Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B4461
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
LIQUIDAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO
Nº do Documento: SJ200501270044612
Data do Acordão: 01/27/2005
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 3599/04
Data: 05/27/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. No pagamento do valor das indemnizações em processo expropriativo há que seguir o iter procedimental a que se reporta o artº 71º do CEXP 99 aprovado pela L 168/99 de 18/9.
II. Aos expropriados assiste o direito de serem indemnizados pelos atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento ou do processo expropriativo ou na realização de qualquer depósito no seio do processo litigioso - nº 1 do artº 70º do CEXP.
III. Os juros moratórios incidem sobre o montante definitivo da indemnização ou sobre os montantes dos depósitos, conforme o caso, sendo a taxa respectiva a fixada nos termos do artº 559º do C. Civil - conf. nº 2.
IV. As cauções prestadas e os depósitos efectuados pela entidade expropriante respondem pelos juros moratórios que forem fixados pelo tribunal - conf. nº 3
V. Isto Se a entidade expropriante não depositar o valor da indemnização dentro do prazo de 10 dias cominado no CEXP (obrigação de prazo certo), sendo nesta sede aplicáveis, com as necessárias adaptações, os artºs 804º, 805º, e 806º do C. Civil.
VI. Se a indemnização não for paga espontaneamente ou pela forma provocada a que se reporta o nº 4 do artº 71º do CEXP 99, pode ter lugar a execução, servindo de título executivo a decisão final arbitradora da indemnização,a qual assume a natureza de decisão condenatória (artº 46º, nº 1, al. a) do CPC).
VII. O incidente da dívida de juros e da respectiva "liquidação" (determinação quantitativa não poderá ser suscitado e decidido "ex-novo" no seio de um recurso de apelação tendente justamente a dirimir a querela sobre o montante da indemnização-base a arbitrar ao expropriado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Nos autos de expropriação por utilidade pública, em que foi expropriante a "Câmara Municipal de Lisboa" e expropriados A, B, C, D e E, a expropriante remeteu à comarca de Lisboa o competente processo administrativo dessa expropriação a que se reporta a Declaração de Expropriação por Utilidade Pública, com carácter de urgência, publicada no Diário da República n.° 241/98, II Série, Apêndice n° 142/2000, de 18/10/2000.

Com essa remessa, requereu a adjudicação do prédio urbano sito na Estrada de Cheias, n.°..., descrito na 18.° Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 12.286 actual n.° 919, da freguesia do Beato, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 108°, da freguesia do Beato e na matriz predial urbana sob o artigo 59, da freguesia do Beato, confrontando a Norte com Estrada de Cheias e "Câmara Municipal de Lisboa", a Sul com "Empresa Pública das Aguas Livres" e a Poente com Estrada de Cheias, F e G

Em 19-12-2000, foi efectuada a vistoria "ad perpetuam rei memoriam", conforme relatório de fls. 31-41.

A expropriante tomara já posse administrativa da parcela expropriada, conforme auto de fls.42-44 e na decisão arbitral de fls.30 fora fixada a quantia de € 254.386,93 (51.000.000$00) a título de indemnização, quantia essa que a expropriante depositou à ordem do Tribunal.

2. Por despacho de 17-04-02, (fls. 46-47), foi adjudicada a propriedade do prédio urbano expropriado à expropriante Câmara Municipal de Lisboa.

3. Vieram as partes interpor recurso da decisão arbitral, a expropriante "Câmara Municipal de Lisboa" solicitando que fosse fixada a indemnização no montante de € 239.233,47 e os expropriados que a indemnização fosse fixada em € 520.300,00.

4. Por sentença de 15-7-03, O Mmo Juiz do 3º Juízo Cível da Comarca de Lisboa julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados e,em consequência, condenou a expropriante a pagar aos expropriados a indemnização no valor de € 311.000.

