Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S643
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CADUCIDADE DA ACÇÃO DISCIPLINAR
PROCESSO DISCIPLINAR
PROVA DO PROCESSO DISCIPLINAR
PROVA PROIBIDA
DECISÃO FINAL
DESPEDIMENTO
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: SJ2008051406434
Data do Acordão: 05/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
1. Nos termos dos conjugados artigos 414.º, n.º 3, e 415.º, n.º 1, do Código do Trabalho, não havendo lugar à emissão de parecer das estruturas representativas do trabalhador, o empregador deve proferir decisão final sobre o despedimento, no prazo de trinta dias, contado a partir da ultimação das diligências probatórias, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
2. Não se extrai do texto do n.º 1 do artigo 415.º citado, nem mesmo se conjugado com o artigo 416.º seguinte, que o trabalhador deva ter conhecimento da decisão final sobre o despedimento antes de decorrido o prazo aí previsto.
3. Sendo ilícitas as filmagens utilizadas pelo empregador no processo disciplinar, daí não resulta a nulidade de todo o processo, antes determinando essa ilicitude que a sobredita recolha de imagens não possa ser considerada na indagação da justa causa de despedimento.
4. Não se pode exigir a um empregador que mantenha ao seu serviço um colaborador que não cumpre, ostensivamente, a ordem de entregar a documentação fiscal e contabilística da empresa ao novo responsável pela contabilidade geral e analítica, e que mostra total indisponibilidade, testemunhada por vários colegas de trabalho, para facultar o acesso ao local onde a mesma se encontrava arquivada, porquanto essa conduta representa uma grave quebra da disciplina, incompatível com a organização da empresa e com o desenvolvimento dos fins por ela prosseguidos.
5. Aquele comportamento, nas circunstâncias concretas em que se verificou, tornou, pela sua gravidade, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, afectando a relação de confiança que deve existir entre o empregador e o trabalhador e gerando fundadas dúvidas sobre a idoneidade futura do desempenho das suas funções profissionais.
6. Assim, esse comportamento ilícito e culposo preenche a invocada justa causa e legitima a sanção de despedimento aplicada, a qual, no dito contexto, se mostra adequada e proporcional à gravidade da infracção praticada pelo trabalhador.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 28 de Abril de 2006, no Tribunal do Trabalho de Almada, AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra CTT EXPRESSO – SERVIÇOS POSTAIS e LOGÍSTICA, S. A., pedindo a declaração da ilicitude do respectivo despedimento e a condenação da ré a reintegrá-la, sem prejuízo de optar, posteriormente, pela indemnização correspondente, a graduar no limite máximo, bem como a pagar-lhe a retribuição dos 30 dias anteriores à data da propositura da acção e as retribuições vincendas, a quantia de € 3.445,41, a título de férias, pertinente subsídio e subsídio de Natal relativo ao ano de 2005, e quantia não inferior a € 19.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora contados à taxa legal desde a citação.

A acção, contestada pela ré, foi julgada totalmente improcedente, sendo a ré absolvida de todos os pedidos contra ela deduzidos.

2. Inconformada, a autora apelou, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado o recurso parcialmente procedente, declarando a ilicitude do despedimento e condenando a ré: (a) a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; (b) a pagar à autora as retribuições que a mesma deixou de auferir desde os 30 dias que precederam a propositura da acção até ao trânsito em julgado do acórdão, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação daquele aresto até integral pagamento, cuja liquidação relegou para uma ulterior fase de execução.
É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido, ao abrigo das seguintes conclusões:

