provisão, não recebendo, por isso, o ofendido qualquer empréstimo.

52. Entre finais de outubro e inícios de novembro de 2010, o ofendido respondeu ao anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 30.000,00, entregando a quantia de € 960,42 e posteriormente € 920,20 e € 923,58 que lhe foram solicitadas para pagamento de despesas.

53. Foi-lhe entregue um cheque no valor de € 31.636,80, tendo a arguida entregue a quantia de € 1.636,80 em dinheiro.

54. Todavia, tal cheque veio as ser devolvido por falta de provisão.

55. No dia 9 de junho de 2010, TT respondeu ao anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 10.000,00, entregando a quantia de € 423,32 e posteriormente mais € 157,35, € 109,18, € 150,00, € 150,00, € 89,00 e € 89,00 que lhe foram solicitadas para pagamento de despesas.

56. Todavia, nunca lhe foi depositada a quantia de € 10.000,00 referente ao empréstimo.

57. Entre os dias 12 e 13 de setembro de 2013, UU respondeu ao anúncio dos arguidos, para obtenção de um empréstimo até € 50.000,00, entregando a quantia de € 955,00 e posteriormente mais € 500 que lhe foram solicitadas para pagamento de despesas, mas nunca lhe foi concedido qualquer empréstimo.

58. Em data não apurada mas no início de 2010, VV e XX responderam ao anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 50.000,00, entregando a quantia de € 1.595,00 e posteriormente mais € 800,00, € 600,00 e € 250,00 que lhe foram solicitadas para pagamento de despesas.

59. Foi-lhe enviado um contrato para assinar, sem que lhe fosse concedido qualquer empréstimo.

60. Em finais de outubro de 2010, YY respondeu ao anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 10.000,00, entregando a quantia de € 1.143,00 e posteriormente mais € 410,00, € 400,00, € 122,00 e € 213,00 que lhe foram solicitadas para pagamento de despesas.

61. Foi-lhe enviado um contrato para assinar mas não lhe foi concedido qualquer empréstimo.

62. No dia 25 de outubro de 2010, ZZ respondeu ao anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 45.000,00, entregando a quantia de € 920,22 e posteriormente mais € 500,00, € 400,00, € 1.400,52, € 326,00 e € 1.125,00 que lhe foram solicitadas para pagamento de despesas.

63. Foi-lhe enviado um contrato para assinar.

64. Foi então entregue ao ofendido um cheque no valor de € 46.636,80, tendo sido alertado que devia devolver a quantia a € 1.636,80.

65. Desconfiando deste pedido, o ofendido apresentou o cheque a pagamento, que veio a ser devolvido por falta de provisão.

66. Em junho de 2010, AAA respondeu ao anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 15.000,00, entregando a quantia de € 425,00 e posteriormente mais € 425,00, € 525,00, € 200,00 e € 213,00 que lhe foram solicitadas para pagamento de despesas.

67. Foi-lhe enviado um contrato para assinar mas não lhe foi concedido qualquer empréstimo.

68. Em 05 de agosto de 2010, AAA respondeu ao anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 5.000,00, entregando a quantia de € 400,00 que lhe foi solicitada para pagamento de despesas mas não lhe foi concedido qualquer empréstimo.

69. No dia 5 de agosto de 2010, foi publicado um anúncio no Correio da Manhã para a concessão de empréstimos, a pedido dos arguidos que se identificaram como sendo BBB.

70. Para tanto os arguidos forjaram a assinatura de BBB aposta no termo de responsabilidade remetido à CCC, fazendo-se passar por outra pessoa.

71. Posteriormente, os arguidos também colocaram a assinatura de BBB no depósito que efetuaram para pagamento da fatura emitida [pela] CCC.

72. No dia 27 de setembro de 2010, foi publicado um anúncio no Correio da Manhã para a concessão de empréstimos, a pedido dos arguidos que se identificaram como sendo DDD.

73. Para tanto os arguidos forjaram a assinatura de DDD aposta no termo de responsabilidade remetido à CCC, fazendo-se passar por outra pessoa.

74. Posteriormente, os arguidos também colocaram a assinatura de DDD no depósito que efetuaram para pagamento da fatura emitida [pela] CCC.

75. Em dia não apurado do mês de julho de 2010 EEE viu um anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 30.000,00, entregando a quantia de € 850,00 e posteriormente mais € 750,00, € 600,00, € 500,00, € 180,00, € 793,83, € 300,00, € 97,00, € 30,00 e € 450,00 que lhe foram solicitadas para pagamento de despesas.

76. Foi-lhe enviado um contrato para assinar mas não lhe foi concedido qualquer empréstimo.

77. Em meados de agosto de 2010, FFF viu um anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 45.000,00, entregando a quantia de € 850,00 e posteriormente mais € 1.125,00 que lhe foram solicitadas para pagamento de despesas.

78. Foi-lhe enviado um contrato para assinar mas não lhe foi concedido qualquer empréstimo.

79. Em dia 12 de janeiro de 2010 GGG viu um anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 7.000,00, entregando a quantia de € 1.550,00 que lhe foi solicitado para pagamento de despesas.

80. Foi-lhe enviado um contrato para assinar mas não lhe foi concedido qualquer empréstimo.

81. Em data não apurada os arguidos entraram em contacto com HHH, em circunstâncias semelhantes às relatadas, fazendo-se passar por funcionários da “III” enviando-lhe um alegado “contrato de empréstimo” para a concessão de um empréstimo de € 20.000,00 e duas faturas, uma no valor de e 120,00 e outra no valor de € 468,00.

82. Em setembro de 2010, JJJ viu um anúncio dos arguidos, pedindo um empréstimo de € 25.000,00, entregando a quantia de € 950,20 e posteriormente mais € 717,50, € 55,50, € 120,50, € 837,37 e € 243,00que lhe foram solicitadas para pagamento de despesas.

83. Foi-lhe enviado um contrato para assinar mas não lhe foi concedido qualquer empréstimo.

84. A arguida foi, ainda, condenada:

a. Em 23.05.2007, por sentença transitada em julgado em 02.07.2014, pela prática de um crime de difamação, em 28.05.2011, na pena de 180 dias de multa, á taxa diária de € 5,00 (PS 168/11.0T3ASL).

Mais se provou:

85. O processo de socialização de AA decorreu num ambiente familiar estruturado e harmonioso, sem problemas do ponto de vista económico e social.

86. O pai exercia atividade como mecânico, a mãe era funcionária pública, pelo que a arguida, sendo filha única, constituiu o centro das atenções/preocupações dos pais, que respondiam de forma cuidadosa às suas necessidades.

87. Por seu lado, AA prosseguiu os estudos de forma regular durante o ensino secundário e ingressou na Universidade ..., com cerca de 18 anos de idade, onde frequentou o primeiro ano do curso de ....

88. Contudo o seu percurso académico foi condicionado pelo desejo de se autonomizar, interrompendo os estudos, que viria a retomar mais tarde como trabalhadora-estudante, na universidade clássica de ..., tendo-se licenciado em ... em 1994.

89. Durante esse período casou, dedicou-se aos filhos, o mais velho adotado e os dois mais novos fruto da relação conjugal e desenvolveu atividade como administrativa, em regime de tarefa no Estado, numa repartição de finanças e depois no sector da saúde, em vários hospitais, após ter ingressado na função pública.

90. Assume a frustração de um casamento assente em laços afetivos pouco coesos, que se dissolveram no contexto da dinâmica de relação familiar pouco intensa e participada pelo cônjuge, que se mantinha distante e aparentemente desinteressado em exercer o seu papel parental.

91. A arguida por essa altura já apresentava indicadores de perturbação psiquiátrica, tendo-lhe sido diagnosticada doença bipolar, pelos serviços de psiquiatria do hospital de ... em ..., onde foi acompanhada.

