Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10/17.9JDLSB-K.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES
MATÉRIA DE FACTO
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - A certificação do trânsito em julgado da decisão de que se pede a revisão é imprescindível para o prosseguimento do recurso, desde logo, porque o mesmo só é admissível, verificado que seja aquele trânsito (n.º 1 do art. 449.º do CPP).
Recaindo sobre o recorrente o ónus de juntar, além do mais, a certidão do trânsito em julgado da decisão a rever, e não o tendo observado, apesar dos convites efectuados para o efeito, face à falta de comprovação do dito trânsito em julgado, é o recurso intempestivo, havendo, em consequência, fundamento para a sua rejeição.
II - Acresce que, tendo o recorrente suportado a pretendida revisão de sentença no fundamento previsto na al. c) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, mas não tendo, para tal efeito, indicado sentença ou despacho que tenha posto termo ao processo, cujos factos provados estivessem em oposição com os factos que fundamentaram a condenação proferida no acórdão revidendo, antes tendo indicado, para esse fim, a resposta do Ministério Público ao recurso por si interposto daquele acórdão e o parecer da Exma. Procuradora-Geral Adjunta, dado no mesmo recurso, peças processuais que, além do mais, não são decisões judiciais, não é admissível, nos termos do fundamento invocado, a revisão peticionada, sendo o pedido, pelas indicadas razões, manifestamente infundado.
Decisão Texto Integral:

Processo nº 10/17.9JDLSB-K.S1


Recurso extraordinário de revisão


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Acordam em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça


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I. RELATÓRIO


AA, com os demais sinais nos autos, por acórdão de 20 de Outubro de 2023, proferido no processo comum colectivo nº 10/17.9JDLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de ... – J... .., foi condenado, pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299º, nºs 1, 2 e 3 do C. Penal, na pena de três anos de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº1 e 204º, nº 2, a) e c), com referência ao art. 202º, a), todos do C. Penal, na pena de quatro anos de prisão, pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, a) e b) do C. Penal, na pena de quatro anos de prisão, pela prática de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelos art. 256º, nºs 1, a), b), c) e e) e 3 do C. Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, pela prática de um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368º-A, nºs 1, 2 e 3 do C. Penal, na pena de três anos de prisão e, em cúmulo, na pena única de sete anos e seis meses de prisão.


Inconformado com a decisão, o condenado interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 13 de Outubro de 2022, lhe negou provimento, confirmando a decisão recorrida.


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Invocando como fundamento o previsto na alínea c), do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal, veio o condenado, em 13 de Setembro de 2023, interpor recurso extraordinário de revisão de sentença, alegando, em síntese, que:


- Consistindo a investigação na realização de escutas telefónicas e vigilâncias com recolha de imagens, bem como em variada documentação e relatórios periciais, o libelo acusatório contra si deduzido limitou-se a considerações vagas e poucos factos, narrados nos artigos 11º a 13º, 18º a 20º, 30º, 130º e 153º a 169º, todos eles conclusivos, excepção feita da matéria do art. 130º;


- Existem no processo intercepções telefónicas de conversas entre o recorrente e outros arguidos das quais apenas é possível concluir, e isso mesmo confessou, que contactava e era contactado pelo arguido BB, para receber os cheques por este subtraídos na Caixa Geral de Depósitos e proceder à sua entrega ao arguido CC;


- Existem no processo cartas-cheques mas apenas duas foram encontradas no seu domicílio e também existem cópias de cheques, mas nada tem a ver com a forma como foram descontados;


- No que respeita ao crime de associação criminosa, não foi narrado qualquer facto relativo à sua hierarquia e liderança, omissão bastante para não lhe ser aplicável, subsistindo apenas a comparticipação o que, quanto a si, determina a sua desvinculação relativamente aos crimes de furto qualificado, falsificação e branqueamento;