5. Inconformados com a decisão, dela interpuseram de novo recurso, agora de apelação, a expropriante e os expropriados, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 27-5-04, negado provimento ao recurso da expropriante e julgado parcialmente procedente o recurso dos expropriados, fixando o valor da indemnização em € 334.419,79.

6. Entretanto, e como os expropriados houvessem solicitado - nas conclusões 8ª, 9ª e 10ª da respectiva alegação de recurso de apelação - a atribuição de juros de mora nos termos dos n°s 1 e 2 do artº 70 do CEXP99, por entenderem ter havido retardamento culposo entre a data em que devia ter sido feito o depósito da indemnização fixada pela arbitragem e aquela em que ele veio a ser efectivamente efectuado à ordem do Tribunal, a Relação, no mesmo citado acórdão, considerou que:

- da análise dos autos não resultavam elementos suficientes que permitissem apurar, se após a elaboração do acórdão dos árbitros, o processo administrativo se encontrava efectivamente completo para poder ser efectuado o depósito e remetido o processo a tribunal e os "apelantes" (ora recorrentes) não haviam fornecido ao processo quaisquer elementos dos quais esse tribunal pudesse inferir, que tivesse ocorrido mora, limitando-se a referir que em seu entender o depósito devia ter sido realizado em 18/12/2001 e que só ocorreu em 01/04/2002;

- e, de qualquer modo, nunca essa questão houvera sido suscitada a não ser então em sede de recurso, e nem sequer a expropriante havia sido ouvida sobre a questão da mora, podendo, como se sabe, existir motivos justificáveis para que o depósito não houvesse então sido efectuado.

Julgou, por isso, improcedentes as referidas conclusões.

7. Inconformados com tal aresto, dele vieram os expropriados A e Outros recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões:

1ª.- Para a condenação da entidade expropriante no pagamento dos juros moratórios previstos nos n°s 1 e 2 do art° 70° do Código das Expropriações pode não interessar saber se, após a elaboração do acórdão dos árbitros, o processo administrativo estava completo para poder ser efectuado o depósito e remetido o processo a tribunal", bastando averiguar:

a)- se a expropriação teve carácter de urgência;

b)- qual a data da publicação da declaração de utilidade pública;

c)- qual a data do recebimento da decisão arbitral;

d)- qual a data de nos termos do n° 2 do art° 70º e sem prejuízo do disposto nos art°s 71° e 72°, todos do Código das Expropriações;

2ª- Constando dos autos:

a) que a expropriação teve carácter de urgência;

b)- que a declaração de utilidade pública foi publicada no DR - II Série de 18/10/2000;

c)- que, para efeitos do nº, 4 do art°, 10º, foi atribuído o valor de €249, 862, 18;

d)- que a decisão arbitral foi elaborada e entregue à entidade expropriante em 30/10/2001 e atribuiu ao imóvel o valor de € 254.386, 93;

e)- que a entidade expropriante realizou um único depósito, pelo montante arbitrado, à ordem do tribunal, em 01/04/2002;

- ficou claramente demonstrada a mora da expropriante, devendo esta ser condenada no pagamento de juros moratórios, calculados nos termos do nº 2 do artº 70º e sem prejuízo do disposto nos artºs 71° e 72º, todos do Código das Expropriações;

3ª- Na verdade e com base nos elementos que antecedem, constantes dos autos, a expropriante estava obrigada a depositar, até 18-01-2001, à ordem dos expropriados, a quantia mencionada no n° 4 do art°. 10º (€ 249.862,18), por força do disposto no n° 5 do art°20°, e, até 30/11/2001, à ordem do tribunal, a quantia de €4.524,75, correspondente à parte em que o montante arbitrado excede aquela primeira quantia;

4ª- Mesmo que a questão da mora só tenha sido suscitada em sede de recurso, a mesma não se encontra precludida e deverá ser apreciada, posto que sempre poderia ser suscitada nos termos do disposto nos art°s 71° e 72° do Código das Expropriações;

5ª.- Não se pode dizer que a expropriante nunca foi ouvida sobre a questão da mora, se, em resposta às alegações de recurso dos expropriados, aquela veio reconhecer a mora e a sua obrigação de

8. Não houve contra-alegação da entidade expropriante.

9. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.