92. Em 2003, depois de se ter separado e já de licença sem vencimento, fixou-se com os dois filhos mais novos numa casa da família em ..., aproveitando por essa altura para realizar o estágio de ... em ..., após o que terá constituído escritório.

93. Em 2007 LL conheceu MMM, cerca de onze anos mais novo, que se deslocou para o ... pouco tempo depois, para iniciarem vivência marital.

94. Alguns meses mais tarde a arguida terá regressado a ..., na sequência do agravamento dos problemas de saúde mental da filha, que apresenta défice cognitivo e perturbação depressiva do humor, tendo necessitado de internamento psiquiátrico.

95. A descendente regressou para junto dos familiares e do irmão depois de estar estabilizada, tendo prosseguido acompanhamento especializado.

96. A arguida entretanto abriu escritório em Lisboa e passou a residir nesta cidade.

97. No entanto, mantinha um regime de domicílios instáveis com o companheiro MMM.

98. O relacionamento, então aparentemente caracterizado por uma forte fusão e interdependência emocional entre o casal, parece ter suscitado sentimentos exacerbados de deslumbramento e ideação na arguida e no par, mostrando-se ambos incapazes de reverter a realidade.

99. Em 2009, a arguida ausentou-se com o companheiro para ..., revelando já por essa altura um modo de vida instável e irregular em Portugal.

100. A filha permaneceu no ... na companhia dos familiares, mas o filho acompanhou-a, tendo-se ausentado mais tarde para a ... com a namorada.

101. Em 27.06.2012, AA foi presa preventivamente na sequência de emissão de mandado de captura internacional.

102. À data da prisão AA mantinha relação marital com o coarguido MMM, apresentando uma situação socio-residencial instável, com diferentes domicílios em Portugal e depois em Espanha, onde se fixou a partir de Março de 2009.

103. Durante o período de permanência em Espanha segundo refere, terá trabalhado em empresas financeiras e de concessão de crédito, em regime de prestação de serviços, após o que ficou inativa por vários problemas de saúde que a impediram de trabalhar.

104. Nestas circunstâncias alega que se encontrava sob o domínio do companheiro, sem condições de escrutinar os meios a que o mesmo recorria para providenciar as necessidades económicas do agregado familiar.

105. Atualmente AA encontra-se à ordem do Proc. Nº 1504/09.5JAPRT, do Tribunal Judicial de ..., Juízo Central Criminal –J1.

106. No decurso da atual situação tem-se mantido estável do ponto de vista psicoemocional, encontrando-se medicada com acompanhamento regular das consultas de psiquiatria e psicologia, embora tenda adotar uma atitude algo apelativa face aos serviços.

107. No domínio do reequacionamento do modo de vida no futuro, AA tem revelado propósitos ambivalentes, mas atualmente reitera a intensão de se fixar em Lisboa, onde a filha vive atualmente com o namorado, uma vez que a mesma está grávida, filha e tal com referimos anteriormente apresenta problemas mentais.

108. Sem meio próprios de subsistência AA conta com o apoio do pai e da tia, ambos reformados, com um rendimento global de cerca de 2.000€ /mensais.

109. Por seu lado os familiares mostram-se solidários e disponíveis para a apoiarem, interpretando o comportamento da arguida à luz dos problemas psiquiátricos.

110. De resto a instabilidade e o impacto que o tipo de doença da arguida gera na vida dos pacientes e na sua interação no domínio da vida familiar e social, introduzem vulnerabilidades do ponto de vista psíquico, que requerem intervenção psiquiátrica sistematizada e promovem riscos no domínio da reinserção social.

2. Do direito:

No vertente recurso ocorre situação que suscita interessante questão jurídico-penal que importa aclarar:


i. cúmulos anteriores:

Dos factos provados resulta que a arguida foi condenada anteriormente em três cúmulos jurídicos, pela prática de crimes que estando entre si numa relação de concurso, e que integram o mais vasto concurso de crimes de conhecimento superveniente, abrangido no cúmulo jurídico de penas aqui em apreciação.

Foi condenada no:
- Proc. 132/10. 7JACBR, por acórdão transitado em julgado em 16.07.2014, na pena única de 5 anos e 9 meses de prisão, englobando 9 penas singulares, pela prática, entre junho de 2009 e abril de 2012,de 9 crimes de burla qualificada punidos pelo art. 218º, nº 2, al.ª b), do Cód. Penal;
- Proc. 1504/09.5JAPRT, por acórdão transitado em julgado em 11.02.2016, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, englobando duas penas parcelares, pela prática em setembro de 2009, de um crime de falsificação de documento, punido pelo art. 256.º, n.º 1, al.ª a) do Cód. Penal, e um crime de burla qualificada, punido pelo art. 218.º, n.º 2 al.ª b) do Código Penal;
- Proc. 1/11.3JAFUN, por acórdão transitado em julgado em 27.05.2016, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, englobando 37 penas parcelares, pela prática, entre 12 de janeiro e início de novembro de 2010, de 18 crimes de burla qualificada, um destes na forma tentada, punidos pelo art. 218.º, n.º 2 al.ª b) do Código Penal, e 19 crimes de falsificação de documentos, punidos pelo art. 256.º, n.º 1, al.ª a) do Cód. Penal.

No vertente cúmulo jurídico de penas está em causa um concurso real de infrações que inclui também aqueles crimes. Concurso de crimes que tem de punir-se com uma pena única (artigo 77º n.º 1 do Cód. Penal), não obstante apenas ter sido conhecido na sua actual extensão posteriormente a primeira decisão condenatória. Por isso, no concurso de conhecimento superveniente, as penas singulares englobadas em anteriores cúmulos, retomam autonomia. No novo cúmulo jurídico, são consideradas todas e cada uma das penas parcelares aplicadas à arguida, pelos crimes do concurso, independentemente de terem sido, ou não, englobadas em anterior pena conjunta.

Deste modo, neste cúmulo jurídico, aquelas penas conjuntas de prisão deixam de ter existência jurídico-penal. Não subsistindo, não têm qualquer relevo para efeitos de determinação da moldura penal do concurso de crimes.

Todavia, dessa irrelevância não pode extrair-se que a pena conjunta anteriormente aplicada deva ignorar-se.

O cúmulo jurídico é uma construção normativa, de matriz dogmática, com a finalidade de fundir numa pena única, as penas de prisão em que o mesmo agente foi condenado por ter cometido uma multiplicidade de crimes que, entre si, estão numa relação juridicamente determinada. No nosso sistema penal, a/o arguida/a que cometeu crimes que estão, entre si, numa relação de concurso real, tem direito a que a pena de prisão aplicada por cada um seja “fundida” numa pena única.

Idealmente, os crimes de um concurso devem ser conhecidos no mesmo julgamento e, consequentemente, integrar a correspondente condenação. Quando assim sucede, as penas singulares aplicadas por cada crime do concurso são cumuladas juridicamente resultando na aplicação da pena única de prisão que for devida. O tribunal, na mesma decisão condena o arguido por cada crime e na correspondente pena e, cumulando juridicamente as penas parcelares, condena-o numa pena conjunta ou única.

Muitas vezes descobre-se depois que o mesmo arguido tinha cometido outro ou outros crimes que com os da primeira condenação transitada formam um concurso real e pelos quais foi ou vem a ser condenado em pena de prisão, noutra decisão e em outro processo. Estamos então perante um conhecimento superveniente do concurso de crimes. Quando a consequência jurídica da correspondente responsabilidade criminal é sancionada com prisão, o legislador impõe que esta e as demais penas aplicadas pelos crimes do concurso sejam também cumuladas juridicamente, numa pena conjunta, determinada pelos critérios especiais legalmente estabelecidos. À unificação jurídica da multiplicidade dos crimes cometidos pelo agente, através do instituto do concurso real, corresponde a conjunção das consequências jurídicas. Se uma multiplicidade de crimes cometidos pelo agente pode formar uma unidade de sentido jurídico-criminal, a pena de prisão que a cada um é aplicada deve também ser convertida numa pena única. Esta foi a solução adotada no nosso Código Penal.

