Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B263
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA GIRÃO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
ARROLAMENTO
EFEITOS
Nº do Documento: SJ200505190002632
Data do Acordão: 05/19/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 3893/04
Data: 09/23/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I - Se os embargos de terceiro, instaurados em 6/7/2001, foram processados nos termos do artigo 351 e sgs. do Código de Processo Civil - apesar de o arrolamento a que foram opostos terem sido instaurados e processados à luz das normas processuais anteriores à Reforma de 1995/96 - o agravo do acórdão da Relação confirmatório da sentença que os julgou procedentes rege-se pela redacção actual do artigo 754 do mesmo Código.
II - Ao menos relativamente aos embargantes e aos bens arrolados sobre que incidiu é de considerar que o acórdão da Relação referido em I pôs termo ao processo, para efeitos de admissibilidade de recurso para o Supremo (nº3 do artigo 754 com referência à alínea a) do nº1 do artigo 734, ambos do CPC).
III -- Os efeitos de um arrolamento produzem-se só a partir da decisão que o decreta.
IV - Dessa decisão não resulta, necessariamente e sempre, a absoluta indisponibilidade, pelo requerido, dos bens arrolados, designadamente quando o requerido é um inabilitando por prodigalidade, em que, além do mais, o arrolamento funciona como mera antecipação da inventariação dos seus bens, caso venha a proceder a respectiva acção.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Por apenso ao procedimento cautelar onde foi decretado o arrolamento do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 3177 da freguesia de São Julião, descrito na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o nº856, vieram A e mulher B, C e mulher D e E - a favor de quem o prédio se encontra inscrito, sob o nº856, desde 2/12/1998 - deduzir os presentes embargos de terceiro, alegando, em suma, que:

-- adquiriram o prédio por compra, formalizada por escritura pública de 7/4/1998, a F e pelo preço de 20.000.000$00, justo e adequado às condições do prédio;
-- desconhecem a prodigalidade do requerido F;
-- o arrolamento ofende a posse dos embargantes sobre o prédio em causa e é incompatível com o seu direito de propriedade sobre o mesmo.
Os embargados G e outros contestaram, alegando, em suma, que:
-- interpuseram um procedimento cautelar não especificado, como preliminar da acção de inabilitação, para que F não pudesse vender os bens que lhe foram deixados por óbito de sua tia;
-- o STJ veio a determinar haver erro na forma de processo, com o consequente indeferimento liminar, o que permitiu a apresentação de nova petição com o pedido de arrolamento do prédio em causa, o qual veio a ser decretado;
-- a acção de inabilitação por prodigalidade foi requerida e publicitada nos jornais;
-- a compra e venda foi celebrada depois de anunciada a propositura da acção, pelo que há que observar o disposto no artigo 149 do Código Civil, ex vi artigo 156 do mesmo Código.
Os embargos foram julgados procedentes logo no despacho saneador, ordenando-se o levantamento do arrolamento em causa, decisão que veio a ser mantida pela Relação de Lisboa, negando provimento ao agravo interposto pelos embargados G e outros, que, continuando inconformados, recorrem agora para este Supremo Tribunal.

O recurso foi interposto e recebido como revista, mas, pelo despacho do relator de fls.290, que considerou ter havido erro nessa qualificação, passou a ser tramitado como agravo, depois de efectuada a necessária correcção na distribuição.
As conclusões dos recorrentes são do seguinte teor:

1. A acção especial de inabilitação, intentada pelos recorrentes contra o F (cujo julgamento ainda não se encontra concluído) foi precedida de um procedimento cautelar não especificado, com vista a evitar que o pródigo, no decurso da acção, viesse a dissipar todo o seu património.

2. O procedimento cautelar não especificado deu entrada em juízo no Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz no dia 9/4/1992 e veio a ser decretado em primeira instância. Posteriormente, veio a ser indeferido liminarmente, por erro na forma do processo, pelo Tribunal da Relação de Coimbra e depois pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3. Em face do indeferimento liminar por erro na forma do processo, os recorrentes ao abrigo do disposto nos artigos 475, nº4 e 476, nº1 do Código de Processo Civil - ao tempo em vigor - suscitaram a declaração de nulidade do acto omissivo da secretaria e atravessaram nos autos um arrolamento, em 21/3/1994, correspondendo à forma de processo sentenciada como correcta.

