Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
192/16.7GDSTB.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO RATO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CONCLUSÕES
MEDIDA DA PENA
CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
PERDÃO
FURTO
PROCEDÊNCIA PARCIAL
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Sumário :

I – Estando em causa penas privativas da liberdade do recorrente, sendo compreensível o seu objeto e contendo motivação e conclusões conforme as exigências do artigo 412º do CPP, e considerando o princípio da mais ampla recorribilidade das decisões estabelecido no seu artigo 399º, conjugado com o do aproveitamento dos atos processuais, estabelecido no artigo 195º do CPC, aqui aplicável, com as necessárias adaptações ex vi do artigo 4º do CPP, o recurso não é de rejeitar nem o seu conhecimento reclama qualquer convite ao recorrente no sentido de completar ou esclarecer as respetivas conclusões, nos termos do artigo 417º, n.º 3, antes devendo dele conhecer-se, circunscrito à questão da medida das penas, por ser esse o objeto nele claramente identificado e assumido, pese embora o lapso na indicação da pena.


II – Os factos praticados, analisados conjuntamente e nas suas concretas circunstâncias e consequências não evidenciam uma particular gravidade, antes se situando na “média/baixa” criminalidade, nem neles se projeta ou deles evola uma personalidade tendencialmente criminosa ou propensa a uma carreira criminosa, antes se integrando numa atuação criminosa “pluriocasional”.


III – O que, associado ao tempo decorrido entre a sua prática e a intervenção do sistema de justiça, a grande amplitude da moldura legal das penas únicas e os cerca de sete anos de prisão ininterrupta já cumprida por conta das penas parcelares e únicas antes aplicadas, com impacto positivo na ressocialização do condenado, esbateu as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir e justifica a compressão das penas únicas para um patamar próximo do mínimo da respetiva moldura abstrata ou legal, mas sem prescindir do tempo ainda necessário ao desenvolvimento e sedimentação do processo ressocializador iniciado em reclusão, fixando-se as penas únicas do primeiro, terceiro e quarto ciclos em 4 (quatro) anos, 7 (sete) anos e 6 (seis) meses e 8 (oito) anos de prisão, respetivamente, mantendo-se a do segundo ciclo, porque correspondente agora a uma única pena parcelar, o cumprimento efetivo e sucessivo de todas as penas e o perdão já aplicado às do primeiro e segundo ciclos, conforme decidido no acórdão recorrido.


IV – A ponderação e eventual aplicação do perdão da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, às restantes penas únicas penas agora fixadas, caberá ao tribunal da condenação, nos termos do artigo 14º daquela Lei, outrossim, em articulação com o competente juízo de execução das penas, assegurar que no cumprimento sucessivo de todas as penas únicas incidirão os descontos a que houver lugar nos termos dos artigos 80º a 82º do CP.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 192/16.7GDSTB.S1.


(Recurso per saltum)


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Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça


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I. Relatório


1. Por acórdão de 13.10.2023, do Juízo Central Criminal de ... (JCCSTB) – J ., do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, foi AA, nascido a ... de ... de 1993, com os demais sinais dos autos, condenado, nos termos do seguinte dispositivo, que se transcreve na parte que ora releva (negrito e sublinhados da origem):


«VI – DELIBERAÇÃO


Tudo ponderado, deliberam por unanimidade os juízes que compõem o Coletivo da Instância Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal:


1. Julgar extintas por amnistia as seguintes penas parcelares aplicadas (…)


2. Proceder a 4 (quatro) operações de cúmulo jurídico às restantes penas aplicadas ao condenado AA e, em consequência, aplicar as seguintes penas unitárias:


1.º Ciclo:


Pela prática de 1 (um) crime de furto, 1 (um) crime de resistência e coação sobre funcionário e, 2 (dois) crimes de furto qualificado julgados nos processos 309/09.8..., 352/10.4..., 128/12.4... e 154/11.0..., a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;


2.º Ciclo:


Pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, julgado no processo 109/12.8..., a pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão;


3.º Ciclo:


Pela prática de 1 (um) crime de furto simples, 8 (oito) crimes de furto qualificado, julgados nos processos 309/15.9..., 540/16.0..., 192/16.7... e 111/16.0..., a pena de 10 (dez) anos de prisão;


4.º Ciclo


Pela prática de 11 (onze) crimes de furto qualificado, julgados nos processos 906/16.5..., 111/16.0..., 871/16.9..., 835/16.2..., 192/16.7... e 1164/16.7..., a pena de 10 (dez) anos e 6 (seis meses) de prisão;


3. Perdoar sob condição resolutiva do arguido não praticar qualquer ilícito doloso até 01 de setembro de 2024, nos termos da Lei 38-A/2023 de 02 de agosto, 1 (um) ano de prisão a cada uma das penas unitárias aplicadas no primeiro e segundo ciclos criminosos e determinar que o condenado AA cumpra sucessivamente as seguintes penas de prisão:


1.º Ciclo:


Pela prática de 1 (um) crime de furto, 2 (dois) crimes de furto qualificado e 1 (um) crime de resistência e coação sobre funcionário, julgados nos processos 309/09.8..., 352/10.4..., 128/12.4... e 154/11.0..., a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;


2.º Ciclo:


Pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado julgado no processo 109/12.8..., a pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão;


3.º Ciclo:


Pela prática de 1 (um) crime de furto simples e 8 (oito) crimes de furto qualificado, julgados nos processos 309/15.9..., 540/16.0..., 192/16.7... e


111/16.0..., a pena de 10 (dez) anos de prisão;


4.º Ciclo:


Pela prática de 11 (onze) crimes de furto qualificado, julgados nos processos 906/16.5..., 111/16.0..., 871/16.9..., 835/16.2..., 192/16.7... e 1164/16.7..., a pena de 10 (dez) anos e 6 (seis meses) de prisão.


(…)».


2. Inconformado, interpôs o referido condenado, em 6.11.2023, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), apresentando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):


«CONCLUSÕES:


1. O recurso em apreço incide sobre o cúmulo jurídico realizado pelo tribunal a quo, o qual condenou o Recorrente/Arguido na pena única de 25 (vinte e cinco) anos e 7 (sete) meses de prisão;


2. Entende o Recorrente que a pena aplicada se evidencia por excessiva, ao não estar conforme com basilares princípios de proporcionalidade e adequação, uma vez não ter sido feita, salvo o devido respeito, a melhor interpretação e aplicação do disposto no artigo 71º, nº 1 do Código Penal


3. Pelo que, dando o devido cuidado ao ilícito global tido, à gravidade dos factos, que reflecte uma criminalidade média baixa, a conexão entre os mesmos, ou os montantes apropriados;


4. É convicção do Recorrente que, a pena cumulatória operada, se encontra inflacionada, devendo-lhe ser aplicada pena, necessariamente, inferior;


5. Permitindo-se-lhe, ainda, atingir a ideia da ressocialização, que é o fim último da lei penal.


Nestes termos, e nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência:


a) Reduzir a pena única a que o arguido foi condenado, conformando-a ao caso concreto.


Fazendo-se, assim, a habitual e necessária


JUSTIÇA!»


3. O recurso foi admitido por despacho da Juiz titular, de 21.11.2023, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.


4. O Ministério Público junto do tribunal da condenação, respondeu, em 7.12.2023, ao recurso do condenado, apresentando a seguinte concussão (transcrição):


«(…)


CONCLUSÃO (única)


- Insurgindo-se o Recorrente contra uma decisão que não tem qualquer correspondência com a efectivamente proferida, deverá o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência – artº 420º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal,


mantendo-se, assim, o douto acórdão recorrido.


(…)».


5. Neste Tribunal, o Ministério Público, em 8.01.2024, emitiu fundamentado parecer, que rematou com a seguinte síntese conclusiva:


«(…) III


Em síntese:


Não deve ser rejeitado o recurso, por manifesta improcedência, se, por manifesto lapso de análise da decisão recorrida, é interposto recurso da fixação de uma pena única que não foi na verdade aplicada, sendo viável concluir que pelo requerimento em causa o recorrente quis impugnar a medida das várias penas únicas sucessivas fixadas;


Mostram-se justas, necessárias, adequadas e proporcionadas as penas únicas sucessivas fixadas;


Não violou a douta decisão recorrida o disposto nos arts. 71º e 77º do Código Penal.


Em conclusão:


IV


Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que:


-Não deve ser rejeitado o presente recurso por minifesta improcedência;


-Deve o recurso ser julgado não provido e improcedente, sendo de manter em conformidade os termos da decisão recorrida.


(…)»


6. Observado o contraditório, o condenado não respondeu ao parecer do Ministério Público.


7. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. Objeto do recurso


1. Considerando a motivação e conclusões do recurso, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto1, as questões nele colocadas cingem-se:


a) à medida da(s) pena(s) única(s) de prisão aplicada(s) ao recorrente.


III. Fundamentação


1. Na parte que aqui releva, é do seguinte teor o acórdão recorrido (transcrição, sem notas de rodapé – negrito da origem):


«(…)


II – Matéria de Facto


Condenações sofridas


1. Por acórdão proferido no dia 11 de janeiro de 2012, no processo 309/09.8..., transitado em julgado no dia 13 de fevereiro de 2012, foi o arguido condenado pela prática no dia 28 de dezembro de 2009 de um crime de furto simples na pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa na sua execução, cuja suspensão foi posteriormente revogada.


O arguido, em conjunto com 2 coarguidos, dirigiram-se ao estabelecimento comercial S. ...., acedendo ao seu interior após arrombarem a porta com um pontapé e retiraram do seu interior fazendo seus, 110 maços de tabaco no valor de 375,00€ e 80,00€ em dinheiro.


2. Por sentença proferida no dia 21 de maio de 2012, no processo 288/11.1GCMMN, transitada em julgado no dia 21 de junho de 2012, foi o arguido condenado pela prática no dia 25 de agosto de 2011, de um crime de injúria na pena de 100 dias de multa já extinta pelo cumprimento.


3. Por sentença proferida no dia 28 de agosto de 2012 no processo 171/11.0..., transitada em julgado no dia 24 de setembro de 2012, foi o arguido condenado pela prática no dia 19 de maio de 2011 de um crime de furto simples na forma tentada, na pena de 120 dias de multa, posteriormente convertida para 79 dias de prisão subsidiária já extinta pelo cumprimento.