O caso dos autos é precisamente de conhecimentos supervenientes de múltiplos crimes cometidos pela arguida, que entre si estão numa relação de concurso real de infracções, pelos quais foi condenada em penas de prisão. Em alguns processos, como vimos, foi condenada também já em pena única. Tendo aquelas condenações transitado em julgado, não fora a imposição normativa da unificação das consequências jurídico-penais do concurso de crimes e as penas aí aplicadas à arguida seriam executadas naquela exata medida, e sucessivamente. Tendo-se descoberto depois que os crimes que as determinaram estavam entre si numa relação jurídica de concurso real, há que encontrar uma pena nova, - determinada no âmbito de uma moldura própria e, essencialmente, à luz de um critério específico -, que unifique as penas singulares aplicadas a cada crime cometido.

No caso, o tribunal que no Proc. comum coletivo 132/10.7JACBR condenou a arguida, ora recorrente, na pena única de 5 anos e 9 meses, cumulando juridicamente as seguintes nove penas de prisão: uma de 4 anos; uma de 3 anos e 9 meses; uma de 3 anos e 6 meses; duas de 2 anos e 9 meses; quatro de 2 anos e 7 meses, por ter cometido 9 crimes de burla qualificada, não aplicava, seguramente, pena de prisão conjunta inferior se no mesmo acórdão a tivesse condenado também pelos restantes 41 crimes do vertente concurso, ou noutra perspectiva e com mais propriedade, se tivesse cumulado na mesma pena única todas as penas que à arguida foram aplicadas por ter cometido cada um dos múltiplos crimes conhecidos deste concurso real de infracções.

Se matematicamente, da adição ao conjunto de novos elementos (positivos) não resulta a sua diminuição; se num concurso de duas penas parcelares não é admissível aplicar pena única inferior à mais elevada (que constitui o limite mínimo da moldura penal do concurso, seja ou não de conhecimento superveniente); logica e racionalmente, da inclusão em novo cúmulo jurídico de mais penas de prisão parcelares não deverá resultar a aplicação de pena única mais baixa que a fixada em cúmulo anterior ou da pena conjunta mais elevada quando há mais que um cúmulo jurídico anterior que englobe alguns dos crimes do mesmo concurso. Pena inferior à que foi aplicada em anterior cúmulo jurídico, representaria forte incentivo à criminalidade. O arguido resultava “premiando” com a redução da pena única anteriormente aplicada em razão de ter cometido mais crimes pela anódina circunstância de somente se descobrirem depois. Estando assente que o cúmulo jurídico de penas de prisão em caso de concurso de crimes de conhecimento superveniente deixa sem efeito, inutiliza a pena única anteriormente aplicada pelo cometimento de uma parte dos crimes do mesmo concurso, certo é também que, no novo cúmulo jurídico não é possível alterar os factos e a sua qualificação jurídica, a condenação, a medida de cada pena singular, nem tampouco fazer intervir o instituto da atenuação especial da pena (atenuação especial de moldura do concurso). Como se disse, não fora o conhecimento tardio de que o concurso de crimes incluía outro ou outros cuja pena não foi considerada no anterior cúmulo jurídico e a consequência jurídico-penal da responsabilidade da arguida não seria inferior ao quantum da pena única ali estabelecida, fixada já por aplicação do critério especial do artigo 77º n.º 1 (parte final) do Código Penal. Se a anterior pena única é irrelevante para a moldura penal do concurso de crimes, se o condenado não deve ser prejudicado por se descobrir depois que no mesmo concurso de infracções se incluíam mais crimes que os que foram considerados na condenação de um primeiro cúmulo jurídico das penas parcelares de uma parte dos delitos dessa unidade jurídica, também não deverá resultar beneficiado. Como se disse, o tribunal que em anterior cúmulo jurídico fixou a medida da pena conjunta englobando somente parte da multiplicidade dos crimes do concurso, se tivesse conhecido dos restantes crimes, logicamente, racionalmente e também juridicamente, não aplicaria pena única inferior.

Sob o critério legislativo que erige como finalidade primeira da pena a protecção dos bens jurídicos, poderá até equacionar a conformidade constitucional da redução de uma anterior pena conjunta ou, sendo várias, da mais elevada, aplicada em anterior cúmulo jurídico. É suposto que aquela pena conjunta se situa no limiar capaz de satisfazer as exigências de prevenção evidenciada pela gravidade do “ilícito global” e pela personalidade do agente nele revelada. Com mais crimes a entrar nessa unidade jurídico-criminal não é configurável diminuição de qualquer dos factores que determinaram a anterior pena conjunta. Assim e no limite, o “corte” na medida concreta dessa anterior pena única poderia configurar uma medida de graça, isto é, um perdão parcial de pena judicialmente fixada por sentença/acórdão transitado em julgado. Na nossa constituição penal, o direito de graça está reservado a outros órgãos de soberania, não competindo aos tribunais.

Consequentemente, aqui e em geral, do conhecimento posterior de que um concurso de crimes inclui outro ou outros crimes pelos quais o agente foi condenado em outra pena de prisão não deve resultar a diminuição da pena única aplicada em anterior cúmulo jurídico ou, sendo vários, da pena conjunta mais elevada.

No caso dos autos, a pena única mais elevada aplicada à arguida foi de 5 anos e 9 meses de prisão. A pena conjunta aplicada no vertente recurso é em medida superior.

No reverso, também a pena conjunta não deve ultrapassar a soma das penas finais aplicadas nas condenações cujas penas parcelares vão ser englobadas no cúmulo jurídico a efectuar por conhecimento superveniente de outros crimes integrantes do mesmo concurso. Igualmente aqui, não fora a imposição de um novo cúmulo jurídico destinado a “unificar” a consequência jurídico-penal do concurso de crimes cometido e a arguida não corria o risco de ver aplicada uma pena única mais elevada que a resultante da soma das penas que anteriormente lhe tinham sido impostas. Isto é, quando no novo e posterior cúmulo de penas entram somente condenações transitadas em julgado algumas com aplicação de pena única, naturalmente englobando apenas parte dos crimes do mesmo concurso, não fora o conhecimento superveniente do concurso e a consequência penal dos crimes cometidos estaria definitivamente fixada, e em media aquém do limiar máximo da moldura penal do concurso, até ao qual, é legalmente possível fixar o quantum da nova pena conjunta. Tomando com exemplo o caso dos autos, a arguida nem sequer correria o risco de poder ver aplicada uma pena conjunta superior a 19 anos e 3 meses de prisão que corresponde à soma de todas as condenações finais englobadas no vertente cúmulo jurídico. É certo que não foi nem seria, normalmente e segundo a praxis jurisprudencial, aplicada pena mais elevada que aquela soma. Todavia, porque a moldura máxima é superior -25 anos de prisão – não estava completamente excluída. Independentemente da praxis jurisprudencial, se outro argumento não houvera, poderia intervir, então, a proibição do excesso.

