Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2861/22.3JAPRT.P1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
DUPLA CONFORME
PENA PARCELAR
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
IN DUBIO PRO REO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. De acordo com o princípio da dupla conforme condenatória, consagrado no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas Relações que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

II. Fora do objecto de conhecimento em recurso ficam assim as questões (processuais e de substância) respeitantes aos crimes de violência doméstica e de detenção de arma proibida, aos quais correspondeu pena(s) de prisão não superior(es) a 8 anos, já confirmada(s) em recurso.

III. Só a pena parcelar aplicada pelo crime de homicídio qualificado e a pena única excedem os 8 anos de prisão, e só a matéria de direito que foi alvo de impugnação em recurso respeitante ao crime de homicídio, ao concurso de crimes e à pena única pode constituir objecto de apreciação, devendo o recurso ser rejeitado na parte restante.

IV. Na moldura abstracta de 16 a 25 anos de prisão, atendendo a todos os factos provados, justifica-se confirmar a pena de 20 anos de prisão aplicada ao arguido pelo crime de homicídio qualificado agravado, na pessoa da vítima sua mulher. E justifica-se igualmente confirmar a pena única de 22 anos de prisão aplicada em cúmulo jurídico, que englobou ainda as parcelares de 3 anos de prisão por crime de violência doméstica e de 3 anos de prisão por crime de detenção de arma proibida.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


1. Relatório

1.1. No Processo Comum Colectivo n.º 2861/22.3JAPRT do Juízo Central Criminal de ... (Juiz 3) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, foi proferido acórdão a condenar AA como autor de um crime de violência doméstica do art. 152.º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CP, na pena de 3 anos de prisão; um crime de homicídio qualificado dos arts. 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2, al. b) do CP e 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, na pena de 20 anos de prisão; de um crime de detenção de arma proibida do art. 86.º, n.º 1 al. c) da Lei nº 5/2006, na pena de 3 anos de prisão; e em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 22 anos de prisão.

Inconformado com o decidido, interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 11.10.2023, confirmou a decisão de 1ª instância, julgando improcedente o recurso.

Novamente inconformado com o decidido, interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo:

“ 1. Salvo o devido respeito, analisado o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, não se percebe como é que e com base em quê, o Tribunal alicerça a sua decisão, pelo que se verifica a nulidade do acórdão por falta de fundamentação.

2. A decisão deve ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art. 374.° n.° 2 do Código de Processo Penal, pelo que

3. O Tribunal da Relação de Porto, mantendo a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância, de forma infundada e não motivada, com base em considerações genéricas e superficiais, violou o dever de fundamentação a que estava adstrito, não resultando da decisão recorrida o raciocínio lógico para concluir como fez, o que viola o disposto nos artigos 97º, n.º 4, 374° n° 2 e 379º, n.º 1do Código de Processo Penal, bem como artigo 202.º e 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

4. No que ao crime de violência doméstica respeita, resulta da globalidade do próprio texto da decisão que o tribunal, apesar da hesitação sobre a prova de determinados factos, decidiu em sentido desfavorável ao arguido – nomeadamente, quanto à prática do crime de violência doméstica pelo qual o recorrente foi condenado.

5. No caso em concreto, com o devido respeito, parece-nos incompreensível que ambos os tribunais possam concluir, através da regra da experiência, uma certeza possível que ultrapasse a dúvida razoável de que o arguido maltratasse a vítima.

6. Fundamentalmente, o que no douto acórdão de que ora se recorre se faz é, porque não tem certeza quanto à prática dos factos por parte do arguido, se eliminam todas as provas que constituiriam a «contraprova», o que do ponto de vista do CPP não é admissível por violação do princípio in dubio pro reo.

7. Na presença de dúvidas – nomeadamente, da existência de maus-tratos da vítima -, o Tribunal, apreciou-a em desfavor do arguido, isto é, resultando da decisão recorrida a existência de dúvidas quanto a estas questões, em vez de, na aplicação do princípio do in dúbio pro reu, apreciar os factos em favor do arguido, não o faz, o que se traduz num erro na apreciação da prova, nos termos do art.º 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP.

8. Sempre com o devido respeito, entende o arguido que não assiste razão no Douto Acórdão do TR do Porto e que, de facto, se impõe uma dosimetria inferior na pena concreta.

9. Ao contrário do decidido – quer pela primeira instância, quer pelo Tribunal da Relação do Porto - parece-nos que, salvo o devido respeito por melhor opinião, a ter em consideração os factos dados como provados no douto acórdão o Tribunal, na determinação da medida da pena e tendo em consideração todas a circunstâncias que depuseram a favor do arguido e dadas como provadas, não as apreciou devidamente, designadamente a confissão, a conduta após o cometimento do homicídio, o arrependimento do arguido, a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção familiar, social e laboral, bem como o seu comportamento posterior aos factos.

10. No que concerne ao crime de homicídio qualificado pelo qual o arguido, aqui recorrente, foi condenado, o mesmo entende que inexiste, do ponto de vista da lógica da apreciação e valoração da prova, qualquer razão para que não tenha sido, devidamente, valorada a sua confissão: o recorrente auxiliou de sobremaneira o Tribunal de primeira instância na obtenção da verdade material, no que a este crime respeita, pois ninguém viu o disparo, o filho estava a dormir; caso o recorrente não o tivesse acordado para que este auxiliasse a mãe, poderia ter-se ausentado e negar a prática do crime.

11. Após o ato e antes de se ausentar do local, o recorrente procurou arranjar auxílio para a vítima, designadamente, alertando o filho, única pessoa que se encontrava na parte de cima da habitação, a quem disse que tinha acontecido uma “desgraça”, consubstanciando uma manifestação de um juízo crítico e negativo, de demonstração de consciência crítica relativamente ao desvalor da sua conduta.

12. O recorrente, não obstante ter mais munições na arma, disparou um único tiro e arrependeu-se de imediato do seu ato, conforme exposto.

13. Tanto o tribunal de 1.ª instância como o Tribunal da Relação do Porto, desvalorizaram, em absoluto, a confissão, o arrependimento exibido e a conduta do arguido após a prática do homicídio.

14. De suma importância é o facto de que o homicídio não ter sido premeditado e ter ocorrido numa situação de absoluto descontrolo emocional, após, (mais) uma discussão entre o recorrente e a vítima – que foi o despoletar de anos de desgaste emocional, de discussões e acusações de infidelidade mútuas.

15. O homicídio em questão nos presentes autos foi o, infeliz, corolário das desavenças entre o casal, do afastamento da vítima regressada a casa – indiciadora de que iria romper o relacionamento ou até já o teria rompido.

16. O recorrente foi (e bem) absolvido da agravante do motivo fútil – bem como foi absolvido da prática do crime de homicídio qualificado pelo preenchimento da alínea i), do n.º 2, do art.º 132.º, do CP que refere à utilização de veneno ou outro meio insidioso e absolvido da qualificativa da al. j), do n.º 2, do art.º 132.º, do CP, de agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas ( a premeditação, que nunca existiu), sendo que o homicídio “apenas” é qualificado pela circunstância de ser ex-cônjuge, i.e, não a vítima sua ex-mulher, estaríamos perante um homicídio simples.

17. A verdade é que a jurisprudência vem “agravando” mais as penas referentes às restantes alíneas do referido artigo, pois, em casos similares ao dos presentes autos, tem aplicado penas muito inferiores – nesse sentido, vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27/11/2019, proc.º n.º 323/18.2PFLRS.L1.S1

18. Mesmo no caso em que as penas são mais pesadas, nomeadamente, quanto às restantes alíneas que compõe o n.º 2, do art.º 132.º do CP, a pena aplicada tem sido sempre inferior do que a pesada pena de 20 anos de prisão que foi aplicada ao recorrente – nesse sentido, vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 10/12/2020, proc.º n.º 757/18.2JACBR.C1.S1 onde foi aplicada uma pena de prisão de 16 anos e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 15/01/2019, proc.º n.º 4123/16.6JAPRT.G1.S1, onde foi aplicada uma pena de prisão de 18 anos (ambos os homicídios foram cometidos com arma de fogo, pelo que também eram agravados pelo n.º 3, do art.º 86.º, da Lei das Armas).

19. Deve, pois, a pena do recorrente ser reduzida drasticamente, primeiro pela ausência de factos integradores das demais previsões legais, pelas quais, de resto, foi acusado, e depois porque o arguido foi, igual e autonomamente, condenado pelo crime de violência doméstica, pelo que deve ser revogada a pena parcelar aplicada ao recorrente e ser o mesmo condenado na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão.

20. Ainda que seja legal e não se ponha em causa, a punição autónoma pelos crimes de homicídio e violência doméstica, a verdade é que, sendo a única agravante do n.º do art.º 132º do Código Penal, a prevista na al. b), precisamente a que agrava o crime pelo facto da vítima ser seu cônjuge ou ex-cônjuge, tal deve impor a que a pena seja fixada próximo do seu limite mínimo, sob pena de se verificar uma dupla punição da conduta.

21. O recorrente foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pela al. c), do n.º 1, do art.º 86.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de três anos de prisão, alicerçada pelo facto de o recorrente ter cometido um crime com arma de fogo, sendo que o mesmo foi condenado por um crime de homicídio qualificado consumado, com a agravação do art.º 86.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, que visa punir o cometimento do crime com recurso a uma arma proibida traduzindo uma reação do legislador à proliferação de condutas criminosas praticadas com armas.

22. Não pode servir de agravante o facto de o recorrente ter cometido o crime de homicídio com recurso a arma de fogo – o que, no caso concreto, sucedeu, pois tanto o tribunal da 1.ª instância e o Tribunal da Relação do Porto fizeram uma dupla agravação da conduta do arguido pela detenção e uso da arma de fogo, i.é: qualifica o crime de homicídio pelo art.º 86.º, da Lei n.º 5/2006 e, nessa medida aumenta os seus limites mínimos, e ainda agrava o crime de detenção de arma proibida pelo facto de ter sido cometido um crime com uso da arma ilegalmente detida, consubstanciando, assim, a decisão recorrida numa violação do princípio da dupla valoração.

23. O Tribunal da Relação do Porto confirmou a aplicação – no que concerne ao crime de detenção e uso de arma de fogo – de uma pena superior a metade da moldura penal abstrata ao recorrente, o que extravasa em muito a medida da sua culpa.

