Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
721/12.5TCFUN.L1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONTRATO DE EMPREITADA
DEFESA DO CONSUMIDOR
DEFEITOS
PARTES COMUNS
DIREITO A REPARAÇÃO
CONTAGEM DE PRAZOS
DENÚNCIA
CONDOMÍNIO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Data do Acordão: 05/31/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO CONSUMIDOR - VENDA DE BENS DE CONSUMO / GARANTIAS DO CONSUMIDOR / PRAZOS.
DIREITO CIVIL - LEIS / INTERPRETAÇÃO DA LEI - RELAÇÕES JURÍDICAS / RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / COMPRA E VENDA - DIREITOS REAIS / POSSE / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE HORIZONTAL / ADMINISTRAÇÃO DAS PARTES COMUNS DO EDIFÍCIO.
Doutrina:
- Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos defeitos da obra, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, 198, 201, 237, 242, 264-265.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 464.
- Pedro Romano Martinez, «Compra e Venda e Empreitada», in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Vol. III, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 2007, 263; Cumprimento defeituoso, Em especial na compra e venda e na empreitada, 373, 376-378; Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos – Compra e Venda, Locação e Empreitada, Almedina, 2000, 463 a 465; Direito das Obrigações (Parte Especial), Contratos, Compra e venda, Locação, empreitada, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, 496.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, N.º 3, 297.º, N.º2, 303.º, 333.º, N.º 2, 916.º, 917.º, 1224.º, N.º 2, 1225.º, N.º 1, 1431.º, N.º 2, 1437.º, N.º 1.
DECRETO-LEI N.º 67/2003, DE 8 DE ABRIL COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DECRETO-LEI N.º 84/2008, DE 21 DE MAIO: - ARTIGOS 1.º, N.º 2, 5.º, N.º 1, 5.º-A, N.ºS 2 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 24-09-2009, PROC. N.º 2210/06.8TVPRT.S1.
-DE 29-11-2011, PROC. N.º 121/07.TBALM.L1.S1.
-DE 14-01-2014, PROC. N.º 387/07.5TBLNH.L1.S1.
-DE 11-02-2015, PROC. N.º 112/09.5TBCMN.G1.S1.
-DE 01-10-2015, PROC. N.º 279/10.0TBSTR.E1.
Sumário :
I – Aos contratos de empreitada de consumo aplica-se, para obter a reparação, eliminação ou substituição dos defeitos da obra, a legislação de defesa do consumidor (Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio) e só subsidiariamente o Código Civil.  

II - A entrega considera-se feita no momento em que o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos, correspondendo, assim, o dies a quo a partir do qual se conta o início do prazo dos cinco anos à transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos, através da sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e com plena autonomia para denunciar os eventuais defeitos existentes na obra.

III – Segundo os arts 5.º, n.º 1 e 5.º - A do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, o adquirente beneficia de um prazo de cinco anos para o conhecimento da desconformidade do objeto, do prazo de um ano, a contar do conhecimento do defeito, para exercer o direito de denúncia e de um prazo de três anos, subsequente à denúncia, dentro do qual terá de ser instaurada a ação destinada a exercitar o direito à reparação ou eliminação dos defeitos.

IV - A denúncia pode ser dispensada no caso de o adquirente detetar o defeito dentro do prazo de garantia e intentar a ação no prazo de um ano a partir desse conhecimento, pois, então, a citação para a ação funcionará como denúncia.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO

“Condomínio do Edifício AA” intentou ação contra “BB – Construção Civil e Obras Públicas, SA” e “CC, SA”, pedindo a condenação solidária das rés na reparação de todas as anomalias existentes no Edifício AA, discriminadas no artigo 13.º da petição inicial, como melhor consta do relatório elaborado por um engenheiro civil.

 Alegou, em síntese, que esses defeitos são originários do próprio imóvel e, no momento da compra e venda, encontravam-se ocultos e impercetíveis. Daquele relatório constam as recomendações com vista a uma correta reparação dos defeitos. As rés aceitam a existência dos defeitos, mas nunca os corrigiram.

As rés contestaram e invocaram, além do mais e em síntese, a exceção perentória de caducidade, alegando que toda e qualquer anomalia teria que ter sido comunicada até ao dia 26 de Junho de 2012, data em que se completam os cinco anos desde a entrega do prédio. Apenas com a citação para os presentes autos, ocorrida em 07.11.2012, tiveram conhecimento da existência dos alegados defeitos no prédio.

Pugnam pela improcedência da ação, pedindo a absolvição do pedido.

O autor replicou, argumentado, além do mais, que no âmbito das reuniões que se realizaram em Dezembro de 2011 e no ano de 2012, as rés reconheceram a existência dos defeitos denunciados e afirmaram pretender proceder à correção dos mesmos.

Termina, pedindo a improcedência da exceção.

As rés treplicaram dizendo que o condomínio foi constituído a 12.07.2007, data em que foi constituída a propriedade horizontal. Mais alegam que a primeira assembleia de condóminos teve lugar no 30.07.2007, constituindo a ata nº 1.

Concluem como na contestação.

Foi proferida sentença que julgou verificada a exceção de caducidade do direito do autor e absolveu as rés do pedido.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu o autor, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença recorrida.

Novamente inconformado, interpõe o autor recurso de revista, que foi admitido como excecional, pela formação a que se refere o art. 672.º, n.º 3 do CPC.

Na sua alegação de recurso, formula as seguintes conclusões:

«1 – O douto acórdão da Relação confirmou a decisão da primeira instância, embora com base numa fundamentação essencialmente diferente.

2 – Assim, depois de uma exposição quanto às possíveis orientações para a determinação do início da contagem do prazo de caducidade refere que “a sentença de 1ª instância aderiu à terceira orientação…”, referindo depois que “da nossa banda, cremos que a última orientação é a mais razoável…”

3 – Discorre ainda: “Em consequência do que ficou dito, concluindo de forma diferente da douta sentença recorrida, diremos que o início do prazo de caducidade de 5 anos a que se refere o artº 1225º nº 1 do Código Civil ocorreu a 30 de Julho de 2007 e ainda que, no dia 24 de Outubro de 2012, data da propositura da acção, qualquer direito à eliminação dos defeitos no prédio denominado “Edifício AA”, já havia caducado, mas precisamente a 30 de Julho de 2012”.

4 – E em conclusão, remata: “O prazo de caducidade estabelecido no artº 1225º nº 1 do Código Civil, relativamente à reclamação de defeitos verificados nas partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal inicia-se com a reunião da 1ª assembleia de condóminos e a nomeação de administrador”.

5 – Terminando com a seguinte decisão: “Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, embora pelas razões que acabaram de serem expostas”.

6 – De facto, diversamente, em sede de 1.ª instância, apesar do tribunal ter decidido pela caducidade dos direitos do Condomínio, fê-lo tendo por referência a contagem do prazo de 5 anos de garantia a partir da entrega da maioria das fracções autónomas aos condóminos adquirentes.

7 – Já o Tribunal da Relação entendeu ser de acolher a orientação que determina o início da contagem do prazo de 5 anos “com a transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos, através da sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o seu administrador”.

8 – O ora recorrente concorda com esta acepção, não concordando, no entanto, com a aplicação que foi feita para a contagem do prazo, nomeadamente a determinação do conceito de constituição de condomínio (a referida transmissão de poderes da administração das partes comuns para os condóminos…) e respectiva aplicação nem com a restrição de que a denúncia teria, necessariamente, de ocorrer dentro do aludido prazo de 5 anos.