Não pode dizer-se que tenha sido o que vem de apontar-se o critério adotado pelo Código Penal. Na determinação da medida da pena conjunta não distingue a situação de conhecimento ideal – conhecimento dos crimes do concurso no mesmo processo e na mesma decisão judicial – em que não existe anterior condenação em pena única, da situação de conhecimento superveniente do concurso na qual existem já outras condenações em pena conjunta. Sem deixar de o seguir escrupulosamente como se nos impõe, entende-se que não resulta desvirtuado se na determinação da pena única de um concurso de crimes de conhecimento superveniente como o dos autos, se tiver em consideração, não, evidentemente como moldura penal ou como critério especial, mas apenas a título indicativo e de racionalidade lógica tanto a mais elevada das penas únicas aplicada nas condenações anteriores abrangidas pelo novo cúmulo como também a soma das penas finais dessas mesmas condenações.


a) da pena única:

A recorrente, argumentando que não tinha, à data dos factos, historia criminal registada, tem um nível de formação superior e contando actualmente conta 58 anos de idade, pretende que seja reduzida a pena, sendo, em seu entender, “adequada a pena única de 7 (sete) anos de prisão”.

i.    na decisão recorrida:

O tribunal da 1ª instância, motivando a determinação da medida da pena única, expende no acórdão condenatório:

Analisando globalmente todas as condenações sofridas pela arguida (excluindo a pena de multa aplicada no processo 168/11.0, que é a única desta natureza, pelo que não faz qualquer sentido fazer cúmulo com as demais penas de prisão impostas), temos que a primeira condenação para efeitos de cúmulo ocorreu no dia 16.07.2014 (PCS 132/10.7JACBR) e que as condenações proferidas nos processos 170/12.5TABNV, 1504/09.5JAPRT, 1/11.3JAFUN e 301/11.2TALSA referem-se a factos ocorridos antes daquela primeira condenação, pelo que não existem dúvidas que estão numa relação de concurso.

Importa, então, nos termos dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, aplicar uma pena única.

Aplicando as regras de punição previstas no artigo 77.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, a pena aplicável tem como limite mínimo 4 anos (pena concreta mais elevada aplicada) e como limite máximo 25 anos de prisão (a soma das penas concretas aplicadas é superior mas, atento o disposto no artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal, não lhe pode ser aplicada pena superior a 25 anos).

Como referimos, na determinação da medida concreta da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal).

Quanto aos factos, podemos dizer que os mesmos são de elevada gravidade, porquanto a arguida praticou diversos crimes sempre da mesma natureza a ao longo de vários anos, sendo de realçar que a gravidade dos factos resulta também da exploração económica das vítimas. Estas necessitavam de obter empréstimos para satisfação de encargos e acabavam por entregar à arguida montantes muito elevados, que as deixavam em situação económica ainda mais frágil. A arguida explorava a debilidade económica das vítimas, deixando-as ainda mais frágeis e vulneráveis

As condenações da arguida evidenciam uma personalidade desviante, desconforme com o direito, com dificuldade em acatar as mais básicas regras de convivência em sociedade. Todavia, o seu processo de socialização decorreu num contexto sociofamiliar, económico e cultural equilibrado.

Contudo apesar de ter adquirido competências que lhe permitiam integrar-se socialmente de forma eficaz, AA parece ter revelado dificuldades progressivas de se adaptar, sobretudo, depois da idade adulta, registando a ocorrência de diversos factos criminais. O seu percurso parece ter sido prejudicado pela instabilidade psíquica. Tem, no entanto, apoio familiar.

Tudo ponderado, considerámos ajustado aplicar à arguida uma pena de 9 (nove) anos de prisão.

No caso dos autos estamos perante situação típica de cúmulo jurídico de penas por conhecimento superveniente de um concurso de crimes. A arguida foi condenada no NUIPC 132/10.7JACBR do Juízo Central Criminal de Coimbra, -J3, por acórdão transitado em julgado em 16.07.2014, nas 9 penas parcelares e, em cúmulo, na pena única de 5 anos e 9 meses de prisão por ter cometido, entre junho de 2009 e abril de 2012, nove crimes de burla qualificada. Depois dessa decisão judicial se tornar firme, foi sucessivamente condenada nos restantes quatro processos inicialmente identificados, por outras tantas decisões transitadas em julgado, em penas de prisão, pela prática de crimes de falsificação de documentos e crimes de burla qualificada, um destes na forma tentada, todos cometidos em datas anteriores ao referido dia 16 de julho de 2014 (concretamente, perpetrados entre setembro de 2009 e outubro de 2011).

Impunha-se (impõe-se), pois, cumular juridicamente todas as penas parcelares aplicadas à arguida pela multiplicidade dos crimes (50) deste concurso real de infrações, condenando-a numa pena conjunta.

No acórdão recorrido, o tribunal condenou-a na pena única de 9 anos de prisão.

Vejamos então se a modelação de pena única obedeceu aos parâmetros legalmente estabelecidos.

Ou se, como peticiona a recorrente, os factores concorrentes na determinação da pena conjunta impõem a redução da respetiva medida.

ii. critério e factores:

O Código Penal, no art. 77º (regras da punição do concurso), n.º 1, dispõe:

1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. (…).

O legislador, divergindo de ordenamentos jurídico-penais[1] próximos que optaram por sistemas que se aproximam mais da pura adição de penas (a cumprir sucessivamente, com plafonamento ou limite máximo legalmente prédeterminado[2]) -o espanhol[3]- ou de um cúmulo material (as penas aplicadas aos crimes em concurso dão lugar a uma pena unificada), em qualquer caso também com limite definido –o italiano[4], o brasileiro[5], - ou de uma só pena -o Suíço[6]-, optou (por razões politico-criminais e de dogmática[7]) pelo sistema de pena conjunta (cada infracção é punida com a pena correspondente e as penas aplicadas ao concurso de crimes «fundem-se» numa pena única), assente na combinação dos princípios da acumulação material e do cúmulo jurídico, tendo este por base uma consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente[8].

Como se disse, ao cúmulo jurídico de penas subjaz necessariamente uma pluralidade de crimes que estão, entre si, numa relação de concurso (real). No sistema do Código Penal português, a reiteração ou sucessão de infracções que podem integrar-se num mesmo concurso de crimes é interrompida e assim delimitada pelo trânsito em julgada da condenação de qualquer deles, diversamente do que sucede em outros regimes que optaram pela decisão condenatória.

A moldura penal do concurso de crimes estabelece-se de acordo com o disposto no art. 77º n.º 2 co Cód. Penal:

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

A dosimetria da pena única a aplicar (em cúmulo jurídico) ao concurso de crimes rege-se pelo segundo segmento da norma do art. 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estatui:

1 – (…) . Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Deste modo, o legislador instituiu um regime especial para guiar o juiz no procedimento conducente à fixação do quantum da pena judicial do concurso de crimes, com a indicação do iter a seguir e dos parâmetros a observar.

Na dosimetria da pena única é considerado o “comportamento global” resultante da ponderação concorrente dos “factos” perpetrados e da “personalidade” do agente revelada no seu cometimento. As regras de determinação da pena não operam aqui por referência a um qualquer dos crimes em concurso, nem a todos como se de uma unidade de sentido punitivo se tratasse, mas por referência aos factos e à pena aplicada a cada um e a todos eles[9]. É esta referenciação aos crimes do concurso e às penas parcelares que confere autonomia dogmática ao sistema da pena conjunta e o diferencia do sistema da pena unitária (ou da pena unificada).

Deste modo, a determinação da medida da pena conjunta comporta, especificidades, submetida como está a um regime especial de pena única, diverso do adotado em ordenamentos com sistemas próximos nos quais a pena judicial do concurso se obtém por absorção (dentro da moldura penal do crime mais gravemente punido) ou por exasperação (a pena mais elevada aplicável a uma das infrações do concurso é agravada em razão do número de crimes que o integram), que aparentam assentar numa operação mais simplificadamente quantificável e com maior grau de uniformização sancionatória.

No sistema do Cód. Penal português informado pelos princípios da exasperação e da cumulação e que, na expressão de J. Figueiredo Diasas nossas doutrina e jurisprudência crismam … de sistema do cúmulo jurídico[10], a moldura penal do concurso é autónoma, resultante da consideração das penas aplicadas a cada um dos crimes integrantes do concurso, tendo como limiar mínimo a pena parcelar mais elevada e como limite máximo a soma de todas as penas aplicadas.

