Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P3704
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: RAÚL BORGES
Descritores: HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
MORTE
Nº do Documento: SJ20090415037043
Data do Acordão: 04/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - Danos não patrimoniais são os insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, dos quais resulta o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada.
II - Referir a indemnização por danos como assumindo um carácter sancionatório/punitivo não faz grande sentido em matéria de acidentes de viação, em que o direito da pessoa lesada é exercido em acção directamente interposta apenas contra a empresa de seguros, em que o responsável civil, único demandado, por força da regras adjectivas, não é o próprio lesante, o agente do facto criminoso, da violação ilícita do direito de outrem, mas antes “um substituto”, uma entidade de matriz colectiva, que prossegue o objectivo do lucro, para quem foi “transferida” esta espécie de responsabilidade. E o mesmo acontecerá se estivermos face a caso de responsabilidade objectiva, pelo risco, em que não se vê como falar em função punitiva da responsabilidade civil.
III - De diferente modo será se estivermos face a ofensa à honra, à autodeterminação sexual, à liberdade de decisão e de acção, à propriedade, à integridade física ou à vida – mas agora nestes dois casos em sede de crimes de ofensas à integridade física e de homicídio dolosos, em que não há, obviamente, lugar a uma prévia “contratualização” de transferência de responsabilidade do autor da lesão para terceiro, coincidindo o demandado responsável criminal com o demandado responsável civil.
IV - Nesses casos, ao proceder-se à quantificação da indemnização há que ponderar que o lesante será o efectivo pagador, não devendo o montante indemnizatório a encontrar atingir valor que redunde numa extrema dificuldade em cumprir ou num convite ao incumprimento, devendo assumir patamar mínimo de exigibilidade, nomeadamente em casos em que o condenado, devedor da prestação indemnizatória, se encontra em situação de reclusão, em que as possibilidades de pagamento da indemnização obviamente minguam.
V - Tem-se entendido doutrinária e jurisprudencialmente, maxime após o acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência de 17-03-1971 (BMJ 205.º/150), que, em caso de morte, do art. 496.º, n.ºs 2 e 3, do CC resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis:
- o dano pela perda do direito à vida;
- o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte;
- o dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer.
VI - É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado – cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 576; Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, pág. 115; e os Acs. do STJ de 26-06-1991, BMJ 408.º/538, de 09-12-2004, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 137, de 11-07-2007, Proc. n.º 1583/07 - 3.ª, de 26-06-2008, Proc. n.º 628/08, CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 131, de 22-10-2008, Proc. n.º 3265/08 - 3.ª, e de 29-10-2008, Proc. n.º 3380/08 - 5.ª.
VII - «…Porque a morte absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais, o montante da sua indemnização deve ser superior à soma dos montantes de todos os outros danos imagináveis» e «a indemnização do dano da morte deve ser fixada sistematicamente a um nível superior, pois a morte é um dano acrescido e isto tem de ser feito sentir economicamente ao culpado» – cf. Diogo Leite de Campos, A vida, a morte e a sua indemnização, in BMJ 365.º/5.
VIII - Os danos não patrimoniais próprios da vítima correspondem à dor que esta terá sofrido antes de falecer, e devem ser valorados tendo em atenção o grau de sofrimento daquela, a sua duração, o maior ou menor grau de consciência da vítima sobre o seu estado e a previsão da sua morte – cf. Ac. do STJ de 04-06-2008, Proc. n.º 1618/08 - 3.ª.
IX - No caso de morte da vítima há um círculo restrito de pessoas a esta ligados por estreitos laços de afeição a quem a lei concede reparação quando pessoalmente afectadas, por isso, nesses sentimentos.
X - Neste caso, os danos destas vítimas “indirectas” emergem da dor moral que a morte pessoalmente lhes causou, havendo lugar a indemnização em conjunto e jure proprio ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos, na falta destes, aos pais, e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representarem – art. 496.º, n.º 2, do CC.
XI - Está em causa um dano especial, próprio, que os familiares da vítima sentiram e sofreram com a morte do lesado, contemplando o desgosto provocado pela morte do ente querido.
XII - A origem do dano do desgosto é o sofrimento causado pela supressão da vida, sendo de negar o direito à indemnização em relação a quem não tenha sofrido o dano – cf., neste sentido, o Ac. do STJ de 23-03-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 230.
XIII - Salvo raras e anómalas excepções, a perda do lesado é para os seus familiares mais próximos causa de sofrimento profundo, sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares, às pessoas que lhe são mais chegadas.XIV - Como se refere no Ac. do STJ de 26-06-1991 (BMJ 408.º/538), trata-se de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos que, por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos.
XV - É pacífico que um dos factores a ponderar na atribuição desta forma de compensação será sempre o grau de proximidade ou ligação entre a vítima e os titulares desta indemnização.
XVI - Na sua determinação «há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou» – cf. Sousa Dinis, in Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 13.
XVII - Com a Portaria 377/2008, de 26-05, entrada em vigor em 27-05-2008, visou-se fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação, aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do DL 291/2007, de 21-08 (diploma que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a 5.ª Directiva automóvel – Directiva 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11-05) – e regulou por iniciativa do legislador nacional, diversos domínios da regularização de sinistros rodoviários, sobretudo no que respeita ao dano corporal).
XVIII - Tendo o facto lesivo de que emerge o dano que se pretende compensar ocorrido em data anterior à da entrada em vigor da Portaria, nunca poderia a mesma ter aplicação, por força do disposto no art. 12.º, n.º 1, do CC.
XIX - De qualquer modo, os valores propostos deverão ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios.
XX - Na fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais ter-se-ão em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8.º, n.º 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito.
XXI - Por outro lado, há que ter em conta, como é entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.
XXII - Atendendo a que:
- a vítima à data do acidente contava 39 anos, tratando-se de pessoa que trabalhava em França, sendo saudável, sem doenças, tendo uma vida alegre e dedicada à família;
- a produção do acidente ficou a dever-se em exclusivo a culpa do condutor arguido, traduzida na violação grave de regras estradais de circulação, invadindo a metade da faixa de rodagem contrária ao sentido em que circulava, indo chocar com a viatura da vítima, nada fazendo para evitar o embate, não tendo travado e seguindo completamente distraído;
seria caso de fixar a indemnização pela perda do direito à vida em patamar mais elevado do que o encontrado pela Relação – de € 55 000 –, mas que se mantém uma vez que os demandantes com ele se conformaram.
XXIII - Tendo em consideração que a vítima teve de ser desencarcerada da viatura, apresentando sinais de vida, tendo padecido de dores graves que só cessaram com a sua morte, e que «no curto espaço de tempo que antecedeu a sua morte sofreu angústias insuperáveis traduzidas nas dores físicas intensíssimas, que se traduziram nas várias costelas fracturadas e hemorragia interna», é de ter como adequado o valor de € 7500 fixado pelas instâncias, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima mortal.
Decisão Texto Integral:

No âmbito do processo comum singular n.º 189/04.0GBTMC, do Tribunal Judicial da Comarca de Torre de Moncorvo, foi submetido a julgamento o arguido AA, melhor identificado nos autos.
Por sentença de 17 de Dezembro de 2007, constante de fls. 650 a 701, foi o arguido condenado pela prática, como autor material, de:
- Um crime de homicídio por negligência, p. p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, in fine, 15º, alínea b), 26º, 1ª proposição e 137º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 24 meses;
- Dois crimes de ofensas à integridade física por negligência, p. p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, in fine, 15º, alínea b), 26º, 1ª proposição e 148º, n.º 1, todos do Código Penal, nas penas de 80 dias de multa por cada um e, em cúmulo jurídico, na pena única de 120 dias de multa, à razão diária de € 5,00.
Relativamente ao pedido de indemnização cível formulado pela assistente BB, por si e em representação do seu filho menor CC, foi decidido (com rectificação ordenada a fls. 795 no que toca à indicação do dies a quo do prazo de contagem de juros de mora):
Julgar tal pedido parcialmente procedente e, em consequência, condenar a demandada II Companhia de Seguros, S.A., a pagar-lhes as seguintes quantias:
a) a título de danos patrimoniais a quantia de € 6.148,89;
b) a título de dano futuro a quantia de € 230.000,00, a repartir pela assistente e pelo menor de acordo com a sucessão legitimaria;
c) a título de dano morte a quantia de € 75.000,00, a repartir pela assistente e pelo menor de acordo com a sucessão legitimaria;
d) a título de danos morais sofridos por DD a quantia de € 7.500,00, a repartir pela assistente e pelo menor de acordo com a sucessão legitimaria;
e) a título de danos morais próprios sofridos pela demandante BB, a quantia de € 25.000,00;
f) a título de danos morais próprios sofridos pelo demandante CC a quantia de € 30.000,00,
sendo todas estas quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar desde a data da decisão e até efectivo e integral pagamento.

Inconformada com a decisão, a demandada II- Companhia de Seguros, S.A. interpôs recurso, necessariamente restrito à parte cível, apresentando a motivação de fls. 706 a 714, e pugnando pela revogação parcial da decisão recorrida, a que a recorrida respondeu, conforme fls. 767 a 788.

Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Processo n.º 2840/08-4), datado de 14 de Julho de 2008, constante de fls. 810 a 826, foi concedido parcial provimento ao recurso e alterada a sentença recorrida, apenas no que tange ao valor arbitrado a título de indemnização do dano morte, que foi reduzido e sendo fixado o montante correspondente em € 55.000,00, mantendo-se em tudo o mais o decidido em primeira instância.

Novamente inconformada, a mesma demandada interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 834 a 839, que remata com as seguintes conclusões:
1ª - A recorrente, não obstante apenas o parcial provimento do recurso pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, entende com o devido respeito e salvo melhor opinião, que os montantes fixados pelo douto acórdão recorrido a titulo de danos não patrimoniais são excessivos e injustificados, pelo que o douto acórdão recorrido efectuou uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto;
2ª - Sempre tendo em conta que neste tipo de danos impera a equidade, este princípio impõe que sejam tratados e indemnizados de modo razoável e justo situações idênticas, ou seja, devemos seguir-nos por critérios e medidas padrão, em que se obtenha, tanto quanto possível um modelo indemnizatório que permita uma maior certeza jurídica, de igualdade e socialmente justa.
3ª - Pelo que, salvo o devido respeito, a indemnização e valoração dos danos corporais/danos não patrimoniais, deve pautar-se e obedecer a critérios e princípios de objectividade, transparência, razoabilidade, justiça e equidade.
4ª - Por isso, a recente legislação vai exactamente nesse sentido, e a publicação da Portaria n° 377/2008 de 26 de Maio, estabeleceu valores que devem ser seguidos, como critérios orientadores e uniformizadores.
5ª - O que aplicado ao caso dos autos, com idade da vítima entre 25 e 49 anos e tudo ponderado, conclui-se que o montante para indemnização pela perda do direito à vida deve situar-se nos 50.000,00 euros.
6ª - Em termos de equidade, deverá ser atribuída, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridas pela vítima nos momentos que imediatamente antecederam a sua morte a quantia de 1.000,00 euros.
7ª - No caso em apreço mostra-se adequado o montante global de 20,000 euros para compensar a assistente de todos os seus danos não patrimoniais;
8ª - De igual modo mostra-se adequada e proporcionada a quantia global de 15.000,00 euros para ressarcimento de todos os danos não patrimoniais sofridos pelo menor.
9ª - Ao decidir, como julgou o douto acórdão recorrido, fixando as quantias indemnizatórias aqui impugnadas, fez o Venerando Tribunal recorrido uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, com violação do disposto nos arts 483°, 494°, 496°, 562° e 566° do Código Civil.
No provimento do recurso, pede a revogação do acórdão recorrido e sua substituição por outro que considere procedentes as alegações e conclusões supra aduzidas, com as legais consequências.