4. Indeferido que foi, na altura, o arrolamento requerido, pela via do recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa, por douto acórdão de 13 de Dezembro de 2000, veio a revogar o despacho recorrido, considerando que a petição de arrolamento foi apresentada em tempo. «Se a decisão final do recurso (seja da Relação, seja do Supremo, art.475º, 1) mantiver o indeferimento liminar da petição, o autor poderá ainda aproveitar do benefício concedido no artigo 476º relativamente à propositura da acção, desde que apresente nova petição (corrigindo a falta determinante do indeferimento, in casu a forma do processo) «dentro do prazo de cinco dias após a notificação do retorno do processo à secretaria do tribunal de primeira instância (artigos 475, 4, 2ª parte e 476, 1 e 2), Prof. Antunes Varela, ob e loc. cits.. Neste sentido, também o ac. da RP de 20/10/1988, CJ, ano XIII, tomo 4, páginas 200/1.

5. O procedimento cautelar não especificado requerido pelos recorrentes foi indeferido liminarmente por erro na forma do processo, o que na época configurava um caso de absolvição de instância para o requerido, artigo 288, nº1 b) do CPC.

6. O que se quis dizer neste número (2 do artigo 289 do CPC) foi que: «proposta uma acção e absolvido o réu da instância, se o mesmo autor propuser segunda acção sobre o mesmo objecto dentro de trinta dias, aproveita-lhe o facto de ter proposto a acção anterior, quer a segunda acção seja dirigida contra o mesmo réu, quer seja dirigida contra réu diferente, de sorte que se a primeira foi interposta em tempo, nada importa que a segunda o não seja», José Alberto dos Reis"

7. O procedimento cautelar não especificado foi interposto contra o proprietário do prédio em questão, na época, e os recorridos foram notificados da decisão que decretou a providência. Aos recorrentes que apresentaram a petição corrigida como benefício concedido ao autor no caso de indeferimento, aproveitam todos os efeitos civis da primeira petição apresentada.

8. «Ora considerando-se toda a tramitação processual anterior, salientando-se designadamente o facto de que, atento o conteúdo do citado Acórdão desta Relação», de Lisboa «de 13-12-2000 tem de concluir-se que o arrolamento intentado, que veio a ser decretado, retroage à data em que foi intentada a mencionada providência cautelar não especificada"Assim sendo, como é, isso significa que, por um lado, à data em que foi intentado o arrolamento, o requerido F ainda era dono/proprietário do prédio em causa», citando o Acórdão de 28/9/2004 da Relação de Lisboa.

9. Se o arrolamento retroage à data da entrada em juízo da primitiva providência cautelar não especificada, por força, quer da própria lei, do que doutrina da lei ensina, do que foi sentenciado pelo douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em 13 de Dezembro de 2000 e é reconhecido pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/11/2004, com o nº 3867/04, é sobre o vendedor que impende a decisão de não vender o bem. O vendedor não podia vender o prédio que os recorridos compraram, conforme já foi sentenciado. E «As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades», artigo 205, nº2 da CRP.

10. Se o vendedor não podia vender, os compradores não podiam ter comprado uma coisa que o vendedor não podia vender. Além disso, não se venha dizer que os compradores de nada sabiam deste processo, pois consta da certidão do registo predial a recusa do registo da acção de inabilitação, o que obriga as pessoas a saber, pelo menos, da sua existência. E em face da existência dessa certidão nos autos, nada se tem de alegar a esse respeito.

11. E se o vendedor, o F, que é parte no processo, requerido nos procedimentos cautelares e réu nos autos principais, não podia vender todos os bens, então a venda é inválida e como tal deve ser declarada.

12. Repare-se que a venda ser inválida é muito diferente de se poder intentar a acção de anulação por força do negócio ter sido mau para o pródigo. A acção de anulação de venda exige que se devolva o dinheiro recebido. Esse dinheiro já foi olimpicamente esbanjado na estúrdia e noutras despesas tolas e improdutivas pelo F.