Dentro desta moldura a fixação da pena judicial única terá de resultar da atuação conjugada do referido binómio (factos e personalidade) - art. 77.º, n.º 1, II parte, do Código Penal.

Alguma doutrina questiona a admissibilidade da valoração, na determinação da pena conjunta, de fatores que tenham servido para fixar a pena singular aplicada a cada crime.

Um deles é desde logo a culpa, não na consideração politico-criminal do legislador quando elegeu os tipos de culpa, mas já nos termos dos artigos 40º n.º 2 (em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”), e 71º n.º 1 (“a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”) que a constituem como fator determinante do limite e da medida máxima de cada pena concreta.

A doutrina maioritária[11] e a jurisprudência[12] entendem que os parâmetros contidos no art. 71º do Código Penal – culpa e prevenção –, servem apenas de guia na operação de fixação da pena conjunta, pois os mesmos não podem ser valorados novamente sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração, a menos que tais factores tenham um alcance diferente enquanto referidos à totalidade dos crimes. Com esta advertência parece entender-se que nada obsta a que a pena única se determine pela ponderação conjugada de factores do critério geral (enunciados no art. 71º) e do critério especial (fornecido pelo art. 77º n.º 1).

Como refere Figueiredo Dias, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 71º.º, n.º1, um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.

Mas também aqui não podem considerar-se circunstâncias que façam parte de cada um dos tipos de ilícito integrantes do concurso (proibição da dupla valoração –art. 71º n.º 2 do Código Penal).

Sustenta-se no Acórdão 14-09-2016[13], deste Supremo Tribunal: “na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele «pedaço» de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade.

É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da actividade criminosa do agente permite”.

Assim, no nosso sistema de pena única, essencial é desde logo a gravidade do conjunto (global) dos factos. A avaliação do comportamento “unificado” pelo concurso de crimes deve assentar na ponderação conjugada do número e da gravidade das penas parcelares, da sua medida concreta e da respetiva grandeza no âmbito da moldura da pena do concurso.

Segundo J. Figueiredo Dias, na escolha da medida da pena única “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)[14].

Critério a que o Ac. de 27/01/2016, deste Supremo Tribunal dá expressão prático-jurídica: «fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade à pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”

Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais”[15].

Em consonância com o exposto, para encontrar o quantum da pena única, dentro da moldura aplicável, o critério geral do artigo 71º tem de ser conjugado com o critério específico consagrado no art. 77.º, n.º 1 do Código Penal, respeitando, todavia, a proibição da dupla valoração. “À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. Visão de conjunto que, todavia, não pode olvidar o número, a natureza e a medida concreta de cada pena parcelar ou então o sistema ainda que sob a terminologia da pena conjunta, seria, na realidade, o da pena unitária, em que a pena correspondente a cada um dos crimes em concurso mais não aproveitava do que para estabelecer a moldura penal do concurso.

Sem perder de vista as penas parcelares aplicadas “do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”.

“Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses factores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita”[16].

a) a pena do concurso:

No caso, a arguida cometeu em concurso real (que não questiona) 50 crimes pelos quais foi condenada, sendo:

- 30 crimes de burla qualificada punidos pelo art. 218º n-º 2 al.ª b) do Cod. Penal, um deles na forma tentada, nas penas de prisão, respectivamente (por ordem decrescente): uma de 4 anos; um de 3 anos e 9 meses; uma de 3 anos e 6 meses; duas de 3 anos e 3 meses; quinze de 3 anos; uma de 2 anos e 10 meses; uma de 2 anos e 9 meses; uma de 2 anos e 8 meses; quatro de 2 anos e 7 meses; uma de dois anos e 3 meses; e uma de 9 meses de prisão (somando 79 anos e 1 mês);

- 20 crimes de falsificação de documentos punidos pelo art. 256º n.º 1 al.ª a) do Cód. Penal, nas penas de prisão: dezoito de 1 ano; uma de 10 meses e uma de 9 meses de prisão (somando 19 anos e 7 meses).

O acórdão recorrido adicionou à moldura mínima da pena do concurso - 4 anos de prisão -, 5 anos de prisão, sem que tenha sido indicada ou se constate existir objectiva relação de proporcionalidade fraccional com as restantes 49 penas cumuladas, que somam 98 anos e 8 meses de prisão mas que, contas feitas, se pode fazer corresponder a sensivelmente 1/20 (um vinte avos) de cada uma das penas parcelares. Ou, a 1/5 (um quinto) da moldura penal máxima deste concurso de penas em razão do tecto imposto no art. 77º n.º 2 do Cod. Penal.

A “teoria” do «fator de compressão», pode ter sentido prático e justificação em razões de certeza e segurança jurídica e de uniformidade de critérios, em casos em que os crimes em concurso ofendem bens jurídicos de natureza idêntica ou muito próxima, ou em casos como o dos autos em que os bens jurídicos violados plúrimas vezes são os mesmos (o património) (e a fé pública dos documentos), ou em casos de homogeneidade das penas, mas já não é exportável para outras situações, não se podendo aceitar critérios matemáticos uniformes, alheios a uma valoração normativa dos bens jurídicos tutelados “que pode assumir uma diferença substantiva abissal consoante haja ofensa de bens patrimoniais ou de bens fundamentais, como é o caso da própria vida” ou alheios também à heterogeneidade das penas parcelares.

Na definição da pena concreta a aplicar ao concurso de crimes também “importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave”, em consonância com os propósitos do legislador testemunhados na «exposição de motivos» do CPP de que “convém não esquecer a importância decisiva da distinção entre a criminalidade grave e a pequena criminalidade - uma das manifestações típicas das sociedades modernas. Trata-se de duas realidades claramente distintas quanto à sua explicação criminológica, ao grau de danosidade social e ao alarme colectivo que provocam. Não poderá deixar de ser, por isso, completamente diferente o teor da reacção social num e noutro caso, máxime o teor da reacção formal.

Consequentemente, na determinação da pena conjunta, a ponderação dos crimes e das penas deve adequar-se ao tipo de criminalidade com enfase agravante quando concorrem crimes de terrorismo, ou, gradativamente, em casos de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de criminalidade altamente organizada -cfr. art. 1º alªs i) a m) do CPP.

“Paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia é uma mera pluriocasionalidade”.

O “comportamento global” que preside ao cúmulo jurídico, e à aplicação da pena única, evidencia uma personalidade mais ou menos intensamente desconforme ao modo de ser suposto pela ordem jurídico-criminal. A violação, pelo agente, de vários bens jurídicos de igual importância, através da mesma ou de condutas imediatamente seguidas, exprime, geralmente e segundo as regras da lógica e da experiência comum, pluriocasionalidade criminosa. A reiteração espaçada de idênticas ou de diferentes condutas delituosas, à mesma luz, poderá evidenciar uma tendência, persistente vontade, ou carreira criminosa.

No caso, a arguida, advogada de profissão e que teve escritório aberto na capital (ponto 96 dos factos provados), no período de 3 anos cometeu meia centena (50) de  crimes, - 30 de burla qualificada, e 20 de falsificação de documentos -, executados através do mesmo ou de idêntico modus operandi, que lhe renderam uma pequena fortuna -€150.572,04 (cento e cinquenta mil quinhentos e setenta e dois euros e quatro cêntimos).

E, atentando que cometeu crimes de burla em janeiro, fevereiro, março e abril de 2012, evidencia-se que somente terá cessado esta sua específica atividade criminosa, para a qual revela acentuada propensão, porque foi detida, em execução de MDE, em 27/07/2012 e desde então ficou presa.