9 – (Má) aplicação, esse, que redundou na procedência da excepção da caducidade invocada pelas Rés.

10 – No caso ora em análise o recorrente entende que a noção de constituição de condomínio corresponde à entrega das zonas comuns do prédio por parte do vendedor a uma organização dotada de órgãos próprios, independentes e autónomos relativamente a ele.

11 – Sufragando, por completo, a posição defendida por Cura Mariano e melhor discriminada no texto das alegações, bem como toda a jurisprudência citada.

12 – Ora entende, por isso e nomeadamente face à matéria dada como provada sob as alíneas alíneas R, S,T,U,V e W que, no caso em apreço, tal só sucedeu com a eleição da sociedade DD – gestão de Condomínios, Lda, em 29 de agosto de 2011.

13 – Isto porque, antes disso, tendo em conta que os conselhos de administração das sociedades recorridas eram constituídos exactamente pelas mesmas pessoas do que os sócios gerentes da sociedade FF, eleita em 30 de Julho de 2007, não existiu qualquer autonomia nem distanciamento das sociedades construtora e vendedora, ora recorridas.

 14 - Se assim se entender, isto é, que o prazo do início da garantia só se iniciou em 29 de Agosto de 2011 – porque só aí passou a existir uma estrutura independente da construtora e vendedora -, o conhecimento, a denúncia e o intentar da acção/citação das rés ocorreram dentro do prazo de 5 anos.

15 – Não se verificando qualquer dúvida quanto à não procedência da caducidade dos direitos do Condomínio.

16 – Ainda que assim não se entenda, o que apenas se admite a título de mero exercício académico, sempre se dirá que, da mesma forma, não se verifica qualquer caducidade.

17 – De facto, ainda que se tenha como ponto de partida a data de 30 de Julho de 2007, como sendo a da constituição do condomínio, sempre o conhecimento dos defeitos, em Dezembro de 2011, terá ocorrido dentro do aludido prazo de 5 anos.

18 – O prazo de 5 ano apenas releva para o conhecimento dos defeitos.

19 – A partir desse conhecimento acresce o prazo de um ano para a sua denúncia.

20 – Porque os prazos em causa são independentes entre si.

21 – Assim, no caso concreto, deverá contar-se, a partir de Dezembro de 2011, o prazo de 1 ano para a denúncia, tendo as rés, nesse âmbito, sido citadas do intentar da presente acção em 7 de Novembro de 2012.

22 – Mostrando-se, por isso, cumpridos todos os prazos.

23 – A denúncia de defeitos deverá considerar-se concretizada com o intentar da acção judicial, em particular, com a respectiva citação.

24 – No entendimento do recorrente, face à prova existente no processo, em particular o registo predial de todas as fracções junto por requerimento datado de 25/6/2014 e, por isso, à factualidade considerada como provada, matéria em análise é aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio – artigos 1ºA, 5º, nº 1 e 5º A, nº 2 – porque os proprietários das fracções pertencentes ao imóvel em causa são, na sua esmagadora maioria, consumidores e, caso assim não se entenda, sempre sem conceder, o disposto nos artigos 1225.º e 916.º do Código Civil.

25 – Conforme se expôs, no caso do tribunal entender que se verifica a dupla conforme, sempre o presente recurso, em alternativa, deverá ser considerado excepcional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil.

26 – Da matéria já exposta, resulta, facilmente, a sua relevância jurídica, cuja nova apreciação se torna indispensável para uma melhor aplicação do direito.

27 – A caducidade do prazo de garantia, em especial a exacta determinação do seu início e as matérias nele contempladas – (se se aplica apenas ao conhecimento dos defeitos ou se à respectiva denúncia e intentar de acção judicial) implicam uma necessária clarificação para uma melhor aplicação do direito.

28 – Na verdade, o caso em apreço é, simultaneamente, paradigmático e de enorme relevância social na medida em que, no presente, a sociedade portuguesa vive um período de ressaca pós construção e vendas massificadas e desenfreadas de fracções pertencentes a prédios em propriedade horizontal, com os inerentes problemas da falta de qualidade/adequação dos materiais e deficiência na execução que, depois, se vêm a revelar.

29 – Estando, por isso, em causa, entre outros, os princípios da segurança jurídica e da confiança dos consumidores.

30 – Por fim, há a referir que, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, há a preservar um tratamento igualitário entre casos análogos.

31 – E, nessa decorrência, é de assinalar que o Acórdão da Relação de que ora se recorre se encontra em contradição com outro, já transitado em julgado, do Supremo Tribunal de Justiça – o Acórdão de 14/1/2014, Proc. n.º 378/07.5TBLNH.L1.S1 – no domínio da mesma legislação e questão fundamental de direito, em particular a questão de que o prazo dos 5 anos de garantia apenas releva para o conhecimento dos defeitos, que à denúncia de defeitos se aplica o prazo de um ano a contar do referido conhecimento (constituindo, por isso, um prazo autónomo), e, ainda, que a citação da construtora e vendedora no âmbito de acção judicial para correcção de defeitos se equipara, também, à denúncia dos defeitos, desde que efectivada no prazo de um ano após o seu conhecimento.

32 – Face ao exposto, o tribunal da relação fez uma má aplicação da matéria de direito, violando a lei substantiva bem como a lei de processo, em particular relativamente aos artigos 5º, nº1 e 5.º A, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2002, de 21 de Maio, e, caso assim não se entenda, o que não se concede, os artigos 916.º e 1225.º do Código Civil, bem como o previsto no aludido artigo 8.º, n.º 3 deste mesmo Código – artigo 674.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil».

 

Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, a única questão a decidir é a de saber se já decorreu, ou não, o prazo de caducidade para a responsabilidade do empreiteiro pela reparação/eliminação dos defeitos da obra.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

            II – Fundamentação de facto

 

Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

«A) A ré “CC, S.A” é uma sociedade que se dedica à construção civil e obras públicas - (artº 1º da PI).

B) A ré “BB – Construção Civil e Obras Públicas, S.A.” é uma sociedade que se dedica à “construção civil e obras públicas, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim” - (artº 2º PI).

C) No âmbito desta sua actividade comercial a ré “BB – Construção Civil e Obras Públicas, S.A.” adquiriu um prédio para construção e nele, na qualidade de dona da obra, mandou edificar o “Edifício AA”, localizado à Rua …, …, freguesia do …, concelho de …, descrito sob o nº …738 – … - (artº 3º PI).

 D) A empreiteira da obra foi a primeira ré, “CC, S.A.” - (artº 4º PI).

E) A segunda ré, “BB – Construção Civil e Obras Públicas, S.A.”, procedeu à sua comercialização, vendendo-o a um público que adquiriu as suas fracções para usos não profissionais, mais precisamente para habitação - (artº 5º e 6º PI).

F) O imóvel é constituído por dois blocos, com 54 fracções, sendo 52 destinadas a habitação e duas a estacionamento - (artº 7º PI).

G) O condomínio do Edifício foi constituído no ano de 2007 - (artº 8º PI).

H) Em 29 de Agosto de 2011, em Assembleia-geral de Condóminos foi eleita, como administradora do Condomínio, a “EE/DD, Gestão de Condomínios, Ldª” - (artº 9º PI).