4. Por acórdão proferido no dia 07 de novembro de 2012 no processo 352/10.4..., transitado em julgado no dia 07 de dezembro de 2012, foi o arguido condenado pela prática no dia 25 de dezembro de 2010, de um crime de resistência e coação sobre funcionário na pena de 14 meses de prisão, três crimes de injúria agravada nas penas de 3 meses de prisão cada e um de detenção de arma proibida na pena de 12 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 25 meses de prisão, suspensa na sua execução, cuja suspensão foi posteriormente revogada.


O arguido ter além do mais, avançado contra dois militares da GNR que se encontravam a proceder à detenção do seu irmão BB, munido de um copo de vidro na mão e dizendo “larguem-no seus cabrões”, “estás fodido, no meu irmão ninguém bate”, “estão fodidos eu mato-os a todos” e empunhando umas matracas disse ainda “larguem o meu pai filhos da puta senão eu fodo-vos”


5. Por sentença proferida no dia 26 de maio de 2014 no processo 128/12.4..., transitada em julgado no dia 14 de julho de 2014, foi o arguido condenado pela prática no dia 01 de janeiro de 2012, de um crime de furto qualificado na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução, mas cuja suspensão foi posteriormente revogada.


O arguido em conjunto com coarguido acedeu ao interior da residência de terceiro através de janela que tinha o vidro partido e do seu interior retiraram fazendo seus um televisor, dois fogões de cozinha, três garrafas de gás, um lava-loiças de cozinha, todas as torneiras da casa, dois esquentadores, um forno elétrico, um rádio, uma máquina de café, quatro garrafas em vidro antigo, um candeeiro de sala em cristal, em dois castiçais em estanho de valor não apurado mas superior a 102,00€.


6. Por sentença proferida no dia 23 de março de 2016 no processo 154/11.0..., transitada em julgado no dia 30 de setembro de 2016, foi o arguido condenado pela prática no período compreendido entre os dias 24 de abril de 2011 a 09 de maio de 2011, de um crime de furto qualificado na pena de 02 anos de prisão suspensa na sua execução, mas cuja suspensão foi posteriormente revogada.


O arguido saltou o muro de uma residência, partiu uma janela acedendo ao seu interior e retirou 1 televisor, 50 DVD, material desportivo e de musculação tudo em valor superior a 450,00€.


7. Por sentença proferida no dia 09 de maio de 2013 no processo 30/12.0..., transitada em julgado no dia 09 de outubro de 2015, foi o arguido condenado pela prática no período compreendido entre os dias 14 e 16 de janeiro de 2012, de um crime de furto simples na pena de 160 dias de multa e, nos dias 20 de dezembro e 29 de dezembro de 2012, dois crimes de furto simples nas penas parcelares de 120 dias de multa cada, mas cuja pena única em cúmulo jurídico já foi declarada extinta por prescrição.


8. Por sentença proferida no dia 20 de novembro de 2014 no âmbito do processo 322/14.3... GMMN, transitada em julgado no dia 09 de janeiro de 2015, foi o arguido condenado pela prática no dia 07 de novembro de 2015, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução, mas cuja suspensão foi posteriormente revogada.


9. Por sentença proferida no dia 15 de dezembro de 2014 no âmbito do processo 355/13.7..., transitada em julgado no dia 09 de dezembro de 2015, foi o arguido condenado pela prática no dia 29 de novembro de 2013, de um crime de passagem de moeda falsa, na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução, mas cuja suspensão foi posteriormente revogada.


10. Por sentença proferida no dia 21 de junho de 2017, no âmbito do processo 109/12.9..., transitada em julgado no dia 06 de setembro de 1997, foi o arguido condenado pela prática no dia 10 de março de 2012, de um crime de furto qualificado na pena de 2 anos e 5 meses de prisão suspensa na sua execução, mas cuja suspensão foi posteriormente revogada.


O arguido partindo a janela acedeu ao interior de residência de terceiro e da mesma retirou fazendo seus, objetos de valor não inferior a 102,00€.


11. Por sentença proferida no dia 24 de abril de 2016, no âmbito do processo 284/14.7..., transitada em julgado no dia 11 de julho de 2016, foi o arguido condenado pela prática no dia 05 de outubro de 2015 de um crime de furto qualificado tentado na pena de 11 meses de prisão substituídos por 66 períodos de prisão por dias livres.


12. Por sentença proferida no dia 07 de julho de 2016, no âmbito do processo 139/15.8..., transitada em julgado no dia 30 de setembro de 2016, foi o arguido condenado pela prática nos dias 27 de maio de 2015 e 30 de maio de 2015 de um crime dois crimes de ameaça agravada nas penas parcelares de 3 meses e 15 dias de prisão cada e em cúmulo jurídico na pena única de 6 meses de prisão suspensa na sua execução, mas cuja suspensão foi posteriormente revogada.


13. Por sentença proferida no dia 03 de outubro de 2016 no âmbito do processo 309/15.9..., transitada em julgado no dia 28 de novembro de 2016, foi o arguido condenado pela prática no dia 13 de dezembro de 2015 de um crime de furto qualificado na pena de 02 anos e 3 meses de prisão.


O arguido saltando um portão e forçando a estrutura de uma janela acedeu ao interior de um estabelecimento comercial e retirou fazendo seus, 30 maços de tabaco, um computador portátil e respetivo carregador, várias raspadinhas, tudo no valor não inferior a 600,00€.


14. Por sentença proferida no dia 04 de outubro de 2017, no âmbito do processo 540/16.0..., transitada em julgado no dia 03 de novembro de 2017, foi o arguido condenado pela prática no dia 16 de abril de 2016 de um crime de furto simples na pena de 1 ano e 2 meses de prisão.


O arguido dirigiu-se a estabelecimento comercial retirando do seu interior sem pagar 24 embalagens de caldo de galinha no valor de 63,75€.


15. Por acórdão proferido no dia 09 de novembro de 2017 no âmbito do processo 111/16.0..., transitado em julgado no dia 11 de dezembro de 2017, foi o arguido condenado pela prática nos dias 24 de maio, 25 de maio, 26 de maio e 01 de junho, 18 de julho e 28 de agosto, todos no ano de 2016, de 6 crimes de furto qualificado, nas penas parcelares de 3 anos de prisão para os primeiros 5 crimes e 1 ano e 6 meses de prisão para o último crime a ser cometido, tendo-lhe sido aplicada em cúmulo jurídico a pena única de 9 anos de prisão.


O arguido ter acedido a 6 residências de terceiros, ora de forma não apurada, ora saltando o muro e, entrando pela janela, ter retirado e feitos seus bens do interior das mesmas de valor sempre nunca inferior a 102€.


16. Por acórdão proferido no dia 20 de abril de 2017 no âmbito do processo 906/16.5..., transitado em julgado no dia 22 de maio de 2017, foi o arguido condenado pela prática nos dias 14 de setembro, 10 de novembro, 17 de novembro e 19 de novembro, todos de 2016, de 4 crimes de furto qualificado nas penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão por cada crime e, em cúmulo jurídico, numa pena única de 6 anos de prisão.


O arguido acedeu ao interior da residência de terceiro, partindo uma janela e entrando pela mesma, retirou e fez seus bens de valor não inferior a 102€.


17. Por acórdão proferido no dia 16 de março de 2018, no âmbito do processo 871/16.9..., transitado em julgado no dia 24 de abril de 2018, foi o arguido condenado pela prática em 25 de agosto de 2016 de um crime de furto qualificado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.


O arguido ter acedido a residência de terceiro, forçando a fechadura da portada da janela da cozinha e posteriormente da sala e, após ter vasculhado todas as divisões ter retirado e feitos seus anéis e fios de prata de valor não apurado e notas do BCE no valor de 200,00€ do interior do quarto da ofendida.


18. Por sentença proferida no dia 10 de julho de 2018, no âmbito do processo 835/16.2..., transitada em julgado no dia 01 de outubro de 2018, foi o arguido condenado pela prática no dia 14 de agosto de 2016 de um crime de furto qualificado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.


O arguido ter acedido a residência de terceiro, rodando a maçaneta da porta que se encontrava no trinco, e ter retirado e feitos seus10,00€ em dinheiro do interior da carteira da ofendida que se encontrava dentro de uma mala em cima de um móvel e 200,00€ em dinheiro que se encontravam dentro de um guarda-joias no interior do referido móvel .


19. Por acórdão proferido no dia 24 de setembro de 2018, no âmbito do processo 1164/16.7..., transitado em julgado no dia 23 de setembro de 2019, foi o arguido condenado pela prática no dia 22 de novembro de 2016, de um crime de furto qualificado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.


O arguido forçando a janela pela persiana acedeu ao interior de residência de terceiro e, após remexer em todas as divisões, da mesma retirou fazendo seus, diversos objetos identificados no ponto 4 dos factos provados do acórdão condenatório de valor não inferior a 1.400,00€.


20. Por acórdão proferido nestes autos no dia 30 de outubro de 2018, transitado em julgado no dia 03 de setembro de 2019, foi o arguido condenado pela prática nos dias 02 de janeiro, 14 de janeiro, 07 de junho, 12 de julho e 15 de julho todos de 2016, de 5 crimes de furto qualificado nas penas parcelares de 3 anos de prisão por cada um dos crimes e, em cúmulo jurídico na pena única de 7 anos de prisão.


O arguido ter acedido a 5 residências de terceiros, ora de forma não apurada, ora saltando o muro e, entrando pela janela, ter retirado e feitos seus bens do interior das mesmas de valor sempre nunca inferior a 102€.


Condições pessoais


21. O arguido é o mais velho de sete irmãos.


22. Viveu com os pais até aos 13 anos tendo sido exposto a episódios de violência doméstica.


23. Nesta altura os pais separaram-se tendo ficado a residir com a progenitora até ao início da idade adulta, altura em que decidiu ir viver com o pai.


24. Foi por volta dos 18 anos que iniciou o consumo de estupefacientes que se se agravaram após o falecimento do pai, tinha o arguido 21 anos.