«A) Salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido assenta numa errada aplicação e interpretação das normas substantivas resultantes dos art.os 414.º, n.º 3, 415.º, n.º 1, [e] 416.º, todos d[o] [C]ódigo do Trabalho, bem como do art.º 224.º do Código Civil, fundamentando ainda a decisão em factos que não foram alegados nem demonstrados em primeira instância, constituindo, dessa forma, causa de nulidade, nos termos do disposto no n.º 1, alínea d), do artigo 668.º do Código de Processo Civil.
B) No caso sub judice, impõe-se a análise e interpretação do n.º 1 do artigo 415.º do Código do Trabalho (doravante designado por CT), cuja aplicação necessariamente está relacionada com o n.º 3 do artigo 414.º do mesmo diploma.
C) Para a boa decisão da causa, atendendo a que na estrutura empresarial da recorrida não existe comissão de trabalhadores, nem a recorrida é representante sindical, apenas é necessário ter em consideração: “concluídas as diligencias probatórias ...”
D) A alteração da natureza do prazo de proferir a decisão, que no domínio do Decreto-Lei n.º 64-A89, de 27 de Fevereiro, era meramente ordenatório, passou, com a entrada em vigor do CT, a revestir a natureza de prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção.
E) É certo que o n.º 1 do artigo 415.º do CT não deve ser considerado como lei interpretativa, no sentido de fixar uma das interpretações possíveis da lei anterior, ao contrário tal disposição legal tem de ser atendida como disposição inovadora.
F) No entanto, a alteração da natureza do prazo não se pode confundir com uma alteração das regras de contagem do referido prazo.
G) A transformação para um prazo de caducidade não implicou nem determinou que a conclusão das diligências probatórias passassem a ser entendidas exclusivamente como aquelas que foram requeridas pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa.
H) Esta interpretação não tem o mínimo de correspondência verbal no texto do mencionado normativo legal, o que obsta a que a mesma seja considerada pelo int[é]rprete, por força o disposto no art° 9.º, n.º 2, do CC.
I) Também as razões de paz jurídica, de certeza e de estabilidade já estavam presentes no art° 10.º da Lei dos Despedimentos, daí o legislador ter sempre definido um limite temporal de 30 dias para a prolação da decisão, sendo que agora com a caducidade que a nova legislação veio consagrar, apenas passou a haver uma sanção em caso de desrespeito daquele prazo.
J) O que realmente a lei pretende impor, através do art° 414.º do CT, é que a entidade empregadora está obrigada a realizar as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, só podendo deixar de o fazer quando se trate de diligências manifestamente destinadas a atrasar o termo do processo ou que nada tenham a ver com os factos constantes da nota de culpa ou da defesa, sendo que tal recusa terá sempre que ficar devidamente fundamentada.
K) As diligências probatórias e a sua conclusão visam criar condições para que a decisão analise e pondere todas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador, de forma a evidenciar a impossibilidade prática da manutenção do vínculo laboral, sendo este o escopo do n.º 3 do art° 415.º do CT.
L) O empregador não está vinculado a produzir unicamente as diligências probatórias que sejam requeridas pelo trabalhador na respectiva defesa.
M) Aceitar a interpretação do douto acórdão recorrido é fazer prevalecer a arbitrariedade, no sentido que apenas podem ser atendidas as provas apresentadas pelo trabalhador, limitando a produção de prova no âmbito do processo disciplinar ao empregador, subalternizando o apuramento das circunstâncias do caso concreto e a adequação da sanção do despedimento à culpabilidade do trabalhador.
N) Valorizando-se apenas as diligências probatórias do trabalhador, diminuiria a garantia do contraditório que o processo disciplinar está obrigado a seguir no seu decurso.
O) A tese sufragada pelo douto acórdão não constituiria nenhuma garantia adicional de celeridade e de certeza processual, fundamentos basilares vertidos no acórdão como razão da alteração da contagem do prazo de 30 dias para proferir a decisão a contar somente das diligências de prova requeridas pelo trabalhador.
P) Com efeito, não ficaria assegurad[a] a prevenção de qualquer dilação ou delonga do processo, caso o instrutor utilizasse o expediente de marcar para último as diligências arroladas pelo trabalhador.
Q) Seguindo aquele entendimento, não se evitaria qualquer risco de delongas processuais, não se valorizaria a paz jurídica, certeza e estabilidade processual, bastando fazer uso do mero expediente, para fugir ao efeito da caducidade, de marcar para último as provas arroladas pelo trabalhador.
R) Ora, sendo o escopo do art° 414.º do CT o acima enunciado — impor que a entidade empregadora está obrigada a realizar as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa — também o Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, valorizava igual princípio e tinha a sanção prevista no caso da sua inobservância e que consistia na nulidade do processo e do despedimento.
S) No caso sub judice, só estaria em causa a celeridade e segurança processual, caso a recorrida tivesse demonstrado e provado que no processo disciplinar em causa se verificaram manobras que visaram fazer perdurar no tempo o processo disciplinar, não o tendo conduzido o empregador de forma diligente ou que não tinha realizado uma diligência de prova requerida pelo trabalhador que se via não ser meramente dilatória, afectando a audiência do trabalhador e com isso provocar a nulidade do processo e, consequentemente, do despedimento.
T) Ora, em todo o processo nunca essa matéria foi dada como provada ou sequer invocada pela recorrida.
U) Atenta [a] complexidade e gravidade da matéria de facto da nota de culpa e respectiva resposta, foram realizados os actos instrutórios fundamentais para a apreciação da matéria de facto, dado a gravidade dos comportamentos que eram imputados à recorrida.
V) Com efeito, de toda a matéria de facto dada como provada não pode a recorrida concluir que houve qualquer intenção de prolongar o processo disciplinar com actos inúteis ou dilatórios.
W) Conforme [o] espírito e letra da lei, a entidade empregadora, após concluídas todas as diligências probatórias, tem o prazo de 30 dias a contar dessa data para proferir a decisão final do processo disciplinar e comunicá-la ao trabalhador.
X) O douto acórdão considerou, ainda, na apreciação da caducidade do prazo de comunicação da decisão, em relevar apenas como válida a comunicação de despedimento efectuada a 18/11/2005, considerando, assim, que ocorreria sempre a caducidade, mesmo que o prazo de 30 dias se viessem a contar da inquirição da testemunha Manuela de Freitas.
Y) Da matéria de facto dada como provada, resulta que o original da decisão de despedimento foi remetido à recorrida a 25/10/2005, por carta registada com aviso de recepção, para a morada Praceta ...., n.º 0 – 1.º Esq., Santa Marta do Pinhal, 2855-583 Corroios.
Z) Da mesma forma que foi dado como provado que a carta veio devolvida com a anotação de “não reclamado”, tendo o respectivo aviso para levantamento no posto de correios sido depositado na caixa do correio no dia 26/10/2005 (ponto 30.º da matéria de facto provada).
AA) Sucede que nunca a recorrida impugnou a matéria de facto que foi dada como provada no ponto 29 e no ponto 30, na sentença proferida pelo Tribunal em l.ª instância.
BB) Com efeito, o aresto em causa adere à tese da recorrida, pese embora esta, em 1.ª instância, nunca tenha vindo invocar qualquer teoria para o 1.º Esq. e 1.º Esq. frente, ao contrário do que aconteceu nas suas doutas alegações de recurso de apelação que foram conhecidas pelo Tribunal Superior.
CC) Ora, não pode a ora recorrida vir alegar nova matéria de facto que é susceptível de prova, no sentido de que existe 1.º Esq. e o 1.º Esq. Frente, em sede de recurso.
DD) O conhecimento de nova matéria de facto, insusceptível de conhecimento pelos tribunais de recurso, porque nunca foi objecto de alegação em sede de 1.ª instância.
EE) Daqui decorre que o douto acórdão recorrido é ferido de nulidade, no que a esta questão respeita, nos termos e para os efeitos do artigo 668.°, n.º 1, alínea d), do Código Processo Civil.
FF) Tendo em consideração a matéria de facto assente nos pontos 29 e 30 pelo Tribunal de 1.ª instância, tem que se considerar que a comunicação enviada pela entidade empregadora em 25/10/2005, tornou-se eficaz, não tendo sido recebida pela recorrida, por culpa unicamente desta.
GG) Outra interpretação viola o disposto no artigo 224.° n.º 2 do CC, como também o disposto no artigo 416.º do CT.
HH) O art° 224.º do CC consagra uma teoria mista, o declaratório ficará vinculado logo que conheça o conteúdo da declaração, ainda que o texto ou documento não lhe tenha sido entregue. Mas ficará igualmente vinculado nos termos da teoria da recepção — logo que a declaração chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, ainda que não torne conhecimento dela.
II) O que importa é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que este seja posto em condições de, só com a sua actividade, conhecer o seu conteúdo. Mas, se porventura o não conhecer, isso nada afecta a perfeição ou eficácia da declaração. Esta solução destina-se a evitar fraudes e evasivas por parte do destinatário.
JJ) A toda a doutrina exposta corrobora o artigo 416.º do Código do Trabalho, onde sem margem para dúvidas se estatui que a declaração de despedimento determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida.
KK) Aplicando as mencionadas disposições legais, ao contrário do doutamente decidido pela decisão recorrida, tem de ser considerar que a recorrida teve conhecimento da decisão final no dia 26/10/2005.»

A autora contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que se devia negar a revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.
3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

Nulidade do acórdão recorrido, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil [conclusões A), na parte atinente, e AA) a EE) da alegação do recurso de revista];
Saber se, no caso, se verifica a caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar de despedimento, por terem decorrido mais de 30 dias entre a data de conclusão da diligência probatória requerida pela trabalhadora e a decisão final [conclusões A), na parte atinente, e B) a W), da alegação do recurso de revista];
Saber se ocorre a caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar de despedimento, porque a trabalhadora teve conhecimento da decisão final após ter expirado o prazo estipulado no n.º 1 do artigo 415.º do Código do Trabalho [conclusões A), na parte atinente, X) a Z) e FF) a KK) da alegação do recurso de revista].

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. Em primeira linha, a recorrente alega que o acórdão recorrido enferma da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.° do Código de Processo Civil, já que fundamenta a decisão em matéria de facto que não foi objecto de alegação em 1.ª instância, portanto, insusceptível de conhecimento em sede de apreciação do recurso.

O certo é, porém, que a recorrente, no requerimento de interposição do recurso de revista (fls. 574), não arguiu qualquer nulidade do acórdão recorrido.

Ora, a arguição de nulidade da sentença em contencioso laboral, face ao preceituado no artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, com vista a habilitar o tribunal recorrido a pronunciar-se sobre as nulidades invocadas no requerimento que lhe é dirigido e proceder eventualmente ao seu suprimento, sendo entendimento jurisprudencial pacífico que essa norma é também aplicável à arguição de nulidade do acórdão da Relação, por força das disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), desse Código e 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de onde resulta, conforme tem sido reiteradamente afirmado por este Supremo Tribunal, que essa arguição, no texto da alegação do recurso, é inatendível por intempestividade.

Assim, não se pode conhecer da nulidade do acórdão recorrido invocada nas conclusões A), na parte atinente, e AA) a EE) da alegação do recurso de revista, por a sua arguição, apenas realizada na alegação do recurso, se mostrar extemporânea.

2. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) A A. foi contratada pela R. em 16 de Maio de 2001;
2) Tendo ultimamente a categoria profissional de técnica superior;
3) Em 30 de Novembro de 2005, a A. auferia a retribuição mensal ilíquida de € 1.595,77;
4) A A. foi despedida com invocação de justa causa, com efeitos reportados a esse dia 30 de Novembro de 2005;
5) A A. recebeu da R. a nota de culpa, com intenção de despedimento, cuja cópia está junta a fls. 46;
6) Respondeu a A. a esta nota de culpa, conforme seu articulado cuja cópia está junta a fls. 70;
7) Com esta resposta juntou a A. o documento junto a fls. 81, por si elaborado;
8) Em 20 de Outubro de 2005, a Administração da R. veio a proferir decisão de despedimento da A., invocando para o efeito justa causa, nos termos constantes do documento junto a fls. 41;
9) Tal decisão foi comunicada à A. por carta datada de 18 de Novembro de 2005 e por ela recepcionada em 22 de Novembro de 2005;
10) Na resposta à nota de culpa, a A. arrolou apenas uma testemunha, não tendo requerido qualquer outr[a] diligênci[a];
11) Essa testemunha foi ouvida em declarações em 29 de Julho de 2005;
12) A nota de culpa está fundada na existência de inúmeras imagens captadas pelo respectivo sistema de recolha que a R. tem montado nas suas instalações;
13) A A. esteve ausente do trabalho nos dias 27 e 28 de Abril de 2005;
14) Ausências que foram justificadas com fundamento na realização do exame de candidatura ao MBA, que já era do conhecimento da R.;
15) Regressada à empresa, no dia 29 de Abril de 2005, o seu local de trabalho encontrava-se ocupado por outro trabalhador;
16) O qual passou a desempenhar as funções de TOC e de coordenação da contabilidade geral da empresa;
17) A A. deslocou-se ao seu local de trabalho, na companhia de sua irmã, no dia 1 de Maio de 2005;
18) A Autora, no referido dia, permaneceu na empresa cerca de 4 horas;
19) Quando saiu das instalações da empresa, a A. solicitou ao segurança de serviço que identificasse e verificasse toda a documentação transportada;
20) O segurança de serviço informou então que não era necessário proceder a tal verificação;
21) A A., por diversas ocasiões, já anteriormente se deslocara ao seu local de trabalho durante o fim-de-semana para trabalhar;
22) A A. tinha em seu poder as chaves dos armários;
23) O médico do Centro de Saúde da Lapa - Lisboa, Dr. R..., declarou em Abril de 2006, que « AA esteve de baixa prolongada por patologia psiquiátrica seguida na especialidade. O seu quadro é compatível c/ síndrome depressivo com 1 componente ansiosa marcada. Aparentemente este quadro é devido a conflitos laborais. A baixa verificou-se de Maio 05 a Fevereiro 06 estando medicada por psiquiatra»;
24) O processo disciplinar e consequente despedimento causaram à A. desgosto, tristeza, ficando muito nervosa e sem vontade de comer;
25) Através do instrutor nomeado para o processo disciplinar que precedeu ao despedimento da A., foram efectuadas várias diligências probatórias, quer as requeridas pela A., quer promovidas pela Ré;
26) Assim, a 26 de Agosto de 2005, prestaram declarações AM e MM;
27) E, em 12 de Setembro de 2005, prestou depoimento JC;
28) Finalmente, a 27 de Setembro de 2005, depôs MF;
29) O original da decisão final foi remetido à A. no dia 25 de Outubro de 2005, por carta registada com aviso de recepção, para a morada Praceta ..., n.º 0 - 1.º Esq., Santa Marta do Pinhal, 2855-583 Corroios;
30) Esta carta veio devolvida com anotação de «não reclamado», tendo o respectivo aviso para levantamento no posto dos correios sido depositado na caixa do correio no dia 26 de Outubro de 2005;
31) Durante um período de tempo, a A. esteve mais ligada à área da Contabilidade Geral, exercendo ela unicamente as funções de Técnico Oficial de Contas da R.;
32) No dia 26 de Abril de 2005, o Director Financeiro da R., Dr. JC, comunicou à A. que havia ocorrido uma reestruturação do departamento de contabilidade da empresa, o qual passaria a ser coordenado por uma só pessoa, que seria responsável pela contabilidade geral e analítica;
33) Mais informou que, a partir da referida data, as funções de TOC seriam exercidas pelo coordenador das duas áreas;
34) Não obstante a Autora deixar de exercer as funções de TOC na empresa, esta iria desempenhar as funções que constam no n.º 4 da nota de culpa, a que corresponde a mesma categoria profissional com o mesmo vencimento;
35) Foi ainda dito à A. que esta deveria entregar toda a documentação fiscal e contabilística da empresa ao novo responsável pela contabilidade geral e analítica, transferindo assim a responsabilidade pela documentação para este trabalhador;
36) Até porque toda essa documentação fiscal da empresa estava fechada à chave nos seus armários;
37) A A. deslocou-se sem autorização prévia dos seus superiores hierárquicos às instalações da R. no fim-de-semana de 30 de Abril e 1 de Maio;
38) Sucede que no fim dessa deslocação, a A. saiu das instalações da R levando consigo uma série de dossiers e pastas;
39) A A. tinha à sua guarda, nos armários que lhe estavam destinados no seu local de trabalho, e neles fechados à chave, os seguintes documentos: cópia do Balancete Analítico das contas 41 e 51 dos anos 1999, 2000, 2001 e 2002, da CTT - Expresso e da Postexpresso; fotocópia das Notas 16 e 37 do ABDR, do ano 2000; fotocópia das declarações emitidas, nos termos do art. 120.º do CIRC, pelas entidades que efectuaram retenções na fonte de IRC durante o exercício de 2001, nas seguintes importâncias, Postexpresso € 851,68 e CTT - Expresso € 13.230,46;
40) Não obstante a ordem dada pelo seu superior hierárquico, Dr. J..., a A. não procedeu à transferência de toda a documentação de índole fiscal, entre outros os cartões de pessoa colectiva e de contribuinte da R., de que era fiel depositária e de que era responsável, para a pessoa que passou a desempenhar as funções de TOC na empresa, tendo-se ausentado da empresa devido a baixa por doença com todos os armários que lhe estavam adjudicados fechados;
41) Tendo havido a necessidade premente de consulta de todos documentos de que a A. era fiel depositária, porque estava a decorrer uma inspecção levada a cabo pela Direcção-Geral de Contribuições e Impostos aos CTT - Correios de Portugal, S.A., com especial ênfase no que dizia respeito às participações financeiras do grupo CTT, e porque a A. ainda não havia passado os referidos documentos que continuavam encerrados nos armários do seu gabinete, estando ausente por tempo indeterminado, a Gestora de Recursos Humanos, Dra. .. em alta voz telefonou para a ora Autora, na presença do Dr. .. e da Dra. ...
42) Nesse telefonema foi explicado à A. a urgência na obtenção da documentação de índole fiscal solicitada pela CTT - Correio de Portugal, S. A., para que a mesma lhes fosse entregue rapidamente devido à inspecção que estava a ser levada a cabo, tendo também obviamente pedido à A. que entregasse as chaves para abertura dos armários do seu gabinete, onde toda a documentação ainda se encontrava;
43) Foi ainda sugerido que um estafeta da empresa se deslocaria a casa da A., a hora que esta achasse conveniente, para recolher as ditas chaves;
44) Em conversa, a A. mostrou total indisponibilidade para, naquele dia, se deslocar à sede da R. ou receber em casa o estafeta, por se encontrar doente e ter de ir ao médico;
45) A R. solicitou a intervenção de terceiros nesse mesmo dia, em 23 de Junho de 2005, tendo sido abertos os quatro armários e um bloco de três gavetas que estavam adstritos à A., na presença de três testemunhas, sendo estas a Dr.ª .., o Dr. .. e a Dr.ª ..;
46) Após a abertura dos referidos armários e do módulo de três gavetas, foi feito um inventário de todos os documentos que aí se encontravam, o qual se mostra junto a fls. 64, dando-se aqui por integralmente reproduzido o respectivo conteúdo;
47) Sabendo de que a A. havia retirado uma série de dossiers e pastas das instalações da sede da R., os serviços de segurança reportaram esse facto anormal ao Director de Segurança e Qualidade, Dr. ..., que, por sua vez, participou a ocorrência à Direcção Financeira;
48) A Direcção Financeira não tinha dado autorização para a saída de qualquer tipo de documentação, nem tinha conhecimento da saída da mesma;
49) A Direcção Financeira, nesse mesmo dia, em 14 de Junho, deu conhecimento da ocorrência por meio de participação à Administração da R.;
50) Relativamente às chaves dos armários e do módulo de três gavetas, só existia um conjunto que se encontrava em poder da A.;
51) Mais uma vez teve a Directora de Recursos Humanos da R., Dr.ª ..., de telefonar para a A. para que esta entregasse as chaves do cofre;
52) Logrou apenas falar com uma pessoa que se intitulou irmã da A.;
53) Mais tarde, a referida Directora de Recursos Humanos recebeu um telefonema da mesma pessoa que a informou que o cofre estava vazio e que as chaves estavam no armário;
54) A A., enquanto funcionária da R., nunca sofreu qualquer sanção disciplinar.
55) A R., à data dos factos, não tinha sido autorizada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados a tratar dados pessoais através de videovigilância.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que há-de ser resolvida a questão suscitada no presente recurso.