24. Face ao exposto, deve ser revogada a pena parcelar aplicada ao recorrente e ser o mesmo condenado na pena de 4 (quatro) meses de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida.

25. No que diz respeito ao crime de violência doméstica, com base no ponto b) deste recurso, em respeito do princípio in dubio pro reo, deve o recorrente ser absolvido da pena parcelar aplicada por este crime.

26. Sem prescindir e ainda que assim não seja, a pena de três anos de prisão pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pela al. b), n.º 1, do art.º 152.º, do CP, é desadequada, desproporcional e extravasa a culpa do recorrente.

27. Inexistem factos provados que indiquem que o recorrente maltratava a vítima nos anos de 2012 a 2018, no entanto, tanto o tribunal de 1.ª instância como o Tribunal da Relação do Porto afirmaram que a vida do casal foi pautada por um clima permanente de violência doméstica perpetrada pelo recorrente, situando tal conduta no período entre 2008 e 2023.

28. É importante salientar o contexto em que os conflitos conjugais ocorreram, sendo latente agressões verbais mútuas com acusações, igualmente mútuas, de traições, relações extraconjugais, o que é sinal que vitima e arguido haviam já perdido o respeito um pelo outro e pela instituição família.

29. Inexistem factos ou provas que justifiquem a aplicação de uma moldura penal tão pesada – 3 anos de prisão, extravasando, de sobremaneira, a medida da culpa.

30. Deve, pois, ser revogada a pena parcelar aplicada ao recorrente pela prática de um crime de violência doméstica e ser o mesmo condenado na pena de 2 (dois anos) e 2 (dois) meses de prisão.

31. Exercendo uma cuidada análise da materialidade vertida no douto acórdão proferido em primeira instância permitir-se-ia concluir pela existência de sérias razões para crer que duma pena mais baixa pena resultariam vantagens para a reinserção social do arguido condenado.

32. Há que ter em conta a situação concreta do arguido, pessoa sobre a qual, apesar da ilicitude dos factos, não impende rejeição social, como resulta do relatório social – aliás, como foi confirmado pelo Tribunal da Relação do Porto, no acórdão que aqui se recorre.

33. Não tomaram, ambos os tribunais, em consideração a ausência de antecedentes criminais, ou seja, o arguido jamais praticou qualquer facto ilícito e pauta a sua conduta de acordo com as regras da sociedade, bem consideração a integração profissional do arguido, tendo-se revelado um comerciante de sucesso.

34. Ambos os tribunais não tiveram em devida conta, designadamente o grau de ilicitude; a situação pessoal; o seu comportamento anterior e posterior à prática do crime; a idade do arguido, levando mais de metade da sua vida limpa de comportamentos ilícitos; o facto de, posteriormente à prática do crime de homicídio qualificado ter colaborado ativamente com a justiça, confessando; nem valorou o arrependimento do arguido.

35. Não tomaram, ainda, ambos os tribunais em devida consideração a integração familiar do arguido, pois o arguido era conhecido por ser um bom e atencioso pai, tendo retaguarda familiar, nomeadamente, da sua irmã e mãe, beneficiando de visitas regulares das mesmas e, ocasionalmente, de outros familiares e vizinhos.

36. Durante a prisão preventiva – bem como agora – continuou a pagar a pensão de alimentos ao filho BB, o que é demonstrativo da sua afetividade e capacidade de cuidar dos seus dependentes – bem como denota a conscientização do recorrente como pai e como homem.

37. O recorrente, assim que ingressou no estabelecimento prisional onde se encontra em reclusão, tratou imediatamente de arranjar ocupação laboral na cantina.

38. O recorrente, após a entrada no estabelecimento prisional, reconheceu a necessidade de ser alvo de acompanhamento psicológico e psiquiátrico para iniciar o seu processo de interiorização do desvalor da conduta, admitir e corrigir os erros comportamentais que cometeu no passado e, assim, dar um grande passo no caminho da sua ressocialização, estando, também, medicado para o efeito. – Neste sentido vide factos provados 92 a 100.

39. Pelo que deveria, face à sua integração familiar, social e profissional, ter sido aplicado uma pena de prisão inferior ao recorrente, sob pena de violação do disposto no art.º 71º do C.P.P.

40. A pena aplicada, em cúmulo, ao arguido de 22 anos de prisão, sendo o recorrente primário, encontrando-se social, profissionalmente e familiarmente integrado, com um excelente comportamento posterior aos factos, fechou as portas da reintegração ao arguido, esqueceu as finalidades preventivas especiais das penas que devem imperar.

41. Deve assim, ser revogada a pena parcelar aplicada ao recorrente pela prática do crime de homicídio qualificado e ser o mesmo condenado na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão; deve ser revogada a pena parcelar aplicada ao recorrente pela prática de um crime de detenção de arma proibida e ser o mesmo condenado na pena de 4 (quatro) meses de prisão e, por fim, deve ser revogada a pena parcelar aplicada ao recorrente pela prática de um crime de violência doméstica e ser o mesmo condenado na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão.

42. A consideração conjunta dos factos nos termos supra expostos e da personalidade do agente (sem antecedentes criminais, integrado familiar, profissional e socialmente, que confessa os factos, se arrepende e não voltará a cometer qualquer crime), dentro daqueles limites, aponta para uma pena conjunta de 17 (dezassete) anos, sob pena de violação do disposto nos arts 71, nº 2, al. e) e 72º, nº 2, al. c) do C. Penal.

43. Em face de tudo o exposto, deve a pena aplicada ao arguido recorrente ser alterada e reduzida no seu quantum, devendo ser substituída por outra nos termos referidos supra, atendendo a todo o exposto e ao fim de ressocialização do fim das penas enquadrado na situação pessoal do ora recorrente que se encontra inserido quer profissionalmente, quer socialmente.

44. Uma pena tão brutal, tão “musculada” como a aplicada contraria o fim das penas e contribui para a marginalização do ora Recorrente, pois como todos sabemos as prisões são as verdadeiras escolas do crime e a privação da liberdade por tanto tempo iria refletir-se negativamente quer na personalidade do ora Recorrente quer no meio social em que está inserido, que certamente o iria rejeitar.

45. Tendo em conta tudo o que se alegou neste recurso e sempre com o devido respeito por melhor opinião, entende-se por justa, adequada e proporcional aos factos cometidos, em face da prova produzida e da postura processual do arguido, na pena única de 17 (dezassete) anos, pena essa que se requer para o arguido.”

O Ministério Público respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido da improcedência e concluindo pela confirmação do acórdão.

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer, mencionando:

“Questão prévia – admissibilidade do recurso:

Como decorre do atrás referido, verifica-se uma situação de dupla conforme, pois que o Tribunal da Relação confirmou integralmente a decisão da 1ª instância relativamente a todos os aspetos ali analisados, nomeadamente quanto aos crimes entendidos como praticados pelo arguido, às penas a estes aplicadas e à achada em sede de cúmulo jurídico.

Ora, temos que aplicadas foram (também como já atrás se referiu) as penas de:

- 20 anos de prisão quanto ao crime de homicídio qualificado agravado;

- 3 anos no que se refere ao crime de violência doméstica agravado; e

- 3 anos de prisão relativamente ao crime de detenção de arma proibida.

E, em cúmulo jurídico, aplicada foi a pena única de 22 anos de prisão.

Ligando estas penas às regras que regulam os recursos para este STJ, parece-nos que haverá que rejeitar, em parte o recurso.

Na verdade, recorre-se para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações em sede de recurso, nos termos do artº 400º (artº 432º, nº 1, al. b) do CPP), sendo certo que, nos termos do disposto no artº 400º, nº 1, al. e) do mesmo diploma, não é admissível recurso “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos” e, nos termos da al. f) do mesmo dispositivo legal, não é igualmente admissível recurso “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

No caso, as penas aplicadas pelos crimes de violência doméstica e de detenção de arma proibida ficaram aquém daqueles 8 anos. Apenas as penas aplicadas relativamente ao crime de homicídio e, depois, a aplicada em cúmulo, ultrapassaram aquela fasquia e, assim, apenas relativamente a estas é admissível o recurso.

E, lembre-se (e seguindo aqui o referido no acórdão deste STJ de 09.10.2019 – Processo 24/17.9JAPTM.E1.S1 – Relator – Lopes da Mota) - «Como tem sido enfatizado na jurisprudência deste Supremo Tribunal […], estando o tribunal, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, encontra-se também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que lhe digam respeito, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º do CPP e respectivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4), e de aspectos relacionadas com o julgamento dos crimes que constituem o seu objecto, aqui se incluindo as questões relacionadas com a apreciação da prova (artigo 127.º do CPP), com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação da pena correspondente ao tipo de ilícito realizado pela prática desses factos (cfr., por exemplo, os acórdãos de 11.4.2012, no Proc. 3989/07.5TDLSB.L1.S1, de 25.6.2015, no Proc. 814/12.9JACBR.S1, e de 3.6.2015, no Proc. 293/09.8PALGS.E3.S1, em www.dgsi.pt).»

- Perante isto, estende-se que deverão os recursos que versam acerca dos crimes de violência doméstica e de detenção de arma proibida ser rejeitados, por inadmissíveis, aqui se englobando toda a matéria respeitante aos vícios em que teria incorrido a decisão no que a tais crimes respeita.

Mas, mesmo caso assim não se entenda, nunca deverão merecer procedência os pedidos formulados no recurso, tal como entendido na resposta apresentada pelo Ministério Público no Tribunal da Relação, que aqui se acompanha. Com efeito:

- No que se refere à invocada nulidade por falta de fundamentação relativamente ao crime de violência doméstica, a mesma inexiste.

É certo que confrontando as motivações de recurso apresentadas pelo recorrente com a decisão do Tribunal da Relação do Porto, se verifica evidente diferença em termos de extensão quanto ao que é referido quanto à matéria controvertida. Bem mais parco em texto é o acórdão daquela Relação (na parte em que analisa as questões levantadas pelo recorrente da decisão de 1ª instância) do que a motivação de recurso e respetivas conclusões.

Mas – permita-se-nos o comentário – não é a prolixidade da escrita (note-se, por exemplo, que o recorrente formulou 116 conclusões (!)) que confere valor ao conteúdo. E, no caso, a decisão ora recorrida, se bem (e ainda bem) que breve, foi ao âmago das questões levantadas pelo recorrente, respondendo a todos os aspetos por este levantados, analisando a decisão de 1ª instância com a necessária profundidade.

