Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09A197
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: BANCO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
CONVENÇÃO DE CHEQUE
ASSINATURA
FALSIFICAÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESUNÇÃO DE CULPA
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DEVERES DE PROTECÇÃO E CUIDADO
DESTRUIÇÃO DO CHEQUE
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200903310001976
Data do Acordão: 03/31/2009
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :


I) A convenção de cheque, estabelecida entre o Banco e o seu cliente autorizado a movimentar a conta com cheques e operações a crédito e débito, exprime a existência de um contrato, que se submete às suas regras próprias e ao regime geral do cumprimento e incumprimento das obrigações; a par dessa obrigação contratual, porque a cargo do Banco existem deveres gerais de conduta postulados pelo risco de actividade, a demandar a observância das legis artis, pode a violação de tais deveres gerar, a um tempo, responsabilidade civil contratual e extracontratual; neste caso, se apenas for invocada violação dos deveres de conduta que lesam direitos subjectivos.

II) – Não é compaginável com o grau de diligência exigível actualmente que um Banco prudente, zeloso e cauto, não disponha de técnicas e funcionários especializados na detecção de falsificação de assinaturas.

III) – Mais que controlar a semelhança das assinaturas, o Banco tem o dever de fiscalizar a autenticidade delas, sendo insuficiente a mera inspecção por semelhança, vulgo, “a olho nu”.
IV) – Ao Banco, no âmbito da convenção de cheque, compete o ónus de provar ter agido com um grau de diligência idóneo, à luz das regras da experiência comum, dos usos bancários e dos progressos da técnica, visando a detecção de qualquer falsificação.

V) - Se o Banco apenas se limitou a fazer a prova de que, antes de pagar os cheques, verificou a semelhança das assinaturas a olho nu, sem alegar que meios técnicos empregou, ou se tal tarefa foi executada por pessoa experiente e dotada de conhecimentos que, razoavelmente, lhe permitissem descobrir a falsificação, não pode ser isento de censura, relevando que nem sequer se provou estar-se perante flagrante semelhança de assinaturas.

VI) – Essenciais na relação Banco-cliente, são procedimentos de confiança e de confidencialidade, sobretudo aquele, na vertente que ora releva, sendo de exigir ao Banco uma actuação de promoção e vigilância, em ordem à salvaguarda dos interesses do seu cliente.

VII) – Decorre do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIC) – DL. 298/92, de 31.12 – na redacção vigente – que, na convenção de cheque, deve o Banco – os seus auxiliares e colaboradores – proceder de acordo com as regras profissionais das legis artis bancárias, no controle da assinatura do sacador como elemento essencial que cria o título e despoleta a obrigação a seu cargo, enquanto depositário do dinheiro.

VIII) – Age com culpa o Banco que paga um cheque cuja assinatura, imputada ao sacador, até à vista desarmada e sem qualquer equipamento de apoio, se revelava diversa da que constava da ficha de assinatura existente no Banco.

IX) - Se o Banco pagar um cheque falsificado, incumpre o contrato de cheque, só se libertando de responsabilidade civil se conseguir provar que, mesmo cumprindo escrupulosamente o dever de verificação das assinaturas, não podia ter detectado a falsificação.

X) – Não age de boa-fé o Banco que, apesar de ter sido alertado da intenção do Autor de se socorrer do documento em sua posse, para o submeter a exame pericial, pedindo que, para isso, o não destruísse fisicamente, ignora esse facto e destrói o original do cheque, o que veio a dificultar a prova da falsificação a cargo dos peritos que só puderam basear o seu exame no documento microfilmado.

XI) – À impossibilidade da prova, por actuação culposa da parte não colaborante para com o onerado, deve ser equiparada [em termos de sanção do art. 344º, nº2, do Código Civil para que remete o art. 519º,nº2, do Código de Processo Civil] uma colaboração reticente ou parcialmente inviabilizadora da prova, desde que, dessa falta de colaboração resulte, comprovadamente, fragilidade probatória causada pelo recusante, isto em homenagem ao princípio da colaboração – art. 266º do Código de Processo Civil – e da boa-fé, seja na perspectiva processual, seja na perspectiva substantiva – art. 762º, nº2, do Código Civil.

XII) – Mesmo que pela via da responsabilidade contratual, emergente da não ilisão da presunção de culpa do Réu – art. 799º, nº1, do Código Civil – este não devesse ser condenado – sempre se poderia considerar, ante a sua censurável falta de colaboração – que ficou invertido o ónus da prova da sua ausência de culpa, por força do art. 344º, nº2, do Código Civil, pelo que competia ao Banco provar que não agiu com culpa ao pagar o cheque nas circunstâncias em que o fez.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA intentou, em 28.4.2004, pelas Varas Cíveis da Comarca do Porto – com distribuição à 9ª Vara – acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra:

BB; e,

Banco C...P..., S.A.

Pedindo a condenação dos Réus no pagamento solidário da quantia de € 59.460,80, acrescida de juros de mora à taxa legal sobre a quantia de € 49.879,79, desde a data da propositura até integral pagamento.

Alega que a Ré utilizou um dos cheques do seu falecido pai, referente a uma conta de depósitos à ordem de que este era titular junto do Réu, nele escrevendo com o seu próprio punha a data, a quantia de 10.000.000$00 e o seu nome como beneficiária, bem como o nome daquele no local destinado à assinatura do sacador, procurando imitá-la, após o que o apresentou a pagamento numa das agências do Réu, logrando proceder ao levantamento da aludida quantia, que lhe não pertencia.

Diz, ainda, que a desconformidade da assinatura assim aposta, com a que consta da ficha de assinaturas da dita conta bancária é por demais manifesta e que, através do seu advogado, solicitou ao Réu a conservação de tal cheque para posterior realização de exame pericial, ao que o Réu não atendeu, tendo procedido à destruição de tal título ao abrigo do DL 279/2000, de 10/11.

O Réu contestou, excepcionando a prescrição e impugnando toda a alegação do Autor, com excepção do cheque e do respectivo pagamento pelo seu balcão.

Defendeu que a desconformidade das assinaturas é mínima e que o cheque foi destruído conjuntamente com todos os da mesma altura.

Não aceita que tenha havido negligência da sua parte, quer no pagamento do cheque, quer, no não acatamento do pedido do Advogado do Autor para não o destruir, e que a destruição não pode levar à inversão do ónus da prova.
A Ré também contestou, alegando que viveu em união de facto com o pai do Autor, desde 1990 até à data da sua morte, entendendo os dois que o dinheiro da aludida conta era propriedade de ambos, sendo certo que o cheque lhe foi entregue já preenchido por aquele, impugnando o restante, terminando por pedir a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e que se julgue procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa.

O Autor replicou.