25. Ao nível do ensino concluiu em liberdade o primeiro ciclo do ensino básico


26. Tem experiência profissional como servente de pedreiro e em trabalhos sazonais agrícolas como apanha da pinha e vindima e em feiras ambulantes como técnico de carrinhos de choque.


27. O arguido não tem filhos.


28. O arguido encontra-se detido no estabelecimento prisional do ... em cumprimento de pena.


29. No EP está a frequentar o ensino escolar no 7.º ano.


30. Manteve durante 9 anos relacionamento afetivo com namorada de nome CC que o apoiou na execução da pena, tendo o relacionamento terminado, entretanto.


31. Um dia que seja restituído à liberdade, pretende ser operário fabril.


32. Após o falecimento da mãe há pouco mais de um ano, mantém contactos e é apoiado por duas irmãs e um tio.».


E foi a seguinte a


«Convicção do Tribunal


Os factos apurados resultam do teor das sentenças e acórdãos, cujas certidões se encontram nos autos, bem assim como das declarações prestadas pelo condenado em audiência de julgamento, da informação social remetida pela DGRSP e do certificado de registo criminal junto aos autos.


(…)»


2. Avancemos para a apreciação da questão antes enunciada e que delimita o objeto do recurso, ou seja, a da medida das penas únicas fixadas para cada um dos quatro ciclos a que respeitam os cúmulos jurídicos realizados no acórdão recorrido, de respetivamente, 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses, 10 (dez) anos e 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão, a cumprir sucessivamente, tendo as duas primeiras beneficiado do perdão estabelecido na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, e, por isso, respetivamente reduzidas para 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão.


É certo que na resposta do Ministério Público ao recurso do arguido se suscita a sua rejeição, por manifesta improcedência, nos termos do artigo 420º, n.º 1, al. a), do CPP, em face da falta de correspondência entre a respetiva motivação e conclusões e o teor da decisão recorrida.


Porém, como se refere no parecer do Ministério Público junto do STJ, pese embora esse desfasamento e o lapso do quantum global das quatro penas únicas aplicadas para cumprimento sucessivo, que é de 25 (vinte e cinco) anos e 5 (cinco) meses2 e não o de 25 (vinte e cinco) anos e 7 (sete) meses de prisão referido pelo recorrente, afigura-se seguro que a sua pretensão é a de impugnar a decisão recorrida quanto à medida das quatro penas únicas que lhe foram aplicadas, cuja soma material atinge aquele resultado, por as considerar excessivas, por desproporcionadas e desadequadas à atividade delituosa que lhes está subjacente, que considera situada na designada média/baixa criminalidade e que, se analisada em globo e não atomisticamente, como se impõe na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico, tendo em conta as circunstâncias concretas em que decorreu e os valores envolvidos, demandam penas menores e adequadas à sua ressocialização.


Afigura-se, pois, que estando em causa penas privativas da liberdade do recorrente, sendo compreensível o objeto do recurso, que contém motivação e conclusões conforme as exigências do artigo 412º do CPP, e o princípio da mais ampla recorribilidade das decisões estabelecido no seu artigo 399º, conjugado com o do aproveitamento dos atos processuais, estabelecido no artigo 195º do CPC, aqui aplicável, com as necessárias adaptações ex vi do artigo 4º do CPP, o recurso não é de rejeitar nem o seu conhecimento reclama qualquer convite ao recorrente no sentido de completar ou esclarecer as respetivas conclusões, nos termos do artigo 417º, n.º 3, antes devendo dele conhecer-se, circunscrito à questão da medida das penas, por ser esse o objeto nele claramente identificado e assumido, com exclusão expressa da discussão da matéria de facto assente e da motivação e convicção do tribunal recorrido, que, de resto, extravasaria os poderes de cognição do STJ, salvo quanto aos vícios e nulidades da decisão, nos termos conjugados dos artigos 434º e 432º, n.ºs 1, al. c), e 2, e 410º, n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma legal, que não vêm alegados nem o texto do acórdão evidencia.


Questão diferente é a de saber se o recurso interposto, precisamente em função da aplicação conjugada dos referidos artigos 434º e 432º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPP, pode abranger as quatro penas únicas aplicadas ao recorrente ou apenas aquelas de 10 (dez) anos e 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão, por as duas primeiras não excederem os 5 (cinco) anos de prisão.


Sobre ela, porém, já o STJ teve oportunidade de se pronunciar em sentido afirmativo3, nomeadamente nos acórdãos de 16.02.2017, proferido no processo n.º 2118/13.0PBBRG.S1, relatado pela Conselheira Helena Moniz, e de 27.04.2023, proferido no processo n.º 360/19.0PBFAR.S1, relatado pelo Conselheiro Agostinho Torres, no qual se referencia aqueloutro4, baseados na extensão do recurso a toda a decisão, conforme dispõe o artigo 402º, n.º 1, do CPP, e na necessidade de assegurar ao recorrente, quando apenas discute matéria de direito, como é também aqui o caso, o conhecimento pelo STJ de todas as penas em que foi condenado, mesmo que apenas uma seja superior a cinco anos de prisão, direito que ficaria irremediavelmente prejudicado face à inadmissibilidade de recurso prévio para a relação nestes casos, consagrada no citado artigo 432º, n.ºs 1, al. c, e 2.


Sufragando tal orientação, o recurso abrangerá, pois, as quatro penas únicas aplicadas ao recorrente em resultado de outros tantos cúmulos jurídicos efetuados.


2.1. A medida da(s) pena(s) de prisão aplicada(s)


O caso sub judice consubstancia uma situação de conhecimento superveniente de concurso de crimes, tal como previsto no artigo 78º, n.º 1, do Código Penal (CP).


Por isso, o tribunal recorrido, no qual foi proferida a última condenação, por acórdão de 30.10.2018, transitado em 3.9.2019, verificando que o recorrente havia anteriormente cometido vários crimes pelos quais fora condenado por decisões também elas transitadas em julgado, providenciou no sentido da efetivação do cúmulo jurídico das penas correspondentes a todas essas condenações, para determinação de uma pena única, nos termos daquele artigo 78º, n.ºs 1 e 2, conjugado com o artigo 77º do mesmo código.


Em conformidade com o acórdão do STJ n.º 9/20165, que fixou jurisprudência no sentido de que “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”, delimitou quatro ciclos de crimes cometidos pelo recorrente, entre os quais se verificava uma relação de concurso, aglutinando as respetivas penas com a fixada na primeira decisão condenatória transitada em julgado em cada um deles, fixando outras tantas penas únicas.


Pois que, como se afirmou no acórdão do STJ acima citado, relatado pela Conselheira Helena Moniz, e pode ler-se no sumário publicado do de 31.5.2017, proferido no processo n.º 2.192/16.8T8AVR.S1, relatado pelo Conselheiro Manuel Augusto de Matos «II - Em caso de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo arguido é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles.


III - O trânsito em julgado obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.


IV - A primeira decisão transitada será assim o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando as respectivas penas em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação.


(…)


VI - Esta data marca, pois, o fim de um ciclo e o início de um novo período de consideração de relação de concurso para efeito de fixação de pena única. A partir de então, havendo novos crimes cometidos desde tal data, desde que estejam em relação de concurso, terá de ser elaborado com as novas penas um outro cúmulo e assim sucessivamente»6.


O recorrente não questiona a seleção dos crimes em concurso aglutinados em cada um dos quatro ciclos considerados no acórdão recorrido por aplicação daquela orientação, nem a espécie e a medida das penas parcelares em cada um deles incluídas e excluídas, nomeadamente as de multa e de prisão já extintas pelo cumprimento e por prescrição, respetivamente, e as relativas aos crimes nele amnistiados, por aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2.08, pese embora se afigure, neste particular, ter a decisão escrutinada incorrido em manifesto erro ao amnistiar infrações em função da respetiva pena aplicada e não, como impõe o seu artigo 4º, da pena aplicável7, erro que, todavia, mesmo admitindo a possibilidade da respetiva correção por este Tribunal, não poderia agravar a posição do recorrente quanto às penas únicas fixadas e que ele contesta, por força do princípio da proibição da reformatio in pejus estabelecido no artigo 409º do CPP8.


O que ele contesta efetivamente é a medida das penas únicas de prisão fixadas para cada um daqueles ciclos em cumprimento sucessivo, por as considerar excessivas, por desproporcionais e desadequadas face à média/baixa gravidade global dos crimes por que foi condenado e à sua ressocialização, em violação das finalidades e critérios definidos nos artigos 40º, 71º, 77º e 78º do CP.


Vejamos se lhe assiste razão.


Antes de prosseguir, importa relembrar e esclarecer que, a moldura penal abstrata ou legal prevista para as penas únicas relativas a cada um dos referidos ciclos, são as consideradas no acórdão recorrido, em conformidade com o artigo 77º, n.º 2, do CP, ou seja:


1º ciclo – Pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão: moldura abstrata ou legal entre o mínimo de 3 (três) anos e o máximo de 7 (sete) anos e 5 (cinco) meses de prisão, correspondente às penas de prisão de 1 (um) ano e 3 (três) meses, 14 (catorze) meses, 3 (três) anos e 2 (dois) anos, aplicadas nos processos n.ºs 309/09.8..., 352/10.4..., 128/12.4... e 154/11.0..., por factos praticados em 28.12.2009, 25.12.2010, 1.01.2012 e entre 24.04 e 9.05.2011, por decisões transitadas em julgado em 13.02.2012, 7.12.2012, 14.06.2014 e 30.09.2016, respetivamente;


2º ciclo – Pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão: moldura abstrata ou legal de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses, correspondente à única pena nele sobrante, na sequência da amnistia declarada para os demais crimes incluídos no respetivo concurso, aplicada no processo n.º 109/12.9..., pela prática, em 10.03.2012, por decisão transitada em julgado em 6.09.20179 (nele se incluíam também as decisões condenatórias proferidas nos processos n.ºs 322/14.3... e 355/13.7..., transitadas em julgado em 9.01.2015 e 9.12.2015, por factos praticados pelo arguido em 7.11.2013 e 29.11.2013, respetivamente, cujos crimes foram amnistiados nos termos sobreditos);