I) Em Dezembro de 2011, por solicitação da administração do condomínio, foi elaborado, por engenheiro civil, um relatório das Patologias do Edifício AA - (artº 11º PI).

J) O teor do relatório referido em I. foi dado a conhecer aos condóminos, em sede de assembleia de condomínio, a 06 de Dezembro de 2011.

K) O prédio localizado no Sítio da …, freguesia do …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº …/…515, denominado de Edifício AA, apresenta as seguintes anomalias:

1. Manchas de escorrências em paredes exteriores, com origem nos peitoris dos vãos;

2. Fissuração de paredes de fachada;

3. Fissuração de paredes de vedação de logradouros;

4. Humidades ascensionais em paredes de fachada;

5. Deficiente e/ou inexistente impermeabilização de pavimentos de logradouro;

6. Degradação excessiva e destaque da pintura de varandas;

7. Desgaste excessivo da betumação de ladrilhos do pavimento de logradouros;

8. Fissuração em chaminés;

9. Fissuração em paredes de circulações horizontais interiores comuns;

10. Fissuração e desgaste excessivo de juntas do pavimento das garagens;

11. Fissuração do pavimento das garagens;

12. Fissuração em paredes das garagens;

13. Fissuração em tectos das garagens;

14. Humidades e eflorescências em tectos das garagens;

15. Humidades e eflorescências em paredes das garagens;

16. Humidades e eflorescências em tectos de arrecadação;

17. Fugas na Canalização - (artº 13º PI).

L) As anomalias referidas em K. são originárias do imóvel e no momento da compra e venda eram imperceptíveis - (artº 14º PI).

M) As anomalias referidas em K) são decorrentes da utilização de materiais inapropriados, de uma execução deficiente da obra e uma preparação em obra desadequada - (artº 16º PI).

N) A reparação das anomalias referidas em K) está orçada em € 90.000,00 e pode ser realizada num período máximo de seis meses - (artº 18º PI).

O) A propriedade horizontal do prédio referido em K) foi constituída por escritura pública, celebrada em 12 de Julho de 2007 - (artº 2º da contestação).

P) A Câmara Municipal de … emitiu, em 27/06/2007, alvará de licença de utilização do edifício referido em K) - (artº 4º da contestação).

Q) As rés só tomaram conhecimento do relatório referido em I) em 07 de Novembro de 2012, ao serem citadas para a acção - (artº 14º da contestação).

R) No dia 30 de Julho de 2007 foi realizada a primeira assembleia de condóminos do prédio referido em C) e K) tendo sido eleita administradora a “FF, Ldª” e mostrando-se a acta assinada por GG e HH - (artº 41º da réplica).

S) A ré “BB- Construção Civil e Obras Públicos, S.A.” é sócia da “FF, Ldª” - ( artº 41º da réplica).

T) Até 09/06/2009, II foi gerente da “FF, Ldª” - (artº 41º da réplica).

U) A II, como gerentes da “FF, Ldª”, sucederam JJ e KK - (artº 41º da réplica).

V) O conselho de administração da ré “BB- Construção Civil e Obras Públicas, S.A.” e da ré “CC, S.A.” é constituído por JJ e KK - (artº 41º da réplica).

W) II integrou o conselho de Administração da ré “BB- Construção Civil e Obras Públicas, S.A.” e da ré “CC, S.A.” - (artº 41º da réplica).

X) As anomalias referidas em K) foram detectadas em Dezembro de 2011.

Y) Só na decorrência do relatório referido em I) é que a administração e os condóminos, em geral, tomaram conhecimento da totalidade dos defeitos existentes no Edifício - (artº 61º da réplica).

Z) A presente acção deu entrada no tribunal em 24 de Outubro de 2012 - (artº 67º da réplica).

AA) As rés foram citadas para a presente acção em 07 de Novembro de 2012 - (artº 68º da réplica).

BB) Em 27/09/2007, já haviam sido vendidas as fracções designadas pelas letras “”, “D”, “G”, “J”, “M”, “O”, “P”, “R”, “V”,”H”, “J”, “L”, “N”, “R”, “T”, “U”, “Z”, “BB”, “I”, “Q”, “M”, “W”, “F”, “”, “N”, “Q”, “P” e “V”, do prédio referido em C., correspondentes a 512,74 da permilagem do prédio;

CC) As fracções referidas em BB) correspondem ao valor declarado de € 476.848,70, no total do valor declarado do prédio de € 930.000,00».

            III – Fundamentação de direito

1. A questão jurídica que se litiga, no caso dos autos, diz respeito apenas à repercussão do tempo nas relações jurídicas, ou seja, à caducidade do direito do comprador de coisa defeituosa denunciar os defeitos.

A caducidade é a extinção do direito pelo seu não exercício durante certo tempo e o seu fundamento específico é a necessidade de certeza jurídica já que, como ensinava Manuel Andrade, “certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo” (cf. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 464).

 

A sentença do tribunal de 1.ª instância julgou procedente a exceção de caducidade do direito do autor e absolveu as rés do pedido, com o fundamento de que a contagem do prazo de garantia, de cinco anos a contar da entrega do imóvel, segundo o art. 1225.º do CC, se iniciou a 27 de setembro de 2007, com a entrega da maioria das frações autónomas aos condóminos adquirentes. Não tendo havido denúncia dos defeitos antes da data da propositura da ação, o prazo já tinha terminado em 27 de Setembro de 2012, pelo que à data da interposição da ação, 24 de outubro de 2012, já o direito estava extinto por caducidade.

            A sentença adotou a seguinte fundamentação:

            «Entendemos, assim, que a tese mais razoável será aquela que entende que o momento a partir do qual se deve ter como efectuada a entrega do prédio, é aquele momento a partir do qual o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos e identificados com os interesses comuns que passam a representar de modo orgânico e próprio plasmados nas deliberações que tomam.

Este momento – da cisão/apartamento do vendedor do prédio vendido – pode coincidir, ou não, com a constituição da assembleia de condóminos. Relevante, para o seu início, é que o prédio esteja em condições de ser entregue à assembleia de condóminos para que esta possa exercer todos os direitos de fiscalização sobre as partes comuns, de forma livre, ou seja, sem que se encontre manietada pela circunstância de o construtor ou vendedor, enquanto detentor de uma percentagem maioritária do prédio, poder, de alguma forma, impedir o exercício de tais direitos, impossibilitando o exercício de direitos por parte da assembleia.

Aqui chegados, importa referir que o facto de não estar devidamente constituída a administração do condomínio, por incúria dos condóminos em constituí-la formalmente, em nada afasta a circunstância de o prédio estar entregue aos condóminos, verificada que esteja a existência da detenção, pelos condóminos singulares, de um capital superior a 25% (pois que a assembleia de condóminos poderá ser convocada por, pelo menos, vinte e cinco por cento do capital investido e deliberar a propositura da acção colectiva (cfr. artigo 1431º, n.º2, do Código Civil).

Analisados os factos supra elencados como provados, constatamos que, em 27/09/2007, haviam já sido vendidas fracções autónomas correspondentes a 512,74 da permilagem do prédio, ou seja, os condóminos não ligados às Rés possuíam já mais de metade da permilagem do prédio. Tais fracções equivaliam a um valor declarado de € 476.848,70, valor superior a 25% do capital investido (na medida em que da escritura pública de constituição da propriedade horizontal se extrai que o prédio possuía o valor declarado de € 930.000,00).