10. Em matéria de facto, remete-se para decisão das instâncias ao abrigo do disposto no nº 6 do artº 713º, aplicável "ex-vi" do artº 726º, ambos do CPC.

Direito aplicável.

11. Vem aqui à colação o disposto no artº 71º do CEXP 99 aprovado pela L 168/99 de 18/9. Assim:

1- Transitada em julgado a decisão que fixar o valor da indemnização, o juiz do tribunal da 1ª instância ordena a notificação da entidade expropriante para, no prazo de 10 dias, depositar os montantes em dívida e juntar ao processo nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação de tais montantes.

2- A secretaria notifica ao expropriado e aos demais interessados o montante depositado, bem como a nota referida na parte final do número anterior.

3- O expropriado e os demais interessados podem levantar os montantes depositados, sem prejuízo da sua impugnação nos termos do artigo seguinte e do disposto no nº 3 do artigo 53º.

4- Não sendo efectuado o depósito no prazo fixado, o juiz ordenará o pagamento por força das cauções prestadas pela entidade expropriante ou outras providências que se revelarem necessárias, após o que, mostrando-se em falta alguma quantia, notificará o serviço que tem a seu cargo os avales do Estado para que efectue o depósito do montante em falta, em substituição da entidade expropriante.

Este o iter procedimental estabelecido por lei para o depósito do valor da indemnização.

Isto sendo sabido que aos expropriados assiste o direito de serem indemnizados pelos atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento ou do processo expropriativo ou na realização de qualquer depósito no seio do processo litigioso - nº 1 do artº 70º do CEXP.

Os juros moratórios incidem sobre o montante definitivo da indemnização ou sobre os montantes dos depósitos, conforme o caso, sendo a taxa respectiva a fixada nos termos do artº 559º do C. Civil - conf. nº 2.

As cauções prestadas e os depósitos efectuados pela entidade expropriante respondem pelos juros moratórios que forem fixados pelo tribunal - conf. nº 3

Temos, pois, que em processo de expropriação litigiosa, na fase do pagamento do valor do bem expropriado, após a fixação desse valor por decisão judicial transitada, se torna possível apreciar a questão da responsabilidade do expropriante pelos danos provocados pelo atraso nesse pagamento - conf. neste sentido, o Ac deste Supremo Tribunal datado de 23-9-99, in Proc 412/99-6ª Sec.

E, traduzindo-se a mora da entidade expropriante no atraso (demora, dilatação, retardamento ou dilação) culposo no pagamento da indemnização devida, tal entidade só pode considerar-se como incursa em mora quando, por causa que lhe não seja imputável, não deposita na Caixa Geral de Depósitos o valor da indemnização dentro do prazo de 10 dias cominado no CEXP (obrigação de prazo certo).

E à mora da entidade expropriante são naturalmente aplicáveis, com as necessárias adaptações, os artºs 804º, 805º, e 806º do C. Civil.

Desde logo, e assim, para além da ilicitude do retardamento no pagamento da indemnização, torna-se necessário que a indemnização se haja tornado certa, líquida e exigível.

E sendo uma obrigação de prazo certo, a incursão em mora opera de modo automático uma vez exaurida tal dilação, o que origina como consequência, a obrigação de reparar os juros moratórios nos termos do nº 1 do artº 804º do C. Civil.

Obrigação essa de carácter pecuniário, na qual a lei presume sempre ("juris et de jure") terem ocorrido danos causados pela mora, logo fixando a forfait o montante desse danos.

Sobre esta específica temática da mora no pagamento das indemnizações resultantes de expropriação por utilidade pública, veja-se o Ac TC de 5-3-98, in DR, IIª série, de 10-7-98.