Assim, afastou o acórdão ora recorrido a relevância de todas as dúvidas (algumas sem qualquer fundamento) que o recorrente havia levantado no recurso (por exemplo o saber se os factos haviam ocorrido de manhã, à tarde ou à noite de um dado dia, ou saber como havia o arguido quebrado um telemóvel num ato que o próprio recorrente apelidou de ‘tresloucado’ na conclusão 5ª, ou a relevância de – esperemos que isso tenha correspondido efetivamente à verdade e a não a falta de queixa por parte da ofendida – durante certo espaço de tempo não ter existido notícia da prática de factos integradores do crime de violência doméstica, etc.). Tudo aspetos que a decisão ora colocada em crise analisou, de forma assertiva, objetiva, entre os pontos 10. e 33., não se podendo exigir mais fundamentação do que a realizada.

Lembre-se que, como referido no acórdão deste STJ de 16.03.12005 (processo 05P662 – Relator Henriques Gaspar) «A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual) a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos para reapreciar uma decisão.» E esta fundamentação será tanto mais clara e compreensível para aqueles a que se dirige quanto mais objetiva, direta e despida de elementos estranhos se mostrar.

A decisão ora colocada em crise, da Relação do Porto, contém em si, de forma clara, os motivos que levaram o coletivo a rejeitar a visão do recorrente quanto à verificação de erros de julgamento da primeira instância, confirmando esta última decisão. Refere expressamente todas as questões levantadas pelo recorrente e dá-lhes resposta ponto por ponto.

O que já não é claro é o recurso, quando se limita a - sem descer em sítio algum à decisão de que recorre, se limita a enunciar – com invocação de jurisprudência e doutrina – em que consiste a nulidade por falta de fundamentação, apontando-a à decisão de forma meramente genérica.

Não se verifica, assim, falta de fundamentação da decisão.

- Quanto à alegada violação do princípio ‘in dúbio pro reo’ (questão que entendemos não dever ser apreciada, por via da dupla conforme existente e pena aplicada relativamente ao crime de violência doméstica a que se refere o recorrente quando invoca este vício):

Volta o recorrente a apresentar a versão que lhe convém da prova produzida e da factualidade dada como provada, ‘arranjando’ uma dúvida onde a mesma inexiste. Alega que não resultaram factos capazes de integrar a prática do crime de violência doméstica em que foi condenado e que (conclusão 4ª) que o Tribunal teve «hesitação» sobre a prova de determinados factos, pelo que o deveria ter absolvido.

Ora, não se verifica da decisão de 1ª instância, confirmada na decisão recorrida, a existência de qualquer hesitação ou dúvida: dos factos provados resultou a óbvia prática do crime de violência doméstica.

O que o recorrente parece pretender é (e nesse sentido vão as conclusões 6ª e 7ª do seu recurso) é que se altere a convicção formada através das provas produzidas em audiência, dando-se apenas valor às que denomina como «contraprovas»… Sucede que, se assim é, se pretendia alterar a matéria de facto dada como provada, deveria ter recorrido da decisão de facto, cumprindo as obrigações legalmente impostas para este tipo de recursos (artº 412º, nºs. 3 e 4, do CPP), o que não se viu ser feito).

- Quanto à pena aplicada ao arguido/recorrente pela prática do crime de homicídio:

Relativamente a esta matéria (face à qual o recurso já é, em nosso entender, de admitir), a escolha da pena de 20 anos de prisão parece-nos adequada face a todos os elementos que foram referidos, quer na decisão de 1ª instância, quer pelo Tribunal da Relação do Porto, nos respetivos acórdãos.

Não se verifica, a nosso ver, qualquer necessidade de correção às penas aplicadas ao recorrente, pois que a possibilidade desta correção em sede de recurso apenas tem justificação quando se verifica «o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis (…), [se] tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada» (JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, página 197), (doutrina igualmente referida na decisão recorrida), o que não se verifica ter sucedido.

Aliás, há a notar que o recorrente funda o seu pedido de redução da pena pela prática do crime de homicídio em matéria que ficciona, oposta à que foi dada como provada e entendida pelo coletivo como razão para agravar, e não atenuar, a pena. Não há que esquecer que – e transcreve-se:

«Acresce, para além da abundante prova, as declarações do arguido nos indicados moldes e no essencial expressos na fundamentação de facto, para além de denotarem frontal falta de arrependimento e empatia para com a vítima e filhos, traduzem o seu carácter retorcido, perverso e egoísta (referindo várias vezes, de forma clarividente que a companheira o abandonou…que ele a aceitou….) quando é certo que apesar das suas condutas que culminaram com a morte da companheira e mãe dos seus descendentes, que quis e perpetrou, não se coibiu de em audiência a humilhar e enxovalhar, imputando-lhe vários amantes (quando é certo que ainda que tal se apresentasse de pouca ou nula relevância, o único relacionamento extraconjugal que resultou provado foi o que o próprio manteve com a testemunha CC e que a esta enviou mensagens no dia 22 de Junho de 2022 - dois dias após ter provocado a morte de DD) atribuindo-lhe a detenção das identificadas armas armas e inclusivamente a própria morte.»

Face a isto – e aos demais elementos analisados na decisão condenatória -, não se vê qualquer razão para reduzir a pena aplicada a um arguido que, ao contrário do que ora alega, em momento algum demonstrou qualquer arrependimento (para além daquele que nasce em todos os arguidos quando são condenados…).

- O mesmo se tem a dizer quanto aos pedidos efetuados no recurso relativamente às penas aplicadas pela prática dos crimes de violência doméstica e de detenção de arma proibida:

A admitir-se o recurso quanto a estes aspetos (o que, como inicialmente referido, entendemos não dever suceder), não se vislumbra que as penas tenham sido excessivas, antes adequadas à culpa do arguido e às enormes necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir.

- E, finalmente, quanto à pena aplicada em cúmulo jurídico, também aqui nos limitamos, neste parecer, a referir entendermos que a fundamentação da escolha da pena única se mostra bem esclarecedora quanto à que foi achada (aqui se incluindo o que refere a decisão recorrida quanto ao valor que certos aspetos positivos invocados pelo recorrente possuem, mas apenas para efeitos de execução da pena), acompanhando-se o entendido pela Senhora magistrada do MºPº no Tribunal recorrido, quando a mesma refere que o conjunto dos factos é revelador de uma personalidade insensível à conformação com as proibições e deveres, o que associado à inexistência de juízo de autocensura, impõe a conclusão de que a pena única se não revela, de modo algum, excessiva, nada havendo a censurar, não se justificando qualquer necessidade de intervenção corretiva por parte deste Supremo Tribunal.

Termos em que é parecer do Ministério Público que o recurso apenas deverá ser admitido no que se refere às matérias atinentes ao crime de homicídio e à pena aplicada em cúmulo jurídico, sendo rejeitado quanto às demais (questões relativas aos crimes de violência doméstica e detenção de arma proibida, aqui se incluindo tanto a questão da alegada violação do princípio in dúbio pro reo, como as matérias respeitantes às penas concretas aplicadas pela prática de tais crimes), não merecendo procedência quanto às questões a apreciar por este STJ. Improcedência que igualmente deverá merecer a alegação de nulidade da decisão do Tribunal da Relação do Porto por falta de fundamentação relativa ao crime de violência doméstica.

Mantendo-se, assim, a condenação do arguido/recorrente AA nos moldes confirmados no acórdão ora recorrido.”

O arguido reiterou as razões do recurso, o processo foi aos vistos e teve lugar a conferência.

1.2. O acórdão recorrido, na parte que releva para o recurso, é o seguinte:

Factos provados, confirmados no recurso para a Relação:

“1. O arguido AA e DD casaram a ... de ... de 2000.

2. Desse casamento, nasceu a ... de ... de 2002, EE.

3. O casamento foi dissolvido por divórcio datado de ... de Fevereiro de 2008 mas o arguido e DD continuaram a viver na mesma habitação, a fazer as refeições juntos, assim como a relacionar-se sexualmente.

4. Desse relacionamento, nasceu a ... de ... de 2014, BB.

5. O agregado residia na Rua da ..., n.º ..., em ..., concelho de ..., nesta Comarca de Porto Este.

6. Os filhos do arguido e de DD desconheciam que os progenitores eram divorciados e EE apenas teve conhecimento de tal facto após o decesso da mãe.

7. Em data não concretamente apurada, mas seguramente entre os anos 2008 e 2012 quando o filho mais velho do casal, EE ainda estudava no primeiro ciclo, à noite, o arguido dirigiu-se ao quarto deste (no interior da residência referida 5.), onde também se encontrava DD e começou a discutir com a companheira por motivos não concretamente apurados;

8. E no decurso dessa discussão, o arguido partiu-lhe o telemóvel.

9. Em data também não concretamente determinada do ano de 2008, no interior da cozinha da mesma residência, o arguido apontou uma arma de fogo à cabeça de DD e, de seguida, à cabeça do filho EE, dizendo que os matava.

10. Em data não determinada, mas situada entre os anos de 2018 e 2019, quando DD se encontrava junto dos filhos EE e BB no quarto do filho EE, o arguido chegou a casa e ali se dirigiu estando visivelmente alcoolizado.

11. De imediato iniciou uma discussão com a vítima DD por motivos não concretamente apurados e começou a partir os objectos que existiam na referida divisão, designadamente, os candeeiros e a televisão ali existentes.

12. A dada altura, o arguido agarrou no braço da companheira momento em que o filho do casal EE desferiu um soco na cara do pai para proteger a sua mãe.

13. O arguido saiu do quarto após o que aí regressou quando todos ainda aí se encontravam munido de um pau com o qual pretendia bater no filho EE;

14. DD, porém, colocou-se à frente do arguido tendo este desferido uma pancada com o aludido objecto no braço daquela;

15. Em consequência do que DD sofreu dores, desconforto e equimoses não tendo recebido qualquer tratamento médico.

16. Em data não concretamente apurada do mês de Abril de 2021, após um almoço na casa do casal (em que também participaram FF e a sua companheira) deslocaram-se todos a um terreno em ... que o arguido havia adquirido.