13. No acórdão 3867/04-7 de 28/9/04 da Relação de Lisboa diz-se dos ora recorrentes : «não podem estes ser prejudicados pelo facto de que, desde a data em que foi intentado, até à data em que, efectivamente, foi decretado o arrolamento tenham decorrido vários anos».

14. Os recorrentes só podiam registar o direito em termos de o oporem a terceiro depois do mesmo ser declarado por sentença transitado em julgado, o que vale dizer após o arrolamento ter sido decretado. Após essa data já as vendas estavam feitas.

15. No entanto, ao permitir-se, impunemente e validar-se uma venda que o vendedor não podia fazer, não por força somente da sua prodigalidade, mas por força da providência cautelar requerida e decretada, da qual se diz que a mesma será anulável em determinadas condições, está-se a prejudicar os recorrentes e o F, também, uma vez que a acção é interposta no seu interesse.

16. Os recorrentes lançaram mão de todos os meios legais para verem, em tempo, ser decretado o direito, intentando as providências necessárias para acautelar o efeito útil da acção, isto é, que o R. não vendesse todos os seus bens no decurso da acção e viesse a ficar na miséria e sem dinheiro, o que agora é não um receio, mas um facto. Reconhecer-se que o F podia vender os bens que vendeu livremente e sem qualquer outra consequência que não fosse a da possível anulação da venda é violar o disposto nos artigos 2º, 475º, 4, 2ª parte e 476º, 1 e 2, 671º a 674, todos do CPC e artigo 205, nº2 da CRP. E por outro lado, a ser assim, admitir-se-ia que a justiça não fosse justa e não assegure os direitos de quem a ela recorre.

17. Sem prescindir, ainda assim, o arrolamento poderá ser decretado ainda que o extravio, a ocultação, a venda dos bens já tenha ocorrido. Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, «Temas da Reforma do Processo Civil», IV Vol., Almedina, página 274.

18. É que, «pode dizer-se que serão suficientemente demonstrativos da necessidade do arrolamento incidental a prova da existência de actos de delapidação de bens por parte de alguns dos interessados, a omissão de bens na respectiva relação, a transferência de bens móveis para locais desconhecidos», António Geraldes, ob. e locs. cits..

19. Arrolar significa inscrever em rol. A ideia de arrolamento está por isso ligada à da existência de uma pluralidade de bens que se pretende acautelar. Para isso eles são descritos, avaliados e depositados.

20. a) no arrolamento está em causa conservar a coisa, diversa de dinheiro, que é objecto mediato ou imediato da acção da qual o arrolamento depende;
b) no arrolamento podem ser arrolados bens do próprio ou de terceiro, desde que esse arrolamento tenha sido requerido para evitar a venda ou dissipação e que entretanto a mesma tenha ocorrido e seja anulável, pois visa-se conservar a coisa para a acção de que o mesmo depende, impedindo, por exemplo a venda a terceiros; o arrolamento requerido garante que os bens fiquem conservados até ser produzida decisão na lide principal.

21. Ao julgar procedentes os embargos de terceiro e que o arrolamento não pode ser decretado sobre bens de terceiro e que a primitiva providência cautelar não produz efeitos em relação aos recorridos, foram violados os artigos 2º, 289, nº2, 421, 422, 423 e 475, 4, 2ª parte e 476, 671 a 674 todos do CPC e o artigo 205, nº2 da CRP.

Contra-alegaram os recorridos, defendendo a improcedência do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

Factos provados:

Por decisão de 26/3/2001 foi decretado o arrolamento designadamente de «um prédio urbano composto de loja, dois andares, sótão, quintal, poço de água pluvial, com serventia independente para a rua, sito na Rua Fernandes Coelho, nºs 13 a 17, freguesia de S. Julião, Figueira da Foz, descrito na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz com o nº35482 a fls.73 do livro B-92 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3177»;