3. O acórdão recorrido, acompanhando entendimento jurisprudencial gerado no Tribunal da Relação do Porto (cf. acórdão de 19 de Dezembro de 2005, disponível em www.dgsi.pt, como documento n.º RP200512190515412), decidiu que o termo inicial do prazo de 30 dias para o empregador proferir a decisão final do processo disciplinar, não havendo lugar à emissão de parecer das estruturas representativas do trabalhador, conta-se a partir da data em que terminaram as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa e não quaisquer outras ordenadas posteriormente pelo empregador.

A recorrente discorda, sustentando que o n.º 1 do artigo 415.º do Código do Trabalho, ao estipular que o prazo para o empregador proferir a decisão disciplinar é de caducidade, «não implicou nem determinou que a conclusão das diligências probatórias passassem a ser entendidas exclusivamente como aquelas que foram requeridas pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa», sendo certo que «[e]sta interpretação não tem o mínimo de correspondência verbal no texto do mencionado normativo legal, o que obsta a que a mesma seja considerada pelo int[é]rprete, por força o disposto no art° 9.°, n.º 2, do CC».

Importa, por razões de inteligibilidade, conhecer as normas em causa.

Os artigos 413.º a 415.º do Código do Trabalho, que se acham inseridos na Divisão I («Despedimento por facto imputável ao trabalhador»), da Subsecção II («Procedimento»), da Secção IV («Cessação por iniciativa do empregador»), do Capítulo IX («Cessação do contrato»), do Título II («Contrato de Trabalho»), do Livro I («Parte geral»), estabelecem o seguinte:

«Artigo 413.º
(Resposta à nota de culpa)
O trabalhador dispõe de dez dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.

«Artigo 414.º
(Instrução)
1 – O empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, procede às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito.
2 – O empregador não é obrigado a proceder à audição de mais de três testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem mais de dez no total, cabendo ao trabalhador assegurar a respectiva comparência para o efeito.
3 – Concluídas as diligências probatórias, o processo é apresentado, por cópia integral, à comissão de trabalhadores e, no caso do n.º 3 do artigo 411.º, à associação sindical respectiva, que podem, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o seu parecer fundamentado.

«Artigo 415.º
(Decisão)
1 – Decorrido o prazo referido no n.º 3 do artigo anterior, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
2 – A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito.
3 – Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador, bem como os pareceres que tenham sido juntos nos termos do n.º 3 do artigo anterior, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a responsabilidade.
4 – A decisão fundamentada é comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador e à comissão de trabalhadores, bem como, no caso do n.º 3 do artigo 411.º, à associação sindical.»

Decorre do exposto que a solução do problema submetido à apreciação deste Supremo Tribunal passa, necessária e fundamentalmente, pela interpretação do disposto nos conjugados artigos 414.º, n.º 3, e 415.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

Embora os n.os 1 e 2 do artigo 414.º transcrito se refiram às diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa, o certo é que a correspondente epígrafe, que acolhe o termo «Instrução», e o primeiro segmento do n.º 3 do mesmo preceito, ao estatuir a tramitação subsequente, logo que «[c]oncluídas as diligências probatórias», apontam decisivamente no sentido de que a instrução é formada pelo conjunto dos actos necessários à averiguação dos factos alegados na acusação (nota de culpa) e na defesa (resposta à nota de culpa), não se confinando esta fase do processo à realização das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, até porque tais actos de instrução poderão justificar a realização de outras diligências para confirmar ou refutar os meios probatórios por ele produzidos.

Nesta mesma linha de pensamento, ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 969) sublinha que, deduzida a defesa, «tendo por base a acusação e a defesa, o empregador procede às diligências probatórias para a averiguação dos factos alegados em ambas», e que «o legislador não estabeleceu qualquer prazo para estas diligências [probatórias], que, contudo, só se poderão prolongar durante um período justificável, atendendo a um parâmetro de boa fé e ao princípio da celeridade processual».

Acresce, por outro lado, que a expressão «concluídas as diligências probatórias», na sua literalidade, não comporta o sentido de que essas diligências probatórias se restringem às requeridas pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa.

Ora, não pode ser considerado pelo intérprete um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas, como referem os n.os 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil.

Tudo para concluir que, nos termos dos conjugados artigos 414.º, n.º 3, e 415.º, n.º 1, do Código do Trabalho, não havendo lugar à emissão de parecer das estruturas representativas do trabalhador, o empregador deve proferir decisão final sobre o despedimento, no prazo de trinta dias, contado a partir da ultimação das diligências probatórias, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.

No caso, provou-se que, «em 20 de Outubro de 2005, a Administração da R. veio a proferir decisão de despedimento da A., invocando para o efeito justa causa, nos termos constantes do documento junto a fls. 41» [facto provado 8)] e que, «[n]a resposta à nota de culpa, a A. arrolou apenas uma testemunha, não tendo requerido qualquer outra diligência», a qual «foi ouvida em declarações em 29 de Julho de 2005» [factos provados 10) e 11)].

Mais se demonstrou que, «[a]través do instrutor nomeado para o processo disciplinar que precedeu ao despedimento da A., foram efectuadas várias diligências probatórias, quer as requeridas pela A., quer promovidas pela Ré» [facto provado 25)], sendo certo que, «a 26 de Agosto de 2005, prestaram declarações A... e M...», [e] em 12 de Setembro de 2005, prestou depoimento J..., [f]inalmente, a 27 de Setembro de 2005, depôs M...» [factos provados 26) a 28)].

Nesta conformidade, tendo a última diligência probatória ocorrido, em 27 de Setembro de 2005, e sendo a decisão disciplinar final proferida em 20 de Outubro seguinte, não se verifica a caducidade do direito de aplicar a sanção.

Refira-se, além disso, que, compulsado o processo disciplinar em causa, não se vislumbram actos inúteis ou dilatórios no âmbito da produção de prova, nem sequer se verifica um prolongamento excessivo daquela fase de instrução.

Com efeito, na sequência da resposta à nota de culpa, foram inquiridos, em 27 de Julho de 2005, as testemunhas Dr. C.. (fls. 211), Dr.ª M... (fls. 212), Dr.ª M..(fls. 213) e Dr. L... (fls. 214), todos arrolados na nota de culpa, em 29 de Julho de 2005, foi inquirida a testemunha arrolada pela trabalhadora, Eng.ª E... (fls. 215), em 26 de Agosto de 2005, foram inquiridas as testemunhas Dr.ª A... (fls. 218) e Dr.ª M... (fls. 220), ambas arroladas na nota de culpa, em 12 de Setembro de 2005, foi inquirida a testemunha Dr. J.. (fls. 222), arrolado na nota de culpa, e, finalmente, em 27 de Setembro de 2005, foi inquirida a testemunha Dr.ª M... (fls. 226), a qual não figurava na nota de culpa, tendo sido chamada a depor por iniciativa da empregadora, «acerca do art. 43 da resposta à nota de culpa», tendo esclarecido, entre outros factos, «que, nem em Novembro de 2002, nem em qualquer outra data, pediu qualquer documento de natureza fiscal à arguida», e que «a arguida nunca lhe entregou o balancete analítico das contas 41 e 51 dos anos de 1999, 2000 e 2001».