17. Já no terreno DD repreendeu o filho BB, momento em que o arguido de imediato a agarrou e tentou empurrar da parte superior daquele onde se encontravam para o patamar imediatamente inferior, de uma altura de, pelo menos, 4 metros;

18. DD não caiu porque se agarrou à companheira de FF.

19. No dia 14 de Maio de 2022, DD foi jantar ao restaurante “F....”, no ..., com GG e HH.

20. Por sua vez, o arguido foi jantar noutro restaurante da mesma cidade, onde compareceu após o jantar FF.

21. Nas circunstâncias referidas em 19 o arguido manifestou estar incomodado com o facto de a companheira ter ido jantar fora com as duas amigas.

22. Durante o jantar o arguido enviou mensagens e fez chamadas para o telemóvel de DD, no decurso das quais a apelidou de “puta”.

23. Cerca das 23:00 horas e com receio do que o arguido pudesse fazer, acabaram todos por se encontrar no bar “P.......”, em ..., seguindo depois para um bar no ..., de onde saíram pelas 02:00 / 02:30 horas.

24. Nas circunstâncias descritas de 19 a 23 o arguido ingeriu bebidas alcoólicas.

25. Nas discussões existentes entre o casal, inclusivamente na presença dos filhos, o arguido dizia frequentemente que um dia se passava e “ia tudo para o caralho”.

26. Na noite de 3 para 4 de Junho de 2022, no interior da residência do casal, o arguido e DD discutiram por razões não concretamente apuradas, altura em que se imputaram mutuamente relações extraconjugais (acusação mútua que frequentemente verbalizavam);

27. Nessa discussão o arguido agrediu de modo não concretamente apurado DD atingindo-a na face, partiu o telemóvel desta e outros objectos que no local e encontravam.

28. A Guarda Nacional Republicana foi chamada ao local e DD decidiu nesse mesmo dia sair da residência na companhia dos filhos, tendo passado a pernoitar na casa dos seus pais.

29. Em consequência da actuação descrita em 27 DD sofreu dores, desconforto e escoriações que não careceram de tratamento médico;

30. Nos dias seguintes, o arguido pediu desculpa a DD e prometeu alterar o seu comportamento, sendo que no dia 7 de Junho de 2022 a companheira e os filhos do casal regressaram à residência comum.

31. DD, porém, deixou de dormir no quarto e cama do casal, passando a fazê-lo no quarto e companhia do filho mais novo, BB.

32. Em data e circunstâncias não concretamente apuradas o arguido muniu-se de uma arma de fogo (revólver), da marca ROHM, modelo Little Joe, com o número de série .....85, originalmente de alarme, gás e lançamento de sinais luminosos e calibre 6 mm flobert, transformada para calibre 22 long rifle (equivalente a 5,6 mm) e de pelo menos de três munições, duas delas e um invólucro do calibre referido em último lugar que manteve na sua posse até data não concretamente determinada mas seguramente até Março de 2022.

33. A arma referida em 32 apresenta deficiências na percussão ao nível do cão (não se imobiliza à retaguarda) e exibe vestígios de sujidade e oxidação na sua superfície metálica, mas está em condições de efectuar disparos.

34. As munições calibre 22 long rifle também aludidas em 32 estão em boas condições de utilização.

35. Em data não determinada de Março de 2022 DD com receio que o arguido pudesse usá-los contra si entregou ao seu pai II o revólver, munições e invólucro identificados em 32.

36. De igual modo, em data e circunstâncias não determinadas, o arguido muniu-se de uma arma de marca e modelo não apurados, mas com estriado convencional e largura de impressão de campo de aproximadamente 0,95 e largura de impressão de estria de 2,35, susceptível de permitir disparar munições de calibre 6,35 mm Browning, e ainda de pelo menos duas munições do mesmo calibre e que manteve na sua posse até pelo menos 20 de Junho de 2022.

37. O arguido não é titular de licença de uso e porte de qualquer arma de fogo ou possuidor de outro documento com força legal equivalente que o habilitasse a deter, conservar e manusear o tipo de armas descrito ou outras.

38. Na semana de 13 de Junho de 2022 o arguido verbalizou perante o filho EE que queria passar para o seu nome um motociclo usado habitualmente por este, e bem assim abrir uma conta bancária em que ambos fossem titulares, concretizando a mudança de título de propriedade do referido veículo.

39. Em datas não concretamente determinadas, mas seguramente entre 14 de Maio de 2022 e 16 de Junho de 2022, o arguido confidenciou ao seu amigo FF que ia matar a companheira, o seu filho mais velho e os sogros, que de seguida se suicidaria e que tudo iria ficar resolvido no domingo subsequente à última conversa, ou seja, até ao dia 19.06.2022.

40. No dia ... de Junho de 2022, de manhã, o arguido levou o filho BB ao estabelecimento de ensino que o mesmo frequentava e voltou à residência do casal;

41. Uma vez aí regressado o arguido munido da arma de fogo e munições referidas em 36 e dirigiu-se junto de DD;

42. Após, em circunstâncias não concretamente determinadas e quando a companheira se encontrava no rés-do-chão da casa, onde explorava um salão de ..., mais concretamente na divisão contígua à sala de formação naquele existente, o arguido empunhou a referida arma, a uma distância não concretamente determinada, mas seguramente não superior a um metro, apontou-a na direcção da cabeça de DD, quando esta se encontrava de costas voltadas para si e disparou, atingindo-a no couro cabeludo da região occipital paramediana direita.

43. O projéctil disparado entrou na referida região e seguiu o trajecto - de posterior para anterior, de superior para inferior e da direita para a esquerda, tendo ficado alojado nos tecidos moles da parede posterior esquerda da nasofaringe.

44. DD caiu de imediato no chão batendo com a cabeça no pavimento, o que lhe provocou um corte com cerca de cinco centímetros de comprimento na região supraciliar esquerda, aí ficando inanimada.

45. O arguido dirigiu-se de seguida ao quarto do seu filho EE, onde este se encontrava a dormir, sito no piso superior e acordou-o dizendo repetidamente “aconteceu uma desgraça!”.

46. Entretanto o arguido fazendo-se transportar no veículo de marca Volkswagen, modelo Golf, com a matrícula ..-AH-.., ausentou-se do local para parte incerta;

47. Antes, porém, a cerca de 50 metros da residência o arguido imobilizou a viatura que conduzia e deitou num dos contentores do lixo aí existentes o telemóvel que usava habitualmente e que previamente destruíra.

48. O filho EE que preocupado logo tentou ligar à mãe (pelas 9h23) verificando que esta não atendia o telemóvel procurou-a pela residência vindo a encontrá-la caída no chão, inconsciente, deitada de barriga para baixo e com a cabeça virada para o lado esquerdo, posicionada em direcção à sala de formação e os pés virados para o lado da porta de acesso à garagem;

49. De imediato accionou os meios de socorro, tendo DD sido transportada ao Hospital de ... onde deu entrada no serviço de urgência apresentando traumatismo cranioencefálico por projéctil de arma de fogo, complicado com paragem cardiorespiratória extra-hospitalar revertida;

50. E no mesmo dia foi transferida para a Unidade de Medicina Intensiva onde o seu estado evoluiu desfavoravelmente, com agravamento da lesão cerebral aguda e perda progressiva dos reflexos do tronco cerebral, persistência da perda difusa da diferenciação entre a substância branca e a substância cinzenta dos hemisférios cerebrais, superficial e profunda, associada a hipodensidades mais marcadas córtico-subcorticais occipitais parassagitais bilaterais (tradutoras de extensas lesões de mecanismo hipoxico-isquémico, então se concluindo um agravamento do edema cerebral difuso, traduzido por maior e mais difuso apagamento dos sulcos corticais dos hemisférios cerebrais, bem como redução da amplitude das cisternas da base e do sistema ventricular supra e infratentorial).

51. No dia ... .06.2022, pelas 10h27m, o arguido ligou para o Tribunal Judicial de ... e contactou com funcionária sua conhecida pretendendo saber o que lhe poderia acontecer em virtude do disparo e atingimento da companheira, designadamente, se iria ficar com pulseira electrónica.

52. Na manhã do dia ... .06.2022, o arguido apresentou-se no posto da Guarda Nacional Republicana de ....

53. O veículo por si utilizado veio a ser encontrado, assim como a respectiva chave, na posse de JJ, em ..., a quem o arguido pedira para o guardar.

54. O arguido desfez-se da arma de fogo que utilizou para atingir a companheira.

55. Em consequência do disparo sofrido, DD manteve-se internada no aludido serviço de medicina intensiva do Hospital de ..., viva, mas com suporte artificial.

56. Após terem sido observados todos os protocolos de verificação de morte cerebral, foi o seu óbito declarado no dia ... de Junho de 2022.

57. A morte da vítima DD foi devida a lesões traumáticas vertebro-medulares e meníngeas cervicais, designadamente, hemorragia subaracnoídeia vestigial e edema cerebral acentuado, com atingimento das seguintes estruturas, de posterior para anterior: tecido celular subcutâneo, paramediano posterior direito; músculos posteriores direitos do pescoço (músculo trapézio, músculo semi-espinhal da cabeça e músculo reto posterior menor da cabeça); membrana atlanto-occipital (à direita); face posterolateral direita da dura-máter e medula a nível cervical entre C1-C3 e fractura do arco anterior de C1) que resultaram de traumatismo de natureza perfuro-contundente, devido à acção de projéctil de calibre 6,35mm) disparado pelo arguido.

58. As lesões que DD apresentava resultado do descrito disparo provocaram-lhe de forma directa, adequada e necessária dor e a sua morte, não obstante os esforços envidados pelas equipas de socorro e equipa médica para lhe salvarem a vida.

59. Ao efectuar o descrito disparo nas circunstâncias em que o fez, utilizando a aludida arma de fogo que dirigiu à cabeça de DD, zona do corpo humano que contém órgão

reconhecidamente vital, o arguido sabia que lhe provocava a morte, propósito que visava alcançar e que logrou atingir.

60. O arguido bem sabia que a referida arma de fogo utilizada para desferir o disparo contra DD, disparada à distância a que foi e em direcção à cabeça, era possuidora de capacidade agressiva para os tecidos humanos e era idónea a provocar-lhe a morte, e que assim melhor assegurava o êxito da sua determinação de matar propósito que visava alcançar com a sua conduta, como alcançou.

61. O arguido sabia que a expressão por si dirigida à companheira (aludida em 22) era ultrajante e lesivas da sua honra e consideração pessoal mas não obstante proferiu-a, o que quis.