3º ciclo – Pena única de 10 (dez) anos de prisão: moldura penal abstrata ou legal entre o mínimo de 3 (três) anos e o máximo de 24 (vinte e quatro) anos e 5 (cinco) meses de prisão, correspondente às penas de prisão de 2 (dois) anos e 3 (três) meses, 1 (um) ano e 2 (dois) meses, 4 (quatro) de 3 (três) anos e mais 3 (três) de 3 (três) anos, aplicadas nos processos 309/15.9..., 540/16.0..., 111/16.0... e 192/16.7..., por factos praticados em 13.12.2015, 16.04.2016, 24.05, 25,05, 26.05 e 1.06.2016, e 2.01, 14.01 e 7.06.2016, por decisões transitadas em julgado em 28.11.2016, 3.11.2017, 11.12.2017 e 3.09.2019, respetivamente (nele se incluíam também as decisões condenatórias proferidas nos processos n.ºs 284/14.7..., 139/15.8... e 309/15.9..., transitadas em julgado em 11.07.2016, 30.09.2016 e 28.11.2016, por factos praticados em 5.10.2015, 27.05 e 30.05/2016 e 13.12.2015, respetivamente, cujos crimes foram amnistiados nos termos sobreditos);


4º ciclo – Pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão: moldura abstrata ou legal entre o mínimo de 3 (três) anos e 6 (seis) meses e o máximo de 29 (vinte e nove) anos de prisão, este reduzido para o limite inultrapassável de 25 (vinte e cinco) anos, correspondente às penas de prisão de 3 /três) anos, de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, 4 (quatro) de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, de 1 (um) ano 6 (seis) meses, de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, e 2 (duas) de 3 (três) anos, aplicadas nos processos 111/16.0..., 906/16.5..., 871/16.2..., 835/16.2..., 1164/16.7... e 192/16.7..., por factos praticados em 18.07 e 20.08.2016, 14.09, 10.11, 17.11 e 19.11.2016, 25.08.2016, 14.08.2016, 22.11.2016 e 12 e 15.07.2016, por decisões transitadas em julgado em 11.12.2017, 22.052017, 24.04.2018, 1.10.2018, 23.09.2019 e 3.09.2019, respetivamente.


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Na esteira de Figueiredo Dias10, escreveu Adelino Robalo Cordeiro, in “A Determinação da Pena”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Centro de Estudos Judiciários , Lisboa 1998, a pp. 30 a 54:


«a determinação da pena é susceptível de ser analisada em três perspectivas, correspondentes a outras tantas fases ou operações em que se desdobra a aplicação judicial de uma pena: a determinação da respetiva medida ou moldura legal (também chamada pena abstracta), da sua medida judicial ou individualizada (pena concreta) e da espécie de pena a aplicar (escolha da pena)


Acrescentando, relativamente à determinação da pena concreta, que é o que aqui está em causa e apenas quanto às penas únicas fixadas para cada um dos ciclos em que se aglutinaram as penas relativas aos crimes que se encontram numa relação de concurso em cada um deles.


«Em síntese e à guisa de conclusão:


A culpa posiciona-se como pressuposto e limite (não fim) da pena, cuja medida (e forma de execução ou cumprimento) há-de ser fixada em função das exigências de prevenção, concebidas como finalidades da punição, e a necessidade da pena (para realizar o fim que visa) assume-se como fundamento da sua legitimidade, a sobrepor-se à concepção retributiva da pena (arts. 40º, n.ºs 1 e 2 e 71º, n.º 1; v., ainda, embora diretamente relativos à aplicação das penas de substituição e, portanto, à escolha da pena, arts. 45º, n.º 1, 48º, n.º 1, 50º, n.º 1, 58º, n.º 1, 59º, n.º 6, 60º, n.º 2, e 70º).


A quantificação da culpa e bem assim da intensidade ou grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras, faz-se através da ponderação das circunstâncias gerais presentes no caso concreto (…. circunstâncias que … depuserem a favor do agente ou contra ele … - art.71º, n.º 2).


Estas circunstâncias – sob pena de sair maltratada a proibição da dupla valoração, também aqui relevante (… circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime … -art. 71º, n.º 2) – não hão-de ter sido já levadas em conta na determinação da medida abstrata da pena, seja através da sua contribuição para a formação do tipo de crime, de que seriam então elementos típicos (….), seja porque já antes funcionaram como circunstâncias modificativas estranhas ao tipo (…), e até na medida em que já utilizadas para a escolha da pena. O que não significa que algumas delas não possam ser reavaliadas, embora numa perspectiva diferente, sem ofensa do ne bis in idem (p. ex., numa visão global ou conjunta, para efeito de aplicação da pena relativamente indeterminada ou da pena única no concurso – arts. 77º, n.º 1, e 83º, n.º 1;


(…)


Uma vez identificadas, com recurso aos exemplos padrão do art. 71º, n.º 2 (e até do art. 72º, n.º 2, desde que fora da previsão do seu n.º 1), as circunstâncias que relevam para a pena concreta, impõe-se classificá-las enquanto se repercutem nesta através da culpa ou da prevenção – ou mesmo por ambas as vias, já que podem ser ambivalentes (p. ex., a utilização de um instrumento de trabalho – digamos, uma foice – como arma do homicídio, se agrava a ilicitude do facto, é igualmente susceptível de suscitar, nomeadamente se tal uso se mostra frequente, uma determinada postura ou expectativa da comunidade quanto aos termos da reação penal, e ainda de traduzir uma certa atitude ou modo de ser desajustados do agente, havendo então de refletir-se na pena concreta respetivamente através da culpa e da prevenção, geral e especial».


Em suma, a determinação concreta da pena não está dependente de qualquer exercício discricionário ou “arte de julgar” do juiz, não se compadece com o recurso a critérios de índole aritmética, nem almeja uma “precisão matemática”, antes reclama a ponderação e valoração das finalidades das penas e dos critérios da sua escolha e dosimetria, sempre por referência à culpa do agente, como seu necessário pressuposto e limite inultrapassável, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do CP, no que às penas singulares concerne, ao que acresce, quanto à pena única, conjunta, resultante do cúmulo jurídico das penas fixadas para os crimes em concurso, um critério peculiar estabelecido no seu artigo 77º, n.º 1, in fine, qual seja, o da consideração, “em conjunto, (d)os factos e (d)a personalidade do agente”..


Conforme, aliás, constitui jurisprudência constante do STJ e pode ler-se no seguinte trecho extraído do acórdão de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, que aqui se segue de perto, «A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).


Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).


Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.


Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º 1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.


Estando em causa a determinação da medida concreta da pena conjunta do concurso, aos critérios gerais contidos no artigo 71.º, n.º 1, acresce um critério especial fixado no artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal: “serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.


Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.


Refere Cristina Líbano Monteiro (A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166) que o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.


Como se diz no acórdão do STJ, de 31.03.2011, proferido no Processo 169/09.9SYLSB.S1, a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes».


À luz de tais considerações, importa verificar a fundamentação do acórdão recorrido a este propósito e se dela emerge ou não alguma dúvida sobre a sua observância, devendo, em caso negativo e em princípio, o tribunal de recurso abster-se de qualquer modificação, pois como tem sido jurisprudência constante do STJ “Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada11.


No que aqui releva, essa fundamentação foi do seguinte teor (negrito e sublinhado da origem, tal como o itálico no 1º § de cada ciclo):


«Vejamos então das penas únicas em cúmulo a executar sucessivamente e que deverão ser aplicadas por cada um dos ciclos criminosos.


1.º ciclo


Do cúmulo jurídico de penas aplicadas nos processos 309/09.8..., 352/10.4..., 128/12.4... e 154/11.0... (factos praticados até 13 de fevereiro de 2012)


O limite máximo da pena única aplicável, corresponde à soma aritmética de todas as penas envolvidas, desde que não exceda 25 anos tratando-se de pena de prisão e o limite mínimo corresponde à mais alta das penas - artigo 77.º n.º 2 do Código Penal. Neste caso, não contabilizando as penas aplicadas aos crimes amnistiados, a soma aritmética da penas a cumular ascende a 7 anos e 5 meses de prisão, sendo que a pena parcelar mais alta é de 3 anos de prisão.


Para decidir a concreta pena única a aplicar em cúmulo jurídico importa atender aos factos que estiveram subjacentes em cada uma das condenações e à personalidade do agente. A moldura penal dista entre o seu mínimo e o seu máximo em 4 anos e 5 meses.


Considerando os crimes praticados, constata-se que o condenado lesou os bens jurídicos património, quanto aos furtos que praticou, a honra quanto aos crimes de injúria, autoridade do estado quanto ao crime de resistência e coação sobre funcionário e paz social, quanto ao crime de detenção de arma proibida. As necessidades de prevenção geral são muito elevadas quanto a qualquer um deles. As necessidades de prevenção especial eram à data muito elevadas, estando mais esbatidas atualmente, por força do efeito ressocializador das penas que o arguido tem ininterruptamente cumprido. Ainda assim não poderão ser consideradas reduzidas pela falta de projeto de vida e de soluções para o futuro que garantam ao arguido a sua subsistência, que se limita a afirmar que pretende trabalhar numa fábrica e ter as irmãs como porto de abrigo seguro, uma vez restituído à liberdade. A personalidade do arguido avessa ao cumprimento de regras levou inclusivamente que ao arguido fossem revogadas todas as penas de prisão suspensas na sua execução.


O contexto é essencialmente desfavorável ao arguido, pelo que o fator de compressão não poderá aproximar-se do mínimo da moldura sob pena de despenalizar um dos crimes e comprometer as finalidades da punição. Ainda assim, tendo em conta o número de ciclos criminosos ocorridos num tão curto espaço de tempo (6 anos), as molduras elevadas nos dois últimos ciclos, conforme adiante se verá, e o elemento potenciador da prática criminosa ligado à adição ao consumo de estupefacientes que o arguido está a combater com sucesso em meio prisional, afigura-se ainda ser possível ajustar uma pena abaixo da metade da moldura penal, no sentido de premiar o caminho da ressocialização já iniciado pelo arguido, mas ainda acima do primeiro terço da moldura de cúmulo para não frustrar as necessidades de prevenção geral e especial.


Tudo visto e ponderado, este Coletivo de Juízes, considera justa porque adequada à personalidade do condenado e proporcional à gravidade dos factos, a aplicação de uma pena única em cúmulo jurídico para este primeiro ciclo criminoso de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.