O processo foi saneado, aí se julgando improcedente a excepção de prescrição, invocada pelo Réu, tendo-se elaborado despacho de condensação.
***

Afinal foi proferida sentença que:

A) Julgou a acção improcedente em relação à Ré BB, absolvendo-a do pedido contra ela formulado; e

B) Julgou a acção procedente em relação ao Réu BCP, S.A., e condenou-o a pagar ao Autor a quantia de € 54.460,81, acrescida de juros de mora à taxa legal, sucessivamente em vigor, sobre € 49.879,79 desde a propositura da acção até pagamento integral.
***

Inconformados, recorreram o Autor e o Réu Banco, para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 11.9.2008 – fls. 664 a 686 – julgou improcedente a apelação do Autor e procedente a apelação do Réu Banco BCP S.A., revogando a condenação e absolvendo tal Réu do pedido.
***

Inconformado o Autor recorreu para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1) – Embora o âmbito de intervenção e decisão do STJ se confine por regra à matéria de direito, não podendo sindicar as presunções judiciais que as instâncias possam (ou não) fazer, por se inserirem no âmbito da matéria de facto, no caso em apreço o Tribunal da Relação do Porto recusou conhecer de uma presunção judicial invocada pelo Autor, esgrimindo, para tal, um fundamento de direito – violação de lei processual civil.

2) – Determinar se os factos, tal qual o Autor pretendia ver provados, cabem ou não dentro dos limites do que foi por ele alegado e decidir-se se uma tal pretensão violava o disposto nos arts. 664º e 264º do Código de Processo Civil e como tal tinha de ser denegada (fundamentio da decisão do tribunal recorrido), constitui questão de direito que cabe no âmbito da intervenção do Tribunal de revista.

3) - Também quanto à ampliação da matéria de facto, pretendida, em via subsidiária, pelo Autor e que a Relação denegou, em face do disposto no art. 729º, n°s 2 e 3, do Código de Processo Civil, nada obsta a que o tribunal de revista dela conheça e determine a baixa dos autos para tal ampliação, se a considerar essencial à decisão da causa.

4) - Ao invés do que entendeu o Tribunal da Relação do Porto, o facto que é constituído pela seguinte afirmação – O cheque referido em c), da matéria assente, com o n°..., com conhecimento da mesma Ré BB foi preenchido e assinado por outrem que não o falecido CC — não extravasa o âmbito dos factos constantes dos arts. 6º a 8º da base instrutória, pois que ao alegar-se nestes que a assinatura em causa fora elaborada pelo punho da Ré BB, sustentaram-se, implícita mas inequivocamente, duas afirmações: a assinatura em causa não foi feita pelo punho do CC; a assinatura em causa foi feita pela BB.

5) - Assim, a afirmação de que a assinatura em causa foi feita por alguém (que não o falecido) com conhecimento da Ré BB é um minus em relação àquele facto alegado, de que fora a Ré Teresa a autora material da falsificação.

6) - Haverá, pois, de determinar-se que os autos baixem ao Tribunal da Relação do Porto para conhecer da presunção judicial invocada pelo Autor nas alegações de recurso de apelação e que, com base num fundamento de direito — violação do disposto nos arts. 664º e 264º do Código de Processo Civil — o Tribunal recorrido recusou conhecer.

Sem prescindir:

7) - Caso se entenda que a factualidade contida nos artigos 6º a 8º da base instrutória não tem amplitude suficiente para neles englobar a possibilidade do tribunal considerar provado aquele outro facto (que a assinatura aposta no cheque em causa com o nome do falecido CC não foi feita por este - com ou sem conhecimento da Ré BB, “pormenor” que, quando muito, na pior das hipóteses para o Autor, apenas poderia relevar em termos de decisão final quanto a essa Ré e não quanto ao co-réu Millenium BCP) então, ao abrigo do disposto no art. 729º, n°3, do Código de Processo Civil, impõe-se que este Tribunal mande baixar os autos para ampliação da matéria de facto, para que se insira no âmbito da discussão da causa os seguintes factos:

A assinatura constante do cheque referido na alínea c) da base instrutória não é do punho do falecido CC?

E ainda:

À data que consta nesse cheque como sendo da sua emissão — 29/11/2000 — embora o CC estivesse doente e internado no hospital, não era previsível a sua morte?

8) – Ou, pelo menos, o primeiro deles: A assinatura constante do cheque referido na alínea c) da base instrutória não é do punho do falecido CC?

9) - O relevo do mesmo para a decisão da causa é evidente: a obrigação de indemnizar que, “in casu”, se traduziria na restituição do valor desse cheque que o Réu Millienium retirou da conta à ordem do falecido emerge precisamente do facto de ter aceite a ordem de pagamento desse cheque que não foi dada pelo titular da conta.

10) - Tal facto foi afirmado pelo Autor no art. 17º da petição inicial, onde se disse:

“Como quer que seja, a impossibilidade de tal exame não impede a conclusão de que a assinatura aposta não é do punho do falecido, na medida em que a simples análise visual da cópia permite sem mais, e com uma certeza total, obter-se tal conclusão”

11) Para além disso, agora de forma implícita, aquele facto voltou a ser alegado pelo Autor nos arts. 14º (“…que o cheque em causa fora falsificado…”) da petição inicial e 17º da réplica.

Sem prescindir:

12) - Os factos tal qual ficaram provados pela 1ª instância bastam para a condenação do banco Réu (que não da Ré BB) no pedido, porque sobre ele recaía o ónus da prova de que a assinatura constante do cheque em causa com o nome de CC era do punho deste.

13) - Desde logo por inversão do ónus da prova — se se entendesse que ao Autor incumbia a prova da falsidade da assinatura, como elemento integrante da causa de pedir – decorrente do facto de o Réu Millenium ter destruído o original do cheque.

14) - Tal destruição ocorreu numa altura em que o mesmo Réu bem sabia da necessidade de preservar o original, face a reclamação que o Autor lhe apresentara.

15) - A norma legal com base na qual o Banco Réu procedeu a tal destruição não a impunha, antes concedia uma mera faculdade que aquele usaria ou não.

16) - Naquele circunstancialismo, era exigível ao Banco que, tendo conhecimento da reclamação e sabendo ou devendo saber dos direitos e obrigações inerentes à convenção de cheque e ao depósito bancário, guardasse esse mesmo cheque essencial à prova da falsidade que o Autor invocara perante ele.

17) - Tal conduta inviabilizou e “tornou impossível”, no caso concreto, a prova da falsidade, um vez que, estando em causa uma falsificação da assinatura (levada a cabo seguramente sem a presença de terceiros que a pudessem denunciar) de alguém que, dois ou três dias após a data em que se fez constar desse cheque como data da emissão, acaba por falecer, revelava-se determinante à decisão a realização de exame pericial.

18) - E por causa da falta do original, esse exame não pode determinar com um grau de certeza que pudesse conduzir o tribunal à resposta afirmativa à questão da falsificação, que a assinatura em causa era do punho da Ré BB ou, pelo menos, não era do falecido.

19) - Para além e independentemente disso, como se sustentou no pedido de ampliação de recurso, na resposta às alegações da apelação do Banco Millenium, dos factos provados conclui-se que ocorreu incumprimento da convenção de cheque por parte do Banco réu, que não conferiu a assinatura do sacador no cheque em causa e que era diferente da que constava da ficha de abertura de conta.

20) - Mas, além desse incumprimento, o Autor alegou e provou a existência de um contrato de depósito bancário, vigente entre seu falecido pai e o Banco Réu, e demonstrou também qual o saldo, à data da morte, da respectiva conta aberta na sequência desse contrato.

O que basta à total procedência da sua pretensão.

21) - Para impedir que o pedido do Autor de ser pago do saldo dessa conta (ou de parte dele correspondente ao valor do cheque debitado) incumbia ao Banco Réu a prova de que debitara na conta bancária, por ordem e no interesse do depositante.