As penas singulares aplicadas, somadas, perfazem 98 anos e 8 meses de prisão, sendo, por isso, o limiar máximo da moldura do concurso, o teto legalmente imposto, que é de 25 anos de prisão (art. 77º n.º 2 do Cod. Penal).

Atento o considerável número (50) de crimes e as penas parcelares (50 penas de prisão, em que a mais baixa é de 9 meses e a mais elevada é de 4 anos) englobadas no cúmulo jurídico, se não se fizesse intervir o princípio da proporcionalidade da pena concreta, designadamente convocando a interpretação de que “na formação da pena única, quanto maior é o somatório das penas parcelares, maior é o factor de compressão que incide sobre as penas que se vão somar à mais elevada, pois, se assim não fosse, muito facilmente se atingiria a pena máxima em casos em que a mesma não se justifica perante a gravidade dos factos”[17], poderia a arguida resultar condenada numa pena conjunta inadequada à gravidade dos crimes e que muito dificultaria a sua reintegração na comunidade das mulheres respeitadoras dos bens jurídicos fundamentais. Ilustrando que assim seria, a pena conjunta poderia situar-se na ordem dos 13 anos 5 meses e 18 dias de prisão se à moldura mínima (4 anos de prisão) se adicionasse, por exemplo, 1/10 (um décimo) de cada uma das restantes penas parcelares.
b) proporcionalidade na pena judicial:

O direito penal é o garante da consolidação dos valores fundamentais reconhecidos pela comunidade. A sua função é a protecção dos bens jurídicos.

Uma vez ofendidos, impõe-se reagir de modo a restabelecer a paz jurídica, reafirmando a sua legitimação material, a sua aceitação e interiorização coletiva.

Deste modo, o parâmetro primordial do «modelo» de determinação da qualquer pena judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados, estabelecendo, em concreto, o limiar mínimo abaixo do qual se perde aquela função tutelar, isto é, a pena aplicada não alcança a necessária, suficiente e adequada “prevenção geral positiva ou prevenção de integração”.

Todavia, a absolutização desta finalidade, (da defesa da sociedade e da prevenção do crime), tendencialmente associada ao caráter mais ou menos drástico das reacções criminais, não seria compatível com a dignidade humana.

Como se testemunha na Exposição de Motivos do DL n.º 48/95 de 15/03, as molduras penais mais não são, afinal, do que a tradução da hierarquia de valores fundamentais da comunidade, onde reside a própria legitimação do direito penal.

Em perfeita consonância com o pulsar da vida, ali se adverte: “mais do que a moldura penal abstractamente cominada na lei, é a concretização da sanção que traduz a medida da violação dos valores pressupostos na norma, funcionando, assim, como referência para a comunidade”.

Assim, estabelecida a moldura penal do concurso, o primeiro e decisivo fator a considerar no procedimento de determinação da medida concreta da pena única é também o que decorre da finalidade da punição, firmado pelo legislador no art. 40.º do Código Penal: a aplicação da pena visa a protecção dos bens jurídicos violados e a ressocialização do agente (n.º 1).

Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa”.

Se a aplicação de qualquer pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade (à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente), essa orientação deve ser especialmente ponderada quando se determina o quantum da pena conjunta. Tanto porque a moldura penal resultante da somo das penas aplicadas a cada um dos crimes do concurso pode assumir amplitude enorme, e/ou atingir molduras com limiar superior muito elevado, não raro, iguais ao máximo de pena consentida, quanto porque os crimes englobados no concurso podem incluir-se apenas na pequena criminalidade, “uma das manifestações típicas das sociedades modernas”, tratando-se de uma realidade distinta da criminalidade grave, quanto à sua explicação criminológica, ao grau de danosidade social e ao alarme colectivo que provoca. Por isso, não poderá deixar de ser diferente, numa e na outra, não só a espécie como também a medida concreta da reacção formal. O legislador deixou claramente expressa a vontade de conferir tratamento distinto àquelas fenomenologias criminais, com a opção politico-criminal de tratar a pequena criminalidade preferencialmente através de medidas de diversão e consenso, acautelando-se assim os custos de uma estigmatização e de um aprofundamento da conflitualidade [18]. Neste espírito se insere o cuidado em definir legalmente o que se considera criminalidade grave –no art. 1º al.ªs i) a m) do CPP. Enquadrando-se a restante na média ou na pequena criminalidade.

A dosimetria da pena única também não pode deixar de ser orientada pela ocasionalidade ou, quando for o caso, pela acentuada inclinação revelada por certos agentes para a prática de delitos em geral ou de crimes da mesma natureza.

Orientada igualmente pela personalidade do agente mas tão-somente na justa medida revelada no cometimento dos (factos) crimes do concurso. Tomando aqui a personalidade não em razão de qualquer aspeto desvalioso do carácter ou da opção na condução da própria vida, mas apenas enquanto nela se pode radicar a responsabilidade pela decisão pessoal de violar os bens jurídicos penalmente tutelados.

Orientada ainda pela recuperação social do delinquente, não com qualquer sentido correctivo de pretensos defeitos ou desvios da personalidade, mas de o reitegrar na comunidade e aí se situar e interagir conformando a sua conduta de modo a que “não lese ou ponha em perigo bens jurídico-penais[19].

Finalmente em algumas situações –como acima se referiu- pode ter de intervir a proporcionalidade na individualização da pena conjunta, não através de valorações ou gradações subjectivas do julgador (do que a este possa parecer a justa medida), mas somente como produto da objectiva e justificada comparação ou equivalência entre o desvalor legalmente atribuído aos factos contidos no comportamento global que sobreleva dos crimes em concurso, do número e dimensão das penas parcelares cumuladas, da gravidade da pena única e das finalidades da pena.

Extrai-se do Acórdão STJ de 30/11/2016[20]:“A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global e as carateristicas da personalidade do agente nele revelado e a intensidade da medida da pena conjunta.

A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes”.

Assim, “se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta”.

“É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”.

Por outro lado, “a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que «no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada»”[21].

No mesmo sentido conclui Souto de Moura[22]: “sempre que o procedimento adoptado se tenha mostrado correcto, se tenham eleito os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objecto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado”.

O que bem se compreende, porque a fixação do quantum da pena concreta aplicada em cada caso não é uma operação aritmética em que os factores a ponderar possam assumir um coeficiente numérico ou uma valoração tabelada.

No Ac. nº 632/2008 de 23-12-2008, do Tribunal Constitucional, pode ler-se: “Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93):

«O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:

- Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);

- Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);

- Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»

A esta definição geral dos três subprincípios (em que se desdobra analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser acrescentadas, apenas, três precisões. A primeira diz respeito ao conteúdo exacto a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coactiva decorrente da medida adoptada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, «[t]rata-se [...] de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação 'calibrada' - de justa medida - com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis».

Sempre que tiver de convocar-se o princípio da «justa medida», impõe-se fundamentar o procedimento que conduziu à obtenção do juízo da desproporcionalidade da pena conjunta e da dimensão do correspondente excesso, enunciando o juízo comparativo efectuado e demonstrar as razões convincentes e o suporte normativo que podem justificar a intervenção correctiva e respetiva amplitude  –art. 205º n.º 1 da Constituição da República.

Intervenção corretiva necessariamente limitada pela inexistência, no Código Penal, de penas fixas, penas por degraus, ou penas com medida exata. Limitada também pela evidência de que, em muitas situações, as variáveis a ponderar se repetem ou apresentam grande similitude. Justificando-se somente perante uma análise da jurisprudência tirada em situações idênticas ou próximas daquela que estiver em julgamento no caso concreto, habilitante da formulação de um juízo onde a justa medida da pena se afirme com mais objectividade e nitidez e se possam medir e descartar diferenciações de tratamento com casos similares.


c) pena única aplicada:

Vejamos, à luz do que vem de expender-se, o caso dos autos.