A recorrida BB, por si e em representação do seu filho menor CC, respondeu, conforme fls. 865 a 883, pugnando pela confirmação do julgado e rematando com as seguintes conclusões:
1 - A recorrente pretende a diminuição dos montantes indemnizatórios atribuídos a título de dano morte, de danos morais sofridos pelo falecido e de danos morais próprios sofridos pela assistente e seu filho.
2 - É inquestionável, porém, que nenhuma razão lhe assiste.
3 - O acórdão recorrido respeitou os princípios que norteiam a fixação das indemnizações a título de danos não patrimoniais e seguiu os critérios orientadores e uniformizadores da doutrina e jurisprudência.
4 - Por sua vez, os recursos da recorrente são um autêntico ziguezague, pugnando, em ambos, por indemnizações diferentes.
5 - Fazendo, praticamente, finca-pé para a redução dos montantes indemnizatórios atribuídos nos valores fixados na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, aprovada sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal.
6 - Essa portaria mais não é do que um “documento de trabalho” para as seguradoras, pretendendo uniformizar os “procedimentos obrigatórios de proposta razoável para a regulação do dano material” – 2º parágrafo do preâmbulo da aludida Portaria.
7 - Estabelecendo um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas, não afastando a fixação de valores superiores aos propostos.
8 - Pretender que aqueles critérios se apliquem fora desse âmbito não encontra qualquer justificação legal.
9 - No caso em apreço o critério para a compensação dos danos não patrimoniais é determinado segundo a equidade.
10 - O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e as do lesado e do titular da indemnização, etc.
11 - A indemnização pela morte de uma pessoa não tem um valor fixo.
12 - A compensação pela perda do direito à vida deve reflectir o grau de reprovação da conduta do lesante.
13 - No caso em apreço, não se atendendo à situação económica do lesante por impender sobre a seguradora e não sobre ele a obrigação de indemnizar, a actuação do lesante foi grosseira, que conduzia totalmente distraído, permitindo que o seu automóvel circulasse na faixa de rodagem contrária, aí indo embater no veículo da malograda vítima, não tendo, culposamente, avistando-a numa recta com boa visibilidade.
14 - Assim, e tendo em conta que o Supremo Tribunal de Justiça tem atribuído pela perda do bem vida, valores que se situam entre os € 50.000,00 e os € 60.000,00 - Acórdão deste Supremo Tribunal de 5.7.2007 (Processo 07ª1734), in www.dgsi.pt -, mostra-se, atento o exposto, ajustado o valor atribuído de € 55.000,00, pelo que, ao contrário do alegado pela recorrente, respeitou-se os critérios orientadores e uniformizadores da doutrina e jurisprudência.
15 - Em relação aos danos morais sofridos pela vítima, a alegação da recorrente não encontra qualquer suporte na factualidade provada e a quantificação da indemnização não é medida à hora mas sim em função do sofrimento moral antes da morte.
16 - Pode-se sofrer mais em duas horas do que em dois dias.
17 - Com relevância para a fixação da indemnização ficou provado o seguinte:
- À vítima teve que ser desencarcerado da sua viatura pelos bombeiros, apresentado ainda sinais de vida, o que representa, notoriamente, um facto moroso e de sofrimento extremo.
- Foi transportado de ambulância para o Hospital de Torre de Moncorvo, onde deu entrada já sem vida.
- Padeceu de dores graves que só cessaram com a sua morte.
18 - “Dentro deste quadro fáctico, sendo certo que o sofrimento moral ante a iminência da morte constitui um facto notório que inclusivamente dispensa alegação e prova, não se tendo demonstrado a invocado estado de inconsciência, há que considerar o montante dado como justo e equitativo” – Acórdão recorrido.
19 - No que diz respeito aos danos não patrimoniais sofridos pela mulher e filho da vítima estes danos não patrimoniais correspondentes à perda da vida do marido e pai e à dor e sofrimento da mulher e filho são indemnizados com recurso à equidade, tendo-se em atenção ao grau de culpabilidade do agente - grave e exclusiva - e as circunstâncias do caso concreto, não se atendendo à situação económica do lesante por impender sobre a seguradora e não sobre ele a obrigação de indemnizar - artigo 496°, n° 1 e 3 e 494° do C.C.
20 - O montante da indemnização deve ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
21 - No que concerne à viúva ficou provado:
- Era casada com o falecido há 13 anos, atenta a data do sinistro.
- A assistente apercebeu-se da gravidade dos ferimentos do seu marido DD.
- Ficou muito perturbada e sofreu um grande desgosto, que se prolongou durante vários meses, em ter perdido o seu marido de forma tão trágica, recordando-o todos os dias até hoje.
- Ficou com o filho menor de 10 anos a seu cargo exclusivo.
- Tinha uma vida alegre, de boa companhia com o seu marido e filho.
- Constituía com o marido um casal que se dava bem, sem atritos e incompreensões.
- Tinha a expectativa de uma vida de casada e de felicidade com o seu marido por muitos anos.
- Era feliz e vivia quase exclusivamente para o seu marido e para o seu filho.
- Ficou num estado depressivo e sorumbático, após o embate e por causa dele.
- Não tinha vontade de trabalhar e de falar com outras pessoas.
Teve-se ainda por provado:
- Foi transportada para o Centro de Saúde de Torre de Moncorvo e posteriormente para o Hospital de Mirandela.
- Sofreu dores intensas nas regiões corporais atingidas que se prolongaram por mais de um ano e ainda hoje se manifestam, designadamente com as mudanças de temperatura e quando realiza algum esforço mais intenso.
- Em consequência do embate sofreu ferida inciso-parietal direita, fractura das 7ª, 8ª, 9ª e 10ª costelas esquerdas e contusão pulmonar esquerda, lesões que originaram o seu internamento hospitalar até 18.08.2004 e demandaram directa e necessariamente quatro meses para a sua cura.
22 - Assim, atenta a factualidade provada, a indemnização de € 25.000,00, a título de dano moral próprio da viúva pela morte do marido, mostra-se criteriosa e equitativa.
23 - No que concerne ao menor ficou provado:
- Foi transportado para o Centro de Saúde de Torre de Moncorvo e posteriormente para o Hospital de Mirandela.
- Sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento inicial, contusões múltiplas, traumatismo da região cervical e lombar, traumatismo na anca direita, hematoma na coxa direita e contusão da perna esquerda, lesões que lhe causaram sete dias de doença com incapacidade para o trabalho.
- Tinha 10 anos de idade.
- Entrou em depressão que teve grande incidência nos dias subsequentes ao sinistro e ainda não está ultrapassada, sendo acompanhado por psicólogos e psiquiatras e sujeito a tratamento medicamentoso.
- Tinha uma relação muito afectuosa com o pai.
- Desde a ocorrência do embate que o seu rendimento escolar tem vindo a degradar-se.
24 – “Valorando estes factos, o tribunal recorrido considerou muito ajustadamente que o menor irá padecer ao longo da sua vida da ausência da figura paterna, não podendo beneficiar do seu acompanhamento e amparo, com os correspondentes reflexos no seu equilibrado desenvolvimento” -Acórdão ora recorrido.
25 - Uma criança de 10 anos de idade que perde o pai de forma tão violenta fica forçosamente afectada no seu equilíbrio psíquico para toda a vida
26 - Numa perspectiva de equidade, atento que estamos perante um menor que conviveu com o seu pai, numa relação muito afectuosa, os 10 primeiros preciosos anos da sua vida, não é ousado afirmar-se que o menor sofrerá de modo particularmente intenso a perda do seu pai, sofrimento que o evoluir da idade acentuará, pelo que os seus danos morais são ainda mais graves.
27 - Assim, a compensação fixada pela 1ª Instância e confirmada pela Relação mostra-se ponderada e equitativa
Defende que deve a revista ser julgada improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.
*

O recurso foi admitido por despacho de fls. 887.

Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta referiu: “Encontrando-se as partes devidamente representadas nada temos a requerer”, acrescentando: “Afigura-se-nos porém não ser o recurso admissível”.

Não tendo sido requerida audiência, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do artigo 411º, n.º 5, do CPP.

Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção dos vícios decisórios ao nível da matéria de facto e nulidades previstas no artigo 410º, nº 2 e nº 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido (artigo 412º, nº 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os horizontes cognitivos do Tribunal Superior.


Questões a decidir

No caso presente, vistas as conclusões do recurso, a discordância da recorrente circunscreve-se à componente da indemnização pelos danos não patrimoniais, mais especificamente apenas à atribuição dos respectivos montantes indemnizatórios, havendo que apreciar e decidir da adequação dos montantes fixados a título de indemnização pelo dano morte, pelos danos não patrimoniais próprios da vítima, que antecederam a sua morte, pelos danos não patrimoniais sofridos pela assistente BB – danos próprios resultantes das lesões corporais sofridas em consequência do acidente e derivados da morte da vítima, seu marido - e pelo menor CC, seu filho e da vítima, igualmente na perspectiva de lesões físicas sofridas com o acidente e pelo dano desgosto sofrido com a perda do pai.


Factos Provados

Vem assente definitivamente a seguinte matéria de facto:

1. No dia 08 de Agosto de 2004, cerca das 19h l5m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matricula 00-00-BP, na E.N. n° 220, no sentido Torre de Moncorvo - Carvalhal, nesta comarca.
2. Pela mesma estrada, em sentido contrário ao seu, ou seja no sentido Carvalhal - Torre de Moncorvo, seguia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula 000-BZD-78, conduzido por DD, e no qual seguiam como passageiros, sua esposa, BB e seu filho, CC.
3. Ao Km 15, local onde a estrada tem a configuração de uma recta com a largura de 6,25m e extensão de cerca de 2Km, e existe uma linha longitudinal descontínua a meio da estrada a separar os dois sentidos de trânsito aí permitidos, o arguido, sem que nada o justificasse e por motivos não concretamente apurados, invadiu a metade da faixa de rodagem contrária ao sentido em que circulava e pela qual seguia o veículo BZD, cortando-lhe a linha de trânsito e obstruindo-lhe a passagem.
4. O arguido conduzia completamente distraído, sem atentar no trânsito existente na via e indiferente às condições atmosféricas que se faziam sentir, pois que tinha chovido e o piso encontrava-se molhado.
5. Na altura do embate, era dia e era possível avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura e extensão, bem como o referido veículo 000-BZD-78, pelo menos, 800 metros.
6. Mais de três horas após o acidente o arguido apresentou um T.A.S. de 0,03 g/l.
7. Apesar de colhido de surpresa pela manobra do arguido e não obstante tenha efectuado uma travagem visando evitar o embate, deixando inscritos no pavimento os respectivos rastos de travagem numa extensão de 6,15m, o condutor do BZD não conseguiu evitar o choque frontal entre ambos os veículos.
8. O arguido não travou ou efectuou outra manobra que pudesse indicar que procurou evitar o referido embate.
9. Em consequência do embate entre ambos os veículos, DD sofreu fracturas dos arcos anteriores das 3ª, 4ª, 5ª e 6ª costelas esquerdas, bem como dos arcos anteriores das 5ª, 6ª e 7ª costelas direitas, rotura traumática da parede anterior do ventrículo direito, sendo que na autópsia efectuada verificou-se que as cavidades cardíacas estavam exangues e a existência de cerca de 2500 cc de sangue com coágulos nas pleuras e cavidades pleurais - hemotórax.
10. A hemorragia interna aguda verificada e consecutiva rotura traumática do coração, foi causa directa, adequada e necessária da morte do DD.
11. BB sofreu, em consequência do descrito embate, ferida inciso-parietal direita, fractura das 7ª, 8ª, 9ª e 10ª costelas esquerdas e contusão pulmonar esquerda, lesões que originaram o seu internamento hospitalar até 18/08/2004, e demandaram, directa e necessariamente, quatro meses para a sua cura.
12. CC sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento inicial, contusões múltiplas, traumatismo da região cervical e lombar, traumatismo da anca direita, hematoma da coxa direita e contusão da perna esquerda, lesões que lhe determinaram, directa e necessariamente, sete dias de doença com incapacidade para o trabalho.
13. O arguido demitiu-se dos mais elementares deveres de cuidado no exercício de uma actividade - condução de veículo automóvel - cujo carácter perigoso bem conhecia, por total ausência de atenção, actuando de forma leviana e imprudente.
14. O arguido não tem antecedentes criminais.
15. O registo individual de condutor do arguido não apresenta registo de infracções rodoviárias.

Mais se provou que:
16. O arguido é empregado de supermercado, auferindo um vencimento mensal de cerca de € 400,00.
17. Vive com os pais, contribuindo para as despesas domésticas com cerca €50/60 mensais.
18. O arguido é uma pessoa amiga da família e dos seus amigos, sendo correcto e educado com todos os que com ele se relacionam.
19. O arguido não é uma pessoa conflituosa.

Do pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua
20. Como consequência directa do embate supra descrito, no dia 09.08.2004, BB e CC foram admitidos no serviço de urgência do Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua, tendo a primeira permanecido internada até ao dia 18.08.2004.
21.Os episódios de urgência, exames complementares de diagnóstico e internamento e demais cuidados de saúde prestados aos ofendidos orçaram na quantia €1.152,12.

Do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente:
22. BB casou com DD em 02 de Fevereiro de 1991, sob o regime da comunhão de adquiridos.
23. DD nasceu em 20 de Maio de 1965.
24. CC, nascido em 27 de Julho de 1994, é filho de BB e de CC.
25. DD faleceu em 08 de Agosto de 2004, intestado, deixando como únicos herdeiros a cônjuge (aqui assistente) e o filho CC.
26. DD teve de ser desencarcerado da sua viatura pelos Bombeiros Voluntários de Torre de Moncorvo, apresentando sinais de vida.
27. Posteriormente foi transportado de ambulância para o Hospital de Torre de Moncorvo, no qual deu entrada sem vida.
28. DD padeceu de dores graves que só cessaram com a sua morte.
29. Era um homem saudável, não padecendo de qualquer doença.
30. Tinha uma vida alegre, formando um lar feliz com a mulher e o filho.
31. Vivia em função do seu filho e mulher.
32. Tinha a expectativa de educar e ver crescer o seu filho.
33. Era um marido meigo e exemplar e um pai extremoso.
34. As lesões descritas em 11. causaram à assistente dores intensas nas regiões corporais atingidas que se prolongaram por mais de um ano e ainda hoje se manifestam, designadamente com as mudanças de temperatura e quando realiza algum esforço mais intenso.
35. A assistente apercebeu-se da gravidade dos ferimentos do seu marido DD.
36. Foi transportada para o Centro de Saúde de Torre de Moncorvo e posteriormente para o Hospital de Mirandela.
37. Ficou muito perturbada e sofreu um grande desgosto, que se prolongou durante vários meses, em ter perdido o marido de forma tão trágica, recordando-o todos os dias até hoje.
38. Ficou com o filho menor de 10 anos a seu cargo exclusivo.
39. A assistente tinha uma vida alegre, de boa companhia com o seu marido e filho.
40. Constituía com o marido um casal que se dava bem, sem atritos e incompreensões.
41. Tinha a expectativa de uma vida de casada e de felicidade com o seu marido por muitos anos.
42. Era feliz e vivia quase exclusivamente para o seu marido e para o seu filho.
43. A assistente ficou num estado depressivo e sorumbático, após o embate e por causa dele.
44. Não tinha vontade de trabalhar e de falar com outras pessoas.
45. Por via do embate supra descrito, CC foi transportado para o Centro de Saúde de Torre de Moncorvo e posteriormente para o Hospital de Mirandela.
46. Entrou em depressão, que teve grande incidência nos dias subsequentes ao sinistro e ainda não está ultrapassada, tendo de ser acompanhado por psicólogos e psiquiatras e sujeito a tratamento medicamentoso.
47. Tinha uma relação muito afectuosa com o pai.
48. Desde a ocorrência do embate supra descrito que o seu rendimento escolar tem vindo a degradar-se.
49. Na realização do funeral de DD a assistente despendeu € 980,00 e em flores a quantia de € 340,00.
50. No transporte de ambulância efectuado pelos Bombeiros Voluntários de Santa Marta de Penaguião pagou € 128,89.
51. Em consultas de psiquiatria com o menor CC pagou € 450,00.
52. O automóvel em que seguiam a assistente, seu marido e filho (Audi 80), com a matrícula 339-BZD-78, tinha sido adquirido pelo casal com zero quilómetros, há aproximadamente 11 anos, atenta a data do acidente, e estava em bom estado de conservação.
53. Em consequência do embate o referido veiculo ficou totalmente destruído e impossível de reparar.
54. Tinha um valor de mercado de € 5.000,00 e nos salvados de € 750,00.
55. A data do embate, DD era emigrante em França, trabalhava para a empresa "Soe Stuc & Staff", auferindo cerca de € 2.000,00 mensais.
56. Vivia com a assistente e o filho em economia conjunta, para a qual colaborava com quase a totalidade do seu vencimento.
57. Destinava a parte restante do seu rendimento ao conforto da família, designadamente para as despesas com o vestuário, alimentação, água, luz, e com a educação do filho.
58. DD, fora das horas de trabalho, reservava todo o tempo para a família.
59. Mediante contrato de seguro titulado pela apólice n° AU20000000 a II Companhia de Seguros S.A. assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-BP.
*

Apreciando.