22) - Ónus que o Banco Réu não logrou atingir, na medida em que não provou que o cheque correspondesse a uma ordem de pagamento do sacador, titular da conta ou, pelo menos, que a assinatura nele constante fosse conferível com a que consta da ficha de abertura de conta.

23) – Ocorreu, pois, incumprimento do contrato de depósito bancário, por parte do mesmo Réu, na medida em que o depositante à data da sua morte tinha depositado na conta o montante de 11.066.149$90 e o depositário reduziu o saldo a 1.066.149$00 por ter pago um cheque que não provou tivesse sido emitido pelo sacador, cuja assinatura era claramente diferente.

24) - Decidindo de modo diverso, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 664º e 264º do Código de Processo Civil e 342, n°s 1 e 2, 344º, n°2, 1205º e 1206º do Código Civil.

Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto e determinando-se que o processo baixe ao mesmo Tribunal para conhecer da presunção invocada pelo Autor, no recurso de apelação;

- ou se assim se não entender, determinando-se a baixa do processo para ampliação da matéria de facto, nos termos acima indicados;

- ou ainda, se assim se não entender, julgando provada e procedente a acção quanto ao Réu Millenium BCP condenando-se o mesmo no pedido formulado pelo Autor.

O Réu contra-alegou, batendo-se pela confirmação do Acórdão.
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que as Instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1) O Autor é o único e universal herdeiro de seu pai, CC, divorciado, residente no lugar de Canelas Negras, ..., r/c Dtº, Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, falecido a 03/12/2000 – A) dos Factos Assentes.

2) O falecido era titular da conta de depósitos à ordem ..., no Banco C...P..., S.A., Nova Rede, agência de Brito Capelo, em Matosinhos, cujo saldo, à data do óbito, era de 11.066.149$90, correspondendo a € 55.197,72 – B) dos Factos Assentes.

3) O cheque n.º..., relativo à mencionada conta, com o montante inscrito, ao tempo, de 10.000.000$00, correspondente a € 49.879,79, e preenchido também com uma assinatura em nome de CC e com o nome de tomador como sendo BB, foi presente a pagamento ao Banco réu e por este pago pelos seus serviços – C) dos Factos Assentes.

4) Esse cheque teve o seu movimento registado nos respectivos “movimentos de conta” – D) dos Factos Assentes.
5) Consta do verso de tal cheque que o mesmo terá sido levantado por pessoa que nele se identifica como BB, portadora do B.I. n.º ...-6, com data de emissão de 19/05/2000, e a inscrição “Lx”. – E) dos Factos Assentes.

6) Entre o falecido CC e a Ré BB existiu uma ligação afectiva – F) dos Factos Assentes.

7) Em 29/11/2000, a Ré BB, a solicitação do falecido CC, que então se encontrava já doente, depositou naquela conta a quantia de 10.000.000$00 (€ 49.879,99) – resposta ao quesito 1º.

8) O Autor, mau grado o divórcio dos pais, continuou a manter relações afectuosas com o pai – resposta ao quesito 3º.

9) A Ré BB teve acesso ao cheque referido em 3). [al. C) dos Factos Assentes] – resposta conjunta aos quesitos 5º e 6º.

10) A assinatura constante do cheque nº..., confrontada com a assinatura do falecido na ficha de assinatura existente no Banco, é, à vista desarmada, sem qualquer equipamento de apoio, face à observação do cheque, diversa desta. – resposta ao quesito 9º.

11) Apesar disso, apresentado o cheque a pagamento, na agência do Réu na Rua Gonçalo Cristóvão, no Porto, em 05/12/2000, o funcionário do Banco sacado pagou o montante desse cheque, ou seja, 10.000.000$00. – resposta ao quesito 10º

12) Apesar de o Autor ter prevenido o Banco, através do seu advogado, o Réu decidiu mandar destruir o original do cheque em causa. – resposta ao quesito 11º.

13) A Ré vivia em comunhão de cama, mesa e habitação com CC, desde 1990 até 03/12/2000. – resposta ao quesito 12º.

14) Viviam um com o outro em condições análogas às dos cônjuges, existindo uma plena comunhão de vida entre ambos resposta ao quesito 13º

15) E assim eram conhecidos pelos amigos e vizinhos – resposta ao quesito 14º

16) Em 30/07/2001, por intermédio do seu advogado, o Autor reclamou do Banco C...P..., S.A., o pagamento da quantia titulada pelo cheque e juros de mora – [facto considerado provado na sentença – fls. 500 – com base na não impugnação do documento nº8 junto pelo Autor].

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se a Relação deve ser censurada pelo facto de não ter usado prova por presunção;

- se a Relação deveria ter mandado ampliar a matéria de facto;

- se este Supremo Tribunal deve determinar a ampliação da matéria de facto;
- se, mesmo mantendo-se inalterada a matéria de facto, o acervo factual provado é, por si só, bastante para a condenação do Banco, desde logo, por inversão das regras do ónus da prova – questão que se prende com o facto de, alegadamente, ter dificultado a prova pericial requerida pelo recorrente – ao ter ordenado a destruição do cheque;

- se houve incumprimento da relação contratual estabelecida entre o Banco e o falecido pai do Autor (seu único herdeiro).

Vejamos.

As duas primeiras questões foram suscitadas pelo ora recorrente, no recurso de apelação, e não foram atendidas pelo Tribunal da Relação.

Primeiro, pretendia-se que aquele Tribunal, por presunção baseada em factos provados em documentos integrados na matéria de facto assente, alterasse as respostas aos quesitos 6º a 8º.

A Relação relacionou tal pretensão com a questão de saber se tal alteração era possível ante a alegação constante da causa de pedir – dúvida que o apelante Autor deixara entrever.

Aquele Tribunal, depois de considerações acerca da aplicação do regime legal do art. 264º do Código de Processo Civil, escreveu:

“…Pois bem, o apelante, que havia alegado que a Ré tinha falsificado o cheque, mediante a aposição pelo seu próprio punho da assinatura do pai dele, vem agora pedir que se considere provado que foi outrem, com conhecimento da Ré, que fez essa operação.
Torna-se evidente que tal alteração é inviável, por encerrar matéria que não foi alegada pela parte oportunamente e que não encerra sequer carácter instrumental relativamente ao que foi alegado…”.

A Relação decidiu com acerto. Com efeito, mais que lançar mão de prova por ilação, estava em causa alteração não autorizada da causa de pedir, já que aquele facto não fora alegado.

O artigo 349.º do Código Civil define que presunções – “São as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.

Como se sentenciou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 25.3.2004 – número convencional JSTJ000 – acessível, in www.dgsi.pt:

“Sendo as presunções judiciais, na tipificação do artigo 349.º do Código Civil, “ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, integram a sua estrutura jurídica: a denominada base da presunção, constituída pelo facto ou factos conhecidos, isto é, provados através de outros meios de prova; os elementos de racionalidade lógica e técnico-experiencial actuando por indução sobre os mesmos factos; e o facto ou factos presumidos mediante estas operações intelectuais.
É, pois, imperativo do artigo 349.º que a base da presunção esteja provada, que os respectivos factos integradores – revestidos dos atributos de seriedade, precisão e concordância – sejam conhecidos, possuindo o julgador acerca deles o grau de ciência que as provas podem proporcionar, uma exigência garantística elementar contra o risco de arbítrio no exercício da actividade jurisdicional”.