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2.º ciclo


Do cúmulo jurídico de penas aplicadas nos processos 322/14.3..., 355/13.7... e 109/12.8... (factos posteriores a 13 de fevereiro de 2012 e até 09 de janeiro de 2015)


Neste caso, não contabilizando os crimes amnistiados, sobeja apenas uma única pena de 02 anos e 5 meses de prisão pela prática do crime de furto qualificado no âmbito do processo 109/12.8..., não sendo necessário efetuar qualquer operação de cúmulo jurídico.


3.º ciclo


Do cúmulo jurídico de penas aplicadas nos processos 284/14.7..., 139/15.8..., 309/15.9..., 540/16.0..., 192/16.7... e 111/16.0... (factos posteriores a 09 de janeiro de 2015 e até 11 de julho de 2016)


Neste caso, não contabilizando os crimes amnistiados, a soma aritmética das penas a cumular ascende a 24 anos e 05 meses de prisão, sendo que a pena parcelar mais alta é de 3 anos de prisão.


A moldura penal dista entre o seu mínimo e o seu máximo em 21 anos e 5 meses de prisão.


Considerando os crimes praticados, constata-se que o condenado lesou os bens jurídicos património quanto aos crimes de furto qualificado e a liberdade de ação e autodeterminação quanto aos crimes de ameaça agravada, sendo de salientar um crescendo na sua atividade criminosa neste período de vida em concreto.


Ainda assim, é de destacar por um lado a desproporção entre a pena parcelar mais alta que estabelece o mínimo da moldura e o máximo abstratamente aplicável, bem assim como o reduzido período da vida do arguido em que tais factos foram praticados, inferior a um ano e que, no entender deste coletivo deverá justificar a aplicação em cúmulo jurídico de uma pena única não superior ao primeiro terço da moldura, sendo o elevado desvalor da conduta, a persistência e reiteração da mesma, bem assim como a gravidade com que foi praticada, impeditivo de se aplicar pena única muito inferior.


Tudo visto e ponderado, este Coletivo de Juízes, considera justa porque adequada à personalidade do condenado e proporcional à gravidade dos factos, a aplicação de uma pena única em cúmulo jurídico para este terceiro ciclo criminoso, de 10 (dez) anos de prisão.


4.º ciclo


Do cúmulo jurídico de penas aplicadas nos processos 906/16.5..., 111/16.0..., 871/16.9..., 835/16.2..., 192/16.7... e 1164/16.7... (factos posteriores a 11 de julho de 2016 e até 22 de maio de 2017)


Neste caso, inexistindo crimes a amnistiar, a soma aritmética das penas a cumular, ascende a 29 anos de prisão, sendo que a pena parcelar mais alta é de 3 anos e 6 meses de prisão.


Por via da limitação legal ínsita no artigo 77.º n.º 2 do Código Penal, que impede a aplicação de uma pena superior a 25 anos de prisão, a moldura penal dista entre o seu mínimo e o seu máximo em 21 anos e 6 meses de prisão.


Considerando os crimes praticados, constata-se que o condenado lesou o bem jurídico património quanto aos 11 crimes de furto qualificado que praticou no período compreendido de cerca de 4 meses e 10 dias entre 12 de julho de 2016 e 22 de novembro de 2016.


Reitera-se tudo o que foi expendido na apreciação da pena única a aplicar ao terceiro ciclo criminoso, pois que a desproporção entre o mínimo da moldura e o seu máximo, bem assim como o curto período da vida do arguido em que os factos foram cometidos desaconselham a aplicação de uma pena superior ao primeiro terço da moldura. Já o crescendo da atividade criminosa, só interrompida com a reclusão do arguido, com a gravidade inerente à prática dos crimes no interior das residências dos ofendidos que sentiram devassado o património que tinham guardado no núcleo mais íntimo da sua esfera privada, impedem a aplicação de pena única muito inferior que terá necessariamente de ficar próxima deste marcador.


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Tudo visto e ponderado, este Coletivo de Juízes, considera justa porque adequada à personalidade do condenado e proporcional à gravidade dos factos, a aplicação de uma pena única em cúmulo jurídico para este quarto ciclo criminoso de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão».


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2.1.1. Não tendo o acórdão recorrido que se pronunciar sobre a medida das penas parcelares agrupadas em cada um dos ciclos, do antecedente excerto uma primeira e definitiva conclusão pode e deve retirar-se, qual seja a de que relativamente à pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão aplicada no 2º ciclo, por ser a única sobrante das parcelares nele consideradas, não se mostra possível qualquer modificação, antes tendo de manter-se incólume, tal como o perdão de 1 (um) ano já decretado, fixando-se a respetiva medida concreta a cumprir em 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão.


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2.1.2. Quanto às demais, do mesmo excerto parece resultar que o acórdão recorrido teve em atenção o específico critério legalmente previsto para a determinação das correspondentes penas únicas concretas, na medida em que, invariavelmente, se refere à sua justiça, por adequação “à personalidade do condenado e proporcional à gravidade dos factos”.


No entanto, analisada mais de perto essa referência concatenada com a restante fundamentação, afigura-se que a mesma é de índole marcadamente conclusiva e influenciada pelas circunstâncias consideradas na fundamentação da pena única relativa ao primeiro ciclo, interpretadas de acordo com uma certa corrente jurisprudencial quanto à medida ideal de aproveitamento expansivo/compressivo do remanescente das penas a incluir na pena conjunta do cúmulo que extravasa a medida da pena parcelar mais elevada, propendendo para a situar num patamar variável entre o 1/5 e 1/3 da respetiva moldura abstrata ou legal, resultando a pena única da soma daquela medida mínima com a dessa fração.


Com efeito, analisadas as penas únicas ou conjuntas do primeiro, terceiro e quarto ciclos, verifica-se que, no primeiro ela fica ligeiramente acima da soma da pena parcelar mais grave com 1/3 das restantes, numa diferença para mais de 1 (um) mês e 10 (dez) dias, e no terceiro e quarto ligeiramente aquém, numa diferença para menos de 1 (um) mês e 20 (vinte) dias e de 2 (dois) meses, respetivamente.


Resultado que parece traduzir a concretização prática dos designados princípios da “exasperação ou agravação” e da “absorção ou compressão” subjacentes àquela corrente jurisprudencial sobre a determinação da pena conjunta no caso de concurso de crimes, contemporâneo ou superveniente, mas que, como antes se referiu, não colhe apoio na lei e na melhor doutrina, que afastam o recurso a “fórmulas matemáticas” para encontrar a pena justa e adequada em caso de cúmulo jurídico, ainda que animado pela ideia de justiça relativa e de “precisão”, necessariamente ilusória.


Como salienta Artur Rodrigues da Costa, «Em nome da igualdade das penas, prescinde-se de saber quais são, em concreto, os factos cometidos e as circunstâncias em que foram praticados, tudo se reconduzindo a apurar quais os crimes em jogo, por referência às disposições legais atinentes e as penas aplicadas, para efeitos de se somarem, segundo uma dada proporção/compressão, à pena parcelar mais elevada.


Por outro lado, também se faz praticamente tábua rasa das características da personalidade do agente, em termos de revelar ou não tendência para a prática de crimes ou de determinado tipo de crime, devendo a pena única reflectir essa diferença em termos substanciais. Ainda que a fórmula possa fornecer um mínimo, um máximo e uma média, a variação entre eles é muito pequena (para não dizer diminuta) e, para além disso, os dados fornecidos são sempre produto de um cálculo matemático, incompatível com a avaliação complexa da personalidade de um determinado agente».12.


O critério aqui determinante, deverá antes ser o da consideração global dos factos cometidos pelo condenado e das circunstâncias em que o foram e da sua personalidade neles projetada e por eles revelada, em cada ciclo e no lapso temporal em que se compreendem, separada e conjuntamente, funcionando os critérios subjacentes à determinação das penas parcelares como meros elementos adjuvantes dessa apreciação conjunta ou global, de molde a prevenir a violação do princípio da proibição da dupla valoração, com prevalência das finalidades ressocializadoras da(s) pena(s) e do princípio da culpa, também aqui seu fundamento e limite inultrapassável.


A esta luz, analisemos a fundamentação das penas únicas fixadas no acórdão recorrido para o primeiro, terceiro e quarto ciclos antes identificados.


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2.1.2.1. Quanto ao primeiro, assentou ela antes de mais nos bens jurídicos violados com a prática dos crimes integrados no respetivo concurso, designadamente o do “património, quanto aos furtos que praticou, a honra quanto aos crimes de injúria, autoridade do estado quanto ao crime de resistência e coação sobre funcionário e paz social, quanto ao crime de detenção de arma proibida”.


Sem desconsiderar a sua relevância individual e comunitária, quanto mais não fosse pela proteção constitucional de que gozam, em particular a propriedade, mas também sem escamotear a sua menor importância face a outros bens jurídicos e valores constitucionalmente previstos e protegidos, designadamente os de natureza eminentemente pessoal como a vida, a integridade física, a saúde, a integridade e a liberdade e autodeterminação, tem-se por muito duvidosa a consideração nesta sede dos bens jurídicos violados pela prática dos crimes amnistiados13, como sucedeu com os de injúria e de detenção de arma proibida, muito embora erradamente, como antedito.


Seja como for, a maior ou menor relevância desses bens jurídicos na requerida apreciação global dos factos e da personalidade do condenado neles projetada e por eles revelada, nomeadamente em vista da deteção de uma personalidade tendencialmente criminosa e avessa ao direito, não pode desligar-se das concretas circunstâncias em que foram praticados.


Nesse âmbito, embora referindo, em passant, o facto de a sua prática estar ligada à adição do arguido à toxicodependência, não atende à sua idade, condições sociais e económicas, número de crimes, data e duração do seu cometimento, modo concreto de atuação e valores apropriados, pese embora tais elementos constem da matéria de facto provada.