Significa o que vem de dizer-se que em 27/09/2007 o prédio se encontrava em condições de ser entregue a uma administração do condomínio livre da influência das Rés, pois que desde essa data que se encontravam reunidos os pressupostos necessários à convocação de uma assembleia de condóminos e que esta possuía condóminos que, comparecendo e votando, possuíam a maioria dos votos, podendo, assim, eleger a administração de condomínio que mais confiança lhes merecesse.

Entendemos, assim, que o prazo de garantia de cinco anos, se iniciou em 27/09/2007, pois que a partir desse momento as Rés deixaram de ter qualquer poder para influenciar o curso das decisões a tomar sobre o prédio.

A ser assim, como entendemos que deve ser, concluímos que o prazo máximo de garantia estabelecido se esgotou em 28/09/2012, por aí se encontrarem decorridos os cincos anos que aos consumidores se mostram concedidos para exercer os seus direitos de reparação de vícios da coisa adquirida».

            O acórdão recorrido confirmou a sentença do tribunal de 1.ª instância, mas com uma fundamentação distinta:

«No que toca à excepção de caducidade, o regime aplicável à efectivação da responsabilidade do construtor empreiteiro pelos defeitos de um imóvel enquadráveis no artigo 1225º do Código Civil é o definido nesta disposição e não no artigo 926º[1].

O artigo 1225º do Código Civil, sob a epígrafe, (Imóveis destinados a longa duração), preceitua o seguinte:

“ 1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.

2. A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.

3. Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221º.

4. O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado”.

O prazo estabelecido neste artigo é de caducidade.

Assim, o preceito aplica-se à ré “CC, SA”, na qualidade de construtora do prédio.

E também se aplica à ré “BB – Construção Civil e Obras Públicas, SA”, na qualidade de dona da obra, ou de vendedora, por força do seu nº 4.

Efectivamente, o nº 4 do artigo 1225º do Código Civil, introduzido pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, veio estabelecer que as normas do contrato de empreitada que regulam a responsabilidade do empreiteiro pelos defeitos da obra se aplicam à compra e venda celebrado com o respectivo construtor do imóvel destinado a longa duração.

Como refere Calvão da Silva, “este mesmo diploma legal – Decreto-Lei nº 267/94 –, além da expressa responsabilização do empreiteiro perante o terceiro adquirente do imóvel, dando nova redacção ao nº 1, in fine, do artigo 1225º, veio aplicar o regime estatuído pelo artigo 1225º ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado, aditando-lhe o novo nº 4, por forma a evitar que o empreiteiro se escude na relatividade da empreitada e sua ineficácia perante terceiros compradores. Desta sorte, quando, na compra e venda, o alienante tenha sido também o construtor do imóvel (vendedor e construtor), mas inexista e apesar de inexistir empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos da coisa transmitida deve aplicar-se o regime do artigo 1225º e não o dos artigos 916º e 917”[2]

A questão que se coloca é a de saber a partir de que momento se conta o prazo de caducidade de cinco anos previsto no nº 1 do artigo 1225º do Código Civil: a partir de 27.09.2007, como foi decidido na sentença ou a partir de 29.08.2011 como vem alegado nas conclusões da apelação.

 

Tratando-se de bens imóveis, por força do disposto no artigo 5º nº 1 do DL nº 67/2003, o consumidor pode exercer os direitos previstos neste diploma no prazo de 5 anos a contar da entrega do bem.

Existem, assim, dois prazos: um para denunciar o defeito – artigo 5º nº 3 e 4 do diploma citado, na redacção anterior, ou artigo 5º-A nº 2 e 3, na redacção actualmente em vigor –, outro para intentar a acção judicial – artigo 5º nº 1.

Não tendo havido denúncia dos defeitos, há que averiguar, com vista à procedência ou improcedência da invocada excepção de caducidade, se se mostram decorridos mais de cinco anos desde a data da entrega do imóvel até ao momento em que a presente acção entra em juízo.

E qual a data da entrega do imóvel? Ocorreu em 27-09-2007, como foi decidido na sentença ou em 29-08-2011 como alegam os apelantes?

No caso dos autos está em causa a reclamação pelo autor, das anomalias verificadas nas partes comuns de um prédio urbano constituído em propriedade horizontal, construído pela 1ª ré, sendo dona da obra a 2ª ré, que procedeu depois à venda das respectivas fracções autónomas.

Como refere Cura Mariano[3], na opção pelo momento da entrega da obra como o momento em que se inicia o prazo de caducidade, o legislador teve em mente que seria esse o momento em que, normalmente o dono da obra ou o comprador, estariam em condições de exercer o seu direito. Haverá então de concluir que o dies a quo para o início do prazo de cinco anos previsto no artº 1225º nº 1 do CC é de facto o da entrega da construção, em termos que possibilitem o exercício do direito à verificação, e se for necessário, à reclamação da reparação dos vícios ou defeitos que a afectem.

O momento em que o prédio é constituído em propriedade horizontal, ou em que é inscrito no registo, ou mesmo o momento da reunião da assembleia de condóminos, e da nomeação de administrador, serão apenas elementos de onde aquela conclusão se possa extrair.

Mas o que será relevante, no confronto entre o empreiteiro e o dono da obra, será sempre o momento da efectiva entrega da obra, sendo que a partir daí haverá de atender ao disposto no referido artigo 329º do CC para se aferir do momento em que se pode afirmar que passou a ser possível o exercício do direito à reparação dos defeitos de que a mesma obra esteja afectada.

No caso dos autos, estamos perante defeitos verificados nas áreas comuns do “Edifício AA”.

Neste caso, a questão suscitou entendimentos divergentes, que podem no essencial, ser reconduzidos às seguintes orientações:

a) O início do prazo de caducidade iniciar-se-ia com a primeira entrega de fracção autónoma a condómino adquirente;

b) Com a última entrega de fracção autónoma a condómino adquirente;

c) Com a entrega da maioria das fracções autónomas aos condóminos adquirentes;

d) Com a transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos, através da sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o seu administrador.

 (…)

Da nossa banda, cremos que a última orientação é a mais razoável, pois entendemos que decisiva é a data em que o promotor fez a transmissão dos poderes de administração das partes comuns aos condóminos, o que só pode ter sucedido quanto estes constituíram a sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o seu administrador.

Trata-se de orientação que vem sendo sufragada maioritariamente pelos tribunais superiores e de forma[4].

No caso dos autos provou-se, a este respeito, que:

 - A propriedade horizontal do prédio referido em K) foi constituída por escritura pública, celebrada em 12 de Julho de 2007 - (O).

- No dia 30 de Julho de 2007 foi realizada a primeira assembleia de condóminos do prédio referido em C) e K) tendo sido eleita administradora a “FF, Ldª” (…) - (R).

- A presente acção deu entrada no tribunal em 24 de Outubro de 2012 - (Z).

- As rés foram citadas para a presente acção em 07 de Novembro de 2012 - (AA).

Em consequência do que ficou dito, concluindo de forma diferente da douta sentença recorrida, diremos que o início do prazo de caducidade de 5 anos a que se refere o artº 1225º nº 1 do Código Civil ocorreu a 30 de Julho de 2007 e ainda que, no dia 24 de Outubro de 2012, data da propositura da acção, qualquer direito à eliminação dos defeitos no prédio denominado “Edifício AA”, já havia caducado, mas precisamente a 30 de Julho de 2012.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações do apelante.