No caso em apreço, a Relação teria, não só que extrair as pretendidas ilações não apenas de documentos indicados pelo Autor, como também da reapreciação de prova testemunhal gravada.

O S.T.J. como tribunal de revista só, excepcionalmente, conhece da matéria de facto pelo que, desde logo, lhe está vedado censurar o Acórdão da Relação, por não alterar a matéria de facto, a não ser nos casos excepcionais dos arts. 722º, nº2, e 729º, nº1, do Código de Processo Civil (1) .

Esses casos não comportam a possibilidade de censurar o Acórdão por não ter usado de prova por presunção, até porque esta em muito depende da sensibilidade do Julgador nas instâncias.

Já não assim, se a Relação tivesse usado de prova por presunção em violação das regras da lógica e da comum experiência.

Sendo as ilações inferências que o julgador tira de factos provados para daí firmar outros, importa que parta de factos alegados, não podendo lançar de mão de factos não alegados.

Este Supremo Tribunal só poderia sindicar a decisão da Relação – de não usar dos poderes conferidos pelo art. 712º do Código de Processo Civil – se tivesse havido violação da lei, mesmo estando em causa normas de direito probatório material o que, in casu, não sucede (2) .

Quanto a saber se a Relação deveria ter mandado ampliar a matéria de facto.

Como se sabe pode fazê-lo nos casos previstos no art. 712º do Código de Processo Civil.

A Relação considerou desnecessária tal ampliação (3) , escrevendo a certo trecho:

Relativamente ao 1.º quesito proposto, não se vê que deva ser formulado, porquanto o Autor alegou concretamente que a Ré falsificou o cheque que apresentou a pagamento, o que foi levado aos quesitos 6.º a 8.º e resultou não provado, sendo a formulação agora pretendida uma outra versão da mesma realidade, que não encontra eco nos artigos da p.i. invocados.
Também o alegado no art. 6.º da p.i. não coincide inteiramente com o quesito que se pretende ver elaborado e, a parte coincidente, já foi objecto de quesitação – cfr. quesito 5º”.

A recusa de anulação para julgamento para ampliação da matéria de facto, igualmente não merece censura, já que um dos quesitos propostos versava sobre pretenso facto não alegado e, no âmbito dos quesitos 6º a 8º – respondidos “não provados”, poderia ter sido feita a prova do facto relacionado com a autoria da alegada falsificação.

O Supremo pode exercer censura sobre o uso que a Relação faz dos seus poderes de anulação contidos no art. 712.°, do Código de Processo Civil, mas já lhe está vedada a possibilidade de efectuar qualquer controlo sobre o não uso desses poderes.

Apreciando a questão de fundo.

A pretensão de ampliação da matéria de facto requerida a este Tribunal será apreciada se, no contexto da revista, se entender que existe tal necessidade para aplicação do direito – art. 729º, nº3 do Código de Processo Civil – o que a seu tempo se julgará.

O litígio que os autos espelham coenvolve a questão fulcral de saber se, nas concretas circunstâncias factuais provadas, o Banco Réu deve pagar ao Autor a quantia que, através do cheque apresentado a desconto pela Ré lhe foi pago, ou seja, importa saber se o Banco ao pagar, pagou bem, isto é, sem violação das regras legais convocadas em face da relação jurídico-contratual que estabeleceu com o falecido pai do Autor.

Importa saber, então, que relação jurídico-contratual se estabeleceu entre o pai do Autor, ao abrir a conta no Banco, e ao ser-lhe consentido movimentá-la através da emissão de cheques.

A entrega de numerário ao Banco consubstancia um contrato de depósito bancário que, na definição de Alberto Luís, in “Direito Bancário ”, edição de 1985, 165, é aquele:

“Pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restitui-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante”.

Na base de tal contrato está uma recíproca relação de confiança entre o depositante a quem é garantida a restituição e o Banco que conta com os depósitos dos seus clientes para financiar as suas aplicações e investimentos.

Superado o entendimento de que tal contrato consubstanciava um mútuo puro e simples, a doutrina e a jurisprudência dominantes qualificam-no como um depósito irregular a que são aplicáveis os arts. 1205º e 1206º do Código Civil e 363º e 406º do Código Comercial, uma vez que o dinheiro depositado é uma coisa fungível.

Por via da remissão do art. 1206º do Código Civil para o seu art. 1144º o dinheiro torna-se propriedade do Banco que se constitui ante o depositante, na obrigação de restituição em género.

Afirmando, ainda, a transmissão da propriedade das quantias, vejam-se: os Acórdãos deste STJ, de 14 Junho de 1984, in BMJ, 338-432: o “depósito bancário” implica “que haja uma transferência da propriedade das quantias depositadas do depositante para o depositário pelo tempo que dure o contrato, o que significa que o depositante é dono das respectivas quantias quando procede ao depósito delas” – e de 3 de Outubro de 1995, in BMJ, 450-416.

A relação de confiança estabelecida entre o banqueiro depositário e o depositante evidencia-se, ainda, no contrato ou convenção de cheque, [funcionalmente ligado ao de depósito], no facto do Banco permitir ao seu cliente a mobilização dos fundos disponíveis na sua conta.

A convenção de cheque constitui o Banco na obrigação, além de outras, de pagar os cheques emitidos pelo depositante na veste de sacador.

Nos termos de tal contrato - “ Resulta para o banqueiro a obrigação de pagar o cheque à apresentação e o dever de diligência na verificação da assinatura do cliente, e este assume perante o Banco o dever de guardar cuidadosamente os cheques e avisá-lo logo que dê pela sua falta” – Ac. deste STJ, de 10.11.93, in CJSTJ, Ano I, Tomo III, pág. 130.

Transferindo-se para o Banco depositário a propriedade do dinheiro, por força do disposto no art. 1144º do Código Civil, porque se está no domínio da responsabilidade contratual são aplicáveis duas regras essenciais.

Uma, emergente do art. 799º, n.º1, do Código Civil, que estabelece a presunção de culpa do devedor, quanto ao não cumprimento da obrigação em sentido lato – abarcando a mora e o cumprimento defeituoso – outra, a do art. 796º do mesmo diploma, que estatui que em contratos que importem a transferência do domínio de certa coisa o respectivo perecimento ou deterioração por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente – “res suo domino perit”.

Destes princípios decorre a irrelevância de pagamentos feitos a terceiros sem o consentimento do depositante – arts. 769º e 770º do citado Código.

Importa, então, retornando ao cerne da questão, saber se o Banco agiu ou não culposamente, prova que estava a seu cargo, uma vez que sobre si impende ilidir a presunção de culpa estabelecida no art. 799º, do Código Civil.

“Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”, sendo a culpa apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, de harmonia com o nº2 do citado preceito.

“A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo” – Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição 1º, pág.536.

Sabe-se que a emissão de cheque postula como requisito essencial a assinatura do sacador – art.1º, item 6º, da Lei Uniforme Relativa ao Cheque.

É dos usos bancários que o depositante tenha no Banco uma ficha de assinatura por onde se controla a genuinidade da assinatura do sacador.

É da experiência comum que a proliferação do uso do cheque, despoleta não só a sua emissão sem provisão, como também a falsificação de assinaturas.