Portanto, tendo a instrução do processo disciplinar decorrido entre 27 de Julho de 2005 e 27 de Setembro seguinte, período em que, maioritariamente, são gozadas as férias, não se antolha demora censurável no apuramento dos factos.

Procedem, pois, as conclusões A), na parte atinente, e B) a W), da alegação do recurso de revista.
4. O acórdão recorrido considerou, igualmente, que «o n.º 1 do artigo 415.º do CT deve ser interpretado no sentido de que o trabalhador deve ter conhecimento da decisão final antes de decorrido o prazo aí previsto», pelo que, provando-se que tal «decisão foi comunicada à A. por carta datada de 18 de Novembro de 2005 e por ela recepcionada em 22 de Novembro de 2005» [facto provado 9)] e «tendo ocorrido a inquirição da testemunha M.. em 27/9/2005, naquela outra data já se havia esgotado o prazo de 30 dias previsto no artigo 415.º, n.º 1, do CT, pelo que sempre ocorreria a caducidade [do direito de aplicar a sanção]».

A recorrente, pelo contrário, alega que, «tendo em consideração a matéria de facto assente nos pontos 29 e 30 pelo Tribunal de 1.ª instância, tem que se considerar que a comunicação enviada pela entidade empregadora em 25/10/2005, tornou-se eficaz, não tendo sido recebida pela recorrida, por culpa unicamente desta» e que « outra interpretação viola o disposto no artigo 224.° n.º 2 do CC, como também o disposto no artigo 416.º do CT», pelo que, «tem de ser considerar que a recorrida teve conhecimento da decisão final no dia 26/10/2005».

Conforme já se aludiu, o artigo 415.º citado dispõe que, «decorrido o prazo referido no n.º 3 do artigo anterior, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção» (n.º 1) e que «a decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito» (n.º 2), devendo ser «comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador e à comissão de trabalhadores, bem como, no caso do n.º 3 do artigo 411.º, à associação sindical» (n.º 3).

Por sua vez, o artigo 416.º subsequente estabelece que «a declaração de despedimento determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida» (n.º 1), sendo que «[é] também considerada eficaz a declaração de despedimento que só por culpa do trabalhador não foi por ele oportunamente recebida» (n.º 2).

Embora tenha ficado provado que «[o] original da decisão final foi remetido à A. no dia 25 de Outubro de 2005, por carta registada com aviso de recepção, para a morada Praceta ..., n.º 0 - 1.º Esq., Santa Marta do Pinhal, 2855-583 Corroios» [facto provado 29)] e que «[e]sta carta veio devolvida com anotação de «não reclamado», tendo o respectivo aviso para levantamento no posto dos correios sido depositado na caixa do correio no dia 26 de Outubro de 2005» [facto provado 30)], o certo, porém, é que se demonstrou que «[a] A. foi despedida com invocação de justa causa, com efeitos reportados [ao] dia 30 de Novembro de 2005» [facto provado 4)], que «[e]m 20 de Outubro de 2005, a Administração da R. veio a proferir decisão de despedimento da A., invocando para o efeito justa causa, nos termos constantes do documento junto a fls. 41» [facto provado 8)] e que «[t]al decisão foi comunicada à A. por carta datada de 18 de Novembro de 2005 e por ela recepcionada em 22 de Novembro de 2005» [facto provado 9)].

Ora, o que o n.º 1 do dito artigo 415.º prescreve é que a decisão final sobre o despedimento deve ser proferida no prazo de trinta dias, após a produção de prova e a emissão de parecer das estruturas representativas do trabalhador, se for o caso.

Aspecto diverso é o da eficácia da declaração de cessação do contrato.

Tal como afirma ROMANO MARTINEZ (Código do Trabalho Anotado, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, anotação II ao artigo 415.º, p. 677), «[e]m caso de despedimento não se aplica a regra, constante do artigo 373.º, no sentido de a sanção ter de ser aplicada nos três meses subsequentes à decisão. A decisão determina a imediata cessação do vínculo assim que é comunicada ao trabalhador. Deste modo, decorrido o prazo de cinco dias para as entidades representativas dos trabalhadores emitirem parecer (artigo 414.º, n.º 3), o empregador tem trinta dias para proferir a decisão (n.º 1), que deve ser, de seguida, comunicada ao trabalhador; a decisão de despedimento torna-se eficaz, determinando a imediata cessação do vínculo, logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida (artigo 224.º do CC).»
Na verdade, o despedimento é um negócio jurídico integrado por uma declaração receptícia, isto é, cuja eficácia depende da recepção pelo destinatário, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil (neste sentido, MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 581).

Porém, não se extrai do texto do n.º 1 do artigo 415.º transcrito, nem mesmo se conjugado com o artigo 416.º seguinte, que o trabalhador deva ter conhecimento da decisão final sobre o despedimento antes de decorrido o prazo aí previsto.

Assim, tendo a última diligência probatória ocorrido, em 27 de Setembro de 2005, e sendo a decisão sobre o despedimento elaborada em 20 de Outubro seguinte, não se verifica a caducidade do direito de aplicar a sanção, independentemente da data em que aquela decisão chegou, efectivamente, ao conhecimento do trabalhador.

Em conformidade, e tão-somente quanto à dimensão pertinente à caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar de despedimento, procedem as conclusões A), na parte atinente, X) a Z) e FF) a KK) da alegação do recurso de revista.

5. Atenta a procedência do recurso de revista, há que conhecer das questões que a Relação deixou de apreciar por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 715.º do Código de Processo Civil, aplicável ao recurso de revista nos termos do artigo 726.º do mesmo Código, as quais se referem à alegada nulidade do processo disciplinar por utilização abusiva de dados pessoais e à não verificação de justa causa para o despedimento.

5.1. A autora, na veste de recorrente, em sede de recurso de apelação e no que respeita à pretendida nulidade do processo disciplinar por utilização abusiva de dados pessoais, formulou as seguintes conclusões:

«XXXV) A nota de culpa foi fundada na existência de inúmeras imagens captadas pelo respectivo sistema de recolha que a recorrida tinha montado nas suas instalações;
XXXVI) Tendo em conta todo o circunstancialismo subjacente ao processo disciplinar, salta à vista que a recorrida carecia de legitimidade para proceder ao tratamento das imagens que acabou por utilizar para instruir o processo disciplinar, nos termos melhor descritos no art. 6.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, não podendo deixar de ser vista como ilícita a denominada prova fotográfica carreada para o processo, na qual assentou, de forma determinante, toda a acusação movida contra a recorrente;
XXXVII) A prova assim obtida não pode deixar de ser tida por nula, em consequência da forma como foi obtida, nos termos previstos no art. 126.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, aplicável, como é sabido, a[o] processo disciplinar;
XXXVIII) A nulidade da prova advém ainda do facto de ter sido obtida através de uma investigação privada, em clara violação da lei e da Constituição, nomeadamente, no art. 25.º, n.º 1, da Lei Fundamental, até porque, é sabido que a liberdade de prova não deve pôr em causa valores como a intimidade da vida privada, a dignidade da pessoa humana ou a integridade pessoal, a que se refere a citada norma Constitucional e sendo certo que tal preceito constitucional prescreve, enquanto garantia do processo criminal — aplicável às outras áreas do direito processual por força do art. 32.º da Constituição — que são nulas todas as provas obtidas mediante, nomeadamente, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva introdução na vida privada e no domicílio;
XXXIX) É ainda possível encontrar na Constituição a fonte para afastar certos outros meios de prova cuja admissibilidade não é expressamente repudiada pelo legislador ordinário, nomeadamente os que são obtidos de uma forma imoral e, grosso modo, os que são obtidos pela violação de direitos individuais, precisamente o que sucedeu na situação sub judice, conduzindo à inadmissibilidade da prova obtida pela recorrida, à consequente invalidade do processo disciplinar e à consequente ilicitude do despedimento, o que expressamente se invoca, para todos os efeitos legais[.]»