O concurso de crimes cometido pela arguida inclui 30 burlas qualificadas, um destes na forma tentada, e 20 crimes de falsificação de documentos, que perpetrou no período temporal de cerca de 3 anos, iniciado em junho de 2009, com muita intensidade em 2010, e igualmente desde finais de 2011 até abril de 2012.

Burlou um número expressivo de vítimas. Apropriou-se, de quantias monetárias que, somadas perfazem €150.572,04 (cento e cinquenta mil quinhentos e setenta e dois euros e quatro cêntimos). Valor que é sete vezes e meia superior ao que o legislador estabeleceu como limiar mínimo para poder ser tido por consideravelmente elevado. Em 5 crimes os montantes apropriados são, em cada um, de valor elevado (superior a €5.100). Sendo que numa das burlas o valor ilicitamente apropriado (€52.716,26) é consideravelmente elevado. E em outra (€20.275,86) está muito próximo do valor (que agrava a burla). Circunstâncias que também qualificam o crime de burla - art. 218º n.º 1 (valor elevado) e n.º 2 al.ª a) (valor consideravelmente elevado) do Cód. Penal -, e que não tendo operado nessa sede, funcionam como agravante geral a considerar na fixação da medida da pena.

Circunstancialismo que acentua a culpa revelada no “comportamento global” configurado pelo conjunto dos crimes do concurso aqui em apreço, a que correspondem as penas parcelares cumuladas e que é punido dentro da moldura referida.

A censurabilidade ético-jurídica é elevada, tendo agido sempre com dolo direto e persistente, indiferente pela situação das vítimas, que não ressarciu.

Quanto à personalidade revelada nos factos cometidos, destaca-se que a partir de 2009, passou a adotar um modo de vida instável e irregular, apresentando uma situação socio-residencial instável, com diferentes domicílios em Portugal e em Espanha.

Revela propósitos ambivalentes no domínio do reequacionamento do modo de vida no futuro.

Apresenta perturbação psiquiátrica, tendo-lhe sido diagnosticada doença bipolar (de que já estava afetada à data dos factos).

A instabilidade e o impacto dessa doença, gera nos pacientes e na sua interação no domínio da vida familiar e social, vulnerabilidades do ponto de vista psíquico, que requerem intervenção psiquiátrica sistematizada e promovem riscos no domínio da reinserção social.

O percurso de vida pouco constante e, de certo modo errático, adotado pela arguida desde 2003, bem como a facilidade com que enveredou, desde junho de 2009, por fazer da burla modo de vida (art.º 218º n.º 2 al.ª b) do Cod. Penal), evidenciam uma personalidade simultaneamente engenhosa (no modus operandi criminoso) e também incontida (na violação do património alheio), e insensível à situação de carência, por vezes desesperada, de um bom número de vítimas.

Neste circunstancialismo, as concretas e repetidas violações do mesmo bem jurídico dotado de protecção criminal, demandam uma pena única em medida adequada e suficiente a poder reafirmar a importância e a validade das correspondentes normas jurídicas, a estabilizar a confiança da comunidade na protecção penal, e a repor o sentimento de paz jurídica e de segurança dos cidadãos.

Os factos provados, numa visão global, correspondem a um pedaço da sua existência, com o quotidiano e modo de vida organizado “em função de sentimentos exacerbados de deslumbramento e ideação na arguida e no par”, decididos a viver faustosamente guiados unicamente por interesses pessoais imediatos, alimentados com recurso à burla como modo de apropriação ilegítima de valores alheios.

Estilo de vida parasitário e criminal que, se não tem sido coactivamente “interrompido”, com forte probabilidade, segundo as regras da experiência, manteria ou intensificava. Circunstancialismo que exaspera as necessidades de prevenção especial de ressocialização.

Quando vier a ser restituída à liberdade não tem, para já, perspetiva de emprego ou ocupação profissional.

Sendo a arguida advogada, segunda as regras da experiência, tinha mais viva consciência da ilicitude criminal dos factos perpetrados.

Assim, o comportamento global consubstanciado no concurso de crimes cometimento pela arguida, apreciado nestes autos, a personalidade neles manifestada, com a atualização constatada na audiência de julgamento, demanda uma medida da pena única que, respeitando os limites traçados pela prevenção geral de integração e pela culpa, seja suficiente e adequada a adverti-la, séria e fortemente, instando-a a reflectir sobre o seu comportamento futuro e, ao mesmo tempo, lhe deixe escancarada a porta da reintegração na comunidade das mulheres fieis ao direito.

Por outro lado, considerando a primeira questão inicialmente referida, resulta que a pena conjunta mais elevada anteriormente aplicada à recorrente por alguns (9) crimes do concurso foi de 5 anos e 9 meses de prisão. E que as penas finais impostas nas 5 decisões condenatórias aqui incluídas, somam 19 anos e 3 meses de prisão. A pena conjunta aplicada -9 anos de prisão - está dentro desses âmbitos, e situa-se no quarto inferior da moldura do concurso (de 4 a 25 anos de prisão).

À data dos factos, a arguida, não tinha, condenações criminais nem privação da liberdade em meio prisional. Dos factos provados não consta que a doença do foro psíquico (bipolar) que lhe foi detetada tenha perturbado e, designadamente, contribuído para diminuir a capacidade de avaliação dos seus atos, de determinação das suas condutas e de avaliação das consequências, incluindo as jurídico-penais. Enquanto advogada, repete-se, a consciência da ilicitude dos factos cometidos é, segundo as regras da experiência, superior à média, o que acentua o grau de culpa. Todavia, atribui o domínio dos factos ao companheiro –vd. ponto 104 dos factos provados 104 (alega que se encontrava sob o domínio do companheiro, sem condições de escrutinar os meios a que o mesmo recorria para providenciar as necessidades económicas do agregado familiar).

Volvidos entre 7 a 10 anos sobre os crimes cometidos, não consta que tenha reparado as vítimas, ou tenha diligenciado seriamente nesse sentido, designadamente tentando acordar pagamentos parcias e/ou faseados.

Dos factos provados não consta que tenha interiorizado a censura das suas condutas. Ao invés, “no domínio do reequacionamento do modo de vida no futuro, AA tem revelado propósitos ambivalentes”.

Estando assente que “a instabilidade e o impacto que o tipo de doença da arguida gera na vida dos pacientes e na sua interação no domínio da vida familiar e social, introduzem vulnerabilidades do ponto de vista psíquico, que requerem intervenção psiquiátrica sistematizada e promovem riscos no domínio da reinserção social”, evidencia-se que as exigências de prevenção especial de socialização são expressivas.

Sendo assim, os factos e a personalidade da arguida, “retratada” no acórdão recorrido permitirá aplicar uma pena única inferior aos 9 anos de prisão que ali lhe foram impostos?

Ademais da idade da arguida conjugada com o facto de não ter então história criminal registada; relevam o do tempo transcorrido sobre a prática dos factos (entre 10 a 7 anos), e a circunstância de sofrer de doença do foro psíquico, (“doença maníaco-depressiva caracteriza por variações acentuadas do humor, com crises repetidas de depressão e «mania»”) que normalmente tem “impacto importante nas sensações, emoções, ideias e comportamento da pessoa afetada”, e que sendo incurável no actual estado da ciência médica, pode, através de tratamento medicamentoso, “encurtar a duração das crises ou preveni-las”.

Por outro lado ainda, - e decisivamente -, a reafirmação da validade e aceitação comunitária dos bens jurídicos violados pela multiplicidade de crimes cometido pela arguida, em concurso real, pode bastar-se – com especial acuidade para a protecção do património alheio – neste caso concreto com uma pena única muito ligeiramente inferior. Que assim mesmo pode ser, extrai-se da circunstância da medida pena única imposta à arguida no proc. comum coletivo 1/11.3JAFUN, pela prática de 18 crimes de burla, um destes na forma de tentativa, e 19 crimes de falsificação, foi condenada em outras tantas penas de prisão, a mais baixa de 9 meses e as mais elevadas de 3 anos e 3 meses, e, afinal, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

Logica e racionalmente, se neste processo tivessem sido julgados os demais crimes e aplicada pena com uniformidade de critério, a pena única final rondaria os 7 anos e 8 meses de prisão.