Para esta realidade, mormente, face aos meios usados na falsificação, não podem os Bancos contrapor com meios e técnicas usadas há dezenas de anos, sob pena de, à sofisticação dos falsários, não reagirem com meios técnicos evoluídos, facilmente ao seu alcance e que permitiriam detectar fraudes.
Os Bancos devem ter funcionários especializados na conferência de assinaturas, sendo objectável que a prova rainha da verificação da regularidade das assinaturas seja feita por mero confronto visual.

Nos tempos de agora, em que os interesses dos consumidores são crescentemente protegidos, usar métodos cuja precariedade é notória, e não recorrer a técnicas sofisticadas, não é actuar diligentemente.

O comportamento exigido pelo padronizado critério do “bonus pater familias” não pressupõe comportamentos ou actuações imutáveis, mas antes faz apelo às circunstâncias de cada tempo.

Não é compaginável com o grau de diligência exigível, actualmente, que um Banco prudente, zeloso e cauto, não disponha de técnicas e funcionários especializados na detecção de falsificações.

Mais que controlar a aparência das assinaturas, o Banco tem um dever de fiscalizar a autenticidade delas, sendo insuficiente a mera inspecção por semelhança, vulgo, “a olho nu”.
Não pode, todavia, esquecer-se que ninguém repete exactamente duas assinaturas; nelas há sempre algo que, com mais ou menos evidência, diverge.

Também é certo que, muitas vezes, só peritos detectam falsificações, mas tal não desampara o que antes dissemos.

Ao Banco competia o ónus de provar ter agido com um grau de diligência idóneo, à luz das regras da experiência comum e dos usos bancários, visando a detecção da falsificação.

Se o Banco apenas se limitou a fazer a prova de que, antes de pagar os cheques, verificou a semelhança das assinaturas, sem alegar que meios técnicos empregou, ou se tal tarefa foi executada por pessoa experiente e dotada de conhecimentos que, razoavelmente, lhe permitissem descobrir a falsificação, não pode ser isento de censura, tanto mais que nem sequer se provou estar-se perante flagrante semelhança de assinaturas.

Como ensina Joaquim Garrigues, “Contratos Bancários”, págs. 520-521 - “...Haverá culpa do sacado quando tenha pago um cheque cuja falsificação seja reconhecível, não por qualquer pessoa mas sim precisamente pelas pessoas habituadas ao exame de assinaturas, como são os empregados de um banco”.

Sobre o depositante incumbe o dever de guardar os cheques evitando a sua perda ou uso abusivo.

Almeno e Sá, in “Direito Bancário” – Coimbra Editora 2008 – abordando os traços relevantes daquilo que denomina de “relação contratual bancária”, com os inerentes “deveres gerais de conduta” e de “contratação” escreve – págs. 19 e 10:

“Em primeiro lugar, o seu conteúdo essencial projecta-se num dever de prestação de serviços, com toda a densificação de sentido inerente a esta tradicional categoria jurídica.
Como se compreenderá, a afirmação deste dever será, em muitos casos, determinante para a correcta resolução de certo tipo de litígios, frequentes na prática.
Saliente-se, de modo particular, que faz parte do referido dever, na leitura aqui sustentada, a obrigação de a entidade bancária colocar à disposição do cliente a respectiva estrutura organizativo-funcional, em ordem a execução de tarefas de tipo variado, ligadas, de um modo ou de outro, à actividade bancário-financeira.
Em segundo lugar, este contrato faz nascer, para a instituição bancária, em razão da sua profissionalidade e competência específica, uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro.
Esta obrigação implica, não uma pura atitude passiva, mas antes uma actividade de continuada promoção e vigilância dos interesses do cliente, no particular domínio considerado.
Em terceiro lugar, desta compreensão contratualista resulta que também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é colocada num plano contratual, e não meramente legal, com todas as implicações dogmático-práticas que daí necessariamente resultam.
Finalmente, pode dizer-se que é com base nesta global dimensão contratual que se “mede” e se conforma o dever geral do banco de executar as diversas operações solicitadas pelo cliente ao longo do tempo, e mesmo os singulares negócios bancários acordados, os quais, a serem isoladamente considerados, poderiam eventualmente ter um “tratamento” jurídico menos favorável aos interesses deste último”.

Essenciais na relação Banco-cliente são procedimentos de confiança e de confidencialidade, sobretudo aquele, na vertente que ora releva, sendo de exigir ao Banco uma actuação de promoção e vigilância em ordem a preservar os interesses do seu cliente.

Essa relação de confiança implica que o cliente sinta que o Banco depositário do seu dinheiro acautela os seus interesses, sendo diligente nos pagamentos à custa da conta do depositante.

Nas palavras de Baptista Machado - “Poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens (…) é condição básica da própria possibilidade de comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação (logo, da paz jurídica)”.
Através do acto comunicativo criam-se expectativas legítimas no outro e o direito tem de tutelar a confiança engendrada nessas relações comunicativas de interacção pessoal” - “Tutela da Confiança e Venire contra Factum Proprium”, RLJ, 117 (1984-5), pág. 232.

Carneiro da Frada, in Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Coimbra, 2004, p. 19, nota 2, afirma que “a observação da realidade demonstra (…) que a interacção humana requer um mínimo de confiança. Sem ela não se compreende(idem, p. 346).

O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIC) – DL. 298/92 de 31.12 – na redacção vigente – inscreve nos seus arts. 73º a 76º um capítulo denominado “Regras de Conduta” (4) .

Decorre do regime legal que, na convenção de cheque, deve o Banco – os seus auxiliares e colaboradores – proceder de acordo com as regras profissionais da legis artis bancária, no controle da assinatura do sacador como elemento essencial que cria o título e despoleta a obrigação a seu cargo, enquanto depositário do dinheiro.

Essa obrigação exige um cuidadoso exame da assinatura do sacador de modo a verificar – com as limitações inerentes, não aos seus conhecimentos técnicos ou à técnica exigível que deve ser moderna, actual e especializada, mas sim à variabilidade do traço e dos caracteres da assinatura – se ela é do sacador (5).
.

A convenção de cheque (6) estabelecida entre o Banco e o seu cliente, autorizado a movimentar a conta com cheques e operações a crédito e débito, exprime a existência de um contrato, que se submete às suas regras próprias, e ao regime geral do cumprimento e incumprimento das obrigações; mas, a par desse obrigação contratual, porque a cargo do depositário existem deveres gerais de conduta postulados pelo risco de actividade, a demandar a observância das legis artis, pode a violação de tais obrigações gerar, a um tempo, responsabilidade civil contratual e extracontratual; neste caso, se apenas for invocada violação dos deveres de conduta que lesam direitos subjectivos.

Podem, pois, coexistir responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual, entendimento sufragado em Estudo publicado, in BMJ 322-21 e segs., da autoria de Figueiredo Dias e Sinde Monteiro (que aí se cita) – “O mesmo facto pode constituir uma violação do contrato e um facto ilícito…”.