EM CONCLUSÃO:

- O prazo de caducidade estabelecido no artº 1225º nº 1 do Código Civil, relativamente à reclamação de defeitos verificados nas partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal inicia-se com a reunião da 1ª assembleia de condóminos e a nomeação de administrador».

2. Preceitua o n.º 1 do artigo 1225.º do Código Civil que, tendo a empreitada por objeto “[a] construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no prazo de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente”.

As instâncias trataram a questão de saber se o prazo de cinco anos, previsto no art. 1225.º, n.º 1 do CC, se conta a partir da primeira assembleia de condóminos e da eleição da administração do condomínio, 30 de julho de 2007, como entendeu o acórdão recorrido (ou 27 de Setembro de 2007, data em que os condóminos adquiriram a maioria da permilagem, como entendeu o tribunal de 1.ª instância), ou se, como alega o recorrente, o momento da entrega do prédio, para o efeito da contagem do prazo previsto no art. 1225.º, n.º 1 do CC, se verifica no momento a partir do qual é eleita uma administração de condomínio autónoma em relação ao vendedor, 29 de agosto de 2011, pois até esta data o empreiteiro/vendedor era o administrador do prédio.

Alega o autor que o prazo de cinco anos não se deve contar a partir de 30 de julho de 2007, data da constituição do condomínio, mas a partir de 29 de agosto de 2011, data em que o condomínio se autonomizou da empresa vendedora com a administração da sociedade DD; e que o conhecimento dos defeitos ocorreu em dezembro de 2011 e a denúncia dos mesmos com a citação das rés em 7 de novembro de 2012, pelo que não caducou o direito de accionar o devedor.

Caso assim não se entenda, defende ainda o recorrente que é aplicável ao caso dos autos a lei de defesa do consumidor – Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio – e que, segundo esta legislação, o prazo de cinco anos seria apenas um prazo para o conhecimento dos vícios e não para a denúncia dos mesmos, o que teria por consequência que tendo sido os vícios conhecidos em dezembro de 2011, o condomínio disporia ainda do prazo de um ano após o conhecimento para proceder à denúncia dos defeitos e mais três anos, a contar da denúncia, para intentar a ação contra o dono/vendedor do prédio a fim de este promover a reparação dos defeitos.  

 3. Conforme defende a doutrina, “Para aplicação do prazo mais longo do artigo 1225.º exige-se o preenchimento de dois requisitos: Por um lado, torna-se necessário que a obra seja destinada a longa duração; (…) por outro lado, é preciso que a obra tenha ruído total ou parcialmente, que esteja em perigo de ruína, ou que apresente defeitos” (cf. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos – Compra e Venda, Locação e Empreitada, Almedina, 2000, pp. 463 a 465).

No acórdão, de 11 de Fevereiro de 2015 (proc. n.º n.º 112/09.5TBCMN.G1.S1), relatado pelo Conselheiro Gabriel Catarino, de que a ora Relatora, foi 1.ª Adjunta, decidiu-se que se deduz deste regime especial que o dono da obra ou o terceiro adquirente, para fazer valer com êxito uma pretensão para reparação de defeitos detetados numa obra de longa duração, terá de: 1) denunciar os defeitos no prazo de garantia da obra, ou seja cinco anos após a entrega da mesma; b) propor a ação, caso o empreiteiro ou vendedor do imóvel não aceitem proceder à reparação dos defeitos, no prazo de um ano a partir do momento em que efetuou a denúncia.

Esta posição foi já adotada no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 24-09-2009, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, onde se escreveu, a propósito do regime de venda de imóveis destinados a longa duração, que: “[procedendo] a uma clara definição do quadro normativo aplicável ao presente litígio, dir-se-á liminarmente que: -estando em causa defeito construtivo de um imóvel destinado a longa duração, construído pelo próprio vendedor, é aplicável o regime específico constante do art. 1225º do CC, e não o regime genérico da venda de coisas defeituosas, plasmado nos arts. 914º e 916º do CC, nomeadamente no que se refere aos prazos para o exercício dos direitos ali previstos; - o limite temporal para o exercício de tais direitos, necessariamente actuados dentro de certo prazo, configura um problema de caducidade, e não de prescrição; -o «iter» estabelecido em tal preceito legal para o exercício dos direitos outorgados ao comprador do imóvel defeituoso implica a clara distinção entre os planos da garantia legal de 5 anos que lhe é conferida, a contar da entrega do imóvel, consequente à celebração do contrato de compra e venda; do exercício do direito potestativo à denúncia dos defeitos, com vista a obter a consequente indemnização ou a respectiva eliminação pelo vendedor – construtor, a exercitar no prazo de 1 ano a contar do conhecimento do vício construtivo da coisa; e, finalmente, do exercício em juízo do direito de indemnização ou eliminação dos defeitos denunciados, no prazo de 1 ano subsequente à denúncia; - de tal distinção decorre que – ao contrário do que pretende o recorrente – o exercício da acção não tem que ocorrer necessariamente dentro dos 5 anos subsequentes à venda do imóvel, bastando que o vício construtivo se revele no decurso do referido prazo de garantia: tal ocorreu manifestamente no caso dos autos, já que os defeitos ocorreram e foram denunciados dentro dos 5 anos posteriores à outorga na escritura e consequente entrega da coisa; - o regime específico que consta do art. 1225º tem de ser articulado e conjugado com as normas gerais que definem o regime da caducidade, em particular com o disposto nos arts. 331º, nº 2, e 329º do CC.”

Veja-se, ainda, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 14-01-2014 (proc. n.º 387/07.5TBLNH.L1.S1), relatado pelo Conselheiro Moreira Alves, que defende que o adquirente beneficia de um prazo de cinco anos para o conhecimento da desconformidade do objeto, do prazo de um ano a contar do conhecimento do defeito para exercer o direito de denúncia e de um prazo de três anos, subsequente à denúncia para instaurar a ação destinada a exercitar o direito à reparação ou eliminação dos defeitos. Já se o defeito apenas surge ou é conhecido pelo adquirente do prédio, após o decurso do prazo de garantia, já não poderá ser exercido o direito de denúncia da ação. Mas esta pode ser dispensada, no caso de o adquirente detetar o defeito dentro do prazo de garantia e intentar a ação no prazo de um ano a partir desse conhecimento, pois, então, a citação para a ação funcionará como denúncia.

Este acórdão adota também a posição, segundo a qual «Quando estamos na presença de um prédio constituído em propriedade horizontal e os defeitos invocados se referem às partes comuns do edifício, a entrega do imóvel ao adquirente, para o efeito da contagem do prazo de garantia, deve ter-se por efectuada quando é instituída a administração do condomínio, seja por iniciativa do construtor/vendedor, seja por acção dos condóminos».

 

4. Nos termos do n.º 1 do artigo 1225.º do Código Civil, o dono da obra passou a dispor de um prazo de cinco anos de garantia, salvo estipulação de outro prazo, durante o qual o empreiteiro, ou o vendedor, é responsável pelos defeitos apresentados na obra e, consequentemente, pelos prejuízos causados ao dono da obra (ou a terceiro adquirente).

Como se afirma no citado acórdão de 12 de fevereiro de 2015:

«Tratando-se de obras sujeitas a longa duração, nem sempre a descoberta dos vícios da construção da obra se revelam no início da ocupação por parte do respectivo dono ou de terceiro adquirente, mas antes após algum tempo de uso percussão de algumas das incidências naturais sobre a estrutura, materiais utilizados, modo de aplicação e forma como a construção foi executada, pelo que o legislador numa perspectiva de protecção dos direitos do consumidor alargou o prazo fixado nos artigos 914.º, 916.º e 917.º do Código Civil.