E tais elementos perfilam-se de particular relevância para a suprarreferida apreciação conjunta e global, na medida em que não suportam a afirmação de uma “tendência criminosa” ou mero “início de carreira criminosa”, e, ao invés, permitem a de que os factos praticados se inscrevem na designada “média, senão baixa criminalidade”,


Vejamos:


A atividade criminosa inscrita neste primeiro ciclo iniciou-se com um crime de furto simples num estabelecimento comercial, no dia 28.12.2009, na companhia de outros dois indivíduos, quando o arguido tinha 16 anos de idade, completados 8 dias antes, ou seja, no limiar da imputabilidade penal e numa idade de reconhecida imaturidade e ainda de formação e estruturação da personalidade, justificativa, de resto, da consagração do regime penal especial para “jovens adultos14, em que predominam preocupações ressocializadoras, ou seja, de prevenção especial positiva ou de integração.


Atividade criminosa que, considerando todos os demais crimes do período, mesmo os amnistiados, terminou com outros três crimes de furto simples, cometidos entre os dias 14 e 29 de janeiro de 2012, quando tinha acabado de atingir os 19 anos de idade, também ainda como “jovem adulto” abrangido por aquele regime penal especial, e pouco antes da primeira sentença condenatória transitada em julgado, em 13.02.2012, precisamente a que o condenou pelo seu primeiro crime.


Entre eles, cometeu crimes de injúria, furto simples tentado, 3 de injúrias, resistência e coação, detenção de arma proibida, e dois de furto qualificado em residência, em maio e agosto de 2011, dezembro de 2010, janeiro de 2012, entre abril e maio de 2011, de modo espaçado e intermitente, num período de cerca de três anos, tanto quanto o sistema de justiça demorou a mostrar o primeiro sinal de reação, numa intervenção tardia e porventura indutora de algum sentimento de impunidade e reduzida censurabilidade comunitária.


Do estabelecimento comercial subtraíram 110 maços de tabaco, no valor de € 375,00, e € 80,00 em dinheiro e de uma das residências, bens e dinheiro, no montante global de € 450,00, não se apurando o valor dos bens subtraídos na outra residência, mas cuja natureza e volume permitiu concluir não ser inferior a € 102,00, o que, mesmo sob o prisma estritamente patrimonial, espelha a relativa insignificância da atividade criminosa desenvolvida, repartida entre as áreas de Montemor - o – Novo e Setúbal, onde terá residido, primeiro com a mãe e, depois, com o pai, o que, naturalmente, minorou o impacto comunitário negativo.


Quanto aos três crimes de injúria, resistência e coação e detenção de arma proibida, foram resultado de uma ação concentrada no dia 25.12.2010, dia de Natal, portanto, e no momento em que, ao chegar à residência paterna, para onde se havia de mudar em breve, viu o pai e um dos irmãos detidos pela GNR no intuito de os transportarem para o posto, ao que reagiu no sentido de impedir a concretização deste intento, numa ação típica isolada e em contexto de marcada emoção.


Era o mais velho de 8 irmãos, criado em ambiente familiar desestruturado e com episódios de violência doméstica, vivendo com a mãe desde os 13 anos de idade, quando os pais se separaram, passando posteriormente, por volta dos 18 anos, a residir com o pai, altura em que se iniciou no consumo de estupefacientes.


Com baixo nível de escolaridade, considerando que em liberdade apenas completou o 1º ciclo do ensino básico, não tinha nem podia ter ocupação laboral legalmente enquadrada, o que permite compreender as experiências profissionais, mais ou menos informais e, seguramente, de baixo rendimento, como “servente de pedreiro e em trabalhos sazonais agrícolas como apanha da pinha e vindima e em feiras ambulantes como técnico de carrinhos de choque”, de resto, as únicas apuradas até ao seu encarceramento, em novembro de 2016.


Aspetos não suficientemente ponderados e relevados no acórdão recorrido, relativamente a este primeiro ciclo e aos restantes, como o não foi o tempo – da duração global da atividade criminosa em apreço, de cerca de seis anos, com intermitências mais ou menos prolongadas, e de cada ciclo, entre os 3 anos do primeiro, pouco mais de um ano no terceiro e menos de um ano no quarto, que culminou com a sua reclusão, outrossim o da reação do sistema de justiça a cada ciclo e ao todo, incluindo o da efetivação dos cúmulos aqui em discussão, que dista mais de 12 anos do marco delimitativo do primeiro e cerca de 7 anos apos o último e do início da reclusão do recorrente, com todo o impacto prejudicial para a concessão ao mesmo de medidas de flexibilização da execução da pena e de ponderação da concessão da liberdade condicional, cujos pressupostos neste caso de cumprimento sucessivo de penas são particularmente gravosas face ao de cumprimento unitário, como resulta dos artigos 61º e 63º do CP e das pertinentes normas do CEPMPL.


E o tempo é de facto extraordinariamente relevante para o direito penal e, em particular, para a aplicação da pena, cuja necessidade e proporcionalidade se devem aferir também em função dele, pois, como diz José de Faria Costa “(…) § 4.2. Ao defendermos uma concepção onto-antropológica não estamos, todavia, a propugnar pela a-historicidade do crime e da pena. A relação comunicacional primeva que constitui a pedra angular do nosso modo-de-ser comunitário é, ela própria, reveladora da sua incessante transitoriedade. Da transitoriedade inerente à condição humana. De uma transitoriedade que não se harmoniza, porém, com a dimensão do instante, devendo o crime e a pena serem perspectivados na circunstância que é o ser humano. Viver por um determinado tempo. Por um tempo que se diga breve. E é neste tempo breve que se inscrevem, pelo menos em parte, a actividade legislativa e o acto de julgar. Ainda que o acto legiferante pertença, em princípio, ao tempo longo, quando nos movemos no campo do direito penal e queremos que as penas sejam eficazes e cumpridoras das suas finalidades, é no tempo breve que tais sanções devem ser aplicadas e cumpridas.


Expliquemo-nos melhor para que dúvidas não subsistam: via de regra, o legislador tem o futuro por horizonte e o juiz dedica-se ao passado. A aplicação de uma sanção criminal assenta na reconstrução, em tribunal, de uma parte do nosso passado comunitário, por forma a apurar, no fim do respectivo processo, se um crime foi ou não cometido para, tendo-se alcançado uma resposta positiva, se determinar a correlativa consequência. Não é, porém, somente de analepses (construídas) que o discurso judicial é feito: ele sê-lo-á quanto à verificação do crime; no que toca à aplicação da pena, o acto de julgar é também prognose. É futuro que se inscreve no tempo breve que é o da nossa existência. No mesmo tempo breve que é também ponto de referência para a actividade do legislador, desde logo porque este não pode conceber «penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida» (artigo 30.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).


§ 4.3. O tempo breve é ainda referente legislativo quando nos debruçamos sobre a perseguição penal. O Estado é, como sabemos, o detentor do ius puniendi. Ou seja, só ao Estado — e, em particular, ao poder judicial — a comunidade reconhece legitimidade para perseguir os autores de crimes, punindo-os. Cabe assim ao Estado o restabelecimento da relação onto-antropológica de cuidado-de-perigo que foi quebrada com a prática do crime, o que acontece por meio da aplicação e do cumprimento de uma pena.


Em alguns casos, contudo, o normal decurso do tempo tem um efeito pacificador e reparador. É o próprio tempo que recupera a relação comunicacional fundante do direito penal — e da própria comunidade — e que conduz à paz jurídica. Há, pois, um tempo (breve) para, em um primeiro momento, se apurar a (in)existência de responsabilidade criminal e para, em um segundo momento, se limitar a esfera jurídica de alguém — correspondendo este limite, em muitos casos, à privação temporal da própria liberdade — como sanção pelo cometimento da infracção criminal. Alguém que, note-se, sentirá, do mesmo passo, que o resultado desvalioso que a sua conduta originou já foi, pelo curso do tempo, sanado. E é esta ideia de paz jurídica que preside à consagração de normas prescricionais.


§ 5. Notas conclusivas


O quadro compreensivo em que nos ancorámos assenta, como visto, ainda que de um jeito resumido, em uma relação diacrónica entre o tempo e o direito e entre o tempo e a pena. Não é unitária nem simples a relacionação que se estabelece entre aqueles conceitos. Ao invés, é plural e complexo o jogo de reflexões que se podem fazer: o tempo na criação e na aplicação do direito, o tempo como limite à definição e à aplicação da pena. Em comum, a sua inscrição em um tempo breve. O tempo da nossa existência que, seres humanos que somos, a ele estamos irremediavelmente condicionados.


Nós somos um tempo e um espaço. O direito, o crime e a pena também15.


Ora, no acórdão recorrido, para além da insuficiente ponderação e valoração do tempo na determinação da pena única dos ciclos em análise, ignorou-o quanto às necessidades de prevenção geral em todos os ciclos, ao afirmar que “As necessidades de prevenção geral são muito elevadas quanto a qualquer um deles”, referindo-se aos crimes neles incluídos, à revelia do efeito necessariamente pacificador e reparador do sentimento comunitário quanto à reposição da ordem e da paz jurídica por eles violada, aqui reforçada pelo início de cumprimento e execução ininterrupta de pena pelo arguido, há cerca de sete anos.


E desvalorizou-o quanto às necessidades de prevenção especial, ao afirmar que “As necessidades de prevenção especial eram à data muito elevadas, estando mais esbatidas atualmente, por força do efeito ressocializador das penas que o arguido tem ininterruptamente cumprido. Ainda assim não poderão ser consideradas reduzidas pela falta de projeto de vida e de soluções para o futuro que garantam ao arguido a sua subsistência, que se limita a afirmar que pretende trabalhar numa fábrica e ter as irmãs como porto de abrigo seguro, uma vez restituído à liberdade. A personalidade do arguido avessa ao cumprimento de regras levou inclusivamente que ao arguido fossem revogadas todas as penas de prisão suspensas na sua execução”.


Ou seja, não apenas as considerou elevadas à data da prática dos factos, sem curar das suprarreferidas condições pessoais e sociais e das concretas circunstâncias em que foram praticados os crimes, como desvalorizou os efeitos ressocializadores já evidenciados pelo cumprimento da pena, nomeadamente a adesão e inserção do recorrente em programas de melhoria das suas competências académicas e profissionais, adequação progressiva e conforme às regras vigentes no ambiente prisional, após um período inicial de desajustamento, e de desabituação e afastamento do consumo de estupefacientes, opondo-lhe circunstâncias de todo injustas, por inexigíveis e aqui irrelevantes.