O Professor Pinto Monteiro, abordando a problemática da coexistência da responsabilidade civil contratual e extracontratual, na obra “Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil” – Almedina 2003 – depois de afirmar que a questão é “delicada e controversa não tendo sido objecto entre nós (tal como de resto, na generalidade dos sistemas) de regulamentação específica”, depois de aludir à existência de lacuna voluntária, citando Rui Alarcão, escreve – págs. 430 /431:

“… A esta luz, parece que a solução mais razoável, dentro do espírito que enforma a ordem jurídica portuguesa, é a que Vaz Serra propunha, devendo permitir-se ao lesado, em princípio, a faculdade de optar por uma ou outra espécie de responsabilidade, de cumular, na mesma acção, regras de uma e outra, à sua escolha (7)

[…] Neste sentido deporá o facto, por um lado, de não poder afirmar-se uma distinção essencial ou de natureza última entre as duas formas de responsabilidade… parecendo subjacente à lei a ideia de uma unidade substancial entre ambas, que não será prejudicada pelos aspectos específicos que a responsabilidade contratual apresenta. Por outro lado, facultar ao lesado a escolha entre os regimes que melhor o protejam, no caso concreto, é a solução que melhor se ajusta ao princípio do favorecimento da vítima, princípio esse que enforma o quadro legal […].
Parece, assim, que deverá ter-se por consagrada, de iure condito, a tese da admissibilidade do concurso de responsabilidades, gozando o lesado, em princípio, da faculdade de optar por delas […].
A inclusão dos deveres de protecção no quadro contratual (Vertragsrahmen) não pode acarretar, para o lesado, a perda da protecção que lhe seria conferida pela responsabilidade extracontratual…”. (destaque nosso)

No caso, o Autor socorreu-se do regime da responsabilidade contratual e, desde logo, tem a seu favor a presunção de culpa do devedor – art. 799º, nº1, do Código Civil.

Ora, provou-se que o Réu pagou a BB o cheque nº..., relativo à conta da titularidade exclusiva do pai do Autor, com o montante inscrito, ao tempo, de 10.000.00$00, correspondente a € 49.879,79, preenchido também com uma assinatura em nome de CC – o titular dessa conta aberta no Banco.

Esse cheque foi levantado por aquela Ré, tendo a data de emissão de 19.5.2000.

A assinatura constante do cheque nº..., confrontada com a assinatura do falecido na ficha de assinatura existente no Banco, é, à vista desarmada, sem qualquer equipamento de apoio, face à observação do cheque, diversa desta.
Apesar disso, apresentado o cheque a pagamento, na agência do Réu na Rua Gonçalo Cristóvão, no Porto, em 05/12/2000, o funcionário do Banco sacado pagou o montante desse cheque. – factos provados nos itens 10) e 11).

Será que o Banco ao pagar tal cheque agiu com culpa?

Já vimos que a culpa, na responsabilidade contratual, se presume, pelo que, em bom rigor, o que há que indagar é se o Réu ilidiu a presunção de culpa que sobre si impende.

Há que realçar que, até “à vista desarmada e sem qualquer equipamento de apoio”, a assinatura imputada ao sacador CC era diversa da que constava da ficha de assinatura existente no Banco.

Apesar disso o Banco pagou o cheque.
O Banco tem a obrigação profissional, o dever de actuar com prudência e exigência, senão em seu benefício, também em nome dos seus clientes, em face da relação de confiança a que aludimos, pelo que é inaceitável que se, macroscopicamente, em linguagem chã, a olho nu, se podia detectar a divergência das assinaturas no cheque e na ficha de assinaturas, e o Banco não se apercebeu dessa clara e evidente divergência, agiu com culpa grave, porque infringiu um seu dever elementar ante a apresentação do cheque a pagamento – o de cautelosa e proficientemente confrontar as assinaturas.

O Banco não detectou a divergência das assinaturas o que alertaria para a possibilidade de haver falsificação.

À vista desarmada poder-se-ia concluir que as assinaturas eram diversas, mas o Banco não se inibiu de pagar o cheque; aqui existe, mais que um comportamento temerário, ilicitude, culpa, na inabilidade para verificar que as assinaturas não coincidiam, o que numa actuação profissional devia gerar dúvidas no espírito do funcionário do Banco, pois que a divergência surgia patente.

Não se tendo apurado que essa falsificação foi da autoria da Ré BB – [foi arquivado o pertinente processo-crime como consta dos autos], o certo é que o falecido CC foi prejudicado pela imprudente actuação do Banco, sendo despiciendo saber quem preencheu o cheque; relevante é saber que, ao pagar nas circunstâncias em que o fez o Banco, violou ele deveres inerentes a uma actuação que deveria ter sido prudente e não foi.

Se tivesse sido diligente a actuação do Banco, o cheque não teria sido pago e não haveria prejuízo, por não ter sido levantada aquela quantia pertencente ao herdeiro do depositante.

José Maria Pires, in “Direito Bancário”, 2º Volume, pág. 334 escreve:

No que respeita ao levantamento de fundos mediante documentos com a assinatura falsificada, a opinião que defendemos é a seguinte: o banco assume a responsabilidade do mau pagamento, quando a assinatura do documento justificativo da movimentação a débito efectuada conta não está conforme com o espécime existente no banco e, por outro lado, o cliente/depositante (ou qualquer outra pessoa devidamente autorizada a movimentar a conta) não pode ser censurado por actuação negligente ou dolosa.
Verificando-se negligência ou qualquer outra falta por parte do titular da conta (ou da pessoa devidamente autorizada a movimentá-la a débito), a responsabilidade deve ser repartida entre as duas partes, de harmonia com o grau de culpabilidade de cada uma.
E mesmo na hipótese de a assinatura aposta no documento e a que consta do espécime estarem aparentemente conformes, embora, de facto, tenha havido falsificação, pensamos ser aplicável o preceito contido no art. 770.° do Código Civil, que nega eficácia liberatória à prestação feita a credor aparente.
Apenas fazendo prova de culpa do cliente na falsificação é que o banco se poderá desonerar da sua responsabilidade.”

Como se sentenciou no Ac. deste STJ de 21.5.96, in CJSTJ, 1996, II, 82, em situação menos expressiva:

“Não obstante a semelhança entre a assinatura aposta no cheque, no espaço reservado ao sacador, e a assinatura do depositante existente nos ficheiros do Banco sacado, persiste a responsabilidade deste pela manutenção do valor de conta do depositante, desde que se não demonstre a culpa deste no irregular levantamento da quantia depositada.”

Em face da convenção de cheque, o Banco assume, entre outros, deveres gerais de conduta englobados na prevenção do risco em favor do cliente (8) , acima de todos o dever de verificar se o saque é regular, mormente, se a assinatura do sacador é a que consta da ficha que contém a sua assinatura – cfr. Sofia Galvão, in “Contributo Para o Estudo do Contrato de Cheque”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 52, Abril de 1992, afirmando que expressão deste dever é um outro dever essencial: o de verificação da assinatura, que considera verdadeiramente absoluto.

Se o Banco pagar um cheque falsificado por um terceiro, incumpre o contrato de cheque, só se libertando de responsabilidade civil se conseguir provar que, mesmo cumprindo escrupulosamente tal dever, não podia ter dado pela falsificação.

Ora, como consta provado, se à vista desarmada era patente a diferença da assinatura do sacador constante da ficha de assinatura e a que constava no cheque em causa, temos de concluir que o Banco, quiçá pela imperícia de quem lidou com o cheque, não se apercebeu da divergência patente das assinaturas o que constituiria um alerta para a eventualidade de não ter sido sacado validamente, pelo que deveria, desde logo, ter recusado o pagamento.