De acordo com o artigo 129º do Código Penal a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
Desde cedo a jurisprudência entendeu que tal norma só determina que a indemnização seja regulada “quantitativamente e nos seus pressupostos” pela lei civil, remetendo para os critérios da lei civil relativos à determinação concreta da indemnização, não tratando de questões processuais, que são reguladas pela lei adjectiva penal - acórdãos do STJ, de 12-12-1984, BMJ 342, 227; de 06-03-1985, BMJ 345, 213; de 13-02-1986, processo nº 38028; de 06-01-1988, BMJ 373, 264; de 12-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 181; de 09-06-1996, processo nº 6/95; de 09-07-1997, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 260; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02-5ª; de 24-11-2005, processo n.º 2831/05-5ª; de 07-03-2007, processo n.º 4596/06-3ª; de 29-10-2008, processo n.º 3373/08-3ª; de 25-06-2008, processo n.º 449/08-3ª; de 03-09-2008, processo n.º 3982/07-3ª; de 05-11-2008, processo n.º 3266/08-3ª; de 25-02-2009, processo n.º 3459/08-3ª.

À responsabilidade por ofensas à personalidade física ou moral ou ao direito à vida são aplicáveis os artigos 483º e seguintes do Código Civil.
De acordo com o princípio geral plasmado no artigo 483º, n.º 1, do Código Civil «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Estabelece o artigo 496º, n.º 1, do Código Civil, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Por sua vez, dispõe o n.º 2 do mesmo artigo que, em caso de morte da vítima, o direito à indemnização por tais danos cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

Por último, estatui o n.º 3 do mesmo preceito legal, que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.

No domínio do Código de Seabra era discutida a questão de saber se o mesmo consagrara a possibilidade de reparação dos danos morais, defendendo Guilherme Moreira e Dias da Silva a insusceptibilidade dessa reparação do dano moral e José Tavares e Cunha Gonçalves, o reconhecimento em termos amplos do direito à indemnização por prejuízos civis, sem excluir os danos morais – cfr. a este propósito e da conexão da questão com o § 2º do artigo 34º do Código de Processo Penal de 1929, Manuel Gomes da Silva, in O dever de prestar e de o dever de indemnizar, Lisboa, 1944, volume I, págs. 65 a 74.
Danos não patrimoniais são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada.
Para Manuel Gomes da Silva, loc. cit., pág. 65, dano moral em sentido rigoroso é somente o que atinge bens imateriais e que, portanto, não pode ser apreendido pelos sentidos; mas é preferível tomar aquela expressão num alcance mais amplo, considerando dano moral todo aquele que não for avaliável em dinheiro, ou seja, todo aquele que não for patrimonial, porque os problemas que se levantam acerca do dano moral em sentido estrito suscitam-se de igual modo a respeito de todos os danos insusceptíveis de apreciação pecuniária.
Na definição de Vaz Serra, in BMJ, n.º 83, pág. 69, «dano não patrimonial é o que tem por objecto um interesse não patrimonial, isto é, um interesse não avaliável em dinheiro».
E para Dario Martins de Almeida, in Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 1980, 2ª edição, pág. 267, «dano não patrimonial é todo aquele que afecta a personalidade moral, nos seus valores específicos».
E acrescentava, a seguir: “Caprichosamente, a vida empenha-se em fornecer muitos exemplos desta figura jurídica – além da dor física, da humilhação, da angústia de ver um filho entre a vida e a morte, vem a dor moral relacionada com uma alteração estética tanto na mulher como no homem, com a perda da potência sexual, com a diminuição do prestígio, com o forçado e prolongado internamento num hospital».
Como expendia Figueiredo Dias, em “Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em Processo Penal”, Almedina, 1972, em publicação autónoma e reimpressão de trabalho publicado, pela primeira vez, como contribuição do Autor para os Estudos «in memoriam» do Prof. Beleza dos Santos que, em 1963, formaram o volume XVI do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, a págs. 38/39, “quanto aos chamados danos morais costuma acentuar-se que eles não comportam, por sua natureza, uma indemnização verdadeira e própria, mas tão só uma satisfação, daí provindo a inaplicabilidade, quanto a eles, dos critérios propostos pela teoria de diferença. Todavia, quando não se queira ver aquela satisfação como um corpo estranho ao instituto da responsabilidade civil, no qual se incrusta, há que atribuir-lhe, também a ela, a única função de colocar, quanto possível, o lesado na situação anterior ao facto lesivo; pelo que o critério de avaliação há-de ser o de procurar rigorosamente determinar uma quantia capaz de possibilitar ao lesado prazeres e alegrias que compensem os danos morais causados. Em suma, pois, quer se trate de danos patrimoniais quer morais a obrigação civil de indemnizar tem como critério determinante da sua extensão, fundamentalmente, - para não dizermos unicamente – o critério do dano”.

Em casos como o presente, de responsabilidade civil conexa com a criminal, aquela tem a sua génese num facto ilícito, sendo um crime a sua fonte, a sua causa, o seu facto constitutivo.
O direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, a qual constitui uma das finalidades da punição, como decorre do artigo 40º do Código Penal, a partir da redacção conferida pela terceira alteração do diploma legal citado pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15-03, havendo que olhar aos bens e interesses tutelados nas normas incriminatórias violadas pelo arguido.
A conduta integradora de crime é nestes casos concomitantemente geradora de dano civil.

Como assinala o Prof. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, pág. 502 «A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente».

Referir a indemnização por danos como assumindo um carácter sancionatório/punitivo não faz grande sentido em matéria de acidentes de viação, área que constitui um caso típico de responsabilidade civil, em que por vezes se interpenetram os domínios da responsabilidade criminal e civil, da acção de efectivação de responsabilidade civil conexa com a responsabilidade criminal, desde os tempos do “enxerto cível”, adjectivável nos termos do artigo 67º do Código da Estrada de 1954, ou, em jeito autónomo, em separado, nos termos da acção especial de efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, nos termos do artigo 68º do mesmo Código, até ao sistema de adesão acolhido pelo Código de Processo Penal de 1987, em que a partir de certa altura, o direito da pessoa lesada é exercido em acção directamente interposta apenas contra a empresa de seguros, em que o responsável civil, único demandado, por força das normas adjectivas, não é o próprio lesante, o agente do facto criminoso, de homicídio culposo ou de ofensas à integridade física culposas, o autor do acto lesivo, da violação ilícita do direito de outrem (artigo 483º, n.º 1, do Código Civil), numa perspectiva meramente civilista, mas antes “um substituto”, “um seu representante”, um sucedâneo se se quiser, uma entidade de matriz colectiva, que prossegue o objectivo do lucro, através de uma actividade definida legalmente como de indústria (seguradora), para quem foi “transferida” esta espécie de responsabilidade, estando-se perante situações em que, na composição do litígio, o condenado no pagamento da indemnização emergente da conduta delitual é apenas o responsável civil, a seguradora, para quem foi transferida a responsabilidade por força do contrato de seguro, e não o autor material da lesão.
Não se poderá com propriedade falar então em punição, não podendo erigir-se a intencionalidade punitiva em critério de determinação do montante indemnizatório.
De resto, o mesmo acontecerá se estivermos face a caso de responsabilidade objectiva, pelo risco, em que não se vê como falar em função punitiva da responsabilidade civil, muito menos de forma primacial, como defendia Fernando Pessoa Jorge, ou na perspectiva de indemnização de natureza mista de que falava Antunes Varela, pretendendo castigar, embora num plano civil, o lesante.
O contrato de seguro obrigatório visa cobrir a responsabilidade civil pessoal pela reparação de danos decorrentes de lesões causadas a terceiros por veículo terrestre, sendo que essa responsabilidade tanto pode decorrer de comportamento culposo na condução do veículo, como os dos riscos próprios do veículo mesmo que não se encontre em circulação.
De diferente modo será se estivermos face a ofensas à honra, à autodeterminação sexual, à liberdade de decisão e de acção, à propriedade, à integridade física, ou à vida, mas agora nestes dois casos em sede de crime de ofensas à integridade física dolosas, ou de homicídio voluntário, simples, ou qualificado, típico, ou atípico, ou privilegiado, ou de prática desses crimes na forma tentada, em que não há, obviamente, lugar a uma prévia “contratualização”, a um concerto de transferência de responsabilidade do autor da lesão para terceiro, coincidindo o demandado responsável criminal com o demandado responsável civil pela violação de um direito humano fundamental e absoluto.
Nesses casos, ao proceder-se à quantificação da indemnização há que ponderar que o lesante será o efectivo pagador, estando-se fora de um quadro de responsabilidade segurada, em que a responsabilidade total é mesmo individual, coincidindo fisicamente o autor do facto lesivo e o responsável pelo pagamento da prestação ressarcitória, o demandado criminal e o demandado civil, havendo que considerar que o montante a encontrar não deverá atingir valor que redunde numa extrema dificuldade em cumprir ou num convite ao incumprimento, devendo assumir patamar mínimo de exigibilidade, maxime em casos em que o condenado, devedor da prestação indemnizatória, se encontra em situação de reclusão, em que as possibilidades de pagamento da indemnização obviamente minguam.

Como é sabido, no regime de seguro obrigatório, até aos limites do seguro, só a seguradora responde, detendo legitimidade passiva exclusiva a empresa de seguros -artigo 64º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21-08, (dantes artigo 22º do revogado Decreto-Lei n.º 522/85, de 31-12) - ressalvado ficando embora o posterior direito de regresso e/ou reembolso da seguradora nas situações previstas no artigo 27º do mesmo Decreto-Lei (dantes nos casos das três alíneas do artigo 19º do citado Decreto-Lei n.º 522/85, de 31-12, nomeadamente, nos casos de actuação dolosa na origem do acidente, ou de roubo, ou furto, ou utilização abusiva do veículo, ou de casos de condução sob a influência do álcool ou de estupefacientes, ou no caso de abandono do sinistrado) – a propósito do caso da alínea c) do artigo 19º, ver Jurisprudência 6/2002, acórdão de 28-05-2002, in DR-I A, de 18-07-2002.
A este propósito, ainda no domínio do Decreto-Lei n.º 408/79, de 25 de Setembro, Jorge F. Sinde Monteiro, em Estudos sobre a responsabilidade civil, Coimbra, 1983, págs. 29 a 31, após expressar que, estando a responsabilidade coberta pelo seguro, o peso da responsabilidade deixa de incidir sobre um património individual - o do responsável - para se diluir no seio de um património colectivo constituído pelos contributos de todos os potenciais responsáveis - segurados, sendo a responsabilidade colectivizada, socializada, afirma daí decorrer que “uma responsabilidade segurada deixa a todos os títulos de ser individual”, referindo depois: “Da responsabilidade civil já dificilmente se poderá dizer que é a «grandeza do homem» no momento em que (ou nos domínios em que) de técnica destinada a fazer suportar a uma pessoa as consequências do mal causado a outrem tende a transformar-se em mera obrigação de pagar um prémio de seguro”, constatando ainda o Autor que a função social teoricamente atribuída à responsabilidade cabe na realidade, ou em todo o caso é em primeira linha assegurada, pelo respectivo seguro de responsabilidade.

*

Tem-se entendido doutrinária e jurisprudencialmente, maxime, após o acórdão do STJ, tirado em reunião de secções para uniformização de jurisprudência, de 17-03-1971, in BMJ 205, 150, que em caso de morte, do artigo 496º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis:
- O dano pela perda do direito à vida;
- O dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte;
- O dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não, e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer.