Já se tem sido julgada por todos os crimes do concurso no proc. comum coletivo 132/10.7JACBR, no qual foi condenada na pena única de 5 anos e 9 meses de prisão, em cúmulo jurídicos de 9 penas de pisão em que a mais baixa é de 2 anos e 7 meses e a mais elevada de 4 anos, a pena única do vertente concurso seria superior aos 9 anos de prisão aplicada no acórdão aqui em recurso.

Na consideração deste circunstancialismo concreto, entende este Tribunal convocar o princípio da proporcionalidade[23] de modo a, ponderando comparativamente os factos (na sistemática e valoração do legislador penal, em especial no confronto com as penas previstas para os crimes que atentam contra bens jurídicos pessoais) e as particularidades das condições pessoais, familiares e sociais da arguida, aplicar nestes autos pena única que não exceda o mínimo necessário e exigido pela reafirmação da validade e estabilização dos bens jurídicos ofendidos, que não ultrapasse a culpa da arguida revelada na multiplicidade de crimes cometidos em concurso, medida pela vontade, persistência e gravidade da conduta global, tendo também em atenção a sua relativamente desorganizada e audaz personalidade.

Pena conjunta que, no limite do respeito das finalidades da punição, e da contenção do perigo, real, de estigmatização da condenada bem como do perigo provável de adulteração irreversível da sua identidade humana, se entende fixar em 8 anos de prisão.

Procede, assim, parcialmente a pretensão da recorrente.


IV - DECISÃO.

Nos termos expostos, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção Criminal, acorda em conceder provimento parcial ao recurso, e, reduzindo ligeiramente a pena conjunta recorrida, decide condenar a arguida AA na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

Sem custas.

Comunique imediatamente ao TEP e ao EP (se a arguida ainda estiver presa).

Lisboa, 11 de setembro de 2019

Nuno Gonçalves (relator)

Pires da Graça

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[1] Nos Estados participantes no Conselho da Europa (Council of Europe), os regimes de punição do concurso de crimes agrupam-se, segundo o TEDH (affaire Rohlene v R. Tchèque), do seguinte modo:
“en cas de pluralité d’infractions, les États contractants prévoient plusieurs types de peine :
a) des peines cumulées ou consécutives (consecutive/cumulative sentence) lorsqu’une peine distincte est infligée pour chaque infraction commise et que toutes les peines sont additionnées ou purgées l’une après l’autre ;
b) des peines confondues ou des peines simultanées (úhrnný trest, concurrent sentence) lorsque l’auteur des infractions se voit infliger la peine la plus lourde conformément à la disposition légale réprimant la plus grave des infractions ou plusieurs peines à purger simultanément ;
c) une peine globale ou d’ensemble (souhrnný trest, aggregate/consolidated/overall sentence), calculée d’après des méthodes qui varient selon qu’elle est infligée pour des infractions commises simultanément ou consécutivement ou qu’elle englobe d’autres peines imposées auparavant ; sa durée oscille en général entre celle de la somme de toutes les peines et celle de la peine la plus lourde.
[2] Distinguindo-se a “duração nominal” da “duração efectiva”. Esta resulta em cada caso, firmada por uma “resolución de acumulación y límite máximo de las penas“.
[3] Código Penal: Artículo 73.: Al responsable de dos o más delitos o faltas se le impondrán todas las penas correspondientes a las diversas infracciones “ (a cumprir simultânea ou sucessivamente –art. 75).
Salvo casos especialmente previstos, o limite, judicialmente fixado, é o triplo da pena mais grave sem que possa ultrapassar 20 anos –art. 76.
As penas que ultrapassem o plafond legal julgam-se extintas.
O regime processal da denominada «acumulacion de condenas» está regulado no articulo 988º da Ley de Enjuiciamento Criminal nos seguintes termos:
“Cuando el culpable de varias infracciones penales haya sido condenado en distintos procesos por hechos que pudieron ser objeto de uno solo, conforme a lo previsto en el artículo 17 de esta Ley, el Juez o Tribunal que hubiera dictado la última sentencia, de oficio, a instancia del Ministerio Fiscal o del condenado, procederá a fijar el límite del cumplimiento de las penas impuestas conforme a lo dispuesto en el artículo 76 del Código Penal”.
Como destaca la STS 30/2014 de 29 de enero , se trata de ajustar
la respuesta punitiva en fase penitenciaria, a módulos temporales aceptables que no impidan el objetivo final
de la vocación de reinserción a que por imperativo constitucional están llamadas las penas de prisión ( Art.
25 de la Constitución
[4] Codice Penale: Art. 73 – (Concorso di reati che importano pene detentive temporanee o pene pecuniarie della stessa specie) : Se più reati importano pene temporanee detentive della stessa specie, si applica una pena unica, per un tempo uguale alla durata complessiva delle pene che si dovrebbero infliggere per i singoli reati.
Traduzindo: Se vários crimes importarem penas temporárias de prisão da mesma espécie, será aplicada uma única penalidade, por um tempo igual à duração total das penalidades que devem ser impostas para os crimes individuais.
[5] Código Penal: Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido.(…).
Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos.
§ 1º - Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a trinta anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
§ 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.
[6] Code Pénal Suisse:  Art. 49  3. Concours
1     Si, en raison d’un ou de plusieurs actes, l’auteur remplit les conditions de plusieurs peines de même genre, le juge le condamne à la peine de l’infraction la plus grave et l’augmente dans une juste proportion. Il ne peut toutefois excéder de plus de la moitié le maximum de la peine prévue pour cette infraction. Il est en outre lié par le maximum légal de chaque genre de peine.
2     Si le juge doit prononcer une condamnation pour une infraction que l’auteur a commise avant d’avoir été condamné pour une autre infraction, il fixe la peine complémentaire de sorte que l’auteur ne soit pas puni plus sévèrement que si les diverses infractions avaient fait l’objet d’un seul jugement.
[7] J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 280.
[8] J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo 1ª, 2ª ed., pag. 979.
[9] J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 277.
[10] As Consequências … cit, pag, 284.
[11] Máxime: J. Figueiredo Dias e autores que cita na nota 98 da pag. 292, da ob. Citada.
[12] Máxime: Ac. STJ de 23-05-2018, 3ª sec, proc. 799/15.OJABRG.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[13] 3ª sec. Proc. 71/13.0JACBR.C1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[14] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 291.
[15] Proc., www.dgsi.pr/jstj.
[16] A. Rodrigues da Costa, “O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”.
[17] Acórdão de 16-03-2011, Proc. n.º 92-08.4GDGMR.S1, citado por A. Rodrigues da Costa, , pag. 30.
[18] Exposição de motivos do CPP.
[19] J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, pag. 524.
[20] Proc. 804/08.6PCCSC.L1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[21] Ac. STJ de 18/02/2016,  proc. n.º 118/08.1GBAND.P1.S2, www.dgsi.pt/jstj.
[22] A Jurisprudência do S.T.J. Sobre Fundamentação e Critério da Escolha e Medida da Pena,  pag. 6.
[23] Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Espanha “o princípio da proporcionalidade supõe a adequação da pena ao facto por que se impôs, incumbindo o juízo de proporcionalidade no início ao Legislador, e no momento da aplicação da pena ao caso concreto, ao juiz, que no infringirá a proporcionalidade na individualização das penas, se estas se acomodam às regras estabelecidas no Código Penal” .