Hoje, por hoje, com o progresso da ciência, deve ser exigido aos Bancos rigor, já que lhes são confiadas, quantas vezes, as poupanças de uma vida, a boa-fé e a defesa dos interesses contratualmente assumidos pelas partes, impõem uma muito maior diligência que aquela que consta ter sido usada – o prosaico confronto entre as assinaturas, feito por mera comparação visual, não constando, sequer, se foi feita por um expert na matéria.

Isso traduz falta de diligência e violação do dever essencial absoluto a cargo do Banco, quando decide se paga o cheque, após verificação da sua regularidade formal.

O Banco-réu descurou esta obrigação do ponto em que pagou um cheque sacado por quem não era o titular da conta, nem estava autorizado a movimentá-la e com isso violou um seu dever essencial.

O cheque, após o confronto das assinaturas dava a um funcionário diligente a aparência de não ser verdadeiro.

A responsabilidade pelo pagamento dos cheques, cuja assinatura foi falsificada, recai, exclusivamente, sobre o Banco que actuou culposamente, não ilidindo a presunção de culpa, sendo inquestionável que nenhuma prova existe que possa imputar ao titular da conta negligência que haja concorrido para o facto – art. 570º do Código Civil – está constituído na obrigação de indemnizar o Autor pelos danos causados, nos termos dos arts. 483º, nº1, e 798º do Código Civil.

“Para afastar a presunção de culpa, o devedor necessita de alegar e demonstrar a existência, no caso concreto, de circunstâncias, especiais ou excepcionais, que eliminem a censurabilidade da sua conduta” – Antunes Varela, in RLJ. 119º-126.

Não deixaremos, por mera cautela, de abordar a questão suscitada da alegada inversão do ónus da prova da alegada falsificação do cheque, face à conduta do Banco, prevenindo, assim, eventual omissão de pronúncia – sem embargo de se poder considerar prejudicada tal questão pela consideração de ter o Banco incorrido em incumprimento contratual.

O recorrente sustenta que a prova pericial – exame à assinatura aposta no lugar do sacador – ficou deveras dificultada pelo facto do Banco, não obstante ter sido alertado pelo seu Mandatário, ter destruído o cheque levando-o ao arquivo, em microfilmagem, quando sabia que estava em discussão a autenticidade/genuinidade da assinatura atribuída ao sacador.

Consta do Relatório pericial, que o exame feito com base no documento microfilmado dificulta a perícia (9) , que seria de resultado mais seguro se fosse feita com base no documento original.

“Apesar de o Autor ter prevenido o Banco, através do seu advogado, o Réu decidiu mandar destruir o original do cheque em causa” – item 12) dos factos provados.

Compete à parte que invoca um direito o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado (11/12) – art. 342º, nº1, do Código Civil.

Preceitua o nº2 do sobredito artigo 344.º, que há inversão do ónus da prova - “Quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações”.

Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, Almedina, 2ª Edição, 2004, em anotação ao artigo 519.º, págs. 454-455, afirma que a recusa de cooperação da parte é susceptível de influir no conteúdo da decisão do tribunal que aprecia as provas produzidas:

“Provindo a recusa da colaboração da parte e revelando-se inviável (por razões de facto ou jurídicas) a realização específica e coerciva da diligência determinada, a recusa de cooperação é susceptível de influir no conteúdo da decisão do tribunal que aprecia as provas produzidas.
Assim:
(a) se a recusa tiver tornado impossível a prova à outra parte, sobre quem recaía o ónus probatório de certo facto (v. g. a diligência probatória culposamente frustrada recaía sobre matéria de facto absolutamente essencial, que só podia ser demonstrada por esse meio, já que o onerado não dispõe de outros meios de prova que, em concreto, demonstrem o facto) ocorre a inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º, nº2, do Código Civil…

(b) se não for assim - isto é, se a recusa não implicar aquela impossibilidade de o onerado provar facto absolutamente essencial à acção ou à defesa - deverá o tribunal apreciar livremente o valor probatório da recusa (nomeadamente, dela inferindo que a parte, ao menos no plano subjectivo, receava seriamente o resultado daquela diligência instrutória).” (sublinhámos).


Importa referir que o Banco podia ter destruído fisicamente o original do cheque em causa – pago em 5.12.2000 – e arquivá-lo em microfilme ou disco óptico, impondo a lei que esses suportes sejam não regraváveis – DL. 279/2000, de 10.11 – seus arts. 1º e 4º.

Nos termos do art. 3º a) do citado diploma – “Prazo de guarda”

“Os originais dos documentos devem ser mantidos em arquivo pelo período mínimo de seis meses contados a partir da data de: pagamento, no caso de cheques e avisos ou ordens bancárias de pagamento ou de transferência”.

Tendo a acção sido intentada em 28.4.2004, o Banco em 6 de Junho de 2001, já podia ter destruído o cheque, mas ao tempo em que o Mandatário do Autor o alertou ainda o não tinha feito.

A destruição ocorreu em data posterior a essa comunicação.

Sendo certo que a cópia a partir da microfilmagem tem a força probatória dos documentos originais – art. 6º do citado diploma – o facto é que em termos de prova pericial o exame feito a partir do documento microfilmado é de resultado menos fiável, mais difícil, como se refere no Relatório do exame.

Esta actuação do Banco, ciente que estava da intenção do Autor de se socorrer do documento em sua posse, para exame pericial e a sua destruição física depois da solicitação do Autor, revela actuação não compaginável com a regra da boa-fé, já que não poderia ignorar que os resultados periciais poderiam ser afectados, fazendo-se o exame a partir daquele suporte.

Não valorar este facto, em confronto com o hipotético atendimento da pretensão do Autor, implicaria um tratamento discriminatório do ponto em que seriam tratadas igualmente a conduta aquiescente do Banco e uma conduta negatória de pretensão do Autor.

Assim, a actuação do Banco deve ser censurada por contrária à boa-fé, evidenciando, até, abuso do direito – art. 334º do Código Civil.

Na perspectiva do ónus da prova – que é o que mais releva aqui e agora – o facto do Réu ter destruído o cheque tornou mais difícil, e quiçá onerosa, a prova que o Autor se propunha fazer e que resultou frustrada, em parte.

A obrigatoriedade dessa colaboração emerge dos normativos dos arts. 528º e 519º, nº1, do Código de Processo Civil, “facultando o que for requisitado”.

A actuação reticente do Réu deve ser equiparada a recusa, para efeitos de aplicação do regime previsto no art. 519º, nº2, 2ª parte, do Código de Processo Civil – “Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº2”.

Poder-se-á dizer que não existe nexo de causalidade entre a destruição do documento e o resultado não tão concludente como poderia ter sido (vide relatório dos peritos), já que, mesmo a não ter havido destruição do original, não seria seguro que os Peritos pudessem almejar conclusões mais convincentes em termos de probabilidade (estes exames não asseguram certeza mas maior ou menor grau de probabilidade).
A objecção tem alguma pertinência mas deve ser rebatida.

São os peritos quem afirma que os resultados a que chegaram foram consequência de não poderem ter acesso ao original do cheque e esse não acesso – é insofismável – deveu-se apenas à conduta do Banco, que não agiu com respeito pelo direito do Autor.