- Com base na matéria de facto que consta dos pontos 11, 13 a 15, 20, 21, 31, 124, 125 e 146 a 162, suportada, em termos de convicção de prova, nos documentos, relatórios periciais, transcrições de intercepções telefónicas, o tribunal a quo enquadrou os arguidos em quatro realidades, a primeira, constituindo o núcleo decisor detentor do plano e gerindo os restantes, integrado pelo recorrente e pelo arguido CC, a segunda, a quem competia a subtracção dos cheques e respectiva entrega para processamento, integrada pelos arguidos BB, DD e EE, outra, a quem competia o recrutamento e acompanhamento dos que faziam depósitos, levantamentos e remessas em casas de câmbio, integrada pelos arguidos FF, GG, HH, II e JJ, e outra, a quem competia facilitar o acesso às suas contas bancárias para depósito de cheques e levantamento dos respectivos valores, integrada pelos sobrantes arguidos;


- O recorrente discorda da fundamentação do acórdão recorrido porque da prova pré-constituída não resulta, quanto a si, qualquer evidência , para além dos contactos que teve, em 2017, para receber cheques do arguido BB e proceder à sua entrega ao arguido CC, e as testemunhas inquiridas – inspectores da Polícia Judiciária – em nada ajudaram o tribunal, face às respectivas razões de ciência;


- Considera incorrectamente julgados os pontos 11, 13 a 15, 31 e 146 a 162 dos factos provados, reconduzindo-se as concretas provas que impõem decisão diversa, à inaptidão das provas indicadas pelo tribunal como suportando a sua convicção, para a demonstração da matéria ali contida;


- Não existindo prova que sustente o imputado crime de associação criminosa e restando apenas a figura da comparticipação, não podia o recorrente ter sido condenado pela prática de crimes de furto qualificado, falsificação e branqueamento, o que me muito altera a sua posição, devendo ter sido condenado em pena de prisão inferior a cinco anos e a mesma suspensa na sua execução, atento o seu estatuto pessoal, familiar social e profissional;


- Não foi preciso encontrar uma sentença fora do processo para encontrar uma decisão inconciliável com os factos que serviram de fundamento à sua condenação, essencialmente no que respeita à medida da pena, pois a Digna Procuradora da República, na sua resposta e na defesa da legalidade, considerou que o tribunal a quo aplicou uma pena demasiado elevada, e este mesmo foi o entendimento da Digna Procuradora-Geral Adjunta, no parecer que emitiu, quando o processo subiu em recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa;


- Com base no entendimento do Ministério Público em ambas as instâncias, as penas parcelares deveriam estar mais próximas do limite mínimo e a pena única deveria ter-se situado abaixo dos cinco anos de prisão, o que lhe proporcionaria beneficiar do regime de suspensão, sendo brutal a decretada pena de sete anos e seis meses de prisão, atento o seu nível de participação;


- Pretende, por isso, a revisão do acórdão condenatório, acima de tudo, para que a pena aplicada venha a ser reduzida para menos de cinco anos, para beneficiar do regime de suspensão ou, em qualquer caso, para uma pena inferior à fixada, para alcançar o meio do cumprimento e avançar com o pedido de liberdade condicional.


Requereu e juntou certidão da resposta da Magistrada do Ministério Público de 29 de Março de 2022 ao recurso por si interposto e do parecer da Exma. Procuradora-Geral da República de 11 de Julho de 2022, dado no mesmo recurso.


O Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de... – J... .. não respondeu ao recurso.


No tribunal da condenação o Mmo. Juiz titular do processo prestou a informação a que alude o art. 454º do C. Processo Penal nos seguintes termos:


O condenado AA veio interpor recurso extraordinário de revisão de sentença, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, invocando, para além do mais, o seguinte:


“Não foi preciso encontrar uma sentença fora deste processo para encontrar uma decisão inconciliável com os factos que serviram de fundamento à condenação, essencialmente no que diz respeito à medida da pena. Com efeito, a Digníssima Procuradora da Républica, exercendo de forma elevada a defesa da legalidade, afinal a grande causa do Ministério Público, considerou que o Tribunal a quo aplicou uma pena demasiado elevada, na sua resposta de 2022.03.29 E o certo é que a Digníssima Procuradora Geral Adjunta entendeu, no seu parecer de 2022.07.11, que o recurso do recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa deveria merecer provimento parcial quanto à medida da pena, tendo em conta os fundamentos indicados pela Digníssima Procuradora da República, na aludida resposta de 2022.03.29. Ou seja, com base no entendimento do Ministério Público, tanto na primeira instância, como na segunda, a penas aplicadas deveriam ter- se aproximado bem mais dos limites mínimos. Deste modo o cúmulo jurídico determinaria uma pena global muito mais baixa, porventura menor do que o limite dos cinco anos, pelo que o recorrente, nesse caso, poderia ter beneficiado do regime da suspensão. (…) Ora, o recorrente pretende a revisão da sentença, acima de tudo para que a pena aplicada venha a ser reduzida para uma pena inferior a cinco anos, em ordem a poder beneficiar do regime da suspensão, ou para uma pena inferior, mas não abaixo de tal limite, com vista a alcançar o meio da reclusão e desse modo avançar com o pedido de liberdade condicional”.