É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente fria, aguçada, requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª edição, volume I, pág. 600; Vaz Serra, RLJ, ano 109º, pág. 115; Dário Martins de Almeida, loc. cit., pág. 268, “São as circunstâncias que acompanham o caso concreto - normalmente circunstâncias de carácter objectivo - que hão-de trazer à superfície essa gravidade, ajudando também a distinguir a dor real da dor fingida”.
Como se extrai do acórdão de 17-11-2005, revista n.º 3436/05-7ª, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 127, “A apreciação da gravidade do dano embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana”.
A este propósito podem ver-se os acórdãos do STJ, de 22-11-1977, BMJ 271, 212; de 26-06-1991, BMJ 408, 538; de 04-03-2004, revista n.º 4439/03-2ª; de 9-12-2004, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 137; de 11-07-2007, processo n.º 1583/07-3ª; de 18-12-2007, revista n.º 3715/07-7ª; de 26-06-2008, revista n.º 628/08, CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 131, de 22-10-2008, processo n.º 3265/08-3ª; de 29-10-2008, processo n.º 3380/08-5ª.

Vejamos a caracterização de cada um dos danos não patrimoniais ora em causa.

Dano morte – dano não patrimonial da perda do direito à vida

Na génese da responsabilidade civil a imputar ao lesante, arguido no processo, transferida para a seguradora, está a prática pelo arguido de uma conduta ilícita, culposa, de que resultou a violação plúrima de direitos de personalidade, como o direito à vida da vítima mortal e à integridade física e psíquica dos demandantes, mulher e filho daquele, tendo o arguido sido condenado por um crime de homicídio negligente, p. p. pelo artigo 137º do Código Penal e dois crimes de ofensas à integridade física negligentes, p. p. pelo artigo 148º do mesmo Código.
O bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio é a vida humana inviolável, reflectindo o crime a tutela constitucional da vida, que proíbe a pena de morte e consagra a inviolabilidade da vida humana - artigo 24º da Constituição da República – estando-se face à mais forte tutela penal, sendo a vida e a sua inviolabilidade que conferem sentido ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à liberdade que estruturam e densificam o Estado de direito.
Como se extrai da Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, págs. 446/7, “O direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto”.
O direito à vida é a conditio sine qua non para gozo de todos os outros direitos.
Nos termos do artigo 2º, n.º 1, 1ª parte, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei, tratando-se essencialmente de um direito a não ser privado da vida, um direito a não ser morto – neste sentido, Vera Lúcia Raposo, O direito à vida na jurisprudência de Estrasburgo, in Jurisprudência Constitucional, n.º 14, pág. 59 e ss.

A indemnização pela perda do direito à vida em sentido estrito, sem abranger a relativa ao sofrimento entre o facto danoso e a morte e a reportada ao dano afectivo dos chegados ao falecido, é desconhecida na Resolução n.º 75-7 do Conselho da Europa de 14-03-1975, relativa à reparação dos prejuízos em caso de lesões corporais e de morte; omite, no seu n.º 3, todo dedicado à “Reparação em caso de morte”, qualquer referência sequer a perda do direito à vida; vem sendo ignorada por decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e é omitida ou repudiada nos principais países da EU.
No caso português, vista a uniformidade da jurisprudência e tendo em conta o n.º 3 do artigo 8º do Código Civil, deve ser atendida.
Assim se pronunciou o acórdão do STJ, de 15-03-2006, no processo n.º 656/06, da 3ª secção.
Do mesmo relator, o acórdão de 22-04-2008, Revista n.º 742/08-2ª, em que se reafirma: “A indemnização pela perda do direito à vida, tendo em conta a orientação maciça da nossa jurisprudência e o disposto no artigo 8º, n.º 3, do Código Civil, deve ser concedida”.
Seguindo esta posição, e citando o acórdão de 11-01-2007, Revista n.º 4433/06-2ª, ainda do mesmo relator, veja-se o acórdão de 13-12-2007, no processo n.º 2307/07, da 5ª secção.

Com excepção de Oliveira Ascensão, em Direito das Sucessões, Lisboa, 1980, págs. 86, 87 e 90, que recusa, na sequência da negação da função punitiva da responsabilidade civil, a atribuição, seja a que título for, de uma indemnização pela própria morte da vítima, a doutrina portuguesa, de forma majoritária, defende a reparabilidade autónoma do dano morte – veja-se neste sentido, Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Sucessões – Noções Fundamentais, 3ª edição, pág. 86; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, Coimbra, 1974, pág. 65; Nuno Espinosa Gomes da Silva, Direito das Sucessões, Lisboa, 1978, pág. 76; Diogo Leite de Campos, A indemnização do Dano Morte - Universidade de Coimbra - Boletim da Faculdade de Direito, vol. I, pág. 296; Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, volume I, 3.ª edição, págs. 294/5; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 3.ª edição, 1980, vol. I, págs. 503 a 509, «é incontestável que a perda do direito à vida por parte da vítima da lesão constitui, nos termos do n.º 2 do artigo 496º, um dano autónomo, susceptível de reparação pecuniária»; António Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1980, Reimpressão de 1986, volume II, págs. 289 a 294; Delfim Maya Lucena, Danos não patrimoniais, O Dano da Morte, Almedina, 1985, págs. 57 a 72, maxime, págs. 69/71.
Igualmente reconhecido na jurisprudência que o dano não patrimonial da perda da vida é autonomamente indemnizável, a partir, como se referiu, do acórdão do STJ, de 17 de Março de 1971, tirado com intervenção de todas as secções do tribunal, constituindo o que João de Castro Mendes apelidava de “precedente persuasivo”, publicado in BMJ 205, 161, e RLJ, ano 105º, págs. 63 e ss., aqui com anotação concordante de Vaz Serra.
Como refere Diogo Leite Campos, “A vida, a morte e a sua indemnização”, in BMJ 365, págs. 5 e segs. “… porque a morte absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais, o montante da sua indemnização deve ser superior à soma dos montantes de todos os outros danos imagináveis” e especifica que “a indemnização do dano da morte deve ser fixada sistematicamente a um nível superior, pois a morte é um dano acrescido e isto tem de ser feito sentir economicamente ao culpado”.

Na indicação dos montantes fixados pela jurisprudência que infra se fará, menciona-se a idade das vítimas quando disponíveis esses dados nos suportes analisados, mas apenas como elemento de referência, sendo este factor cuja relevância não colhe unanimidade na jurisprudência, como se pode ver dos seguintes acórdãos do STJ.
O acórdão de 25-03-2004, revista n.º 4193/03, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 140, aceitando que o bem da vida como valor individual possa ser valorado em abstracto através de uma compensação uniforme, adianta que outros factores, de natureza circunstancial própria ou social (idade, saúde, integração e relacionamento social, função desempenhada na sociedade…), devem pesar no estabelecimento de diferenças de montante pecuniário justificadas pelos limites da equidade, por detrás da qual está sempre o bom senso.
Para o acórdão de 07-02-2006, revista n.º 3765/05-1ª, a idade da vítima, no caso por ter 80 anos, não pode conduzir a que o cômputo da respectiva indemnização seja inferior ao encontrado, no caso da mesma vítima ser mais jovem.
A idade da vítima, embora possa integrar a previsão constante da expressão “demais circunstâncias”, a que se referem os artigos 496º, n.º 3 e 494º do CC, e assim ser mais um factor de que se suportará o juiz a julgar segundo a equidade, não se revela, em si, de decisiva relevância.
Segundo o acórdão de 20-06-2006, Revista n.º 1476/06-1ª – No cômputo da indemnização há que considerar que a vida é um valor absoluto, não havendo que atender à idade, estado de saúde ou situação sócio-cultural da vítima mas apenas ponderar as demais circunstâncias do artigo 494º do Código Civil.
Para o acórdão de 11-01-2007, revista n.º 4433/06-2ª, é de excluir, por inconstitucionalidade, no cálculo do quantum, o critério do artigo 494º do C. Civil reportado à situação económica do lesante ou da vítima. Mas atento este preceito não devem deixar de ser atendidos outros factores de acordo com o que, em concreto, aquela vida continha, relevando assim a idade, a alegria de viver, os projectos que a falecida tinha e outras concretizações do preenchimento que ela fazia da existência.
Como se extrai do acórdão de 20-09-2007, Revista n.º 3561/06-2ª: A idade da vítima tem alguma influência na determinação do quantum indemnizatório do dano morte, embora não seja um factor decisivo. O preço da vida humana, nos acidentes de viação, não deve ser muito díspar de caso para caso, não se podendo (devendo) dizer, por exemplo, que o preço de uma vida com 60-70 anos é substancialmente inferior ao de uma vida com 20-30 anos.
Para o acórdão de 30-10-2007, Revista n.º 2974/07-1ª, apesar de a vida representar o bem supremo, a compensação pela sua perda não pode abstrair do facto de a vítima ter 20 anos ou 80, de estar gravemente doente ou ser muito saudável, de estar reformado ou de manter uma vida profissional intensa, de ser chefe de uma grande empresa, ou um grande cirurgião, ou um modesto distribuidor de publicidade, sublinhando que a perda de vida significa uma indemnização pela perda da vida por viver.
Na leitura do acórdão de 21-05-2008, processo n.º 1616/08-3ª, na fixação do quantum compensatório pela perda do direito à vida importa ter em conta a própria vida em si, como bem supremo e base de todos ao demais, sem esquecer a individualidade própria do titular do direito.
E conforme o acórdão de 22-10-2008, processo n.º 3265/08-3ª – Na determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida importa ter em conta a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais, e, no que respeita à vítima, a sua vontade e alegria de viver, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, incluindo a sua situação profissional e sócio – económica.
No acórdão de 27-11-2008, processo n.º 1413/08-5ª, a propósito dos padrões de indemnização adoptados pelo STJ pela perda do bem jurídico vida, depois de referir que esses valores não são para respeitar cegamente, por haver que ponderar as circunstâncias do caso, e cada caso é um caso, afirma-se que “esses valores são valores tendenciais ou indicativos, que podem, num caso ou noutro, ser ultrapassados. Não é certamente a mesma coisa perder a vida aos 17 anos ou aos 40, 50 ou 60 anos”.


Dano próprio da vítima

Em causa está o dano não patrimonial próprio sofrido pela vítima pela antevisão da sua respectiva morte, sofrido pela própria vítima entre o facto danoso e a morte, antes de falecer, com a percepção da iminência da morte, com a perturbação, susto, medo, sofrimento, até à morte, mesmo que de forma fugaz.
Os danos não patrimoniais próprios da vítima correspondem à dor que esta terá sofrido antes de falecer, e devem ser valorados tendo em atenção o grau de sofrimento daquela, a sua duração, o maior ou menor grau de consciência da vítima sobre o seu estado e a previsão da sua morte – cfr. acórdão de 04-06-2008, processo n.º 1618/08-3ª.
De acordo com o acórdão de 31-01-2006, revista n.º 3769/05-1ª, provando-se que o filho dos autores desmaiou logo que ocorreu o acidente e que sobreviveu cerca de uma hora não há que considerar quaisquer danos não patrimoniais sofridos por este no período entre o acidente e a sua morte.
Segundo o acórdão de 07-11-2006, revista n.º 2873/06-6ª, o sofrimento moral da vítima ante a iminência da morte nos 30 minutos decorridos após o acidente é uma evidência – é, por si só, um facto notório, dispensado de alegação e prova, e que não pode deixar de ser valorizado em sede de indemnização por danos não patrimoniais.


Dano desgosto do cônjuge e do filho da vítima

No caso de morte da vítima há um círculo restrito de pessoas a esta ligados por estreitos laços de convivência, dação mútua, entrega recíproca, afeição, carinho e ternura, a quem a lei concede reparação/compensação quando pessoalmente afectadas por isso nesses sentimentos.
Neste caso, os danos destas vítimas “indirectas” emergem da dor moral que a morte da vítima pessoalmente lhes causou, havendo lugar a indemnização em conjunto e jure proprio ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, e na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representarem - artigo 496º, n.º 2, do Código Civil.
Está em causa um dano especial, próprio, que os familiares da vítima sentiram e sofreram com a morte do lesado, contemplando o sofrimento moral decorrente da morte, o desgosto provocado pela morte do ente querido.
No caso a compensação é devida pelo sofrimento da perda abrupta e irreparável daquele ente.
A origem do dano do desgosto é o sofrimento causado pela supressão da vida, sendo de negar o direito à indemnização em relação a quem não tenha sofrido o dano - neste sentido o acórdão do STJ de 23-03-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 230.
Salvo raras e anómalas excepções, a perda do lesado é para os seus familiares mais próximos causa de sofrimento profundo, sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares, às pessoas que lhe são mais chegadas.
Como se refere no acórdão do STJ de 26-06-1991, BMJ 408, 538, trata-se de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos e que por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos.
É pacífico que um dos factores a ponderar na atribuição desta forma de compensação será sempre o grau de proximidade ou ligação entre a vítima e os titulares desta indemnização.
Na sua determinação “há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou” - Sousa Dinis, in Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 13.