Nesta perspectiva, o legislador, no caso de imóveis destinados a longa duração, pôs à disposição do dono da obra e do terceiro adquirente, os seguintes prazos: um, de cinco anos, durante os quais, se forem descobertos defeitos, os pode denunciar (prazo de garantia supletivo), e outro, de um ano, a partir do seu conhecimento, para os denunciar». O que significa que o dono da obra tem um prazo - de cinco anos - em que se ocorrer a descoberta de um defeito o pode denunciar, mas que exaurido esse prazo, e não tendo operado qualquer denúncia, extingue-se o direito à denúncia de defeitos.   

Resumindo, deduz-se deste regime especial que o dono da obra ou o terceiro adquirente, para fazer valer com êxito uma pretensão para reparação de defeitos detectados numa obra de longa duração, terá de: «1) denunciar os defeitos no prazo de garantia da obra, ou seja cinco anos após a entrega da mesma; b) propor a ação, caso o empreiteiro ou vendedor do imóvel não aceitem proceder à reparação dos defeitos, no prazo de um ano a partir do momento em que efetuou a denúncia» (cf. acórdão de 12 de fevereiro de 2015).

O prazo de cinco anos constitui, assim, o período em que a falta de conformidade se deve manifestar e em que a denúncia deve ser feita, e não a data limite para o exercício dos direitos do dono da obra, podendo a ação ser interposta para além do prazo de cinco anos.

 

Esta constitui a melhor solução legal e aquela que é defendida pela doutrina (cf. Pedro Romano Martinez, «Compra e Venda e Empreitada», in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Vol. III, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 2007, p. 263), quando escreve que «(…) tratando-se de imóveis por sua natureza de longa duração, o prazo é alargado para cinco anos (arts. 916.º, n.º 3 e 1225.º, n.º 1), devendo, em qualquer caso, a acção judicial para o exercício dos direitos ser intentada no período de seis meses ou um ano após a recusa da aceitação da coisa, a aceitação com reserva ou denúncia do defeito (arts. 917.º, 1224.º e 1225.º, n.º 2)».

No direito português (arts 916.º, 917.º e 1224.º), o prazo de garantia foi autonomizado do da propositura da ação e é um prazo de caducidade, não podendo ser suspenso nem interrompido, para não protelar demasiado a responsabilidade do vendedor e do empreiteiro. Contudo, como se trata de matéria que não está excluída da disponibilidade das partes, o decurso do prazo de caducidade tem de ser invocado por aquele a quem aproveita, pois não é de conhecimento oficioso (arts 333.º, n.º 2 e 303.º).

«Nos termos do art. 1225.º, o termo «obra» é entendido em sentido amplo, de molde a abranger a que foi edificada, como aquela na qual a primeira se incorpora (p.ex., a sobreelevação de um andar que causa a ruína do prédio), bem como outras obras acessórias importantes (p. ex., construção de um forno numa padaria). Além disso, é indiferente que o empreiteiro tenha sido encarregue da construção, modificação ou reparação da obra, desde que, nestes últimos dois casos, os trabalhos impliquem uma renovação geral do bem.

Para a aplicação do prazo mais longo do art. 1225.º exige-se o preenchimento de dois requisitos.

Por um lado, torna-se necessário que a obra seja destinada a longa duração. Esta longa duração resulta da natureza objectiva da obra (p. ex., edifício, barragem, porto) e não do destino que, subjectivamente o comitente lhe queira dar.

Por outro, é preciso que a obra tenha ruído total ou parcialmente, que esteja em perigo de ruína ou que apresente defeitos graves. A noção de «ruína» também deve ser entendida em sentido amplo, devendo, neste conceito, ser incluída a ruína funcional (p.ex., sistema de aquecimento central que, em razão da deficiente montagem, nunca poderá trabalhar em condições)» (Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituoso, Em especial na compra e venda e na empreitada, ob. cit., p. 373).

«Apesar de a lei não esclarecer quanto à data de início do prazo de um ano para a denúncia, por analogia com o disposto no art. 1220.º, n.º1, deve entender-se que ele se inicia igualmente com a descoberta do defeito» (Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituoso …ob. cit., p. 376).

Deve considerar-se, para este efeito, não só o momento a partir do qual se obtém conhecimento efetivo do defeito, mas também aquele em que o defeito podia ter sido detetado, se o credor da prestação imperfeita tivesse agido diligentemente (Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituosoob. cit., pp. 376-377). Mas só se pode considerar que o comprador ou o dono da obra teve conhecimento do defeito a partir do momento em que ficou ciente da sua existência, não bastando uma mera suspeita. Em regra, deve ter-se em conta a data em que tenha sido recebido o relatório de peritagem ((Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituosoob. cit., p. 377).

5. O prazo limite de garantia, de cinco anos, para requerer o direito de indemnização pelos prejuízos causados pelos defeitos da obra, tem o seu início com a entrega da coisa, pois é desde este momento que o dono da obra pode, com maior facilidade, dar conta dos defeitos de que a obra padece.

Mas só deve ser tida em conta a entrega efetiva e não a simbólica, pois enquanto o comprador não estiver em contacto com o bem, dificilmente se poderá aperceber dos vícios do mesmo (Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituosoob. cit., pp. 376-377).pp. 377-378). Sendo a obra entregue por partes, desde que estas não tenham autonomia, o prazo conta-se a partir da entrega da última parte (cf. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial), Contratos, Compra e venda, Locação, empreitada, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, p. 496).

 

O direito de ação não tem de ser exercido, necessariamente, no prazo de garantia. Dentro desse prazo apenas tem de se denunciar o defeito, o que é completamente diferente. O prazo para interpor a ação judicial conta-se a partir da denúncia dos defeitos e não a partir da entrega do prédio.

 

6. No caso vertente, trata-se de uma obra destinada a longa duração, o prazo de garantia, para requerer o direito de indemnização pelos defeitos da obra, é de cinco anos a contar da entrega, segundo o art. 1225.º, n.º 1 do CC.

Contudo, o facto de as frações se destinarem a habitação faz com que os prazos para o exercício do direito de reparação dos defeitos se contem segundo os critérios da legislação de defesa do consumidor (Decreto-Lei nº 67/03, de 8-4, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 84/08, de 21-5,) normas especiais relativamente às regras gerais do Código Civil previstas para o contrato de empreitada, derrogando aquelas com as quais se revelem incompatíveis no seu campo de aplicação – o da relação de consumo.

Esta legislação confere aos prazos uma natureza diferente nas empreitadas de consumo em relação às empreitadas comuns e alonga o período durante o qual os direitos do dono da obra podem ser exercidos nas empreitadas de consumo.

 

Aplicam-se imediatamente os prazos mais longos introduzidos pelo Decreto-Lei nº 84/08, de 21-5, em conjugação com o disposto no art. 297º, nº 2, do CC, embora computando o período de tempo já decorrido desde o momento inicial até à alteração legislativa (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 01-10-2015, proc. n.º 279/10.0TBSTR.E1, relatado pelo Conselheiro Abrantes Geraldes).