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Pelo arguido não foi requerida a realização de quaisquer diligências probatórias, limitando-se a apresentar a sua discordância quanto à decisão de facto constante do acórdão condenatório e aos meios de prova apreciados pelo Tribunal.


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Considerando os fundamentos invocados no presente recurso de revisão, não se mostra necessária a realização de qualquer diligência.


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Nos termos do disposto no artigo 454.º do Código do Processo Penal, passamos a prestar informação sobre o mérito do pedido.


O presente recurso extraordinário de revisão foi intentado com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.


Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.


Entendemos que dos argumentos aduzidos pelo recorrente não decorre a verificação dos pressupostos da alínea c) do nº1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, desde logo porque não é alegada qualquer inconciliação entre os factos provados no âmbito do acórdão condenatório e os factos dados como provados noutra sentença, sendo alegada uma inconciliação com os pareceres do Ministério Público, o que não é susceptível de justificar o requerido recurso extraordinário de revisão.


O recorrente alega as razões da sua discordância quanto ao acórdão e quanto à medida da pena fixada, pretendendo a sua reapreciação. Porém, os seus argumentos não se encontram incluídos entre os fundamentos de recurso de revisão, pelo que deverá o mesmo improceder.


Notifique.


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Complete-se a certidão que instrui este Apenso com o acórdão condenatório proferido nesta 1.ª instância e confirmado pelo T.R.L. e remeta os presentes autos ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça.


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, na vista a que alude o nº 1 do art. 455º do C. Processo Penal, emitiu parecer no sentido de que, tendo o recorrente invocado como fundamento da revisão o previsto na alínea c) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal, mas não pretendendo, no caso, a absolvição, mas a redução da pena, e não tendo indicado qualquer sentença/acórdão que tenha dado como assentes factos opostos e inconciliáveis com os factos provados do acórdão revidendo, antes tendo invocado a resposta do Ministério Público ao recurso por si interposto do acórdão condenatório do Juízo Central Criminal de ... e o parecer da Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto da Relação de Lisboa no âmbito do mesmo recurso, peças processuais que não servem o fim pretendido – além do que, nelas não entendeu o Ministério Público ser excessiva a pena aplicada ao recorrente –, e concluiu ser a revisão manifestamente infundada devendo, em consequência, ser denegada.


O recorrente não respondeu ao parecer.


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O recorrente tem legitimidade para requerer a revisão (art. 450º, nº 1, c) do C. Processo Penal).


O Supremo Tribunal de Justiça é o competente (art. 11º, nº 4, d) do C. Processo Penal).


O processo é o próprio.


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Colhidos os vistos, foi realizada a conferência.


Cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO


Objecto do recurso


Tal como decorre da respectiva motivação, constitui objecto do recurso apreciar a verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea c) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal.


Uma questão prévia há também que conhecer.


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Questão prévia


Dispõe o art. 451º do C. Processo Penal, com a epígrafe «Formulação do pedido», no seu nº 3, que, são juntos ao requerimento a certidão da decisão de que se pede a revisão e do seu trânsito em julgado, bem como os documentos necessários à instrução do pedido.


O requerimento em causa é, como resulta do nº 1 do mesmo artigo, o requerimento a pedir a revisão.


Não subsistem, pois, dúvidas quanto a caber ao recorrente a instrução do recurso de revisão com a referida certidão e com os referidos documentos.


Pois bem.


O recorrente instruiu o pedido de revisão dos autos com certidão da resposta do Ministério Público ao recurso por si interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa e com certidão do parecer da Exma. Procuradora-Geral da República junto da mesma relação, no âmbito do referido recurso.