A “Quantificação” do dano


Presente neste domínio deverá estar a consideração do melindre que a quantificação de tais danos sempre acarreta, procurando traduzir-se em quantia certa de coisa fungível (a mais fungível das coisas), o que por natureza é insusceptível de mensuração e de redução a uma expressão numérica, encerrando óbvias dificuldades a tradução em números do que por definição não tem tradução matemática, procurando ter-se em conta o reflexo, o rebate da perda de uma vida, e o efeito indirecto da perda de um cônjuge, de um progenitor ou de um filho.
Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Almedina, 9ª edição, 1998, a págs. 627/8, expende que “da restrição do art. 496 extrai-se indirectamente uma outra lição: a de que o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. É este, como já foi observado por alguns autores, um dos domínios onde mais necessários se tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir”.
Para Galvão Telles, em Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4ª edição, 1982, págs. 304/5 e nota 1, o montante da reparação pecuniária dos danos não patrimoniais é fixado mediante o cômputo equitativo de uma compensação, em que se atenderá, não só e antes de mais à própria extensão e gravidade dos prejuízos, mas também ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, defendendo este autor que a reparação dos danos morais não reveste puro carácter indemnizatório, mas também, de certo modo, carácter punitivo, estando-se perante uma providência mista, que participa da natureza de indemnização e da natureza de pena.
Segundo Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição, 2006, págs. 604/5, a determinação do montante compensatório que corresponde aos danos não patrimoniais calcula-se segundo critérios de equidade, devendo atender-se, não só à extensão e gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado, assim como a todas as outras circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa.
Como se pode ler em Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 1980, 2ª edição, págs. 103 a 105, “a equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. E funciona em casos muito restritos, algumas vezes para colmatar as incertezas do material probatório; noutras, para corrigir as arestas de uma pura subsunção legal, quando encarada em abstracto. (…) A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio”.
Em causa está uma forma de resolver, uma fonte (mediata) de direito – artigo 4º, alínea a) do Código Civil – fundada em razões de conveniência, de oportunidade e de justiça concreta, tratando-se de conceito relacionado com justiça natural, igualdade, imparcialidade, justiça.
Ana Prata, no Dicionário Jurídico, 4ª edição, 2005, pág. 499, refere “Julgar segundo a equidade significa dar a um conflito a solução que parecer mais justa, atendendo apenas às características de situação e sem recurso à lei eventualmente aplicável. A equidade tem, consequentemente, conteúdo indeterminado, variável de acordo com as concepções de justiça dominantes em cada sociedade e em cada momento histórico”.
Na definição da Lexicoteca, Moderna Enciclopédia Universal, Círculo de Leitores, tomo VII, pág. 170, equidade é critério de aplicação do direito a um caso concreto fundamentado em razões de justiça e não em norma legal preestabelecida.
Na Polis, Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, edição da Universidade Católica Portuguesa, 1984, volume 2 - D. F, de págs. 988 a 997, Mário Bigotte Chorão na aproximação ao conceito, salienta a concepção de equidade como justiça do caso concreto, i. é, uma forma de justiça que, superando a mera justiça legal, se adequa às circunstâncias da situação singular, podendo dizer-se que é a justiça enquanto concretizada na solução de cada caso; é uma realidade essencialmente jurídica, embora translegal, que serve para a mais plena realização da justiça (e do direito). Por meio dela se consegue sortir de la legalité pour rentrer dans le droit.
No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, edição da Academia de Ciências de Lisboa, Verbo, Volume I, pág. 1470, de que foi coordenador João Malaca Casteleiro, após citar-se um excerto de Eurico, o Presbítero, de Alexandre Herculano, fornece-se uma noção popular de equidade, como sendo “abatimento voluntário no preço de venda de bens; baixa de preço”.
Noutro âmbito, do direito e filosofia, equidade é definida como “Justiça natural, não sujeita aos critérios normativos da lei, mas adaptada às circunstâncias concretas e particulares do caso a julgar, moderando a lei no que ela apresenta de impessoal e abstracto”.
No acórdão do STJ de 28-10-1980, BMJ 300, 386, referia-se que ao exercício da aequitas associa-se sempre a prática dum “prudente arbítrio” atentas as circunstâncias do caso.
Outras abordagens em acórdãos do STJ:
10-02-1998, revista n.º 847/97, in CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 65 - “A equidade é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente dos critérios normativos fixados na lei”.
15-12-1998, revista n.º 972/98, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 155 - Trata-se de processo de acomodação dos valores legais às características do caso concreto, não podendo prescindir do que é normal acontecer (do id quod plerumque accidit), tendo em conta os componentes do dano, como as suas consequências, o grau de lesão, a culpa na produção do acidente, a situação económica do lesado, o valor do dinheiro e os critérios jurisprudenciais pregressos.
03-09-2008, processo n.º 2389/08-3ª - Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim dum critério para correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.
21-05-2008, processo n.º 1616/08-3ª e de 29-10-2008, processo n.º 3373/08-3ª - Equidade é a justiça do caso concreto, humano, pelo que o julgador deverá ter presente as regras de boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, tendo presentes os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência.
05-11-2008, processo n.º 3266/08 -3ª - Equidade é a expressão da justiça no caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência.

No que concerne à situação económica dos demandantes, a ter em conta, na perspectiva de lesados, nos termos do disposto no artigo 494º, aplicável por força do artigo 496º, n.º 3, 1ª parte, do Código Civil, os autos não fornecem elementos esclarecedores sobre a sua capacidade económica, maxime, a respeito da viúva, já que o menor à data do acidente tinha 10 anos, sabendo-se que eram emigrantes em França e que ficou com o filho a cargo exclusivo - ponto de facto provado n.º 38.
A demandada, como é facto notório (artigo 514º do CPC), é uma sociedade que se dedica à indústria dos seguros, com boa capacidade financeira, ou pelo menos, solvabilidade.
No cômputo do montante da indemnização não há que atender à situação económica da companhia de seguros - acórdão do STJ, de 12-02-1969, BMJ 184, 151, e Vaz Serra, in RLJ, ano 103º, 172.
Em abordagem diversa, mas com o mesmo sentido, pronunciou-se o acórdão do STJ de 29-02-2000, processo n.º 24/00-1ª, Sumários de Acórdãos Cíveis, Edição Anual-2000, pág. 70, aí se afirmando que «É desprovida de sentido a ponderação do parâmetro da situação económica do lesante, apontado pelo artigo 494º do CC, nos casos em que não é o património do lesante, mas sim o de um terceiro – seguradora - a suportar o pagamento da indemnização».
Em sentido oposto pode ver-se o acórdão de 01-06-2000, processo n.º 355/00-7ª, ibidem, pág. 215, onde se pode ler: “Um dos elementos do património do lesante a ter em conta é o seu seguro de responsabilidade civil, contrapartida dos prémios pagos. Porém, o capital do seguro não pode fundamentar o empolamento da indemnização, dando lugar à sua fixação em montante superior ao que se mostre equitativo”.
O preceito citado manda atender à situação económica do agente – autor da lesão, da violação ilícita do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios - artigos 483º e 487º, n.º 1, do Código Civil.
Como se referiu supra, nos pedidos de indemnização emergentes de acidente de viação, em regra, o causador do acidente, o lesante, mesmo que único e exclusivo culpado pela sua eclosão, não é quem suporta a incidência final do dano, mas por força do contrato de seguro, a seguradora, para quem essa responsabilidade foi transferida.
Nestes casos de responsabilidade civil tendente a reparar danos emergentes de acidente de viação não faz sentido o reporte à situação do lesante, que até na maioria dos casos está ausente da acção, sendo a única referência possível a seguradora presente, única demandada.
Resulta da implementação do seguro obrigatório a não efectiva punição do responsável que estaria imanente na indemnização, como se deixou expresso acima ao referir as posições de Sinde Monteiro, mas por outro lado, não se pode olvidar que a corrente jurisprudencial que assume a necessidade de fixação de valores actualizados da indemnização, reporta-os ao sucessivo aumento dos prémios e correlativo aumento de lucros das seguradoras, sendo paradigmático o acórdão do STJ de 16-12-1993, a que nos referiremos infra.


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Factores a ter em conta na fixação dos montantes correspondentes a compensação por danos não patrimoniais.

Neste aspecto ter-se-ão em conta as soluções jurisprudenciais, distinguindo-se nas mesmas três vertentes – soluções de fixação de montantes relativamente aos danos em causa, necessidade ou não de intervenção correctiva por parte do Tribunal Superior e estabelecimento do justo grau de compensação – bem como outros elementos de referência possível, como o constante do Anúncio do Provedor de Justiça de 2001 e a invocada pela seguradora Portaria n.º 377/08.


Anúncio n.º 50/2001 - Decisão do Provedor de Justiça de 19-03-2001

O valor mais corrente na compensação pela perda do direito à vida, de 10.000 contos, foi fixado pela primeira vez em 1998 (acórdão de 26 de Março), havendo acórdãos proferidos em 2000 e 2002 que elevaram então o padrão para esse patamar, não sendo despiciendo ter em conta o “sinal” decorrente da decisão do Provedor de Justiça de 19 de Março de 2001 e publicada no DR-II Série, n.º 96, de 24 Abril de 2001, que teve a ver com reparação dos danos causado às vítimas da tragédia de Entre Rios.
No seguimento do n.º 3 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 29-A/2001, de 09-03, a referida decisão procedeu à fixação dos critérios a utilizar no cálculo das indemnizações a pagar pelo Estado aos herdeiros das vítimas de derrocada da ponte sobre o rio Douro em Entre-os -Rios e Castelo de Paiva.
Na Parte VIII, n.º 56, restringindo-se ora a danos não patrimoniais, partiu o parecer da consideração e ponderação de que então os montantes médios mais recentes fixados pela jurisprudência para reparação do dano morte se situavam entre os 5000 e os 6000 contos, e quanto à reparação do dano não patrimonial sofrido pelas próprias vítimas, a média era de 2000 a 2500 contos, afirmando-se quanto à morte, perfilhando o entendimento de Leite de Campos, que é a própria dignidade humana que impõe a quantificação idêntica daquilo que é essencialmente idêntico, defendendo que a indemnização do dano morte deve ser a mesma em todos os casos, porque o prejuízo é o mesmo para todos os homens.
E assim ponderado foi decidido:
I) Atribuição aos herdeiros de cada vítima da quantia global de 10 000 000$, por via do dano morte e do sofrimento gerado nos momentos anteriores ao decesso;
II) Atribuição a cônjuge sobrevivo e a cada um dos outros familiares das vítimas, de acordo com o previsto no artigo 496º, n.º 2, do Código Civil, de 4 000 000$ por danos não patrimoniais próprios, se a cônjuges, descendentes ou ascendentes em 1º grau; de 3 000 000$, se a descendentes ou ascendentes em 2º grau quando tivesse ocorrido coabitação prolongada com a vítima por ausência do progenitor; de 2 000 000$ se aos demais descendentes ou ascendentes e de 1 000 000$, se a parentes colaterais.
(…).


Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio


Na conclusão 4ª pretende a recorrente que seja aplicável a Portaria n.º 377/2008, de 26-05, que em seu entender estabeleceu valores que devem ser seguidos como critérios orientadores e uniformizadores, opondo-se a recorrida a tal entendimento como expressa nas conclusões 5ª a 8ª da resposta.
Com a Portaria n.º 377/2008, de 26-05-2008, entrada em vigor em 27-05-2008, visou-se fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (diploma que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a 5ª Directiva Automóvel – Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio - e regulou por iniciativa do legislador nacional, diversos domínios da regularização de sinistros rodoviários, sobretudo no que respeita ao dano corporal).
De acordo com o artigo 2º, alínea a) e artigo 5º, para efeitos de proposta razoável as indemnizações pela violação do direito à vida, bem como as compensações devidas aos herdeiros da vítima, nos termos do Código Civil, a título de danos morais, serão de calcular de acordo com o quadro constante do anexo II da portaria, cabendo a situação ora em apreciação, se fosse caso disso, nos segmentos Danos Morais Herdeiros (A) Grupo I - prevendo a situação de existência de cônjuge e filhos, Direito à vida (C) e Dano moral próprio da vítima (D), todos do referido anexo.
Em relação ao caso concreto, pela primeira categoria – danos próprios - à demandante, face ao tempo do casamento, seria de propor o valor até € 20.000 e ao demandante menor, atenta a idade, o valor seria até € 15.000.
Pelo direito à vida da vítima, atenta a sua idade à data do acidente, a proposta razoável seria até € 50.000.
E finalmente, pelo dano moral próprio da vítima, seria proposta uma compensação até € 2000.
Como decorre do n.º 2 do artigo 1º as disposições constantes da portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos.

Tendo o facto lesivo de que emerge o dano que se pretende compensar ocorrido em data anterior à da entrada em vigor da Portaria, nunca poderia ter a mesma aplicação, por força do disposto no artigo 12º, n.º 1, do Código Civil.
Neste sentido se pronunciou o acórdão de 29-10-2008, processo n.º 3374/08-3ª, adiantando que tal diploma não pretende mais do que estabelecer critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidentes de viação de proposta razoável para indemnização, sem que isso obste à fixação de valores superiores aos nela previstos, sendo ilegítimo pretender a redução dos valores fixados pelas instâncias à luz dessa portaria; no mesmo sentido, e citando o anterior, veja-se o acórdão de 27-01-2009, processo n.º 1962/08-5ª.
No acórdão de 12-03-2009, processo n.º 611/09-3ª, consignou-se que a portaria tem um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, sendo que pela natureza do diploma que é, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo Código Civil.
No caso dos autos, o acidente de viação ocorreu em 08-08-2004, configurando-se a existência dos direitos de indemnização em causa muito antes do surgimento da portaria em causa.
Como referimos no acórdão de 25-02-2009, no processo n.º 3459/08, de que fomos relator “De qualquer modo, os valores propostos deverão ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e tal como acontece com qualquer outro método que seja expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios.
Os valores indicados, sendo necessariamente objecto de discussão acerca da sua razoabilidade entre o lesado e a entidade que deverá pagar, servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo”, assumindo um carácter instrumental.
A proposta razoável é, a par da prontidão de resposta, um dos deveres da empresa de seguros, em geral - artigos 36º e 38º do Decreto-Lei n.º 291/07, de 21-08 - e na regularização dos sinistros que envolvam danos corporais em particular - artigos 37º e 39º do mesmo diploma legal, pelo que os números avançados pelas seguradoras valerão nesse quadro de procura de solução consensual do litígio.
Ademais, o regime relativo aos prazos e as regras de proposta razoável têm em vista facilitar a tarefa de quem está obrigado a reparar o dano e sujeito a penalizações, como se pode ler no 4º parágrafo do preâmbulo da Portaria, retirando-se dessa passagem que o próprio diploma prevê que seja declarada judicialmente a falta de razoabilidade na proposta indemnizatória.
E do n.º 3 do artigo 38º do citado Decreto-Lei resulta que possa ser considerado manifestamente insuficiente o montante proposto nos termos da proposta razoável, caso em que são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial – cfr. o artigo 39º, n.ºs 2 e 3, quanto aos danos não patrimoniais.