62. Sabia igualmente que a actuação acima referida de 7 a 23, 25 e 27 era adequada a afectá-la na sua liberdade de determinação, a provocar-lhe medo e inquietação e a criar nela angústia e sentimentos de insegurança, o que igualmente quis e conseguiu.

63. Ao actuar da forma acima descrita em 27. quis também, como conseguiu, atingir DD na sua integridade física.

64. E ao assim actuar em todas as ocasiões descritas fê-lo sem qualquer motivo justificativo e com o fim exclusivo de fazer valer a sua vontade bem sabendo das consequências de tais condutas, o que lhe foi indiferente.

65. Sabia ainda que actuava no domicílio comum e na presença dos filhos do casal e que, deste modo, coarctava a possibilidade de defesa de DD e lhe infligia um maior sentimento de vergonha, insegurança e vulnerabilidade.

66. Do mesmo modo, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com intenção de deter, conservar e manusear as armas e munições aludidas de 32 a 36, bem sabendo que era necessário ser possuidor de documento habilitador da sua detenção e manuseamento emitido pelas entidades oficiais competentes.

67. O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, conhecendo a ilicitude das suas condutas, bem sabendo que as mesmas eram proibidas e puníveis por lei, não se tendo coibido de as praticar.

68. Em sede de audiência de discussão e julgamento e com intuito de explicar a actuação descrita supra o arguido verbalizou:

- que no ano de 2007 DD se envolveu com vizinho e deixou-o, abandonou a residência e o filho EE;

– que no ano de 2010, DD se envolveu com outro individuo cunhado de um seu amigo;

- que foi a companheira quem o incentivou a obter a arma referida em 32, para protecção de ambos;

- que no dia 20 de Junho de 2023 manifestou perante DD que se queria matar, altura em que esta o conduziu à divisão aludida em 42, tirou de uma prateleira ali existente uma arma de fogo que lhe entregou dizendo “então não te matas seu cornudo… ando metida com o teu melhor amigo há mais de quatro meses (referindo-se a FF) …és o maior cornudo de ...”.

69. DD nasceu a ... de ... de 1981;

70. Explorava um salão de estética há pelo menos dois anos (por referência à data da morte) de onde retirava os rendimentos para satisfazer as suas necessidades (e dos filhos) designadamente, de vestuário, alimentação, educação e saúde.

71. Era uma mulher enérgica, empática, bem-disposta, trabalhadora;

72. E cuidava dos filhos com carinho e dedicação;

73. No âmbito das condutas descritas DD, teve receio pela sua integridade física, sentiu-se humilhada, enxovalhada e desprezada.

74. Nas circunstâncias que precederam o disparo de que foi alvo sentiu medo;

75. E no âmbito dos procedimentos de socorro, antes de ser transportada para a identificada unidade hospitalar, sofreu manobras de reanimação, inicialmente por parte do filho EE e subsequentemente levadas a efeito pela equipa do INEM.

76. O demandante EE aquando do decesso da sua Mãe encontrava-se a trabalhar numa empresa industrial que não lhe renovou o contrato;

77. E frequentou, entretanto, um curso de .......

78. Na sequência da morte da mãe sentiu-se desolado, revoltado e triste;

79. Saiu da casa onde vivia e passou a habitar com os avós maternos.

80. Perdeu a convivência com os amigos, dos quais se afastou e que tem dificuldade em enfrentar.

81. O demandante BB tem de ser sido seguido com regularidade em consultas de psicologia;

82. Logo após a morte da mãe teve pesadelos de conotação negativa sobre o pai e sentimentos de revolta, ódio e desilusão;

83. Apresentava agitação psicomotora e pouca receptividade para ser ajudado.

84. O menor BB por vezes agride os colegas sem razão aparente e isola-se, nem sempre querendo brincar;

85. Apresenta tristeza e sentimentos de abandono devido à falta da presença física da mãe e da saudade que sente desta.

86. Vive actualmente com os avós maternos, na residência destes.

Das condições socioeconómicas do arguido.

87. O arguido tem como habilitações literárias o 1º ciclo de escolaridade;

88. À data dos factos desenvolvia atividade como comerciante gerindo um café e uma mercearia.

89. Os estabelecimentos onde o arguido exercia actividade, assim como o salão de ... de DD estão actualmente encerrados.

90. A habitação onde arguido e vítima residiam encontra-se totalmente amortizada.

91. Os filhos não visitam o progenitor/arguido nem mantêm com este qualquer contacto.

92. Do ponto de vista pessoal, o arguido é descrito pelos familiares e comunidade como trabalhador, cordato no relacionamento interpessoal e como um pai atencioso.

93. Os factos em apreço constituíram uma surpresa, sem que, contudo, seja denotada rejeição à sua presença naquele meio, à excepção da família da vítima que não aceita o seu eventual regresso àquela comunidade.

94. Os familiares do arguido, embora lhe manifestem apoio incondicional, consideram que seria benéfica a alteração de local de residência quando se percepcionar como exequível a sua libertação.

95. AA encontra-se preso no Estabelecimento Prisional ... (EP...) desde ... -06-2022, à ordem do presente processo.

96. O arguido encontra-se a trabalhar na ... do Estabelecimento Prisional desde julho de 2022, valorizando essa ocupação como forma de melhor gerir o seu quotidiano e estabilidade pessoal.

97. Beneficia de consultas regulares de psicologia e, conforme a necessidade, de psiquiatria, com toma de medicação.

98. O arguido beneficia de visitas regulares da progenitora e da irmã.

99. E ocasionalmente de outros familiares e vizinhos.

100. O arguido providencia pelo pagamento mensal a título de pensão alimentos ao filho BB da quantia de € 120,00.

(…)

3. A decisão recorrida analisou corretamente as relações de concurso intercedentes entre os crimes de detenção de arma proibida e de homicídio praticados pelo recorrente.

35. Contrariamente ao que este pretende, na verdade, não ocorre, no caso, qualquer violação do princípio de proibição da dupla valoração dos fatores relevantes para a determinação da medida da pena.

36. Este princípio, de facto, impede o julgador de, em sede de determinação das consequências jurídicas que hão de corresponder ao crime porventura cometido, valorar, em sentido agravativo ou atenuativo, elementos que já foram tidos em consideração pelo legislador na decisão de incriminar o comportamento em causa e na delimitação do seu respetivo recorte típico, bem como na fixação da moldura abstrata que, para a prática da infração em questão, é legalmente cominada (cf., no direito positivo, o artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal; sobre o princípio da proibição da dupla valoração em geral, vd. as considerações de GERHARD SCHÄFER/GÜNTHER M. SANDER/GERHARD VAN GEMMEREN, Praxis der Strafzumessung, 6.ª ed., n. m. 689 e segs., págs. 247 e segs.; e entre nós, FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal português – Parte geral II, §§ 314, e segs., págs. 234 e segs.,).

37. Porém, a questão que se coloca a propósito dos diferentes comportamentos do recorrente, respeita ao eventual concurso das infrações a que os mesmos podem ser subsumidos (questão prévia, pois, à da determinação das consequências jurídico-penais que lhes devam ser associadas), e que, a nosso ver claramente, preenchem – durante o período (antecedente e autónomo à prática do crime de homicídio também em causa nos autos) em que logrou obter, e manteve, a posse seja da arma mencionada no facto provado 32, seja da arma que eventualmente acabou por utilizar para dar a morte à sua companheira – a prática de um crime de detenção de arma proibida, do artigo 86.º., n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 22 de fevereiro, que, como se nos afigura manifesto, não se confunde, nem é, sequer parcialmente, abrangido pelo conteúdo de desvalor do (subsequente e cronologicamente separável) crime contra a vida que também praticou com recurso a um desses artefactos.

38. Nestas circunstâncias, a autonomização dessa conduta do recorrente (e o tratamento da situação como hipótese de concurso efetivo real) relativamente ao crime de homicídio que cometeu, apresenta-se como correta, tal como o facto de este crime ter sido praticado mediante utilização de uma arma de fogo (bastaria, aliás, que esta se encontrasse no local da prática dos factos) justifica plenamente a agravação da moldura penal abstrata nos moldes previstos no n.º 3 (e no n.º 4) do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 22 de fevereiro, que precisamente não se destina a punir a mera detenção ilegal de uma arma, anteriormente e fora do local onde o crime a qualificar é cometido, mas apenas e tão-só a sua concreta utilização (ou possibilidade de utilização) na comissão desse mesmo crime, o que tem, como é natural, particular relevância no âmbito dos crimes contra a vida.

39. 4. As penas impostas, pela 1.ª instância, ao recorrente, tanto «parcelares» como única, mostram-se corretamente doseadas.

(…)

Por seu turno, numa moldura que se espraia dos 16 (por força da já falada agravação prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro) aos 25 anos (cf. o disposto no artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal), fixou o Tribunal recorrido a pena que impôs ao recorrente pelo crime de homicídio por ele também praticado em 20 anos de prisão.

50. Também esta pena não parece pecar por excesso, tida em conta a moldura abstrata aplicável e, bem assim, os fatores invocados pelo Tribunal recorrido para a fixar.

51. A este respeito importa não olvidar que, embora o Tribunal recorrido tenha afastado a possibilidade de qualificar o crime em apreço por força das circunstâncias previstas nas alíneas i) e j) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, o certo é que a forma como o recorrente deu morte à sua companheira (disparando-lhe repentinamente, por trás, e de uma forma que, por necessidade, lhe diminuiu as possibilidades de defesa), e o facto de ter pensado na possibilidade de pôr termo à vida da sua companheira e não se ter esforçado para, ao longo do tempo, contrariar tais tendências delitivas, até face à relevância do bem jurídico (vida) que aniquilou, aumentam seguramente o grau de censura que a sua conduta reclama e justificam, desse modo – juntamente com os demais fatores elencados na decisão recorrida – a pena alfim aplicada.

(…)

Finalmente, e novamente considerando a moldura penal aplicável ao concurso de crimes em presença (20 a 25 anos de prisão, neste caso por mera imposição legal), a pena de 22 anos de reclusão para quem, como o recorrente, praticou os crimes por que aqui responde ele, e nos moldes em que o fez, não surge como excessiva, já que o «acréscimo» que o Tribunal recorrido fixou sobre o limiar da moldura abstrata dilui adequadamente as penas aplicadas seja pelo crime de violência doméstica cometido pelo recorrente, seja o crime de detenção de arma proibida por ele também perpetrado.