O arrolamento foi concretizado em 3/5/2001, encontrando-se o prédio descrito no respectivo auto como «prédio urbano sito na Rua Fernandes Coelho, com os nºs de polícia 15, 17 e 19, na freguesia de S. Julião, composto por casa de habitação de rés do chão, primeiro e segundo andares e sótão, com quintal e árvores de fruto, com a superfície coberta de 200m2, avaliado em 45.000.000$00;

Por escritura de 7/4/1998, lavrada no 2º Cartório Notarial de Torres Vedras, F e H disseram que, pelo preço de 20.000.000$00, vendiam a A, casado com B, a C, casado com D e a E o prédio urbano sito na Rua Fernandes Coelho, 15 a 19, na cidade da Figueira da Foz, freguesia de São Julião, destinado a habitação e comércio, descrito na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o nº856, inscrito na respectiva matriz sob o nº3177, tendo os compradores dito que aceitavam a venda nos termos exarados;

Na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz, sob o nº35482, a fls. 73 do livro B-92 ou a ficha nº00856/080592 da freguesia de São Julião encontra-se descrito o prédio urbano sito na Rua Fernandes Coelho, nºs 15, 17 e 19, composto por casa de habitação de rés do chão, primeiro e segundo andares e sótão, com a superfície coberta de 200m2, inscrito na matriz predial sob o artigo 3177;

Por apresentação de 2/12/1998 mostra-se inscrita a aquisição desse prédio, em comum, a favor de A, casado com B, de C, casado com D, e de E.

Cabe agora, à guisa de questão prévia, dar uma breve explicação sobre as razões que determinaram a prossecução dos autos para conhecimento do objecto do recurso.
Efectivamente, o relator, no seu despacho inicial, entendendo haver erro na espécie de recurso, ordenou que se procedesse à necessária correcção - de revista para agravo - e, concomitantemente, invocando o disposto no nº2 do artigo 754 do Código de Processo Civil (CPC), opinou no sentido de não ser possível conhecer do objecto do recurso.

Notificadas as partes nos termos legais, apenas se pronunciaram os agravantes, defendendo - doutamente - a cognoscibilidade do recurso, com o fundamento, em suma, de que ao caso era aplicável o referido artigo 754, mas na redacção anterior à Reforma de 1995/96, o qual, na sua alínea b), admitia uma ampla recorribilidade, por agravo, dos acórdãos da Relação.

Cremos, no entanto, que o regime aplicável é o actual, ou seja, o do DL375-A/99, que deu ao nº2 do artigo 754 do CPC a seguinte redacção:
«Não é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732-A e 732-B, jurisprudência com ele conforme.».

E isto porque os presentes autos foram processados - bem ou mal desinteressa agora dilucidar, face ao trânsito em julgado do despacho saneador, onde se concluiu pela validade de todos os pressupostos formais -, não como uma acção possessória, nos termos do artigo 1037 e sgs. do CPC, na redacção anterior à Reforma de 1995/96, mas como um incidente de instância, nos termos do artigo 351 e sgs. do mesmo Código, na redacção introduzida pela mesma Reforma.

Além disso, foram instaurados em 6/7/2001, bastante depois, portanto, da entrada em vigor do citado DL 379-A/95, de 20 de Setembro.

A única dúvida que se suscita é à volta da interpretação da alínea a) do nº1 do artigo 734 do CPC para que remete o nº 3 do artigo 754, sendo certo que não foi invocada qualquer outra das demais excepções previstas quer neste nº3, que no nº2 do mesmo artigo 754.

E a dúvida reside em saber se a decisão sob recurso pôs ou não termo ao processo.

Sob determinada perspectiva - como foi a do relator, no seu despacho inicial --, constituindo os embargos de terceiro um incidente do procedimento cautelar, é evidente que a decisão confirmatória da que ordenou o levantamento do arrolamento relativamente ao imóvel em causa não pôs fim ao processo, uma vez que o procedimento cautelar se mantém quanto aos demais bens arrolados.

Se consideramos, porém, que o processo de embargos, incluído embora no capítulo dos incidentes da instância, goza, na realidade, de bastante mais autonomia - uma vez que, após o seu recebimento e havendo contestação, segue os termos do processo declaratório ordinário, ou sumário, consoante o valor (cfr. nº1 do artigo 357 do CP) --, não será menos evidente que o acórdão sob recurso pôs fim ao processo.
Pelo menos relativamente aos embargantes e no que concerne ao imóvel arrolado que eles reivindicam como seu.