Completando a certidão junta pelo recorrente, por despacho da Mma. Juíza titular foi determinada a junção aos autos do acórdão condenatório proferido pela 1.ª instância e do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que o confirmou.


Constatada a ausência de certidão do trânsito em julgado do acórdão revidendo, por despacho do relator de 29 de Outubro de 2023, foi ordenada a notificação do recorrente para, em dez dias, certificar nos autos o referido trânsito em julgado. Contudo, nada fez.


Por despacho do relator de 23 de Novembro de 2023, foi novamente ordenada a notificação do recorrente para o mesmo efeito, agora com a cominação de, não juntando a certidão em falta, ser rejeitado o recurso. Mais uma vez, nada fez o recorrente.


A certificação do trânsito em julgado da decisão de que se pede a revisão é imprescindível para o prosseguimento do recurso, desde logo, porque o mesmo só é admissível, verificado que seja aquele trânsito (nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal).


Recaindo sobre o recorrente o ónus de juntar, além do mais, a certidão do trânsito em julgado da decisão a rever, e não o tendo observado, apesar dos convites efectuados para o fazer, temos que o recurso é intempestivo – por falta de comprovação nos autos, do trânsito em julgado em referência.


Há, pois, lugar, com tal fundamento, à sua rejeição (arts. 414º, nº 2 e 420º, nº 1, b) do C. Processo Penal).


Ainda que assim não fosse.


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Da verificação do fundamente de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea c) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal


1. O recorrente suporta a interposição do presente recurso extraordinário de revisão no fundamento previsto na alínea c) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal.


Nos termos do disposto nesta alínea, a revisão de sentença transitada é admissível quando os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


Pois bem.


Na argumentação levada ao requerimento a pedir a revisão o recorrente, depois de afirmar a exiguidade dos factos provados que a si respeitam e a inexistência de factos demonstrativos da prática do crime de associação criminosa e sua consequente ‘desvinculação’ dos crimes furto qualificado, falsificação de documento e branqueamento, de transcrever os concretos factos provados e não provados relativos à sua conduta – pontos 11, 13 a 15, 20, 21, 31, 124, 125, 146 a 149, 130 e 153 a 162 e pontos a), b), c), d) e h) dos factos provados – e de descrever a fundamentação de facto do acórdão revidendo, que entende ser-lhe aplicável, passou a expor as razões da sua dissensão quanto à condenação, naquele operada.


Neste âmbito, começou por dizer que a prova documental, as transcrições de escutas telefónicas e os relatórios periciais convocados pelo tribunal em nada contribuíram para evidenciar a sua provada conduta, passou, seguidamente, a fazer a ‘análise crítica’ da prova testemunhal – abrangendo os depoimentos de três inspectores da Polícia Judiciária – que também considerou inócuos, por não revelarem conhecimentos concretos dos factos a si respeitantes, passou depois a enumerar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e a especificar os concretos meios de prova que, em seu entender, impõem decisão diversa da proferida no acórdão revidendo, e terminou com as questões de direito, afirmando não existir prova produzida nos autos apta a evidenciar que praticou o crime de associação criminosa, daqui resultando que não poderia ter sido condenado pela prática de crimes de furto qualificado, de falsificação de documento e de branqueamento, pelo que, ao ter praticado apenas um dos crimes imputados no despacho de pronúncia [cremos tratar-se do crime de burla qualificada], deveria ter sido sancionado com pena de prisão inferior a cinco anos, o que muito provavelmente abriria, face ao seu estatuto pessoal, familiar, social e profissional, a possibilidade da sua substituição pela suspensão da respectiva execução.


Vejamos.


O nº 6 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à revisão da sentença nos seguintes termos: Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.


A consagração constitucional deste direito fundamental radica na necessidade de estabelecer o equilíbrio entre as exigências de justiça e da verdade material, por um lado, e a imutabilidade da sentença por efeito do caso julgado, por outro (Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª Edição, 2020, Rei dos Livros, pág. 233).


Com o recurso de revisão pretende-se obter uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento, que substitua uma decisão anterior transitada em julgado.