55. c) O recorrente censura, entretanto, ao Tribunal recorrido, o ter «sopes[ado] minguadamente as circunstâncias favoráveis que recaem sobre o recorrente sendo praticamente omissos os factos que contendem com as atenuantes que militam a favor do recorrente» (Conclusão 78.ª). Nesta linha, insiste o recorrente que «não possui antecedentes criminais» (o que o Tribunal recorrido também ponderou), «apresenta como escolaridade o 1º ciclo» mas, «não obstante a sua parca formação escolar, sempre pautou a sua vida por hábitos de trabalho» (Conclusão 81.ª; o recorrente salienta ainda que mantém tais hábitos no Estabelecimento Prisional, onde trabalha na respetiva cantina: Conclusão 82.ª), o que igualmente o Tribunal recorrido valorou, ao considerar que, até à prática do crime de homicídio por que aqui responde, «estava (…) social e profissionalmente inserido»).

56. Já o grau de sucesso como comerciante do recorrente é fator não relevante no caso, sendo até que contraria o efeito que pretende ele retirar da circunstância de ter «parca formação», já que o seu sucesso só pode ter resultado – para além do esforço do seu trabalho – das suas faculdades intelectuais, que lhe permitiram superar os limites que poderiam ter resultado da sua limitada escolaridade.

57. Por outro lado, é também irrelevante para a determinação das penas, parcelares e única, a aplicar ao recorrente, a imagem que tem ele perante a comunidade em que se inseria antes da prática dos factos por que responde aqui, e que decerto não teria se fosse conhecido o comportamento que ao longo de anos foi, de forma reiterada, adotando em relação à sua ex-companheira e aos seus filhos (o que põe em causa, de forma inequívoca, a sua imagem de «pai atencioso» – Conclusão 83.ª), bem como a sua personalidade, tal como se manifesta ela nos factos que praticou.

58. O apoio que o recorrente possa ainda ter junto dos seus concidadãos (ou, pelo menos, a sua não rejeição por parte destes), de resto, não influi também, seguramente, sobre o conteúdo de desvalor e o grau de censura que decorrem dos seus comportamentos aqui sob apreciação.

59. O recorrente garante ainda que já «iniciou (…) a assunção da sua responsabilidade e a consciência crítica do desvalor da sua conduta» (Conclusão 84.ª), e por isso, logo «após a entrada no estabelecimento prisional (…) reconheceu de imediato a necessidade de ser alvo de acompanhamento psicológico e psiquiátrico para iniciar o seu processo de interiorização do desvalor da conduta, admitir e corrigir os erros comportamentais que cometeu no passado, e assim arrepiar caminho para a sua ressocialização» (Conclusão 86.ª).

60. Tudo isto, no entanto, é matéria a apreciar em sede de execução da pena que lhe cumpre expiar, ao nada relevar para diminuir a gravidade dos factos que praticou, ou a censura que por eles se tornou merecedor, ou alterar, de forma significativa, o juízo (referido ao momento da prática dos factos) que sobre o seu comportamento se tem, nesta fase, de formular.

61. Por último, o apoio que o recorrente presta ao seu filho menor, mais não constituindo do que o cumprimento dos seus deveres parentais, pode revelar, da sua parte, empenho no apoio ao seu descendente, mas decerto que não apaga, de modo algum, as consequências que, para este, decorrem e decorrerão dos factos que o mesmo recorrente praticou (cf. factos provados 84-86), não podendo, por isso, ser valorados como impondo uma atenuação (ainda para mais significativa, como parece pretender o recorrente) das consequências que para ele devem decorrer das condutas que protagonizou.”

2. Fundamentação

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas respectivas conclusões (art. 412.º, n.º 1, do CPP), as questões que o recorrente pretende trazer a apreciação respeitam a: (a) nulidade do acórdão por falta de fundamentação da decisão em matéria de facto, violação do princípio in dubio pro reo, erro notório da apreciação da prova e erro de subsunção, no respeitante ao crime de violência doméstica; (b) medida de todas as penas parcelares; (c) concurso de crimes e medida da pena única.

Cumpre, no entanto, começar por conhecer da questão prévia suscitada pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto no parecer, cuja procedência conduzirá à circunscrição do objecto de recurso às (únicas) matérias cognoscíveis pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Na verdade, a matéria trazida às conclusões extravasa em grande parte aquilo que pode ser alvo de impugnação e, consequentemente, integrar o objecto do recurso interposto.

Assim sucede, por um lado, atenta a concreta existência de uma dupla conformidade (art. 400.º, n.º 1, al. g), do CPP), e pelo outro, atenta a legal limitação do conhecimento a matéria de direito (art. 434.º do CPP).

O objecto do recurso terá, assim, de ser redefinido.

2.1. Da (re)definição do objecto do recurso

O arguido recorre de acórdão da Relação que, em recurso, confirmou a sua condenação como autor de um crime de violência doméstica do art. 152.º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CP, na pena de 3 anos de prisão, um crime de homicídio qualificado dos arts. 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2, al. b) do CP e 86.º, n.º 3 da Lei nº 5/2006, na pena de 20 anos de prisão, um crime de detenção de arma proibida do art. 86.º, n.º 1 al. c) da Lei nº 5/2006, na pena de 3 anos de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 22 anos de prisão.

Como se disse no relatório, o arguido interpôs recurso do acórdão da 1.ª instância para o Tribunal da Relação, onde pôde proceder à impugnação da matéria de facto, questão de que a Relação conheceu. E vem agora, no segundo grau de recurso e terceiro de jurisdição, pretender um novo reexame da matéria de facto, visando uma sindicância do acórdão da Relação que abranja a decisão sobre o primeiro reexame já ali efectuado. Para tanto, invoca o vício do erro notório na apreciação da prova, a violação do in dubio pro reo, e deficiências de fundamentação em matéria de facto. Assim afirma, por exemplo, que “resulta da globalidade do próprio texto da decisão que o tribunal, apesar da hesitação sobre a prova de determinados factos, decidiu em sentido desfavorável ao arguido – nomeadamente, quanto à prática do crime de violência doméstica pelo qual o recorrente foi condenado”.

Globalmente, a sua argumentação não é clara, mas mesmo considerando-se que se centrou nesta parte sobretudo no referente ao crime de violência doméstica, trata-se de questões de que o Supremo não pode conhecer, e até duplamente, por duas ordens de razões.

Primeiramente, é conhecida a jurisprudência do Supremo no sentido de que a invocação dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP não pode constituir fundamento de recurso para o Supremo, podendo este Tribunal, no entanto, deles conhecer oficiosamente.

É certo que esta jurisprudência caducou em parte, com a entrada em vigor das alterações ao Código de Processo Penal operadas pela Lei n.º 94/2021, quando esteja em causa recurso de decisão da Relação proferida em 1.ª instância ou recurso directo de decisão proferida por tribunal do júri ou coletivo de 1.ª instância, mas nenhuma destas duas hipóteses ocorre aqui.

O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça só pode visar o reexame em matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas als a) e c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP. E uma vez que foi aplicada pena (única) de prisão superior a 8 anos (e também o sendo uma das parcelares), o acórdão da Relação é recorrível (arts 432.º, n.º 1, al. b), e 400.º, n.º 1, al. f). Mas o recurso não pode ter como fundamento os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP (que constituem uma das vias legais de impugnação da matéria de facto), pois, in casu, o Supremo Tribunal de Justiça só julga de direito (artigo 434.º do CPP).

Assim continua a ser após a entrada em vigor da Lei n.º 94/2021, quando o art. 434.º do CPP passou a estatuir que “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432”, segmento final aditado em 2021. A norma processual continua a estipular, como regra, que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, passando a exceptuar as duas (únicas) situações, que são as que resultam das als. a) e c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP.

O art. 432.º, n.º 1, al. a) do CPP, estabelece a possibilidade de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça “de decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º”, segmento final aditado, e a al. c), “de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º, segmento final aditado também. Nestes dois casos, trata-se de recurso de primeiro grau, para o Supremo, e é este primeiro grau que justifica a diferente solução legislativa.

No caso sub judice, como se referiu, não está em causa recurso de decisão da Relação proferida em 1.ª instância, nem recurso directo de decisão proferida por tribunal do júri ou coletivo de primeira instância, não se tratando de um recurso de primeiro grau. Trata-se, sim, de um recurso interposto de um acórdão da Relação que decidiu já recurso anterior, e, neste caso, nada foi legislativamente alterado no que respeita à impossibilidade de o recurso poder ter os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º do CPP.

O direito ao recurso constitucionalmente consagrado não impõe o duplo grau de recurso, bastando-se a Constituição com um grau de recurso. O duplo grau de jurisdição satisfaz o direito ao recurso. O recurso de acórdão da Relação que decide em recurso continua a poder visar apenas o reexame em matéria (exclusivamente) de direito, e os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça encontram-se circunscritos a esse conhecimento.

Do exposto resulta que as questões suscitadas no recurso interposto pelo arguido relativas a decisão de matéria de facto excedem os poderes de cognição do Supremo. Supremo que conhece aqui em matéria exclusivamente de direito, sendo o recurso de rejeitar na parte relativa a matéria de facto.

No entanto, no exercício da eventual detecção oficiosa de vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, não deixou de se proceder a uma leitura integral e atenta do acórdão da Relação, consignando-se, consequentemente, a ausência de tais vícios.

Acresce que fora do objecto de conhecimento sempre ficariam (sempre ficam) todas as (demais) questões suscitadas no recurso e respeitantes aos crimes de violência doméstica e de detenção de arma proibida, pois a estes correspondeu pena de prisão não superior a 8 anos, já confirmada em recurso.

Na verdade, de acordo com o princípio da dupla conforme condenatória consagrado no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas Relações que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. E encontram-se nesta situação duas das penas parcelares aplicadas ao recorrente. Estando o Supremo, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto nesta parte da decisão, está igualmente impedido de conhecer das questões processuais e de substância que lhe digam respeito, sejam de facto, sejam de direito, tais como vícios da decisão, nulidades, qualificação jurídica de factos e determinação das penas. O que, no presente caso, afecta toda a matéria relativa às penas parcelares não superiores a 8 anos de prisão.