Parece-nos ser esta a perspectiva correcta.
De qualquer forma, na dúvida, sempre será de conhecer do objecto do recurso.

E quanto a ele - ao objecto do recurso - pouco temos a dizer.

Na verdade, as questões que os agravantes colocam são as mesmas a que o acórdão recorrido, como assinalável brilho, já deu acertada resposta.

Assim e porque os efeitos do arrolamento só se verificam com a decisão que os decretou, proferida em 26/3/2001, é imperativa a procedência dos embargos face à irrefutável prova feita pelos embarqantes/recorridos de que, nessa data e desde 7/4/1998 (data da escritura de compra e venda) eram os titulares legítimos do direito de propriedade sobre o imóvel em causa, estando este direito devidamente registado a seu favor por apresentação datada de 2/12/1998.

O direito de propriedade dos recorridos sobre o imóvel em causa foi, por isso, ofendido com o arrolamento decretado na providência cautelar em que eles não foram parte, pelo que se mostra preenchido o fundamento previsto no artigo 351, nº1 do CPC para que possam fazer valer esse seu direito através dos presentes embargos de terceiro.

A argumentação dos recorrentes assenta no pressuposto, errado, de que o requerido numa providência cautelar de arrolamento fica absolutamente inibido de dispor dos bens arrolados desde a data do requerimento da providência.

Como já dissemos e melhor explica o acórdão sob recurso, os efeitos da providência nascem apenas com a decisão que a decreta, sem qualquer eficácia retroactiva.

Mas mesmo quando proferida, dessa decisão não resulta, necessariamente e sempre, a indisponibilidade absoluta dos bens arrolados por parte do requerido, pois que, sendo aplicáveis ao arrolamento as disposições relativas à penhora (nº5 do artigo 424 do CPC), os actos de disposição por ele praticados sobre esses bens ficarão, face ao disposto no artigo 819 do Código Civil, apenas afectados de ineficácia (relativamente aos interessados) e não de invalidade, como defendem os agravantes.

A isto acresce a especificidade do arrolamento a que foram opostos os presentes embargos, em que a providência não é mais do que uma simples antecipação da inventariação, prevista na alínea a) do nº1 do artigo 956 do CPC, dos bens do requerido inabilitando, dada a hipótese de vir a proceder a respectiva acção (cfr. sumário do acórdão da Relação do Porto, de 2/6/172, BMJ 218-312)), sendo certo ainda que a invalidade, por anulabilidade, dos actos de disposição praticados pelo inabilitando sobre os seus bens, está dependente da verificação de determinados pressupostos previstos na lei (artigos 149, 150 e 257 do Código Civil), a demonstrar, caso a caso, na respectiva acção anulatória.

Como ensinava Mota Pinto na obra citada no acórdão recorrido, os interdicendos (ou os inabilitandos) não podem ser postos em quarentena.

Finalmente, não há qualquer violação do artigo 205, nº2 da Constituição, como defendem os recorrentes, quando, depois de se decidir pelo arrolamento de determinado bem, se vem a ordenar, por decisão proferida em processo de embargos de terceiro, o levantamento desse mesmo arrolamento, pois que:
-- enquanto a primeira decisão tem uma estrutura precária e provisória, porque assenta na mera aparência do direito e na prova sumária de que os bens arrolados pertenciam ao requerido;
-- a segunda decisão resulta da prova definitiva do direito dos embargantes sobre o imóvel (indevidamente) arrolado, prova essa apreciada e decidida em processo tramitado segundo os princípios e as regras processuais mais solenes e adequadas à definição judicial dos direitos.

DECISÃO

Pelo exposto - confirmando-se o douto acórdão recorrido, com remissão para os respectivos fundamentos -- nega-se provimento ao agravo.
Custas pelos agravantes, sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.

Lisboa, 19 de Maio de 2005
Ferreira Girão,
Luís Fonseca,
Lucas Coelho.