Deste modo, o pagamento da quantia arbitrada a título de indemnização por expropriação por utilidade pública deve ser efectuado, mediante o procedimento específico a que se reporta o no 4 do artº 71° do CEXP 99 (L 168/99 de 1819).

Se não for paga espontaneamente ou pela forma provocada a que se reporta esse nº 4, pode ter lugar a execução, servindo de título executivo a decisão final arbitradora da indemnização,a qual assume a natureza de decisão condenatória (artº 46º, nº 1, al. a) do CPC).

O processo de execução corre mesmo por apenso ao processo de expropriação - artº 90º, nº 3, do CPC.

E, nesta última eventualidade, os juros peticionáveis em execução serão os vencidos até ao momento do requerimento inicial do processo executivo e os que se vencerem ulteriormente até à data da satisfação integral do crédito indemnizatório.

Esses juros só não poderão ser objecto de execução se tiver sido decidido no processo de expropriação não serem devidos - conf. Ac do ST J de 2-6-98, in Proc 464/98.

Face a estes considerandos, torna-se claro que o incidente da dívida de juros e da respectiva "liquidação" (determinação quantitativa) não poderá ser suscitado e decidido "ex-novo" no seio de um recurso de apelação tendente justamente a dirimir a querela sobre o montante da indemnização-base a arbitrar ao expropriado.

E muito menos poderá ser decidido em 1ª mão em sede de recurso de revista, mormente se a própria Relação refere "expressis verbis" - que " da análise dos autos não resultam elementos (factuais) suficientes que permitam apurar, se após a elaboração do acórdão dos árbitros, o processo administrativo se encontrava efectivamente completo para poder ser efectuado o depósito e remetido o processo a tribunal e os "apelantes" (ora recorrentes) não haviam fornecido ao processo quaisquer elementos dos quais esse tribunal pudesse inferir que tivesse ocorrido mora, limitando-se a referir que, em seu entender, o depósito devia ter sido realizado em 18/12/2001 e que só ocorreu em 01/04/2002" (sic) !...

Pode ser que assista razão aos ora recorrentes quando sustentam que "a expropriante deveria ter depositado, à sua ordem, até 18/01/2001, a quantia de €249.862,18 e, à ordem do tribunal, até 30/11/2001, a quantia de €4.524,75, e que, não tendo respeitado os referidos prazos, a expropriante terá de ser condenada a pagar os juros moratórios impostos pelos n°s 1 e 2 do art° 70° do Código das Expropriações, que se computam no montante de € 21.368,50" (sic).

Só que essa consideração e essa reclamada "condenação" (ou pelo menos a respectiva liquidação tornada definitiva) ainda não foram operadas em sede própria, sendo que os recursos, mormente o recurso de revista, se não destinam a criar decisões sobre matéria nova, mas a sindicar as decisões já expressamente emitidas pelos tribunais de hierarquia imediatamente inferior.

O que poderia reclamar - para dirimir a dúvida - a prolacção de uma decisão avulsa em sede procedimental, e em 1ª instância, sobre o montante devido a título de juros moratórios, subsistindo ainda, em "derradeira ratio", o apelo ao disposto no nº 2 do artº 661º do CPC (liquidação em execução de sentença).

12. E daí que seja de confirmar - ainda que por outra ordem de razões - o acórdão revidendo quanto à temática do juros moratórios alegadamente devidos aos recorrentes, mas apenas no sentido de que não havia aí que fixar, em 1ª mão, o montante desses juros.

13. Decisão:

Em face do exposto, decidem:

- negar a revista;

- confirmar, em consequência, ainda que por diferente fundamentação, o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2005.
Ferreira de Almeida (Com a declaração de que pelas razões já expostas no ac. deste Supremo de 18/03/04, em que interviu como relator, publicado no C.J.(Acs. S.T.J.) XII, I, 137, entendo que se não devia conhecer do objecto do recurso, tanto mais que a questão dos juros se prende com o valor da indemnização devida (cfr.Ac. Unif. de Jurisp. nº 10/97).
Abílio Vasconcelos
Duarte Soares