Injustas ainda porque não tendo o condenado o domínio e disponibilidade dos meios a tanto necessários face à sua reclusão ininterrupta desde há cerca de 7 anos, quando tinha 22/23 anos de idade, não poderia senão manifestar uma intenção/desejo mais ou menos vago e difuso de projeto de vida para o momento posterior à sua libertação, como qualquer outra pessoa colocada em igualdade de circunstâncias.


O que se lhe poderia e deveria exigir era o aproveitamento das oportunidades que em tal meio lhe são proporcionadas para melhorar as suas competências académicas, sociais e profissionais, no sentido de melhor se preparar para o futuro em liberdade, o que ele inegavelmente vem fazendo com empenho e sucesso, empenhamento que deveria ter sido valorado em seu favor, no sentido do esbatimento das exigências de prevenção especial ainda presentes, e não foi. Nunca por nunca, como parece resultar do acórdão e às vezes se observa também no âmbito da concessão de liberdade condicional, a apresentação de um programa de vida em liberdade perfeitamente definido e estruturado.


E irrelevantes porque a revogação da suspensão das penas de prisão aplicadas pelos crimes integrados no primeiro dos três ciclos considerados, só por si, não indicia uma personalidade avessa ao cumprimento de regras e ao direito, mais ainda quando, como é o caso, a matéria de facto provada não permite perceber se essa revogação resultou do incumprimento de regras de conduta a que eventualmente se tenha condicionado a suspensão ou à prática de crimes durante o decurso do correspondente período, a qual, de resto, muito se teria ficado a dever também à tardia reação do sistema de justiça acima assinalada.


Tudo para concluir que os factos praticados, analisados conjuntamente e nas suas concretas circunstâncias e consequências não evidenciam uma particular gravidade, antes se situando na “média/baixa” criminalidade, nem neles se projeta ou deles evola uma personalidade tendencialmente criminosa ou propensa a uma carreira criminosa, antes se integrando numa atuação criminosa “pluriocasional”, que em face do referido ostensivo esbatimento das necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, justificam a compressão da pena única para um patamar próximo do mínimo da respetiva moldura abstrata ou legal, devendo fixar-se em 4 (quatro) anos de prisão, mantendo-se a sua efetividade e o perdão de um ano decretados pelo acórdão recorrido.


*


2.1.2.2. Quanto ao terceiro ciclo, voltou o acórdão recorrido a inscrever nos bens jurídicos violados o do património, a que respeitam todas as penas consideradas e englobadas na pena única, mas também, na sua determinação concreta, os da liberdade de ação e de autodeterminação protegidos pelos dois crimes de ameaça agravada cometidos no período, em 27 e 30.05.2016, por que o recorrente foi condenado no processo n.º 139/15.8..., mas que o acórdão amnistiou, embora como antes dito, indevidamente, valendo aqui, mutatis mutandis, as considerações e referências a esse propósito efetuadas no ponto anterior.


Da mesma forma que, com as devidas adaptações, aqui valem as demais considerações e referências ali efetuadas acerca da gravidade relativa desses bens jurídicos, quando confrontados com outros de natureza eminentemente pessoal, o tempo de reação do sistema de justiça, de duração do período de execução dos crimes incluídos no período e da sua gravidade relativa, outrossim das condições pessoais e sociais do recorrente, com a diferença de ser mais velho, embora ainda muito próximo da idade prevista no regime penal especial para “jovens adultos”, entre os 21 e os 22 anos, completados em dezembro de 2015, tendo o primeiro dos crimes abrangidos ocorrido em 5 de outubro de 2015 e o último em 7 de junho de 2016, já em plena fase de adição ao consumo de estupefacientes, agravada após o falecimento do pai, por esta altura.


Efetivamente, excluídos aqueles crimes de ameaça, por terem sido amnistiados, toda a restante atividade delituosa se ateve a crimes de furto, simples e qualificados, na forma tentada e consumada, em estabelecimentos comerciais e em residências, sendo os bens subtraídos de maior valor apurado de € 600,00 e outro concretamente apurado de € 63,75, correspondente a 24 embalagens de caldos de galinha, ambos em estabelecimentos comerciais, ao passo que o dos bens e valores subtraídos das residências, sete, num total de nove crimes de furto, se ficou pela referência a valor não inferior a € 102,00, tudo também no sentido de a integrar no âmbito da “média/baixa” criminalidade.


A primeira condenação a transitar em julgado, no dia 11.7.2016, foi a do referido primeiro crime de furto praticado no dia 5.10.2015, também amnistiado, quase um ano após a sua prática.


Por seu turno, a última das decisões condenatórias por crimes aglutinados neste ciclo transitou em julgado apenas no dia 3.09.2019, proferida neste processo 192/16.7..., em 30.10.2018, sendo que três dos cinco crimes de furto nela considerados e que, em cúmulo, haviam determinado uma pena única de 7 (sete) anos de prisão, foram agora, desfeito tal cúmulo, incluídos no deste ciclo, ao passo que dois dos crimes de furto em residência de entre seis considerados no processo n.º 111/16.0... incluído neste ciclo, foram considerados no 4º ciclo, para o qual transitaram, desfeito o cúmulo nele efetuado e que redundou na aplicação de uma pena única de 9 (nove) anos de prisão, por acórdão proferido em 9.11.2017, transitado em julgado em 11.12.2017.


A verdade é que, impressionado pelo número de crimes, que considerou revelador de um claro incremento da atividade criminosa, mas que, se atentarmos no facto de, excluídos os três amnistiados, serem só nove aqueles crimes, com consequências pouco significativas em termos patrimoniais, apesar de sete deles terem sido em residências, a sua gravidade não pode deixar, como referido, de ser qualificada como “média/baixa” e claramente impulsionada pela referida adição, como patenteia o furto das 24 embalagens de caldos de galinha de um dos estabelecimentos comerciais e o não apuramento de outros bens e valores subtraídos com relevo económico.


Por outro lado, considerando ainda a dispersão da sua prática entre os municípios de Montemor-o-Novo e Setúbal, o tempo decorrido desde então e a condenação e o tempo de reclusão já cumprido, com a inevitável diluição das exigências de prevenção geral no atual momento, que é o da sua necessária ponderação, e tudo o mais que a propósito da situação e evolução prisional do recorrente se consignou no ponto anterior, com plena validade neste e no próximo ciclos, se afigura, também aqui, que os factos no seu conjunto e a imagem global da sua personalidade neles projetada e por eles refletida se circunscreve numa atuação criminosa pluriocasional e não tendencial ou de carreira, justificando, por idênticas razões, uma forte compressão das penas sobrantes relativamente ao mínimo legal da moldura abstrata ou legal da pena única a fixar relativamente a este período, seguramente inferior à que no acórdão recorrido se fixou, cuja necessidade e proporcionalidade se não mostra evidenciada na parca fundamentação exclusivamente assente nos bens jurídicos violados, apesar da admitida abissal e desproporcional variação entre os limites máximo e mínimo da respetiva moldura legal, devendo situar-se entre as penas únicas de 9 (nove) e 7 (sete) anos de prisão fixadas nos cúmulos jurídicos anteriormente efetuados, respetivamente nos processos n.ºs 111/16.0... e 192/16.7..., aqui parcialmente englobados.


Nem se diga, como por vezes tem sido afirmado em arestos do STJ que fixar agora uma pena única inferior à pena única antes fixada para um conjunto de crimes englobados no novo cumulo jurídico «não faria sentido e causaria uma enorme quebra do sistema jurídico (…)» ou que essa «(…) possibilidade de a pena conjunta fixada em novo cúmulo ser inferior à do anterior, dito transitado em julgado (…)», representa uma «(…) uma antinomia do sistema»16.


É que, para além da injustiça evidente da pena conjunta aplicada, por desproporcionalidade e desnecessidade, nos termos sobreditos, no caso em apreço, como naquele a que se reporta o cúmulo do 4º ciclo, os anteriores cúmulos, nos processos n.ºs 111/16.0... e 192/16.7..., desfeitos para efetivação dos agora efetuados nos terceiro e quarto ciclos, incluíram penas que deles foram retiradas e integradas nestes últimos, conforme já antes explicitado, pelo que a situação não se traduz exatamente em acréscimo de novos crimes aos anteriormente considerados, mas em substituição, por transição, de crimes entre ciclos em face da delimitação temporal de cada um deles por força do trânsito em julgado das decisões proferidas que se encontram numa relação de concurso superveniente.


Redução que, como salientado, deve aproximar-se o mais possível do mínimo das respetivas molduras abstratas ou legais, mas sem prejudicar o efeito ressocializador da punição ainda necessário e útil no sentido de permitir a continuação do percurso já iniciado pelo condenado nesse sentido e para a sua consolidação e estabilização, mas de molde a não ser por ele interpretada como um castigo, que, em vez de regenerador, seria desmoralizador e desmotivador em face do horizonte longínquo da almejada reintegração social em liberdade e com responsabilidade, sujeitando-o, por outro lado, .a uma reforçada estigmatização e aos efeitos criminógenos e de desenraizamento social associados à prolongada vivência penitenciária.


Crê-se, assim, ser justa e adequada para este ciclo a fixação de uma pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, cabendo a apreciação e decisão sobre a eventual aplicação à mesma do perdão estabelecido na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, ao tribunal recorrido, nos termos do seu artigo 14º, conforme tem sido orientação deste Tribunal17.


*


2.1.2.3. Quanto ao 4º ciclo, evidencia uma forte identidade com o anterior.


Diferencia-se por nele não terem sido incluídos crimes amnistiados e o bem jurídico posto em causa pelos que o integram se circunscrever à propriedade que foi alvo de atentado em 11 crimes de furto qualificado, todos em residências, cuja pena mais elevada do concurso, que delimita o mínimo da respetiva moldura, é de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, situando-se o limite máximo legalmente imposto em 25 (vinte e cinco) anos de prisão, correspondente à soma material de 29 (vinte e nove) anos.


E por ter sido neste período também que se apurou o maior quantitativo dos bens e valores subtraídos, que atingiu num caso os € 1.400,00, sendo € 210,00 em dinheiro, e num outro o quantitativo de € 200,00 em dinheiro, que se encontravam numa carteira dos proprietários da residência, na qual o recorrente se introduziu, aproveitando-se da circunstância de a porta não estar fechada à chave, bastando-lhe abrir o trinco rodando a maçaneta.