Da intervenção - limitada - do Tribunal Superior

Alguma jurisprudência defende uma intervenção do tribunal de recurso limitada e restrita na fixação deste tipo de danos, não se justificando essa intervenção caso se entenda que a indemnização foi adequadamente fixada, sendo reveladora de bom senso.
Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que «os tribunais devem seguir não são fixos» – Antunes Varela/Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, 1.º vol., anotação ao art. 494.º - «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”» – só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos.
Neste sentido podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2000, processo n.º 2747/00-5ª; de 29-11-2001, processo n.º 3434/01-5ª; de 16-05-2002, processo n.º 585/02-5ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02-5ª; de 08-05-2003, processo n.º 4520/02-5ª; de 17-06-2004, processo n.º 2364/04-5ª; de 09-12-2004, processo n.º 4118/04-5ª; de 24-11-2005, processo n.º 2831/05-5ª; de 13-07-2006, processo n.º 2172/06-5ª; de 07-12-2006, processo n.º 3053/06-5ª; de 27-11-2007, processo n.º 3310/07 -5ª; de 06-12-2007, processo n.º 3160/07-5ª; de13-12-2007, processo n.º 2307/07-5ª; de 13-03-2008, processo n.º 2589/07-5ª; de 03-07-2008, processo n.º 1226/08-5ª; de 11-09-2008, processo n.º 587/08-5ª; de 11-02-2009, processo n.º 313/09-3ª e no acórdão de 12-03-2009, processo n.º 611/09-3ª.
No acórdão de 11-07-2006, revista n.º 1749/06-6ª, consignou-se que salvo caso de manifesto arbítrio na fixação da indemnização, o STJ não pode sobrepor-se ao Tribunal da Relação na apreciação do quantum indemnizatório por esta julgado equitativo.
O juízo equitativo é critério primordial e sempre corrector de outros critérios, adianta o mesmo acórdão.


As soluções jurisprudenciais

Para além de outros factores, ter-se-ão em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o artigo 8º, n.º 3 do Código Civil (Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito), fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito.
Importa atender, por razões de justiça relativa, aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência, importando ter sempre em atenção as circunstâncias de cada caso, bem como as datas em que as decisões foram proferidas e o consequente decurso do tempo relativamente à decisão confrontada – acórdão do STJ, de 17-04-97, SASTJ, n.º 10, Abril, pág. 52.
Vejamos então as soluções que têm vindo a ser assumidas por este Supremo Tribunal no que respeita aos montantes atribuídos como compensação dos danos não patrimoniais decorrentes de morte, cingindo a apresentação ao dano morte, dano moral próprio da vítima com a antevisão da morte, dano de desgosto por perda de cônjuge e de progenitor (no caso concreto de fora fica apenas o dano por perda de filho), havendo que ter em atenção o relativismo decorrente, para além do mais, da diversidade e heterogeneidade das espécies submetidas a julgamento e a reapreciação em recurso, dos diferentes circunstancialismos, condicionalismos e especificidades presentes em cada caso e em que se procura a harmonia possível com recurso à equidade.
Especificando os acórdãos analisados:

I - Dano Morte – Indemnização por perda do direito à vida

16-01-1996, Revista n.º 87877-1ª --------------------------------- 3.000.000$00 (16 anos)
23-10-1997, Processo n.º 1378/96-3ª ------------------------------------------- 5.000 contos
23-04-1998, Rev. n.º 204/98, CJSTJ1998, tomo 2, pág. 49 ----- 6.000.000$00 (35 anos)
11-01-2000, Revista n.º 1113/99-6ª --------------------------------- 7.000.000$00 (17 anos)
07-06-2000, Processo n.º 117/00-3ª --------------------------------------------- 6.500 contos
17-10-2000, Revista n.º 214/00-6ª --------------------------------- 6.000.000$00 (27 anos)
27-09-2001, Revista n.º 2118/01-6ª ------------------------------- 8.000.000$00 (23 anos)
30-10-2001, Revista n.º 2900/01-1ª ---------------------------------- 7.000.000$00 (26 anos)
30-04-2002, Revista n.º 1126/01-6ª -- 6.000.000$00 (cada uma das duas vítimas de acidente de viação, de 69 e 76 anos de idade, ainda activas)
16-05-2002, Processo n.º 585/02-5ª – homicídio voluntário ------ 6.000 contos (41 anos)
28-05-2002, Revista n.º 920/02-1ª ------------------------------ 8.000.000$00 (17 anos)
27-06-2002, Revista n.º 1618/02-2ª ----------------------------- 7.500.000$00 (23 anos)
10-10-2002, Revista n.º 2597/02-2ª ---------------------------- 8.000.000$00 (24 anos)
24-10-2002, Revista n.º 2649/02-2ª ---------------------------- 7.000.000$00 (19 anos)
29-10-2002, Revista n.º 3036/02-1ª ---------------------------- 8.000.000$00 (…)
14-11-2002, Processo n.º 3316/02-5ª – homicídio qualificado ------- € 25.000 ( 70 anos)
06-03-2003, Processo n.º 4406/02-3ª - homicídio simples - € 15.000 (pedidos 25.000)
04-12-2003, Revista n.º 3825/03-7ª --------------------------------- € 40.000,00 (…)
08-04-2003, Revista n.º 903/03-6ª ---------------------------- € 34.915,85 (41 anos)
08-05-2003, Revista n.º 456/03-7ª ------------------------------- 8.000.000$00 (18 anos)
03-06-2003, Revista n.º 1410/03-6ª ---------------------------- 7.000.000$00 (17 anos)
25-03-2004, Revista n.º 4193/03-7ª(Com juros mora desde 6-3-2000) 8.000.000$00 (22 anos)
02-12-2004, Revista n.º 3097/04-2ª --------------------------------- 8.000.000$00 (20 anos)
16-12-2004, revista n.º 4262/04-7ª (Com referência a 11-12-2003) ---- € 45.000 (12 anos)
03-03-2005, Revista n.º 281/05-7ª --- (reportada a 3-11-1999) ------ € 43.000 (32 anos)
21-04-2005, Revista n.º 562/05-2ª ---------------------------- 8.000.000$00 (33 anos)
07-12-2005 Revista n.º 3526/05-7ª --------------------------------------- 5.000.000$00 (morte por electrocussão cabo eléctrico com responsabilidade da EDP)
15-03-2006, Processo n.º 656/06-3ª -------------------------------- € 40.000,00 (29 anos)
21-05-2006, Processo n.º 1616/08-3ª ----------------------------------- € 33.000,00 (7 anos)
01-03-2007, Revista n.º 4025/06-7ª -------- € 35.000 (vítima nascida em 06-01-1983)
29-03-2007, Revista n.º 482/07-2ª --------------------------------- € 40.000,00 (60 anos)
11-07-2007, Processo n.º 1583/07-3ª – homicídio simples -------- € 35.000,00 (60 anos)
13-09-2007, Revista n.º 2382/07-7ª -------------------------- € 40.000,00 (40 anos)
30-10-2007, Revista n.º 2974/07-1ª -- € 40.000,00 (72 anos), considerando que peca por excessiva
04-12-2007, Revista n.º 3840/07-1ª ------------------------------ € 38.000,00 (23 anos)
06-12-2007, Processo n.º 3160/07-5ª -------------------------- € 30.000,00 (vítima de 26 anos, reconhecendo-se que a quantia fixada pelas instâncias ficou um pouco aquém dos padrões usados em casos similares pelo STJ)
10-04-2008, Revista n.º 3065/07-2ª -- € 24.939,89 (vítima em obra, com 62 anos de idade)
22-10-2008, Processo n.º 3265/08-3ª ------------------------- € 45.000,00 (7 anos)

Segue-se a indicação de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça em que foi fixado o valor da indemnização em 10.000.000$00 (e após Janeiro de 2002 no equivalente de € 49.879,79), e mais frequentemente em € 50.000,00.

26-03-1998, Revista n.º 104/98-1ª - confirma o valor de 10.000.000$00 fixado pela Relação (vítima com 12 anos de idade)
09-03-2000, Processo n.º 5/2000-5ª - (vítima de acidente de viação com 17 anos)
25-01-2002, Revista n.º 3952/01-6ª, in CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 61 - (24 anos)
25-06-2002, Revista n.º 4038/01-6ª - (32 anos)
08-10-2002, Revista n.º 15/02-1ª - (22, 23, 24 anos)
05-12-2002, Revista n.º 3636/02-6ª - (…)
27-02-2003, Revista n.º 4553/02-2ª - (…)
09-10-2003, Revista n.º 2265/03-7ª - (16 anos)
27-04-2005, Revista n.º 728/05-1ª - (50 anos)
09-06-2005, Revista n.º 1096/05-2ª – (51 anos)
10-11-2005, Revista n.º 3017/05-2ª - (24 anos)
24-11-2005, Processo n.º 2831/05-5ª - (33 anos)
24-01-2006, Revista n.º 3941/05-6ª - (34 anos)
31-01-2006, Revista n.º 3769/05-1ª – (…)
04-04-2006, Revista n.º 4167/05-1ª – (…)
12-10-2006, Revista n.º 2520/06-7ª - (40 anos)
17-10-2006, Revista n.º 2775/06 - (valor reportado a 2004)
24-10-2006, Revista n.º 3021/06-6ª - (21 e 30 anos)
07-11-2006, Revista n.º 2873/06-6ª - (26 anos)
14-11-2006, Revista n.º 3485/06-6ª - (…)
11-01-2007, Revista n.º 4433/06-2ª - (18 anos)
25-01-2007, Revista n.º 4654/06-7ª - (25 anos)
17-04-2007 Revista n.º 225/07-7ª - (44 anos)
26-04-2007, Revista nº 827/07-2ª - (35 anos)
20-09-2007, Revista n.º 3561/06-2ª - (67 anos)
27-09-2007, Revista n.º 2737/07-7ª - (52 anos)
22-11-2007, Revista n.º 3688/07-1ª - (33 anos)
13-12-2007, Processo n.º 2307/07-5ª - (homicídio qualificado)
18-12-2007, Revista n.º 3715/07-7ª - (17 e 11 anos)
29-01-2008, Revista n.º 4172/07-6ª - (…)
22-04-2008, Revista n.º 742/08-2ª - (53 anos)
23-04-2008, Processo n.º 303/08-3ª - (41 anos)
27-05-2008, Revista n.º 1456/08-7ª - (…)
04-06-2008, Processo n.º 1618/08-3ª - (17 anos)
05-06-2008, Revista n.º 1177/08-1ª - (51 anos)
24-06-2008, Revista n.º 1185/08-6ª - (vítima nascida em 1950)
02-07-2008, Processo n.º 2156/08-3ª - (criança)
10-07-2008, Revista n.º 1853/08-1ª - (67 anos)
09-09-2008, Revista n.º 1995/08-1ª - (33 e 27 anos)
25-09-2008, Processo n.º 2860/08-3ª - (…)
30-10-2008, Revista n.º 2360/08-2ª - (41 anos)
12-02-2009, Revista n.º 4125/07-7ª - (46 anos)

Indicam-se de seguida os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça em que foi ultrapassada a “barreira” dos 50.000,00 €

13-05-2004, Revista n.º 1845/03-2ª ------------------------------ 11.000.000$00 (44 anos)
18-10-2007, Revista n.º 3084/07-6ª ------------------------------- 55.000,00 (31 anos)
03-04-2008, Revista n.º 262/08-2ª -------------------------------- 60.000,00 (…)
10-07-2008, Revista n.º 1840/08-6ª ---------------------------- 60.000,00 (14 anos)
16-10-2008, Revista n.º 2697/08-7ª ---------------------- 60.000,00 (28 e 44 anos)
16-10-2008, Revista n.º 2477/08-2ª --------------------------- 70.000,00 (29 anos)
30-10-2008, Revista n.º 2989/08-2ª ------------------------------- 60.000,00 (19 anos)
18-11-2008, Revista n. 3422/08-2ª ------------------------------- 60.000,00 (44 anos)
27-11-2008, processo n.º 1413/08-5ª ------------------------------ 60.000,00 (17 anos)
12-03-2009, Processo n.º 611/09-3ª ------------------------------- 55.000,00 (24 anos)


Indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima


07-06-2000, Processo n.º 117/00-3ª ------------------------------------------ 2.000 contos (por ter representado a inevitabilidade do embate e a própria morte)
25-01-2002, Revista n.º 3952/01-6ª, in CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 61 ------- 2.000 contos
30-04-2002, Revista n.º 1126/01-6ª ---------------------------------------- 1.000.000$00 (cada uma das duas vítimas de acidente de viação, de 69 e 76 anos de idade, falecendo uma de imediato, no local do acidente e a outra pouco depois, já no hospital)
06-03-2003, Processo n.º 4406/02-3ª --- (homicídio simples) ---------------- 5.000 €
03-06-2003, Revista n.º 1410/03-6ª ------------------------------------ 2.000.000$00
02-12-2004, Revista n.º 3097/04-2ª----------------------------------------- 2.000.000$00
21-04-2005, Revista n.º 562/05-2ª ----------------------------- 2.000.000$00
27-04-2005, Revista n.º 728/05-1ª ------------------------------------- 7.500,00 €
13-07-2005, Processo n.º 1833/05-5ª, in CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 244 (homicídio simples) ----------------------------------------------------------------- 20.000,00 €
24-10-2006, Revista n.º 3021/06-6ª (a cada uma das vítimas com 21 e 30 anos) 5.000,00 €
16-12-2006, Revista n.º 2392/06, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 117 ------------ 750.000$00 (vítima de 59 anos, valor do pedido e reportado a Abril de 1998, com juros de mora desde a citação)
11-01-2007, Revista n.º 4433/06-2ª ------------------------------------------ 9.000,00 €
11-07-2007, Processo n.º 1583/07-3ª --- (homicídio simples) --------- 10.000,00 €
18-10-2007, Revista n.º 3084/07-6ª -------------------------------------- 15.000,00 €
30-10-2007, Revista n.º2974/07-1ª --------------------------------------- 2.500,00 €
22-11-2007, Revista n.º 3688/07-1ª ---------------------------------- (33 anos) 5.000,00 €
04-12-2007, Revista n.º 3840/07-1ª ------------------------------------- 2.500,00 € (caso em que ficou provado que a vítima sentiu dores intensas mas também que a morte sobreveio de imediato)
13-12-2007, Processo n.º 2307/07-5ª -- (homicídio qualificado) -------- 10.000,00 €
29-01-2008, Revista n.º 4172/07-6ª ------------------------------------ 15.000,00 € (caso em que o acidente data de 06-07-1999, vindo a falecer em 06-10-1999 tendo sofrido várias fracturas, submetido a duas intervenções cirúrgicas com anestesia geral, transfusões de sangue e ligado a ventilador)
22-04-2008, Revista n.º 742/08-2ª ---------------------------------- 10.000,00 € (pelo sofrimento de três dias havido entre o facto danoso e a morte (de vítima com 53 anos de idade), com percepção desta e dores derivadas dos ferimentos)
27-05-2008, Revista n.º 1456/08-7ª ------------------------------------- 15.000,00 €
04-06-2008, Processo n.º 1618/08-3ª ------------------------------- (17 anos) 7.500,00 €
12-03-2009, Processo n.º 611/09-3ª ------------------------------------ 20.000,00 € (tendo presente que o sofrimento da vítima entre o acidente e o momento do decesso se prolongou por dois dias).


Indemnização por perda do cônjuge


30-10-2001, Revista n.º 2900/01-1ª ---------------------------------------- 3.000.000$00
16-05-2002, Processo n.º 585/02-5ª – homicídio voluntário --------------- 2.500.000$00
25-06-2002, Revista n.º 4038/01-6ª ----------------------- € 24.939, 89 (5.000.000$00)
14-11-2002, Processo n.º 3316/02-5ª – homicídio qualificado ------------- € 10.000,00
08-04-2003, Revista n.º 903/03-6ª --------------------------------- € 14.963,94
13-05-2004, Revista n.º 1845/03-2ª --------------------------------------- 3.000.000$00
03-06-2004, Revista n.º 3527/03-2ª ---------------------------------------- 3.500.000$00
03-03-2005, Revista n.º 281/05-7ª ----------------------------------------- € 15.000,00
27-04-2005, Revista n.º 728/05-1ª ----------------------------------- € 15.000,00
09-06-2005, Revista n.º 1096/05-2ª ---------------------------------------- € 14.963,94
07-12-2005, Revista n.º 3526/05-7ª --------------------------------- € 10.000,00
24-01-2006, Revista n.º 3941/05-6ª ---------------------------------- € 20.000,00
04-04-2006, Revista n.º 4167/05-1ª ------------------------------------- € 25.000,00
12-10-2006, Revista n.º 2520/06-7ª------------------------------------- € 20.000,00
24-10-2006, Revista n.º 3021/06-6ª ----------------------------------- € 24.939,89
29-03-2007, Revista n.º 482/07-2ª ------------------------------------- € 15.000,00
17-04-2007, Revista n.º 225/07-7ª ------------------------------------- € 20.000,00
26-04-2007, Revista nº 827/07-2ª ------------------------------------- --- € 30.000,00
11-07-2007, Processo n.º 1583/07-3ª ---------------------------------- € 10.000,00
13-09-2007, Revista n.º 2382/07-7ª--------------------------------------- € 20.000,00
20-09-2007, Revista n.º 3561/06 - 2ª ------------------------------------- € 20.000,00
22-11-2007, Revista n.º 3688/07-1ª -------------------------------------- € 20.000,00
04-12-2007, Revista n.º 3840/07-1ª --------------------------------------- € 15.000,00
29-01-2008, Revista n.º 4172/07-6ª --------------------------------------- € 17.000,00
23-04-2008, Processo n.º 303/08-3ª ---------------------------------------- € 17.500,00
10-04-2008, Revista n.º 3065/07-2ª ---------------------------------------- € 15.000,00
05-06-2008, Revista n.º 1177/08-1ª ---------------------------------------- € 25.000,00
10-07-2008, Revista n.º 1853/08-1ª -------------------------------------------- € 30.000,00
18-11-2008, Revista n. 3422/08-2ª ------------------------------------------- € 30.000,00
12-02-2009, Revista n.º 4125/07-7ª ------------------------------------------- € 20.000,00

Indemnização por perda de progenitor


23-04-1998, Revista n.º 204/98, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 49 - Concede 4.000.000$00 a filho menor de pai falecido (com 35 anos), em consequência de acidente de viação.
11-01-2000, Revista n.º 1052/99 - 6ª ----------- (1.500 contos a cada filho) 9.000.000$00
30-10-2001, Revista n.º 2900/01-1ª --------------------------------- 3.000.000$00
30-04-2002, Revista n.º 1126/01 - 6ª ---------------------------------- 4.000.000$00 (perda de ambos os pais de 69 e 76 anos de idade)
16-05-2002, Processo n.º 585/02-5ª – homicídio voluntário -------------- 2.500.000$00
25-06-2002, Revista n.º 4038/01-6ª ------------------------- 29.927, 87 € (6.000.000$00)
14-11-2002, Processo n.º 3316/02-5ª – homicídio qualificado (a cada filho) 10.000,00 €
13-05-2004, Revista n.º 1845/03-2ª ----------------- (a cada um dos 2 filhos) 2.000.000$00
03-06-2004, Revista n.º 3527/03-2ª para cada um de 2 filhos 1800 e para outra 3000 contos
03-03-2005, Revista n.º 281/05-7ª ------------------ (a cada um dos dois filhos) 10.000,00 €
21-04-2005, Revista n.º 562/05-2ª ------------------- (a cada um dos 2 filhos) 2.500.000$00
27-04-2005, Revista n.º 728/05-1ª ----- (a cada um dos cinco filhos) 10.000,00 €
09-06-2005, Revista n.º 1096/05-2ª -------------- (a cada uma das 2 filhas) 14.963,94 €
07-12-2005 Revista n.º 3526/05-7ª -------- (caso de electrocussão) 2.000.000$00
04-04-2006, Revista n.º 4167/05-1ª ------------------------------------- 25.000,00 €
12-10-2006, revista n.º 2520/06-7ª -------------------------------------------- 20.000,00 €
24-10-2006, Revista n.º 3021/06-6ª ---------------------------------------------- 15.000,00 €
16-12-2006, Revista n.º 2392/06, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 117 ------- 3.000.000$00
(valor do pedido concedido a cada filha e reportado a Abril de 1998, com juros de mora desde a citação)
29-03-2007, Revista n.º 482/07-2ª ---------------------------------------------- 10.000,00 €
17-04-2007, Revista n.º 225/07-7ª ------------------------------------------------ 20.000,00 €
26-04-2007, Revista nº 827/07-2ª --------------- (para cada um dos dois filhos) 25.000,00 €
13-09-2007, Revista n.º 2382/07-7ª ------------- (para cada um dos três filhos) 12.500,00 €
20-09-2007, Revista n.º 3561/06 - 2ª ------------------------------------------ 15.000,00 €
27-09-2007, Revista n.º 2737/07-7ª ------------------------------------------ 25.000,00 €
18-10-2007, Revista n.º 3084/07-6ª ----------------------------------------- 25.000,00 € (para cada uma das filhas, com três e dez anos)
30-10-2007, Revista n.º2974/07-1ª ------ ----------------------------------------- 10.000,00 € (a cada um dos filhos, pessoas adultas e independentes, sem demonstração de particulares marcas de sofrimento, com a morte da mãe de 72 anos)
22-11-2007, Revista n.º 3688/07-1ª --------------- (a cada um dos filhos menores) 15.000,00 €
04-12-2007, Revista n.º 3840/07-1ª ------------------------------------------- 15.000,00 €
29-01-2008, Revista n.º 4172/07-6ª ------------------------------------------ 15.000,00 € (para cada um dos dois filhos jovens, um ainda menor a prosseguir os estudos)
10-04-2008, Revista n.º 3065/07-2ª --------------------------- (a cada filho) 12.500,00 €
22-04-2008, Revista n.º 742/08-2ª ---------------- (para cada um dos três filhos) 10.000,00 €
23-04-2008, Processo n.º 303/08 -3ª -------------------- (a cada filho) 20.000,00 €
06-05-2008, Revista n.º 851/08-6ª ------------------------------------ 30.000,00 € (compensação a filha de 3 anos por morte do Pai que à data do acidente contava 28 anos de idade)
08-05-2008, Revista n.º 726/08--------------------------------------------------- 20.000,00 €
05-06-2008, Revista n.º 1177/08-1ª ------------------------------ (a cada filho) 20.000,00 €
10-07-2008, Revista n.º 1853/08-1ª --------------------------------------------- 17.500,00 €
25-09-2008, Processo n.º 2860/08-3ª -------------------------------------------- 20.000,00 €
18-11-2008, Revista n.º 3422/08-2ª ----------------------- (a cada filho) 20.000,00 €
12-02-2009, Revista n.º 4125/07-7ª ----------------------- (a cada filho) 15.000,00 €


Do justo grau de compensação


Por outro lado, há que ter em conta, como é entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.
Trata-se de posição jurisprudencial assumida nove anos antes de o País ter entrado na zona euro e em que se chamava a atenção para a necessidade de também neste domínio se procurar acompanhar o ritmo da Europa e seguir as indicações dos sucessivos aumentos dos prémios de seguros.
No entanto, a questão não é nova, suscitando já alguma atenção há mais de 40 anos, quando o STJ perante a graduação da indemnização por danos morais aos pais de uma jovem de 18 anos, que trabalhava (ganhando 20$00 por dia), e vítima de acidente de viação, dizia: “Quanto, porém, aos danos morais, vem este Tribunal sustentando que se torna necessário elevar o nível dos seus montantes, perante o condicionalismo económico de momento e o maior valor sentimental que hoje se atribui, felizmente, à vida humana” - acórdão de 10-01-1968, processo n.º 32589, in BMJ 173, 161, sendo então atribuída a tal título a quantia de 50 000$00.
Como então dizia o acórdão do STJ, de 16-12-1993, CJSTJ 1993, tomo 3, pág. 181 «É mais que tempo, conforme jurisprudência que hoje vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios. A indemnização por danos patrimoniais deve ser correcta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isto, neste âmbito, já ninguém nem nada consegue! Mas – et pour cause – a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico. Aliás, é nesta linha que se encontra, como é do conhecimento geral, o contínuo aumento dos seguros obrigatórios estradais e dos respectivos prémios (vejam-se as repetidas e sucessivas alterações ao art. 6º do DL 522/95, de 31-12, a última através do DL n.º 18/93, de 23 de Janeiro, no seguimento da directiva n.º 84/5/CEE, de 1983-12-30).
Esta posição tem vindo a ser citada e acolhida, ou sendo anotado o seu sentido útil ao longo dos anos, como, i. a. , nos acórdãos do STJ, de 11-10-1994, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 89 e BMJ 440, 449; de 06-02-1996, BMJ 454, 690; de 18-06-1996, BMJ 458, 287; de 10-02-1998, CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 65; de 23-04-1998, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 49; de 28-03-2000, revista n.º 222/00 - 1ª; de 21-09-2000, revista n.º 2033/00 - 6ª; de 25-01-2002, revista n.º 3952/01-6ª, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 61; de 25-06-2002, revista n.º 1321/02-1ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 128; de 25-03-2004, revista n.º 4193/03-7ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 140; de 02-10-2007, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 68.
Como se refere no acórdão do STJ de 23-04-2008, processo n.º 303/08 - 3.ª, “Certo é que a indemnização por danos não patrimoniais deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, tendo em vista o quantum doloris causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, pelo que não pode assumir feição meramente simbólica” – cfr., entre outros, os acórdãos de 28-06-2007, 25-10-2007, 18-12-2007, 17-01-2008 e 29-01-2008, proferidos nos processos n.ºs 1543/07 - 2.ª, 3026/07 - 2.ª, 3715/07 - 7.ª, 4538/07 - 2.ª, 4492/07 - 1.ª; e de 21-05-2008, processo n.º 1616/08 - 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2860/08-3ª; de 22-10-2008, processo n.º 3265/08 - 3ª; de 29-10-2008, processo n.º 3373/08 - 3ª; de 29-10-2008, processo n.º 3380/08-5ª “o juiz deve procurar um justo grau de compensação, sendo fundamental, pois, a determinação do mal efectivamente sofrido por cada lesado, as suas dores e o seu sofrimento psicológico”; de 25-02-2009, processo n.º 3459/08-3ª.