Assim, só a pena parcelar correspondente ao crime de homicídio qualificado e a pena única excedem os 8 anos de prisão, e só a matéria de direito que foi alvo de impugnação em recurso respeitante ao crime de homicídio, ao concurso de crimes e à pena única pode constituir objecto de apreciação, devendo o recurso ser rejeitado na parte restante.

Tem sido esta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, em interpretação conforme à Constituição, sempre em acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional).

Assim se decidiu, por exemplo e entre muitos, no acórdão do STJ de 11-03-2021 (Rel. Helena Moniz), em cujo sumário pode ler-se:

“II - Tendo em conta o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, onde se impede a possibilidade de recurso das decisões do Tribunal da Relação que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos de prisão, e o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, onde apenas se admite (a contrario) o recurso de acórdãos da Relação que, confirmando decisão anterior, apliquem pena de prisão superior a 8 anos, e sabendo que, segundo a jurisprudência deste STJ, ainda que a pena única seja superior a 8 anos de prisão, se analisa a recorribilidade do acórdão relativamente a cada crime individualmente considerado, necessariamente temos que concluir não ser admissível o recurso das condenações relativas a cada crime, do Tribunal da Relação, quando seja aplicada pena não superior a 5 anos de prisão; e das condenações em pena de prisão superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão, quando haja conformidade com o decidido na 1.ª instância.”

Também no Acórdão do STJ de 17-02-2021 (Rel. Gabriel Catarino) se desenvolveu:

“(…) O Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo pacificamente serem dois os pressupostos de irrecorribilidade fixados naquela alínea f) por um lado, que o acórdão da relação confirme a decisão da 1ª instância; por outro, que a pena aplicada na relação não seja superior a 8 anos de prisão.

(…) Quanto ao segundo pressuposto, também constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal a de que, no caso de concurso de crimes, só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente aos crimes (relativamente às questões suscitadas a propósito dos crimes) punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou à pena conjunta superior a essa medida. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça, na esteira da interpretação praticamente consensual que fazia deste mesmo preceito na versão anterior à Reforma de 2007, vem entendendo, também agora de forma pacífica, que, no caso de um concurso de crimes, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da relação que confirme decisão da 1ª instância apenas é admissível relativamente ao(s) crime(s) punidos com prisão superior a 8 anos e/ou relativamente às questões sobre os pressupostos do próprio concurso e da formação da pena conjunta, quando esta também ultrapasse aquele limite (cfr., entre outros, os Acs. 11.02.09, P° 113/09-3º; de 04.03.09, P° 160/09-3ª; de 25.03.09, P° 486/09-3ª; de 16.04.09, P° 491/09-5ª; de 29.04.09, P° 39l/09-3ª; de 07.05.09, P° 108/09-5ª; de 27.05.09, P° 384/07GDVFR.S1-3ª, de 12.11 2009, P° n° 200/06.0JAPTM-3ª, de 23.06.10, P° n° l/07.8ZCLSB.L1.S1-3ª de 09.06.2011 P° n° 4095/07.8TPPRT.P1.S1- 5ª, de 26.04.2012, P° n°438/07.2PBVCT.G1.S1-5ª, de 12.09.2012, P° n° 269/08.2TABNV.L1.S1-3ª e de 29.05.2013, P° n°344/11.6JALRA.El)”. (…) Ac. do STJ, de 11/6/2016, Pº 54/12.7SVLSB.L1.S1-3ª.”

E não ocorre inconstitucionalidade na interpretação ora e desde sempre sufragada, como o tem decidido o Tribunal Constitucional, designadamente no acórdão n.º 212/2017, de 02.05.2017 (Rel. Maria José Rangel de Mesquita), que confirma a “Decisão Sumária n.º 174/2017 na qual, em aplicação do Acórdão n.º 186/2013 do Plenário do Tribunal Constitucional, se decidiu «(…) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, no sentido de que «a impugnação das decisões das Relações que confirmem decisão de 1.ª Instância e apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, no caso de haver uma pena conjunta superior a essa medida, não pode ser objecto de recurso para o STJ a matéria referente às penas parcelares que não a ultrapassem.”

Assim também, e entre muitos outros, no acórdão n.º 599/2018, de 14.11.2018, (Rel. Joana Fernandes Costa), em cuja fundamentação pode ler-se: “5. A decisão sumária ora reclamada, proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, julgou o mérito do recurso de constitucionalidade, tendo-se pronunciado pela não inconstitucionalidade da norma extraída da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal («CPP»), segundo a qual, «havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão», norma essa cuja apreciação entendeu consubstanciar uma questão simples nos termos e para os efeitos daquele mencionado preceito. (…) a questão de constitucionalidade enunciada pela ora reclamante fora já apreciada na jurisprudência deste Tribunal, em especial no Acórdão n.º 186/2013, proferido em Plenário, que decidiu não julgar inconstitucional, designadamente por «violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa)», a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na interpretação de que, «havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão». E considerou-se também que a tal orientação — reiterada, de resto, no recente Acórdão n.º 212/2017, proferido pela 3.ª Secção —, não contrapusera o ora reclamante quaisquer fundamentos que não tivessem sido ponderados já na anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional, não se tendo vislumbrado, por último, quaisquer razões para dela divergir. (…) Não tendo sido invocados quaisquer fundamentos, tendentes a demonstrar a incompatibilidade da norma impugnada com o princípio da legalidade em matéria criminal, que não tivessem sido ponderados já no âmbito do julgamento levado a cabo no Acórdão n.º 186/2013 e renovado no Acórdão n.º 212/2017, resta reiterar, também aqui, o juízo de não inconstitucionalidade formulado (…)”.

Os poderes de cognição do Supremo, no caso presente, circunscrevem-se pois à decisão sobre a medida da pena parcelar correspondente ao crime de homicídio qualificado, ao cúmulo jurídico e medida da pena única.

Fora do objecto de conhecimento ficam a nulidade do acórdão por falta de fundamentação em matéria de facto, a violação do princípio in dubio pro reo, o erro notório da apreciação da prova, o erro de subsunção no respeitante ao crime de violência doméstica, a medida das duas penas parcelares não superiores a 8 anos de prisão.

2.2. Da medida da pena parcelar correspondente ao crime de homicídio qualificado

No que respeita à medida concreta da pena correspondente ao crime de homicídio qualificado (20 anos de prisão), argumenta o recorrente mostrar-se ultrapassado o grau de culpa do arguido, serem baixas as exigências de prevenção especial, desrespeitar a pena as que o Supremo tem fixado em situações similares.

E conclui que “a matéria de facto provada permite concluir que as necessidades de prevenção especial consentem a aplicação ao arguido de uma pena de 16 anos de prisão”, “a qual realizaria integralmente as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente e exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade”.

O Ministério Público, na Relação e no Supremo, pronunciou-se no sentido da confirmação da pena aplicada.

A impugnação do arguido, renovada no presente recurso, foi conhecida na 2.ª instância, correctamente.

Assim, no que respeita à medida da pena pelo crime de homicídio qualificado agravado, a Relação considerou que “numa moldura que se espraia dos 16 (por força da já falada agravação prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro) aos 25 anos (cf. o disposto no artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal), fixou o Tribunal recorrido a pena que impôs ao recorrente pelo crime de homicídio por ele também praticado em 20 anos de prisão. Também esta pena não parece pecar por excesso, tida em conta a moldura abstrata aplicável e, bem assim, os factores invocados pelo Tribunal recorrido para a fixar.

A este respeito importa não olvidar que, embora o Tribunal recorrido tenha afastado a possibilidade de qualificar o crime em apreço por força das circunstâncias previstas nas alíneas i) e j) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, o certo é que a forma como o recorrente deu morte à sua companheira (disparando-lhe repentinamente, por trás, e de uma forma que, por necessidade, lhe diminuiu as possibilidades de defesa), e o facto de ter pensado na possibilidade de pôr termo à vida da sua companheira e não se ter esforçado para, ao longo do tempo, contrariar tais tendências delitivas, até face à relevância do bem jurídico (vida) que aniquilou, aumentam seguramente o grau de censura que a sua conduta reclama e justificam, desse modo – juntamente com os demais fatores elencados na decisão recorrida – a pena alfim aplicada. “

Contrapõe o recorrente que não foi devidamente valorada a sua confissão, que assumiu particular relevância “pois ninguém viu o disparo, o filho estava a dormir, caso o recorrente não o tivesse acordado para que este auxiliasse a mãe, poderia ter-se ausentado e negar a prática do crime”, que “procurou arranjar auxílio para a vítima, designadamente, alertando o filho, única pessoa que se encontrava na parte de cima da habitação, a quem disse que tinha acontecido uma “desgraça”, consubstanciando uma manifestação de um juízo crítico e negativo, de demonstração de consciência crítica relativamente ao desvalor da sua conduta”, que “disparou um único tiro e arrependeu-se de imediato do seu ato”, que o tribunal desvalorizou em absoluto a confissão, o arrependimento e a conduta do arguido após a prática do homicídio.

Mas não é isso que se retira do acórdão recorrido, na transcrição que nele é feita do acórdão do tribunal de julgamento, na parte que aqui mais releva.

Assim, pode ler-se, na justificação da medida parcelar em análise:

“b) quanto ao crime de homicídio qualificado:

- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu na modalidade de dolo directo e demonstrando uma clara e evidente indiferença perante o valor da vida humana – um tiro dirigido à cabeça é revelador de uma clara e inequívoca vontade de matar a companheira;

- o modo de execução do facto, distância curta e por trás;

- o contexto que envolveu o sucedido, na medida em que a conduta foi o culminar de violência conjugal prévia;

- a motivação da conduta do arguido: o ciúme e despeito porque a companheira apesar de ter regressado a casa após a última discussão já não partilhava consigo o mesmo quarto e cama;

- a sua fuga após o ocorrido, indiferente ao facto de o filho (que indirectamente alertou) vir a encontrar a mãe, como aconteceu e de esta ter ficado inanimada, mas ainda viva;

- a frieza que revelou imediatamente a seguir ao sucedido, ao destruir o seu telemóvel, desfazendo-se dele num contentor público;

- o egoísmo reiterado na averiguação junto de funcionária judicial que conhecia para aferir o que lhe podia acontecer;

- a falta de arrependimento concretamente manifestada em audiência, que verbalizou conclusivamente mas frontalmente infirmou ao apresentar versão dos factos que para além de inverosímil pretendeu culpar e enxovalhar a vítima, nunca manifestando vontade de reparar os danos causados aos filhos;

- a circunstância de, no caso concreto, e considerando o que já se referiu a propósito daquela que foi toda a actuação do arguido, serem elevadíssimas as exigências de prevenção geral, desde logo face ao cada vez maior número de casos de desavenças entre cônjuges ou ex-cônjuges ou companheiros ou ex-companheiros, que terminam com resultados graves e muitas vezes trágicos (como foi o caso);

- mostrando-se também elevadas as exigências de prevenção especial, sendo necessário que o arguido consciencialize e interiorize a gravidade dos factos praticados, com isso adequando o seu comportamento futuro às normas da vida em sociedade e ao respeito devido aos direitos, nomeadamente à vida e à integridade física, das outras pessoas, já que da sua conduta posterior não revela e contraria.”