Tal como aduz a autora, é verdade que a Constituição proclama que «[a] integridade moral e física das pessoas é inviolável» (artigo 25.º, n.º 1) e, por outro lado, que «[s]ão nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações».

Também o artigo 126.º do Código de Processo Penal prevê que são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas (n.º 1), tendo por ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos [n.º 2, alínea a)].

E, doutro passo, a Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, refere, no artigo 6.º, que o tratamento de dados pessoais só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento ou se o tratamento for necessário para os fins previstos nas suas alíneas a) a e), mediante notificação e prévia autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados (artigos 27.º a 31.º da lei citada).

Especificamente quanto à utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho, o artigo 20.º do Código do Trabalho dispõe nos seguintes termos:
«Artigo 20.º
(Meios de vigilância a distância)
1 – O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2 – A utilização do equipamento identificado no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
3 – Nos casos previstos no número anterior o empregador deve informar o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados.»

Por seu turno, o artigo 28.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (Legislação especial que regulamenta o Código do Trabalho, adiante designada por LECT), submete a utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados (n.º 1), a qual só pode ser concedida se a utilização dos meios for necessária, adequada e proporcional aos objectivos a atingir (n.º 2), devendo o pedido de autorização ser acompanhado de parecer da comissão de trabalhadores ou, dez dias após a consulta, de comprovativo do pedido de parecer (n.º 4), e determina que os dados pessoais recolhidos através dos meios de vigilância a distância são conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da utilização a que se destinam, devendo ser destruídos no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou de cessação do contrato de trabalho (n.º 3).

Neste particular, o artigo 29.º da LECT preceitua, ainda, o seguinte:
«Artigo 29.º
(Informação sobre meios de vigilância a distância)
Para efeitos do n.º 3 do artigo 20.º do Código do Trabalho, o empregador deve afixar nos locais de trabalho em que existam meios de vigilância a distância os seguintes dizeres, consoante os casos, “Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão” ou “Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som”, seguido de símbolo identificativo.»

No caso, provou-se que, «[a] nota de culpa está fundada na existência de inúmeras imagens captadas pelo respectivo sistema de recolha que a R. tem montado nas suas instalações» [facto provado 12)] e que «[a] R., à data dos factos, não tinha sido autorizada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados a tratar dados pessoais através de videovigilância» [facto provado 55)].

Ora, conforme se decidiu na sentença proferida em primeira instância:

« De tudo o que vimos dizendo se conclui facilmente que as filmagens obtidas e utilizadas pela R. no processo disciplinar são ilícitas, pelo que não poderão ser consideradas no dito processo.
Daqui, porém, não resulta que o procedimento disciplinar fique afectado de nulidade insanável. É que, na esteira do que já antes ocorria(-), as causas de nulidade (ou invalidade, usando a terminologia legal) constam de elenco taxativo, vertido no n.º 2 do artigo 430.º do Código do Trabalho.
Não se subsumindo a questão ora em apreço naquel[a] enumeração taxativa, não estamos perante nulidade do processo disciplinar, mas, quando muito, de determinado meio probatório. A consequência parece-nos, assim, evidente: importará apurar a existência de justa causa de despedimento sem recurso às imagens ilicitamente obtidas.
Daí que, concordando com a A. na parte em que sustenta a inadmissibilidade da prova obtida pela R. através da videovigilância, já não a podemos secundar ao pretender ver, por essa via, invalidado todo o processo disciplinar (cfr. artigo 29.º da petição inicial).»

Subscrevem-se, na sua essencialidade, as considerações que se deixaram transcritas e confirma-se o julgado, neste preciso segmento, pelo que improcedem as conclusões XXXV a XXXIX da alegação do recurso de apelação da autora.

5.2. A autora, em sede de recurso de apelação, defendeu, igualmente, a não verificação de justa causa para o despedimento, ao abrigo das conclusões seguintes:

XL) Nos termos do disposto no art. 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento;
XLI) Salta à vista que o critério determinante do despedimento, como sanção disciplinar, não é tanto a existência da eventual infracção disciplinar, mas sim as consequências que tal infracção provoca no futuro da relação de trabalho;
XLII) Tal infracção, pela sua gravidade e consequências, tem de tornar imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho, justificando assim a aplicação da sanção disciplinar mais grave;
XLIII) Tem-se por assente, que a impossibilidade justificativa do despedimento tem de ser actual, no sentido em que entre a data da verificação do comportamento do trabalhador e a data da aplicação da sanção disciplinar do empregador não deve mediar um espaço de tempo superior àquele em que, tendo em conta as circunstâncias, deixe de ser tido como actual;
XLIV) As situações em que a reacção do empregador, sem razão justificativa, se não exerça prontamente, devem ser tidas por indiciadoras de uma menor gravidade no comportamento do trabalhador;
XLV) Traduzindo-se a justa causa numa impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação laboral, o empregador que não actue prontamente, deixa antever que, afinal, não considera que a infracção disciplinar seja susceptível de colocar definitivamente em perigo a subsistência da relação laboral;
XLVI) Esta é, claramente, uma situação a ter em conta na apreciação concreta da justa causa de despedimento, por aplicação do critério geral constante do n.º 3 do [artigo] 415.º do Código do Trabalho;
XLVII) À luz do exposto, torna-se evidente que nas situações de justa causa de despedimento, o procedimento disciplinar deve ser desencadeado e desenvolvido pelo empregador de forma célere;
XLVIII) Referindo-se a norma à impossibilidade imediata e prática do prosseguimento da relação laboral, não faz sentido que o empregador inicie o processo disciplinar e não o conclua de forma célere, logo após ter recolhido todos os elementos probatórios pertinentes;
XLIX) A pendência do processo disciplinar por um período de tempo muito para além do necessário, indicia a inexistência de gravidade bastante, necessária a legitimar a ruptura contratual operada com o despedimento, cabendo ao empregador, nestes casos, sancionar o comportamento do trabalhador com uma sanção menos grave, se, para tanto, não estiverem ainda esgotados os demais prazos aplicáveis ao processo disciplinar;
L) Imperativo é, pois, que a infracção cometida pelo trabalhador seja actual que entre ela e a conclusão do procedimento disciplinar instaurado pelo empregador apenas exista o espaço de tempo mínimo indispensável, tão-somente o necessário para o correcto apuramento dos factos;
LI) Da leitura do processo disciplinar sub judice, verifica-se que tais pressupostos indispensáveis foram totalmente olvidados pela recorrida, facto que afecta, irremediavelmente, a posterior invocação de justa causa;
LII) Constata-se, pela simples leitura da decisão final, que ela mais não é do que a transcrição fiel e ipsis verbis da nota de culpa enviada 108 (cento e oito) dias antes, proferida no âmbito de um processo que se arrastou por cerca de 5 ( cinco) meses [período que medeia entre a nota de culpa, elaborada em 4 de Julho de 2005 e o despedimento ocorrido em 31 de Novembro de 2005];
LIII) A decisão final mais não é do que o que vulgarmente se designa de “copy /paste” da nota de culpa, na medida em que a única modificação introduzida prende-se com a numeração: na nota de culpa, os artigos aparecem identificados com números, e na decisão final aparecem identificados com letras; tudo o mais é exactamente igual, significando isto que as diligências probatórias alegadamente desenvolvidas pela recorrida, que se prolongaram por longos 108 (cento e oito) dias, nada acrescentaram à peça acusatória, nada tendo contribuindo para sustentar a decisão final;
LIV) Uma única razão existe para tamanho e injustificado protelamento do processo disciplinar: a manifesta inexistência de justa causa, por falta de comportamentos susceptíveis de determinar a impossibilidade imediata da subsistência da relação de trabalho;
LV) Reafirma-se que critério básico para averiguar da existência de justa causa reside na impossibilidade imediata e prática de subsistência da relação de trabalho, situação que se alcança, quando a ruptura se apresente como irremediável, o que sucede quando nenhuma outra sanção se revelar adequada a sanar a crise contratual grave a que o comportamento do trabalhador terá dado origem;
LVI) É esta situação de imediata impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho que constitui o elemento fundamental do actual sistema de despedimento com justa causa;
LVII) A doutrina mais relevante chega mesmo a ver neste requisito da justa causa uma verdadeira limitação ao exercício do direito de resolução do contrato de trabalho, em comparação com o princípio consagrado no art. 808.º do Código Civil, segundo o qual a resolução de qualquer contrato depende da perda de interesse por parte do lesado — o empregador — determinada objectivamente;
LVIII) Ela traduz-se no imediatismo decorrente dos reflexos provocados pelo comportamento culposo do trabalhador na relação laboral, de acordo com um determinado nexo causal e em ordem a afirmar-se que a situação de crise contratual é consequência imediata da gravidade e culpabilidade de tal comportamento;
LIX) Por força deste elemento do conceito, torna-se imperioso apurar se o comportamento culposo do trabalhador é de tal forma grave que impossibilite imediatamente a subsistência da relação de trabalho;
LX) Trata-se, no fundo, de verificar se, perante tal actuação do trabalhador, o seu interesse na manutenção do vínculo, apoiado no princípio constitucional da estabilidade no emprego, é ou não juridicamente mais atendível que os interesses contrapostos do empregador em dar por finda a relação;
LXI) A resposta a esta questão tem necessariamente que ser feita por meio de uma apurada operação casuística de interesses, que tem como ponto de partida o comportamento do trabalhador, mas que aí não se esgota, na medida em que deve igualmente atender ao quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros, à antiguidade do trabalhador, ao seu passado disciplinar, serviços prestados, coerência interna da prática disciplinar da empresa, às consequências que tal comportamento desencadeia na relação de trabalho e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes, nos termos descritos no citado art. 415.º, n.º 3, do Código do Trabalho;
LXII) Tudo isto para demonstrar que, na apreciação da impossibilidade de subsistência da relação laboral, o comportamento culposo do trabalhador tem de ser concretamente apurado de forma objectiva, não podendo, por isso, ser analisado de uma forma abstracta e muito menos de acordo com critérios subjectivos do empregador;
LXIII) Para que ocorra justa causa de despedimento, é necessário que o comportamento do trabalhador seja causa adequada da impossibilidade imediata de subsistência da relação de trabalho, no sentido em que a sua conduta tenha actuado como condição da insubsistência imediata da manutenção da relação laboral;
LXIV) Nem todo o ilícito disciplinar integra a noção de justa causa de despedimento, significando isto que, para que a justa causa ocorra é necessário que a gravidade e as consequências desse comportamento tornem prática e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho, o que sucede quando a ruptura da relação de trabalho possa prever-se como a única consequência da actuação do trabalhador;
LXV) À luz do que antecede, torna-se óbvio que o requisito da impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho se encontra totalmente ausente da situação sub judice;
LXVI) Tal requisito é totalmente incompatível com a delonga, totalmente injustificada, do processo disciplinar que, recorda-se, esteve pendente cerca de 5 (cinco) meses, só existindo uma explicação para tamanha delonga do processo: a ausência de pressupostos indispensáveis à existência da justa causa de despedimento;
LXVII) Nos termos do disposto no art. 429.º, al.ª c), do Código do Trabalho, o despedimento é ilícito “se forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento”, ilicitude que expressamente se invoca, para todos os efeitos legais[.]»

Estando em causa um despedimento efectuado após a entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), atento o disposto no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, aplica-se o regime jurídico aprovado por aquele Código.

5.2.1. A proibição dos despedimentos sem justa causa recebeu expresso reconhecimento constitucional no artigo 53.º da Lei Fundamental, subordinado à epígrafe «Segurança no emprego» e inserido no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores»), do Título II («Direitos, liberdades e garantias») da Parte I («Direitos e deveres fundamentais»).

Por seu turno, a disciplina legal do despedimento por facto imputável ao trabalhador acha-se contida no artigo 396.º do Código do Trabalho, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem.

De harmonia com o preceituado no artigo 396.º constitui justa causa de despedimento «[o] comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho» (n.º 1).

O conceito de justa causa formulado neste normativo compreende, segundo o entendimento generalizado tanto na doutrina, como na jurisprudência, três elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Ora, verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.

Os comportamentos do trabalhador susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento acham-se enumerados, a título exemplificativo, no n.º 3 do artigo 396.º, relevando, nos termos da nota de culpa elaborada no caso, a desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores [alínea a)].

Doutro passo, os deveres do trabalhador estão enumerados no n.º 1 do artigo 121.º, figurando, entre eles, o dever de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo na medida em que se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias [alínea d)], sendo que, nos termos do n.º 2 do citado normativo, «[o] dever de obediência, a que se refere a alínea d) do número anterior, respeita tanto às ordens e instruções dadas directamente pelo empregador como às emanadas dos superiores hierárquicos do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhes forem atribuídos».

Para apreciação da justa causa, deve atender-se, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 396.º, «no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».

Nesta conformidade, a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes — intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes —, se conclua pela premência da desvinculação.

Por conseguinte, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo contratual, e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível.

Refira-se que, na acção de impugnação do despedimento, o ónus probatório cabe ao trabalhador quanto à existência do contrato de trabalho e ao despedimento, recaindo sobre o empregador quanto à verificação da justa causa de despedimento (artigos 435.º, n.os 1 e 3, do Código do Trabalho e 342.º, n.os 1 e 2, do Código Civil).

5.2.2. Resulta da matéria de facto provada que a autora foi contratada pela ré, no dia 16 de Maio de 2001, tendo ultimamente a categoria profissional de técnica superior [factos provados 1) e 2)].

Mais se provou que, em 1 de Maio de 2005, a autora, na companhia de sua irmã, deslocou-se ao local de trabalho, onde permaneceu cerca de 4 horas, e «[q]uando saiu das instalações da empresa, a A. solicitou ao segurança de serviço que identificasse e verificasse toda a documentação transportada», tendo aquele dito «que não era necessário proceder a tal verificação» [factos provados 17 a 20)].