À impossibilidade da prova, por actuação culposa da parte não colaborante para com o onerado, deve ser equiparada, [em termos de sanção do art. 344º, nº2, do Código Civil para que remete o art. 519º,nº2, do Código de Processo Civil], uma colaboração reticente ou parcialmente inviabilizadora da prova, desde que dessa falta de colaboração resulte, comprovadamente, fragilidade probatória causada pelo recusante, isto em homenagem ao princípio da colaboração – art. 266º do Código de Processo Civil e da boa-fé, seja na perspectiva processual, seja na perspectiva substantiva – art. 762º, nº2, do Código Civil.

Assim, mesmo que pela via da responsabilidade contratual, emergente da não ilisão da presunção de culpa do Réu – art. 799º, nº1, do Código Civil – este não devesse ser condenado – sempre se poderia considerar, ante a sua censurável falta de colaboração – que ficou invertido o ónus da prova da sua ausência de culpa, por força do art. 344º, nº2, do Código Civil, pelo que lhe competia, então, provar que não teve culpa ao pagar o cheque nas circunstâncias em que o fez, o que não almejou.

Pelo exposto e sem necessidade de ampliar a matéria de facto, a pretensão recursiva do Autor procede.

Decisão:

Nestes termos, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, repristinando o sentenciado em 1ª Instância, no que concerne à condenação do Banco- Réu que se mantém.

Custas pelo Réu recorrido.


Supremo Tribunal de Justiça, 31 de Março de 2009

Fonseca Ramos (Relator)
Cardoso de Albuquerque.
Salazar Casanova.
_________________________________

(1) Ac. STJ, de 11.12.2003: Proc. 03B3826 in www.dgsi.pt. “ O STJ, como tribunal de revista que é, só conhece, em princípio, de matéria de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido arts. 26.° da LOFTJ 99, aprovada pela Lei n.° 3/99, de 13-1, e 729.°, n.° l, do Código de Processo Civil; daí que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido só poderá ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (arts. 729.°, n.° 2, e 722.°, n.° 2, do Código de Processo Civil…”.

(2) “O uso de presunções judiciais pode ser objecto de censura, em revista, sempre que a questão seja a da legalidade desse uso, que pode consistir tanto na proibição, em concreto, de tal meio de prova, como na inexistência da regra da experiência invocada ou na falsidade da base da presunção. Salvo ocorrência de alguma das situações previstas no n.° l do art. 712.° do Código de Processo Civil, a Relação, como o Supremo tem julgado com persistência, não pode alterar as respostas aos quesitos com fundamento em presunções judiciais, considerando provados por inferência factos que a 1ª Instância deu como não provados após contraditório e imediação da prova produzida” – Ac. STJ, de 15.4.2004 - Proc. 04B970 – in www.dgsi.pt.

(3) O Autor propunha a formulação dos seguintes quesitos – “A assinatura constante do cheque referido na alínea c) da base instrutória (trata-se de lapso, tendo-se querido dizer, evidentemente, da matéria assente) não é do punho do falecido CC?”
E ainda do art. 6.º da mesma peça processual, com a formulação deste:
“À data que consta nesse cheque como sendo da sua emissão – 29.11.2000 – embora o CC estivesse doente e internado no hospital, não era previsível a sua morte?”.

(4) ART. 73.° (Competência técnica) — As instituições de crédito devem assegurar, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência.
ART. 74.° (Outros deveres de conduta) — Os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
ART. 75.° (Critério de diligência) — Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direcção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral.

(5) A fls. 372 os Peritos acerca do exame à assinatura que consta do cheque concluem:
“Do exposto, consideradas todas as dificuldades que este exame apresenta, já referidas anteriormente, somos levados a concluir que as características exibidas por CC, na escrita das assinaturas genuínas, não se encontram na da assinatura contestada, pelo que se considera como provável a verificação da hipótese de a escrita da assinatura contestada não ser do punho de CC.”

(6) Decorre do art. 3º da Lei Uniforme do Cheque, que o cheque é um título de crédito, à ordem ou ao portador, literal, autónomo e abstracto, contendo uma ordem incondicionada dirigida a um Banqueiro (sacado) no qual o emitente (sacador) tem fundos disponíveis, no sentido de pagar à vista a soma nele inscrita - (cfr. Ferrer Correia e A. Caeiro, in RDES, 1978, pág. 457)

(7) “No sentido da aceitação, entre nós, da tese da opção, em caso de concurso de responsabilidades, já na vigência do Código Civil actual, Rui Alarcão, Direito das Obrigações, cit., pp. 209, ss. (bem como, já antes, na referida Lição oral); Mota Pinto, Cessão, cit., p. 411 e nota 2; Mota Pinto e Calvão da Silva op. cit., pp. 148-149; Vaz Serra, na anotação ao Ac. do STJ, de 26 de Julho de 1968, na RLJ, Ano 102, pp. 313-314…
[…] Parece-nos, por outro lado, que a jurisprudência tem aceite, na prática — sem discutir o problema, contudo — a tese da admissibilidade do concurso de responsabilidades, como parece depreender-se, na verdade, entre outras, de decisões no âmbito da responsabilidade médica, em que, apesar da natureza contratual desta, se invocam princípios e normas da responsabilidade extracontratual como fundamento da indemnização (assim, o Acórdão do STJ, de 26 de Novembro de 1980, no BMJ nº301, p. 404)”. – excerto da nota de rodapé 988 – pág.431.

(8) “Entre as partes – banqueiro e cliente – há deveres de conduta decorrentes da boa fé, em articulação com os usos ou os acordos parcelares que venham a celebrar, designadamente deveres de lealdade, com especial incidência sobre a parte profissional, o banqueiro. Este fica vinculado a deveres de actuação conformes com aquilo que se espera da parte de um profissional tecnicamente competente, que conhece e domina as regras da ars bancaria, e que deve ter em vista a defesa e o respeito dos interesses do seu cliente; a tutela da confiança é um dos valores fundamentais a ter em conta no desenvolvimento da relação bancária”. – Acórdão deste Supremo Tribunal, de 18.11.2008 – Proc. 08B2429 in www.dgsi.pt.

(9) No Relatório a que se alude pode ler-se a fls. 371 – Análise dos Resultados – Questões Prévias – “Estes exames apresentam algumas dificuldades pelo facto de não se dispor do original do documento contestado existindo, unicamente, uma reprodução em fotocópia e em fotografia, obtida a partir do microfilme do mesmo, sendo ambas de má qualidade, ao nível da definição. Um exame de escrita deve fazer-se, preferencialmente, sobre documentos originais, uma vez que muitas das características observáveis em originais não o são neste tipo de reproduções.”

(10) O ónus da prova “respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios. Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto — trazida ou não pela mesma parte” – Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979-196.


(11) / Segundo a lição de Menezes Cordeiro – “Tratado de Direito Civil Português-Parte Geral” – Tomo IV – págs. 466 e sgs: “A regra básica está predisposta no artigo 342°/l: a quem invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito em causa. [“Factos constitutivos são os factos idóneos, segundo a lei substantiva, para fazer nascer o direito que o autor se arroga contra o réu, isto é, os factos de que depende o êxito da pretensão que o autor se propõe fazer valer ou, por outras palavras, de que depende a procedência da acção”] – Abel Pereira Delgado, “Do Divórcio”, pág. 130.