Nos termos desta legislação (art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21-05), o empreiteiro é apenas responsável pelos defeitos que se verifiquem na obra no prazo de cinco anos após a entrega da obra. Este prazo fixa o período em que a falta de conformidade se deve manifestar e não a data limite para o exercício dos direitos do dono da obra consumidor, como sucede com iguais prazos consagrados no regime geral do contrato de empreitada (arts 1224.º, n.º 2 e 1225.º, n.º 1 do CC).  

O art. 5.º - A, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 84/2008 impõe que os direitos de reparação devem ser exercidos no prazo de três anos após a denúncia das faltas de conformidade.

Daqui resulta, conforme entende Cura Mariano (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos defeitos da obra, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, p. 264), que, nas relações de consumo, após o dia de entrega da obra, o prazo máximo para o exercício dos direitos do dono da obra consumidor é de 9 anos para os bens imóveis (5 anos + 1 ano + 3 anos). Trata-se de um sistema de múltiplos prazos de caducidade: prazo para a deteção do defeito, prazo da denúncia da desconformidade e prazo para o exercício dos direitos (cf. Cura Mariano, Responsabilidade Contratual…ob cit., p. 265).

7. Porém, nem sempre é fácil determinar o momento em que deve ter-se a obra por entregue para efeito de se fixar o dia para a contagem do prazo de garantia.

A dificuldade tem-se colocado quando estamos em presença, como é o caso, de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal e os defeitos invocados se referem às partes comuns do edifício.

Nestas situações frequentes, várias têm sido as soluções propostas, defendendo-se que a entrega do imóvel para os aludidos efeitos, deve ter-se por efetuada:

-na data da constituição da propriedade horizontal;

-quando o vendedor entrega a 1ª fração ao condómino adquirente;

-com a entrega da última fração alienada;

-com a entrega da maioria das frações, ou

-quando é instituída a administração do condomínio, seja por iniciativa do construtor/vendedor, seja por ação dos condóminos.

Na jurisprudência deste Supremo, tem-se entendido que a entrega do imóvel deve ter-se por efetuada quando é instituída a administração do condomínio, seja por iniciativa do construtor/vendedor, seja por ação dos condóminos.

 

O critério interpretativo a adotar reside, como diz Cura Mariano (Responsabilidade Contratual.., ob. cit.,p. 201), na consideração de que o direito dos condóminos sobre as partes comuns foge às regras gerais da compropriedade, assumindo uma configuração própria em que a vontade dos condóminos não é valorada individualmente, mas sim enquanto membros duma organização dotada de órgãos próprios que exprimem a vontade coletiva do grupo. Competindo à assembleia de condóminos e não a estes, individualmente considerados, decidir sobre o exercício dos direitos à reparação ou eliminação do defeito, não releva o momento em que são entregues aos condóminos as diversas frações autónomas, mas sim o momento em que esses órgãos passam a estar em condições para poderem exercer os referidos direitos (Cura Mariano, Responsabilidade Contratual…ob. cit., p. 201).

Assim, decisivo será “…a data em que o construtor faz a transmissão dos poderes de administração das partes comuns aos condóminos, o que só pode ter sucedido quando estes constituíram a sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condomínio e elegendo o seu administrador” (Cura Mariano (Responsabilidade Contratual.., ob. cit., p. 201).

Contudo, se à data da realização da primeira assembleia de condóminos, o prédio não estiver ainda concluído, atende-se à data da entrega do prédio à assembleia dos condóminos, isto é, à data em que o construtor perdeu o controlo sobre as decisões desta assembleia, conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal, de 29-11-2011 (proc. n.º121/07.TBALM.L1.S1). Relevante será apenas o momento a partir da qual o vendedor perde o controlo da assembleia de condóminos, pois só neste momento o condomínio fica em condições de exercer os direitos de reparação ou eliminação dos defeitos perante o construtor.

Veja-se a orientação adotada no citado acórdão, de 29-11-2011, relatado pelo Conselheiro Gabriel Catarino (121/07.TBALM.L1.S1):

 «I - A contagem do prazo de 5 anos para denúncia dos defeitos de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração, previsto no art. 1225.º, n.º 1, do CC, inicia-se no momento da entrega do prédio por parte do construtor/vendedor. II-Tal entrega considera-se feita no momento em que o vendedor entrega o prédio à assembleia de condóminos, ou seja, no momento a partir do qual o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos e identificados com os interesses comuns. III - Este momento – da cisão do vendedor do prédio vendido – pode coincidir, ou não, com a constituição da assembleia de condóminos, sendo que, se quando esta for constituída o prédio estiver entregue, será a partir deste momento que se passará a contar o prazo de 5 anos, se o prédio não estiver concluído e não estando em condições de ser entregue à assembleia de condóminos para que esta possa exercer todos os direitos de fiscalização sobre as partes comuns, o dies a quo a partir do qual deve ser contado o início do prazo dos 5 anos deverá ser a partir da entrega do prédio para uma entidade/administração distanciada do vendedor e com plena autonomia para denunciar os eventuais defeitos existentes na obra».

Esta doutrina deve prevalecer por ser a que melhor se ajusta à teleologia da norma e a que mais eficazmente protege o comprador enquanto consumidor. Note-se que estamos perante adquirentes que não têm em vista fins profissionais, mas que visam utilizar as frações para habitação, e que não dispõem do acesso à informação de que dispõem as rés, enquanto empresas.

8. No caso concreto, a propriedade horizontal foi constituída em 12 de julho de 2007 (facto provado O); a primeira assembleia de condóminos realizou-se em 30 de julho de 2007 (facto provado R), data em que também foi eleita, como administradora do condomínio, a “Imocondomínio”, empresa que tinha como sócio o próprio construtor, e em 27 de Setembro de 2007, os condóminos adquiriram a maioria da permilagem (facto provado BB).

As rés tinham, em virtude dos factos R) a W), o controlo da administração do condomínio, o qual só cessou em 29 de agosto de 2011 (facto H).

Com base neste argumento, entende o recorrente que só nesta data os condóminos estavam em condições de exercer o seu direito a reclamar os defeitos, devendo o início da contagem do prazo de cinco anos fazer-se a partir de 29 de Agosto de 2011.

Contudo, o facto de a administradora do condomínio estar controlada pelas rés não significa que os condóminos não possam convocar a assembleia de condóminos e deliberar sobre o exercício dos direitos relacionados com os defeitos existentes nas partes comuns do edifício, assim vinculando a administração à execução de tal deliberação.  

No caso dos autos, desde 30 de Julho de 2007 que estava constituída a assembleia de condóminos e foi eleita a administração do prédio (facto provado R) e desde Setembro de 2007 que os condóminos não ligados à ré detinham mais de metade da permilagem do prédio, de acordo com o facto provado BB).

Temos de considerar, portanto, que em qualquer uma destas datas já se verificava a autonomia jurídica do condomínio em relação ao construtor/vendedor, pois basta uma permilagem de 25% do capital investido para que os condóminos possam convocar a assembleia (art. 1431.º, n.º 2 do CC) e nada impede, conforme afirma Cura Mariano (Responsabilidade Contratual…ob. cit., p. 198) que os direitos à reparação/eliminação dos defeitos possam ser exercidos em conjunto pela totalidade dos condóminos, dispensando-se assim a existência de deliberação da assembleia nesse sentido e a intervenção do administrador, assim como podem os condóminos prescindir da intervenção do administrador em sua representação, dado que a mesma só foi prevista no art. 1437.º, n.º 1, do CC, para facilitar a sua atuação jurídica.