Também ficou demonstrado que:

Durante um período de tempo, a A. esteve mais ligada à área da Contabilidade Geral, exercendo ela unicamente as funções de Técnico Oficial de Contas da R. [facto provado 31)];
No dia 26 de Abril de 2005, o Director Financeiro da R., Dr. J..., comunicou à A. que havia ocorrido uma reestruturação do departamento de contabilidade da empresa, o qual passaria a ser coordenado por uma só pessoa, que seria responsável pela contabilidade geral e analítica [facto provado 32)];
– Mais informou que, a partir da referida data, as funções de TOC seriam exercidas pelo coordenador das duas áreas [facto provado 33)];
Não obstante a Autora deixar de exercer as funções de TOC na empresa, esta iria desempenhar as funções que constam no n.º 4 da nota de culpa, a que corresponde a mesma categoria profissional, com o mesmo vencimento [facto provado 34)];
Foi ainda dito à A. que esta deveria entregar toda a documentação fiscal e contabilística da empresa ao novo responsável pela contabilidade geral e analítica, transferindo assim a responsabilidade pela documentação para este trabalhador [facto provado 35)];
Até porque toda essa documentação fiscal da empresa estava fechada à chave nos seus armários [facto provado 36)];
A A. deslocou-se sem autorização prévia dos seus superiores hierárquicos às instalações da R., no fim-de-semana de 30 de Abril e 1 de Maio [facto provado 37)];
– Sucede que no fim dessa deslocação, a A. saiu das instalações da R levando consigo uma série de dossiers e pastas [facto provado 38)];
A A. tinha à sua guarda, nos armários que lhe estavam destinados no seu local de trabalho, e neles fechados à chave, os seguintes documentos: cópia do Balancete Analítico das contas 41 e 51 dos anos 1999, 2000, 2001 e 2002, da CTT - Expresso e da Postexpresso; fotocópia das Notas 16 e 37 do ABDR, do ano 2000; fotocópia das declarações emitidas, nos termos do art. 120.º do CIRC, pelas entidades que efectuaram retenções na fonte de IRC durante o exercício de 2001, nas seguintes importâncias, Postexpresso € 851,68 e CTT – Expresso € 13.230,46 [facto provado 39)];
Não obstante a ordem dada pelo seu superior hierárquico, Dr. J..., a A. não procedeu à transferência de toda a documentação de índole fiscal, entre outros os cartões de pessoa colectiva e de contribuinte da R., de que era fiel depositária e de que era responsável, para a pessoa que passou a desempenhar as funções de TOC na empresa, tendo-se ausentado da empresa devido a baixa por doença com todos os armários que lhe estavam adjudicados fechados [facto provado 40)];
Tendo havido a necessidade premente de consulta de todos documentos de que a A. era fiel depositária, porque estava a decorrer uma inspecção levada a cabo pela Direcção-Geral de Contribuiç[ões] e Impostos aos CTT – Correios de Portugal, S.A., com especial ênfase no que dizia respeito às participações financeiras do grupo CTT, e porque a A. ainda não havia passado os referidos documentos que continuavam encerrados nos armários do seu gabinete, estando ausente por tempo indeterminado, a Gestora de Recursos Humanos, Dra. M... em alta voz telefonou para a ora Autora, na presença do Dr. L... e da Dra. M... [facto provado 41)];
Nesse telefonema foi explicado à A. a urgência na obtenção da documentação de índole fiscal solicitada pela CTT – Correio de Portugal, S. A., para que a mesma lhes fosse entregue rapidamente devido à inspecção que estava a ser levada a cabo, tendo também obviamente pedido à A. que entregasse as chaves para abertura dos armários do seu gabinete, onde toda a documentação ainda se encontrava [facto provado 42)];
Foi ainda sugerido que um estafeta da empresa se deslocaria a casa da A., a hora que esta achasse conveniente, para recolher as ditas chaves [facto provado 43)];
Em conversa, a A. mostrou total indisponibilidade para, naquele dia, se deslocar à sede da R. ou receber em casa o estafeta, por se encontrar doente e ter de ir ao médico [facto provado 44)];
A R. solicitou a intervenção de terceiros nesse mesmo dia, em 23 de Junho de 2005, tendo sido abertos os quatro armários e um bloco de três gavetas que estavam adstritos à A., na presença de três testemunhas, sendo estas a Dr.ª M..., o Dr. L.. e a Dr.ª A... [facto provado 45)];
Após a abertura dos referidos armários e do módulo de três gavetas, foi feito um inventário de todos os documentos que aí se encontravam, o qual se mostra junto a fls. 64, cujo teor se dá aqui por reproduzido [facto provado 46)];
A Direcção Financeira não tinha dado autorização para a saída de qualquer tipo de documentação, nem tinha conhecimento da saída da mesma [facto provado 48)];
Relativamente às chaves dos armários e do módulo de três gavetas, só existia um conjunto que se encontrava em poder da A. [facto provado 50)];
Mais uma vez teve a Directora de Recursos Humanos da R., Dr.ª M..., de telefonar para a A. para que esta entregasse as chaves do cofre [facto provado 51)];
Logrou apenas falar com uma pessoa que se intitulou irmã da A [facto provado 52)];
Mais tarde, a referida Directora de Recursos Humanos recebeu um telefonema da mesma pessoa que a informou que o cofre estava vazio e que as chaves estavam no armário [facto provado 53)];
A A., enquanto funcionária da R., nunca sofreu qualquer sanção disciplinar [facto provado 54)].

Com a descrita conduta, a autora violou o dever imposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho, tendo evidenciado total desrespeito pelas obrigações inerentes ao exercício do cargo que lhe estava confiado.

Por outro lado, a factualidade apurada integra o circunstancialismo previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 396.º do Código do Trabalho.

Acresce que, tal como é acentuado na sentença da primeira instância, «[n]ão obstante poder ter-se sentido desautorizada, injustiçada ou menosprezada pela reestruturação operada na empresa e que, de certa forma, implicou uma efectiva despromoção nas funções que vinha executando, tal não legitima a A. a tomar os comportamentos em causa, sonegando documentos vitais (e porventura sigilosos) para a actividade da sua empregadora».

Ora, não se pode exigir a um empregador que mantenha ao seu serviço um colaborador que não cumpre, ostensivamente, a ordem de entregar a documentação fiscal e contabilística da empresa ao novo responsável pela contabilidade geral e analítica, e que mostra total indisponibilidade, testemunhada por diversos colegas de trabalho, para facultar o acesso ao local onde estava arquivada aquela documentação, pois essa conduta representa uma grave quebra da disciplina, incompatível com a organização da empresa e com o desenvolvimento dos fins por ela prosseguidos.

Aquele comportamento, nas circunstâncias concretas em que se verificou, tornou, pela sua gravidade, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, afectando a relação de confiança que deve existir entre o empregador e o trabalhador e gerando fundadas dúvidas sobre a idoneidade futura do desempenho das suas funções profissionais.

Assim, esse comportamento ilícito e culposo da autora preenche a invocada justa causa e legitima a sanção de despedimento aplicada, a qual, no dito contexto, se mostra adequada e proporcional à gravidade da infracção praticada pela trabalhadora.

5.2.3. E não se diga, como propugna a autora, que «o requisito da impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho se encontra totalmente ausente da situação sub judice», já que «é totalmente incompatível com a delonga, totalmente injustificada, do processo disciplinar que, recorda-se, esteve pendente cerca de 5 (cinco) meses, só existindo uma explicação para tamanha delonga do processo: a ausência de pressupostos indispensáveis à existência da justa causa de despedimento».

Ora, como bem decorre do acervo factual acima explicitado, a nota de culpa foi elaborada em 4 de Julho de 2005 e, após a resposta à nota de culpa por parte da autora, decorreu a instrução do processo, entre 27 de Julho de 2005 e 27 de Setembro seguinte, sendo proferida a decisão final, em 20 de Outubro de 2005.

Portanto, tendo o procedimento disciplinar demorado menos de três meses, entre o início da instrução e a prolação da decisão final, não se descortina a alegada delonga do processo disciplinar incompatível com a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho.

Tudo para concluir que a autora, com o seu comportamento grave e culposo, pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que insubsistindo, torna imediata e praticamente impossível a sua manutenção, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento, nos termos do artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

Improcedem, pois, as conclusões XL a LXVII da alegação do recurso de apelação da autora.
III

Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso no tocante à nulidade do acórdão recorrido invocada nas conclusões A), na parte atinente, e AA) a EE) da alegação do recurso de revista;
b) Conceder a revista trazida pela ré, revogar o acórdão recorrido, na parte em que julgou verificada a caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento, e repristinar a sentença proferida na primeira instância.

Custas a cargo da autora, no Supremo e nas instâncias.


Lisboa, 14 de Maio de 2008

Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Alves Cardoso