O iter deste recurso extraordinário não passa, pois, pelo reexame do primitivo julgamento e respectiva sentença – se assim fosse, seria apenas mais um recurso ordinário –, antes pressupõe um novo julgamento, assente em novos dados de facto, e a respectiva decisão (Simas Santos e Leal Henriques, op. cit., págs. 234-235).


Ora, se atentarmos na argumentação supra sintetizada, fácil é concluir que o recorrente o perspectivou como se de (mais) uma impugnação ampla da matéria de facto se tratasse, tornando tal argumentação irrelevante para a pretendida revisão.


2. Acresce, por outro lado, que no que respeita a serem os factos que serviram de fundamento à condenação imposta pelo acórdão revidendo inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença, e resultarem da oposição graves dúvidas sobre a justiça da condenação, o recorrente limitou-se a afirmar que «Não foi preciso encontrar uma sentença fora deste processo para encontrar uma decisão inconciliável com os factos que serviram de fundamento à condenação, essencialmente no que diz respeito à medida da pena.», concretizando que a Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, na resposta ao recurso, considerou elevada a pena que lhe foi aplicada, entendimento que foi seguido pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no parecer emitido na Relação, e concluindo que «pretende a revisão da sentença, acima de tudo para que a pena aplicada venha a ser reduzida para uma pena inferior a cinco anos, em ordem a poder beneficiar do regime da suspensão, ou para uma pena inferior, mas não abaixo de tal limite, com vista alcançar o meio da reclusão e desse modo avançar com o pedido de liberdade condicional.».


Exigindo a alínea c) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal, como fundamento de admissibilidade da revisão, que da oposição entre os factos que serviram de fundamento à condenação na sentença revidenda e os factos dados como provados noutra sentença resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, da própria argumentação do recorrente resulta de forma evidente a inviabilidade da pretensão deduzida.


Com efeito, o fundamento de admissibilidade da revisão em referência exige, em primeiro lugar, a existência de duas sentenças ou, talvez melhor dito, de duas decisões judiciais que ponham termo aos respectivos processos, e a inconciliabilidade entre a decisão de facto de uma e de outra.


In casu, o recorrente não identificou nenhuma sentença ou despacho que tenha posto termo ao processo cuja matéria de facto provada fixada esteja em oposição com a matéria de facto fixada no acórdão revidendo.


Pelo contrário, depois de dizer que não precisou encontrar uma sentença fora deste processo para encontrar uma decisão inconciliável com os factos que serviram de fundamento à condenação, essencialmente no que diz respeito à medida da pena, aponta como decisão com estas concretas características, a resposta do Ministério Público ao recurso por si interposto do acórdão revidendo e o parecer dado pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no mesmo recurso.


Com ressalva do respeito devido, parece-nos evidente que a resposta e o parecer referidos não são decisões judiciais, sentenças ou despachos que ponham termo ao processo, e por essa razão, não fixam matéria de facto provada.


Deste modo, as peças processuais convocadas pelo recorrente são incapazes de demonstrarem a imprescindível oposição ou inconciliabilidade de factos sendo, nesta medida, inúteis para a pretendida revisão.


3. Em conclusão, tendo o recorrente suportado a pretensão deduzida na alínea c) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal, mas não tendo, para este efeito, indicado sentença ou despacho que tenha posto termo ao processo, cujos factos provados estejam em oposição com os factos que fundamentaram a condenação proferida na decisão judiciária revidenda, antes tendo indicado, para o mesmo fim, a resposta do Ministério Público ao recurso por si [recorrente] interposto do acórdão a rever e o parecer da Exma. Procuradora-Geral Adjunta, dado no mesmo recurso, peças processuais estas que, além do mais, não são decisões judiciais, não é admissível, nos termos da norma supra citada, a revisão peticionada, mostrando-se o pedido, pelas sobreditas razões, manifestamente infundado.


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III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em negar a revisão de sentença peticionada pelo recorrente AA, e em considerar o pedido manifestamente infundado.


Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC (arts. 456º do C. Processo Penal e. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa), mais se condenando o mesmo na quantia de 6 UC (parte final do art. 456º do C. Processo Penal).


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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).


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Lisboa, 31 de Janeiro de 2024


Vasques Osório (Relator)


Orlando Gonçalves (1º Adjunto)


António Latas (2º Adjunto)


Helena Moniz (Presidente da sessão)