 

O defeito da obra foi conhecido pelos condóminos em dezembro de 2011, durante o período de garantia de cinco anos, quer se adotasse a tese da 1.ª instância (data da realização da primeira assembleia de condóminos – julho de 2007), quer a tese do acórdão recorrido (data da aquisição da maioria da permilagem pelos condóminos – setembro de 2007), pois, terminaria respetivamente a 20 de Julho de 2012 ou a 27 de Setembro de 2012.

Em dezembro de 2011, por solicitação do condomínio, foi elaborado por engenheiro civil, um relatório das patologias do Edifício AA (facto Provado I), que foi dado a conhecer aos condóminos a 6 de dezembro de 2011 (facto provado J).

Mas no caso sub judice, não se provou que o relatório dos defeitos datado de dezembro de 2011 tivesse sido comunicado às rés antes de terminar o prazo quinquenal, sendo assim não pode valer como denúncia.

Alega, contudo, o recorrente, que, por aplicação do regime do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio, nas relações de consumo, para os bens imóveis, o prazo máximo para o conhecimento dos vícios da obra é de 5 anos, dispondo ainda o adquirente, para efetuar a denúncia, de mais um ano após o conhecimento, e, para interpor a ação de mais três anos após a denúncia.

Na verdade, como vimos, o contrato de empreitada de construção de uma moradia celebrado entre um empresário da construção civil e um consumidor é regulado pelo Dec. Lei nº 67/03, de 8-4, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 84/08, de 21-5, com recurso subsidiário às disposições do Código Civil sobre o contrato de empreitada.

A relação de empreitada de consumo é aquela que é estabelecida entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional e outrem que exerce com caráter profissional uma determinada atividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração.

O art. 1.º, n.º 2, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 84/2008 passou a referir expressamente a aplicação do regime do Decreto-Lei n.º 67/2003 aos contratos de empreitada que tivessem por objeto o fornecimento de bens de consumo.

O dono da obra que é consumidor pode ser qualquer pessoa física que contrate a realização de uma obra com a intenção de não a destinar a uma utilização profissional.

A relação entre as partes, numa empreitada de consumo, carateriza-se, nas palavras de Cura Mariano (Responsabilidade Contratual…ob. cit., p. 237) por ser uma «relação contratual subjectivamente desequilibrada», em que de um lado, temos o dono da obra consumidor, como a parte contratual mais fraca, identificado pela intenção a que se destina a obra encomendada, e, no outro, o empreiteiro empresário, identificado pela veste profissional que assume.

No caso do condomínio não estamos perante uma pessoa física nem perante uma pessoa coletiva. A sua classificação como consumidor, no caso de estar em causa a realização de obras nas partes comuns de um edifício em propriedade horizontal, depende do tipo de utilização a que se destinam as frações que compõem esse edifício. Se estas têm maioritariamente um destino não profissional (v.g. a habitação), o contrato relativo à realização de obras nas partes comuns deve ser qualificado como empreitada de consumo (cf. Cura Mariano, Responsabilidade Contratual…ob. cit., p. 242).

Não há dúvida, no caso sub judice, que estamos perante uma empreitada de consumo, pois segundo o facto provado E) as frações foram vendidas para usos não profissionais, mais precisamente para habitação.

 

No que diz respeito aos prazos para fazer valer os direitos de reparação, eliminação ou substituição dos defeitos, segundo o artigo 5.º, n.º 1 do DL n.º 84/2008, «O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respetivamente, de coisa móvel ou imóvel».

Segundo o art. 5.º - A, n.º 2 do citado diploma, «Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detetado»

Nos termos do art. 5.º, n.º 3 «Caso o consumidor tenha efetuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data»

            A lei de defesa do consumidor deve ser interpretada de acordo com o seu sentido literal, por ser este o que decorre diretamente do significado corrente das palavras utilizadas e o que é mais compreensível pelos destinatários das normas, os consumidores que o legislador visa proteger. Por outro lado, de acordo com os critérios hermenêuticos fixados no Código Civil, o intérprete deve presumir que o legislador  exprimiu o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3 do CC).

Sendo assim, devemos entender que o prazo de cinco anos consagrado no art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio, tal como indica o elemento gramatical de interpretação, não é um prazo de garantia, dentro do qual se tem de verificar a denúncia dos defeitos ao empreiteiro, mas um prazo que serve apenas para o consumidor conhecer todos os defeitos manifestados na obra e que vão ser objeto do dever de reparação ou eliminação do construtor/vendedor. Trata-se de um prazo que visa unicamente a deteção da falta de conformidade do objeto pelo adquirente, dispondo este, após a verificação da falta de conformidade, de mais um ano para denunciar os defeitos ao construtor, como estipula o art. 5.º - A, n.º 2 do citado diploma.

Nos termos desta legislação, se o vício apenas surge ou é conhecido pelo adquirente do prédio após o decurso do prazo de cinco anos, já não poderá ser exercido o direito de denúncia, uma vez que tal teria como consequência que o vendedor/construtor ficaria indefinidamente sujeito à obrigação de reparar o dano, situação que o legislador pretendeu evitar.

Mas, se o defeito apenas se torna conhecido no período final do prazo de cinco anos, mas antes de este se esgotar, o adquirente dispõe ainda do prazo de um ano, a partir do conhecimento, para exercer o direito de denúncia, funcionando a citação para a ação como denúncia. Estes prazos são independentes entre si.

O Condomínio detetou o defeito em dezembro de 2011, ainda dentro do prazo de cinco anos para verificação das desconformidades, dispondo, a partir desta data, de um prazo de um ano para proceder à denúncia dos defeitos ao empreiteiro, prazo esse que foi cumprido pelo facto de a citação da ação se ter verificado em 7 de novembro de 2012 (facto provado AA).

De acordo com a jurisprudência (cf. o citado acórdão deste Supremo Tribunal de 14-01-2014), «A denúncia pode ser dispensada no caso de o adquirente detectar o defeito dentro do prazo de garantia e intentar a acção no prazo de um ano a partir desse conhecimento, pois, então, a citação para a acção funcionará como denúncia».

Em consequência, o Condomínio, interpondo a ação em 24 de outubro de 2012 (facto provado Z), para a qual foram os réus citados em 7 de novembro do mesmo ano, respeitou os prazos fixados nos artigos 5.º, n.º 1 e 5.º - A, n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, tendo direito a obter dos réus a reparação dos defeitos.

           

           

IV – Decisão

Pelo exposto, decide-se, neste Supremo Tribunal de Justiça, conceder a revista e revogar o acórdão recorrido, condenando-se, solidariamente, os réus “BB – Construção Civil e Obras Públicas, SA” e “CC, SA”, na reparação das anomalias existentes no Edifício AA, descritas no ponto K) da matéria de facto provada, num prazo de seis meses.

Custas pelos recorridos.


Lisboa, 31 de Maio de 2016

Maria Clara Sottomayor (Relatora)


Roque Nogueira

Sebastião Póvoas


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[1] Ac. STJ de 26.0.4.1983, in BMJ 326º-472.
[2] Compra e Venda de Coisas Defeituosas, págs. 102 e 103.
[3] Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, pág. 213.
[4] V. Acórdãos do STJ, de 6/6/2002; de 21-4-2005; de 29-10-2010; de 01-6-2010; de 29-6-2010; de 06-3-2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.
No mesmo sentido, Cura Mariano, ob cit págs 212-215.