Revertendo ao caso concreto.

Vejamos se colhe a pretensão da seguradora recorrente, olhando cada espécie de dano de per si, salientando-se que no presente recurso não está em causa a configuração do dano não patrimonial como tal, questionando-se somente a determinação do quantum indemnizatório.
Antes de avançarmos, porém, há que anotar as variações das posições da recorrente, no que respeita à adequação dos valores considerados razoáveis como contrapartida dos danos em causa, no espaço temporal entre os dois recursos, separados por pouco mais de 7 meses, sendo que o primeiro recurso dirigido à Relação foi apresentado em 3 de Janeiro de 2008 e o presente em 25 de Agosto seguinte - a este respeito referem os lesados que os recursos da recorrente são um autêntico ziguezague, pugnando por indemnizações diferentes – cfr. conclusão 4ª da resposta.
Apenas no que toca à indemnização a título de danos não patrimoniais próprios sofridos pelo demandante menor CC, a recorrente mantém a mesma posição, pugnando no 1º recurso – conclusão 11ª - pela sua fixação na quantia de € 15.000,00, o que ora repete na conclusão 8ª.
No mais diverge:
Quanto à indemnização a título de dano morte, no primeiro recurso – conclusão 7ª - entendia ser de fixar a compensação em € 40.000,00, e no presente defende a fixação em € 50.000 – conclusão 5ª.
No que tange à indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima mortal DD, enquanto em Janeiro “propunha” a quantia de € 2.500,00, conforme conclusão 8ª, em Agosto “baixou a proposta”, quedando-se, como se vê da conclusão 6ª, por menos de metade, alvitrando a quantia de 1.000 euros.
No que concerne à indemnização a título de danos não patrimoniais próprios sofridos pela demandante BB, enquanto no recurso para a Relação defendeu a sua fixação em 12.500 euros - conclusão 10ª – no presente recurso apresenta o valor de € 20.000,00, conforme conclusão 7ª.

I - Dano Morte – Indemnização por perda do direito à vida

O acórdão recorrido, face à decisão de 1ª instância que fixara o valor de € 75.000,00, reduziu esse valor para € 55.000,00, quantitativo que a recorrente considera excessivo e injustificado, defendendo na conclusão 5ª a sua fixação em 50.000,00 €, ou seja, pugnando por uma redução de 5.000 euros.

O acórdão do Tribunal da Relação, no que tange a esta fixação, após referir alguns acórdãos do STJ, adianta: «Esta breve resenha jurisprudencial permite verificar que o valor comummente adoptado pela jurisprudência para ressarcir o dano morte se situa tendencialmente nos 50.000,00 €. Claro que não há qualquer impedimento, nomeadamente, de ordem legal, na fixação de montante superior. Não vemos, no entanto, que no caso concreto e pese embora o circunstancialismo descrito, se verifiquem razões que justifiquem um alargamento tão significativo dos valores normalmente adoptados. Nesta medida, a sentença recorrida excede significativamente os valores que deverão considerar-se como referência, devendo a indemnização a que nos reportamos ser reduzida em conformidade, contemplando, no entanto, a actualização imposta pelo decurso do tempo relativamente à época em que se iniciou a adopção frequente do quantitativo a que antes nos referimos, mostrando-se assim ajustado o valor de 55.000,00 €».
No caso concreto temos que a vítima à data do acidente contava 39 anos, pois nasceu em 20-05-1965 (facto provado n.º 23), tratando-se de pessoa que trabalhava em França, sendo saudável, sem doenças, tendo uma vida alegre e dedicada à família.
No que tange às circunstâncias que envolveram a produção do evento lesivo, atender-se-á à completa ausência de conculpabilidade da vítima para a produção do acidente, que ficou a dever-se em exclusivo a culpa do condutor arguido, traduzida na violação grave de regras estradais de circulação, invadindo a metade da faixa de rodagem contrária ao sentido em que circulava, indo chocar com a viatura da vítima, nada fazendo para evitar o embate, não tendo travado e seguindo completamente distraído, tudo conforme resulta dos factos provados n.ºs 3, 4 e 8.

No caso afigura-se-nos que, conquanto não fosse de confirmar o valor fixado pela 1ª instância, a solução não passaria pelo valor encontrado pela Relação, parecendo-nos que seria caso de fixar indemnização em patamar mais elevado, mas tendo-se os demandantes conformado com tal montante, manter-se-á o mesmo, pelo que improcede a pretensão da demandada recorrente.


II - Indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima mortal DD

A primeira instância fixou a reparação quanto a este dano em € 7.500,00, valor confirmado pela Relação.
Como vimos, muito embora a recorrente no recurso para a Relação estivesse disposta a pagar a quantia de 2.500,00, neste recurso pretende, como explicita na conclusão 6ª, que se fixe a mesma em 1.000,00 euros.
Relativamente a este dano referiu o acórdão recorrido o seguinte:
«Sustenta também a recorrente que o valor do dano moral sofrido pela vítima, correspondente ao sofrimento padecido no período que mediou entre o momento do acidente e o momento da morte, que o tribunal recorrido fixou em € 7.500,00, deveria ser reduzida para € 2.500,00 porquanto a vítima não percepcionou a sua morte, dado o estado de inconsciência em que ficou após o embate e esta foi quase imediata. Contudo, nenhum destes factos se mostra provado. Com relevância para a fixação do valor em causa diz-nos o provado exclusivamente que a vítima teve de ser desencarcerada da sua viatura pelos bombeiros, apresentando ainda sinais de vida e foi transportado de ambulância para o Hospital de Torre de Moncorvo, onde deu entrada já sem vida; e ainda que padeceu dores graves que só cessaram com a sua morte (cfr. factos 26, 27 e 28). Dentro deste resumido quadro fáctico, sendo certo que o sofrimento moral ante a iminência da morte constitui facto notório que inclusivamente dispensa alegação e prova, não se tendo demonstrado o invocado estado de inconsciência, há que considerar o montante fixado como justo e equitativo».
Como resulta dos pontos de factos provados n.ºs 26, 27 e 28, a vítima teve de ser desencarcerada da viatura, apresentando sinais de vida, tendo padecido de dores graves que só cessaram com a sua morte.
E como expressivamente de referiu na decisão de 1ª instância “no curto espaço de tempo que antecedeu a sua morte sofreu a vítima angústias insuperáveis traduzidas nas dores físicas intensíssimas, que se traduziram nas várias costelas fracturadas e hemorragia interna”.
Atentos os padrões usados, é de ter como adequado e equitativo o valor fixado, improcedendo esta pretensão da recorrente.


III - Indemnização a título de danos não patrimoniais próprios sofridos pela demandante BB

A este título pedira a demandante a quantia de € 25.000,00, valor concedido pela decisão de Torre de Moncorvo e confirmado pela Relação.
Como se viu, a uma primeira proposta de € 12.500,00, em Janeiro de 2008, a recorrente no presente recurso entende que o montante deve ser o de € 20.000,00, o que significa que a distância da divergência se medirá por 5.000 euros.

Com respeito a este segmento, pode ler-se no acórdão recorrido o seguinte:
«No que concerne aos danos morais próprios da assistente, foi fixada indemnização no valor de € 25.000,00, abrangendo o desgosto pela morte do marido e as dores e sofrimento suportados em consequência das lesões que lhe resultaram do acidente. A demandada insurge-se contra este montante, peticionando a sua redução para €12.500,00.
A decisão recorrida considerou para o apuramento do montante em questão os factos pertinentes constantes do provado, atendendo, nomeadamente, a que a demandante era casada com o falecido desde 2 de Fevereiro de 1991, durando esse casamento há 13 anos, por referência à data do sinistro; que a assistente tinha uma vida alegre, de boa companhia com o seu marido e filho, constituindo com o marido um casal que se dava bem, sem atritos e incompreensões; que tinha a expectativa de uma vida de casada e de felicidade com o seu marido por muitos anos, pois era feliz e vivia quase exclusivamente para o seu marido e para o seu filho; que após o sinistro e por via dele, a assistente ficou num estado depressivo, não tinha vontade de trabalhar e de falar com outras pessoas; ficou sorumbática e depressiva, com o filho menor de 10 anos a seu cargo exclusivo; que sofreu dores intensas nas regiões corporais atingidas que se prolongaram por mais de um ano e ainda hoje se manifestam, designadamente com as mudanças de temperatura e quando realiza algum esforço mais intenso. De resto, teve-se ainda por provado que em consequência do embate a assistente sofreu ferida inciso-parietal direita, fractura das 7ª, 8ª, 9ª e 10ª costelas esquerdas e contusão pulmonar esquerda, lesões que originaram o seu internamento hospitalar até 18/08/2004 e demandaram directa e necessariamente quatro meses para a sua cura.
Face a este quadro fáctico, o montante arbitrado não só não se poderá considerar excessivo, como está de acordo com os valores apontados pela jurisprudência».

Neste segmento há que atender a que estamos perante dois tipos de danos: os sofridos na integridade física da demandante, configurando dano corporal e o dano afectivo, de desgosto pelo decesso do marido, com quem se encontrava casada há mais de 13 anos e meio (conforme facto provado n.º 22 casaram em 02-02-1991).
A decisão recorrida distinguiu os dois campos, sendo o montante fixado em função desses danos.
Por um lado, temos as lesões emergentes do acidente, como a ferida inciso-parietal direita, fractura de 4 costelas e contusão pulmonar esquerda, lesões que originaram o internamento hospitalar da demandante durante dez dias e demandaram directa e necessariamente quatro meses para a sua cura e provocaram dores intensas que se prolongaram por mais de um ano, como certificado foi nos pontos de factos provados n.ºs 11, 20, 34, 35 e 36.
Por outro lado, o que consta dos factos provados n.ºs 37, 39, 40, 43 e 44 substancia de forma eloquente a conformação do dano desgosto pela perda do marido e companheiro de anos.
O montante fixado mostra-se adequado ao ressarcimento dos dois danos, e pecando, sê-lo-á sem dúvida por defeito - note-se que as instâncias não distinguiram as duas espécies de danos, não atribuindo parcelas autónomas por cada um deles, antes uma verba única, conjunta, a compensar os dois tipos de danos - sendo que pelos padrões jurisprudenciais supra mencionados tal valor destinar-se-ia apenas à compensação pelo desgosto e mágoa suportados pela demandante com a perda do marido.
Assim sendo, face ao acatamento do decidido pela demandante, é de manter o valor fixado como compensação nesta parte.


IV - Indemnização a título de danos não patrimoniais próprios sofridos pelo demandante menor CC

Tendo sido formulado pedido no valor de € 40.000,00, a primeira instância fixou-o em € 30.000,00, quantitativo que mereceu a concordância da Relação.
Neste particular a recorrente – conclusão 8ª - pretende a redução para 15.000,00 euros, aqui mantendo a posição assumida no anterior recurso.

Sobre este aspecto discorreu assim o acórdão recorrido:
«No que concerne aos danos não patrimoniais sofridos pelo menor CC, pretende a demandada a sua redução para € 15.000,00.
Ora, o referido menor sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento inicial, contusões múltiplas, traumatismo da região cervical e lombar, traumatismo da anca direita, hematoma da coxa direita e contusão da perna esquerda, lesões que lhe causaram sete dias de doença com incapacidade para o trabalho. Contava então 10 anos de idade. Por via do embate foi transportado para o Centro de Saúde de Torre de Moncorvo e posteriormente para o Hospital de Mirandela. Entrou em depressão que teve grande incidência nos dias subsequentes ao sinistro, ainda não ultrapassada, sendo acompanhado por psicólogos e psiquiatras e sujeito a tratamento medicamentoso. Tinha uma relação muito afectuosa com o pai e desde a ocorrência do embate o seu rendimento escolar tem vindo a degradar-se. Valorando estes factos, o tribunal recorrido considerou muito ajustadamente que o menor irá padecer ao longo da sua vida da ausência da figura paterna, não podendo beneficiar do seu acompanhamento e amparo, com os correspondentes reflexos no seu equilibrado desenvolvimento.
Dentro deste condicionalismo, o montante de € 30.000,00 satisfaz as exigências de justiça e equidade, sendo de manter».

Da mesma forma, no que respeita ao menor, há que atender à reparação, não só do dano desgosto, mas igualmente dos danos causados no seu corpo – traumatismos diversos, contusões várias, hematomas - resultantes das lesões derivadas do acidente, enunciadas no trecho acabado de citar e constantes do ponto de facto provado n.º 12.
No que respeita ao dano desgosto, pretende-se ressarcir dano não patrimonial directamente sofrido pelo filho correspondente à perda do pai.
O menor, que à data do acidente tinha 10 anos (conforme facto provado n.º 24, nasceu em 27-07-1994) irá padecer a ausência pela vida fora da figura paterna, sem acompanhamento, amparo, assistência, carinho, e afecto do pai, relevando essa ausência no desenvolvimento do menor.
Como se refere no acórdão do STJ de 18-07-1985, processo n.º 72730, in BMJ 349, 499, “há que não fazer tábua rasa, na matéria, de que o desgosto de um filho que perde o pai se irá agravando com o seu crescimento, sobretudo por se ver privado do amparo daquele, relativamente à sua criação e educação”
Como nos demais casos, aqui também não há qualquer razão para alterar a decisão, até porque o valor fixado em conjunto procura compensar as duas referidas espécies de danos, renovando-se aqui o que se referiu supra a propósito do pedido da demandante.


Pelo exposto, acordam nesta 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente, nos termos do artigo 84º do CCJ.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94º, n.º 2, do CPP.

Lisboa, 15 de Abril de 2009

Raul Borges (relator)
Fernando Fróis