Nos restantes casos, como nos anteriores, os valores não foram concretamente apurados, dando-se como provado não serem inferiores a € 102,00, assim se evitando a desqualificação.


O período da respetiva prática decorreu entre julho e novembro de 2016, sendo a primeira decisão condenatória transitada a de 20.4.2017, proferida no processo n.º 906/16.5..., por factos praticados entre 14.09 e 19.11.2016, correspondentes a 4 crimes de furto qualificado, e a última a ser proferida, em 30.10.2018, no processo n.º 192/16.7..., por factos praticados em 12 e 15.07.2016, juntamente com os antes referenciados que foram incluídos no 3º ciclo, transitada em julgado apenas no dia 3.09.2019.


Apesar da maior gravidade das penas aplicadas e do superior número de crimes incluídos neste ciclo, o que, naturalmente, se refletiu no aumento da correspondente moldura penal abstrata, que se fixou no máximo legalmente admissível, verificam-se nele a maioria dos demais fatores a ponderar na determinação da pena conjunta, designadamente a dispersão territorial entre os municípios de Évora e de Setúbal, a idade e a adição ao consumo de estupefacientes do condenado e todas as restantes referenciadas condições sociais e económicas, a que, no entanto, o sistema de justiça conseguiu responder mais próximo dos acontecimentos do que nos anteriores ciclos, sendo aqui, de resto, que se consumou a detenção e reclusão do arguido, situação em que se encontra desde aí em cumprimento ininterrupto de pena, atualmente à ordem deste processo, no Estabelecimento Prisional d. ....., já lá vão mais de sete anos, o que, não pode deixar de relevar na ponderação da pena única a fixar.


Pese embora essa ligeira diferenciação face ao anterior ciclo, ela ficará devidamente acautelada pelo mais elevado limite mínimo da moldura penal resultante da maior gravidade da pena parcelar mais grave aplicada, que aqui é de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, não se justificando, assim, uma menor compressão do peso relativo das restantes, que será equivalente, tudo redundando numa pena única de 8 (oito) anos de prisão, que se afigura justa e adequada a responder às exigências de prevenção geral, também já bastante diluídas, e especial, igualmente esbatidas mas ainda carecidas de algum tempo mais para desenvolvimento e sedimentação do processo ressocializador iniciado em reclusão, como se referiu no ponto anterior.


Termos em que, para este ciclo se fixará uma pena única de prisão de 8 (oito) anos, cabendo igualmente ao tribunal da condenação a ponderação e a eventual aplicação do perdão de penas consagrado na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, em conformidade com o disposto no seu artigo 14º e a referenciada interpretação que dele tem sido feita neste STJ.


*


Sobre as quatro penas únicas fixadas incidirão os descontos a que haja lugar nos termos dos artigos 80º a 82º do CP, a ter em conta pelos tribunais recorrido e de execução das penas.


IV. Decisão


Em face do exposto, acorda-se em:


a) Conceder parcial provimento ao recurso relativamente à medida concreta das penas únicas aplicadas ao recorrente na sequência dos cúmulos jurídicos efetuados nos ciclos primeiro, terceiro e quarto, que se fixam, respetivamente, em 4 (quatro) anos, 7 (sete) anos e 6 (seis) meses e 8 (oito) anos de prisão efetiva, mantendo-se o acórdão recorrido em tudo o mais, nomeadamente quanto ao perdão decretado para as penas dos primeiro e segundo ciclos e a não suspensão da respetiva execução, bem como o cumprimento sucessivo das penas únicas fixadas para os quatro ciclos.


b) Ao tribunal da condenação caberá ainda ponderar a eventual aplicação do perdão de penas estabelecido na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, às penas únicas agora fixadas para os terceiro e quarto ciclos, nos termos do seu artigo 14º, outrossim assegurar, em articulação com o competente juízo de execução das penas, que sobre aa penas únicas incidirão os descontos a que houver lugar nos termos dos artigos 80º a 82º do CP.


c) Sem custas (cfr. artigo 513º, n.º 1, do CPPP).


Lisboa, d. s. c.


(Processado e revisto pelo relator)


João Rato (Relator)


Vasques Osório (1º adjunto)


Jorge dos Reis Bravo (2º adjunto)





_____________________________________________


1. Cfr. artigo 412º do Código de Processo Penal (CPP) e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 2021 - 3ª Edição Revista, Almedina.

Tudo sem prejuízo, naturalmente, da necessária correlação e interdependência entre o corpo da motivação e as respetivas conclusões, não podendo nestas acrescentar-se o que não encontre arrimo naquele e sendo irrelevante e insuscetível de apreciação e decisão pelo tribunal de recurso qualquer questão aflorada no primeiro sem manifestação nas segundas, não podendo igualmente, salvo as de conhecimento oficioso, conhecer-se de questões novas não colocadas nem consideradas na decisão recorrida, como se afirmou no acórdão deste STJ, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, ainda inédito.↩︎

2. Já considerado o perdão de 1 (um) ano a cada uma das penas únicas dos 1º e 2º ciclos, sem o qual, a soma material das quatro penas únicas atingiria os 27 (vinte e sete) anos e 5 (cinco) meses, valor porventura indutor de erro de simpatia explicativo do quantum global indicado pelo recorrente de 25 (vinte e cinco) anos e 7 (sete) meses.↩︎

3. Em linha com o AFJ do STJ n.º 5/2017, proferido no processo n.º 41/13.8GGVNG-B.S1, em 27.04.2017, publicado no DR n.º 120/2017, Série I, de 23.o6.2017, pp. 3170 – 3187, relatado pelo Conselheiro Manuel Augusto de Matos, com voto de vencido da Conselheira Isabel Pais Martins.↩︎

4. Ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

5. Proferido no processo n.º 330/13.1PJPRT-A.S1-II, em 28.04.2016, relatado pelo Conselheiro Souto de Moura, publicado no DR n.º 111/2016, Série I, de 9.06.2016, páginas 1790 – 1808, com votos de vencido dos Conselheiros Isabel Pais Martins e Manuel Brás.↩︎

6. Disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, orientação que, de resto, tem sido acolhida pela doutrina, designadamente por Tiago Milheiro Caiado, in Cúmulo Jurídico Superveniente, Noções Fundamentais, Editora Almedina, citado e seguido no acórdão recorrido, e Artur Rodrigues da Costa, in “ O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, acessível em https://julgar.pt/o-cumulo-juridico-na-doutrina-e-na-jurisprudencia-do-stj/.↩︎

7. Previsão legal que, aliás, coincide com a posição doutrinal dominante no mesmo sentido, como pode ler-se nas anotações de Manuel Lopes Maia Gonçalves ao artigo 128º do seu Código Penal Português, Anotado e Comentado, 16º edição, Almedina, 2004.↩︎

8. Os crimes em causa são os de ameaça agravada, de detenção de arma proibida, de passagem de moeda falsa e de furto qualificado, na forma tentada, a que, em abstrato correspondem penas de prisão superiores a 1 ano, excluídos, portanto, da amnistia decretada.

No entanto, a eventual intervenção corretiva do STJ neste âmbito, implicaria a revogação do acórdão nessa parte e a consideração dos crimes amnistiados e das respetivas penas nos ciclos correspondentes, dilatando a moldura abstrata do cúmulo a realizar em tais ciclos, com potencial agravante das inerentes sanções, pelo menos na medida em que impedisse equacionar a sua redução, razão pela qual, tendo o recurso sido interposto apenas pelo arguido, se entende estar tal intervenção vedada por força do aludido princípio da proibição da reformatio in pejus, mantendo-se, nessa parte, o acórdão recorrido.↩︎

9. Por manifesto lapso de redação, no facto provado correspondente (número 10) diz-se 1997, o que, não implicando modificação essencial, se corrige, nos termos do artigo 380º, n.ºs 1, al. b) e 2, do CPP.↩︎

10. Direito Penal 2, Parte Geral – As consequências Jurídicas do Crime.↩︎

11. Conforme ponto IV do sumário publicado do acórdão de 8.11.2023, proferido no processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S1, relatado pela Conselheira Ana Barata Brito, sem prejuízo, naturalmente, da amplitude sindicante dos tribunais de recurso, quando, ainda assim, concluam pela injustiça da pena, por desproporcional ou desnecessidade, como se afirmou também, v. g., no acórdão do STJ, de 14.06.2007, proferido no processo n.º 07P1895, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

12. Ob. e loc. citados, na qual se dá conta também da génese e percurso destas correntes, que o autor analisa criticamente.↩︎

13. Como escreve Maia Gonçalves, in ob. e loc. citados, na linha dos autores que identifica, «A amnistia aniquila os factos passados objecto de incriminação, “de sorte que aos olhos da Justiça, por uma ficção legal, considera-se como se nunca tivessem existido, salvos os direitos de terceiro com relação à acção cível para a reparação do dano”». A essa natureza e efeito da amnistia não obsta o facto de a sua declaração dever ficar também inscrita no registo criminal, até ao seu cancelamento, nem a extensão daquela salvaguarda à perda de instrumentos, produtos e vantagens do facto ilícito.↩︎

14. Cfr. artigo 9º do CP e Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09.↩︎

15. Em “O tempo e a pena”, inserido nas Actas do Colóquio A Pena e o Tempo, editadas pelo Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2017, acessível no URI: https://hdl.handle.net/10316/99738.↩︎

16. Conforme dá conta DD no escrito antes referenciado e pode ver-se, em sentido equivalente, mas admitindo essa possibilidade em casos de gritante injustiça da condenação, por desproporcionalidade e desnecessidade da pena, como será o caso dos autos, o acórdão do STJ, de 31.5.2017, proferido no processo 2192/16.8..., relatado pelo Conselheiro EE, também acima referenciado e citado.↩︎

17. Neste sentido, vide acórdãos do STJ, de 27.09.2023, 19.12.2023 e 31.01.2024, proferidos nos processos n.ºs 179/22.0..., 417/22.0...:S1 e 2540/22.1..., relatados pelos Conselheiros Maria do Carmo Silva Dias, Pedro Branquinho Dias e o aqui relator, respetivamente, os dois primeiros disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ e o terceiro ainda inédito.↩︎