Por último, argumenta o recorrente que “a jurisprudência vem “agravando” mais as penas referentes às restantes alíneas do referido artigo, pois, em casos similares ao dos presentes autos, tem aplicado penas muito inferiores – nesse sentido, vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27/11/2019, proc.º n.º 323/18.2PFLRS.L1.S1”. E adita: “Mesmo no caso em que as penas são mais pesadas, nomeadamente, quanto às restantes alíneas que compõe o n.º 2, do art.º 132.º do CP, a pena aplicada tem sido sempre inferior do que a pesada pena de 20 anos de prisão que foi aplicada ao recorrente – nesse sentido, vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 10/12/2020, proc.º n.º 757/18.2JACBR.C1.S1 onde foi aplicada uma pena de prisão de 16 anos e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 15/01/2019, proc.º n.º 4123/16.6JAPRT.G1.S1, onde foi aplicada uma pena de prisão de 18 anos (ambos os homicídios foram cometidos com arma de fogo, pelo que também eram agravados pelo n.º 3, do art.º 86.º, da Lei das Armas)”. Para concluir: “Deve, pois, a pena do recorrente ser reduzida drasticamente, primeiro pela ausência de factos integradores das demais previsões legais, pelas quais, de resto, foi acusado, e depois porque o arguido foi, igual e autonomamente, condenado pelo crime de violência doméstica, pelo que deve ser revogada a pena parcelar aplicada ao recorrente e ser o mesmo condenado na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão.”

No entanto, o recorrente também não tem razão, na parte em que peticiona a redução da pena à luz do referente jurisprudencial.

Em apoio desta sua pretensão, nomeia em recurso três acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, em que as penas aplicadas se situaram efectivamente abaixo da fixada no caso presente. Mas a selecção de jurisprudência terá de ser mais alargada, completada com outros acórdãos, dos quais se retira que, globalmente, as circunstâncias do caso sub judice não se distinguem “para menos”, em termos de gravidade do ilícito e do grau de culpa do perpetrante, das apreciadas noutros acórdãos, onde se chegou a medidas de pena semelhantes, ou até superiores, à ora sindicada.

Sabendo-se, embora, que cada caso transporta em si a natureza de caso único, é de atribuir importância ao referente jurisprudencial na actividade, sempre judicialmente vinculada (na expressão impressiva de Figueiredo Dias), de determinação da pena. E mostra-se por isso abstractamente justificada a alusão que lhe é feita em recurso.

A preocupação com o referente jurisprudencial contribui decisivamente para a atenuação (e, se possível, erradicação) de eventuais disparidades na aplicação prática dos critérios legais de determinação de pena.

No entanto, e em concreto, da análise da jurisprudência do Supremo não se retira que a pena determinada no acórdão de 1.ª instância e confirmada na Relação exceda as aplicadas em casos com alguma identidade com o presente, como se detalhará melhor no ponto seguinte, aquando da sindicância da pena única.

No entanto, refere-se já que no acórdão do Supremo citado pelo recorrente, datado de 27/11/2019, proc.º n.º 323/18.2PFLRS.L1.S1 (Rel. Lopes da Mota), na sequência de recurso interposto por arguido, o Supremo confirmou efectivamente uma pena de 18 anos de prisão aplicada em 1.ª instância por crime de homicídio qualificado. Mas nesse caso, contrariamente ao que sucede agora, não acrescia a agravação especial decorrente da Lei das Armas. Ou seja, a pena ali fora fixada numa moldura abstracta inferior à presente.

Note-se também que nesse mesmo dia 27/11/2019, o Supremo publicou um outro acórdão (Rel. Vinício Ribeiro), em que confirmou a condenação de arguido por três crimes de homicídio qualificado, nas penas parcelares de 21 anos, de 22 anos e de 22 anos de prisão (pena única de 25 anos de prisão).

E no dia de hoje, nesta mesma secção, foi publicado acórdão no proc. n.º 1254/22.7JABRG.G1.S1 (Rel. Teresa Féria), confirmativo da condenação de autor de um crime de homicídio qualificado dos arts. 131.º, 132.º n.º 1 e n.º 2 b) do CP e 86º nº3 e nº4 da Lei n.º 5/2006, na pena de 20 anos de prisão, tendo igualmente como vítima a mulher do arguido.

Assim, e contrariamente ao invocado em recurso no que respeita ao referente jurisprudencial, não se observa na determinação da pena correspondente ao crime de homicídio qualquer desvio acentuado na medida da pena, a ponto de exigir a intervenção correctiva do Supremo.

De tudo se conclui que, numa moldura de 16 a 25 anos de prisão, inexistem razões para censurar a pena aplicada de 20 anos de prisão, situada ligeiramente abaixo do ponto médio da pena abstracta.

2.3. Do concurso efectivo de crimes e da medida da pena única

Neste ponto, o recorrente impugna a pena única sem questionar a decisão sobre o concurso efectivo de crimes. Mas não deixa de se consignar que o enquadramento jurídico dos factos efectuado no acórdão se apresenta correcto, quer no que respeita aos tipos aplicados, quer quanto ao número de crimes efectivamente cometidos pelo arguido. Enunciado que se justifica por a decisão sobre o tipo e o número de crimes ser pressuposto e condição de aplicação das penas parcelares que determinam a moldura abstracta da pena única, a qual, a pedido do recorrente, cumpre sindicar.

Na impugnação da pena única constata-se que o recorrente assenta a sua pretensão, em grande parte, na decorrência da impugnação das penas parcelares. Refere dever “ser revogada a pena parcelar aplicada ao recorrente pela prática do crime de homicídio qualificado e ser o mesmo condenado na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão; dever ser revogada a pena parcelar aplicada ao recorrente pela prática de um crime de detenção de arma proibida e ser o mesmo condenado na pena de 4 (quatro) meses de prisão e, por fim, dever ser revogada a pena parcelar aplicada ao recorrente pela prática de um crime de violência doméstica e ser o mesmo condenado na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão”. Para concluir que “a consideração conjunta dos factos nos termos supra expostos e da personalidade do agente (sem antecedentes criminais, integrado familiar, profissional e socialmente, que confessa os factos, se arrepende e não voltará a cometer qualquer crime), dentro daqueles limites, aponta para uma pena conjunta de 17 (dezassete) anos”. Alude ainda, confusamente, a uma apodada violação do princípio da proibição de dupla valoração (violação que não ocorreu), a repercutir-se, supostamente, nas duas penas parcelares que ficaram fora do objecto de conhecimento.

De tudo resulta que a argumentação desenvolvida não abala a fundamentação do acórdão no referente à pena única, quer pela falência precedente dos fundamentos invocados pelo arguido, quer pela própria consistência do decidido.

Olhando o acórdão recorrido, na sua fundamentação de facto e de direito, constata-se que a tudo se procedeu correctamente, mormente no que respeita à justificação da pena única, não se vislumbrando razão que deva conduzir ao seu abaixamento.

Na fixação da pena única, aditiva das penas correspondentes aos três crimes concorrentes, o tribunal procedeu a uma reavaliação autónoma dos factos em conjunto com a personalidade do arguido (art. 77.º, n.º 1 do CP), procedendo a uma especial fundamentação, também desta pena, fixando-a em função das exigências gerais de culpa e de prevenção (assim, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 2005, p. 291).

Na avaliação do ilícito global perpetrado, ponderou a conexão e o tipo de conexão entre os factos concorrentes, e a sua relação com a personalidade do arguido, evidenciando o conjunto dos factos – o grande facto - um ilícito global expressivamente desvalioso, e a personalidade do arguido revelada nos factos, agora no facto global, evidencia também um grau de culpa elevado.

É, pois, de acompanhar a fundamentação do acórdão recorrido, mormente quando ali se refere que “considerando a moldura penal aplicável ao concurso de crimes em presença (20 a 25 anos de prisão, neste caso por mera imposição legal), a pena de 22 anos de reclusão para quem, como o recorrente, praticou os crimes por que aqui responde ele, e nos moldes em que o fez, não surge como excessiva, já que o «acréscimo» que o Tribunal recorrido fixou sobre o limiar da moldura abstrata dilui adequadamente as penas aplicadas seja pelo crime de violência doméstica cometido pelo recorrente, seja o crime de detenção de arma proibida por ele também perpetrado”.

E nenhuma censura merece o acórdão ao acolher a fundamentação da decisão de 1.ª instância, onde se pode ler:

“No caso sub judice, verificamos que o arguido cometeu o crime de violência doméstica na pessoa da ex-mulher e companheira desde o início do casamento, mas com particular relevância entre 2008 e 2022, tendo sido no culminar deste contexto que se deu o homicídio. Importa ainda atentar à detenção pelo arguido não só da arma usada para matar a companheira, mas também à circunstância de ter possuído antes um revolver nos termos descritos.

A ilicitude global do comportamento do arguido está decisivamente marcada pela violência doméstica existindo uma clara conexão entre este tipo de ilícito e os demais. O conjunto dos factos permite concluir por uma personalidade desconforme e insensível no seio familiar (apesar da ausência de antecedentes criminais e ter mantido um percurso de vida regular a nível, laboral e social) os quais tornam elevadas as exigências de prevenção geral e especial.

Assim sendo e em face do exposto nos termos descritos o Tribunal julga justa e adequada a aplicação ao arguido da pena única de 22 (vinte e dois) anos de prisão.”

Adite-se que, contrariamente ao defendido pelo recorrente, do referente jurisprudencial não resulta o excesso de punição.

Para além das referidas no ponto precedente, revejam-se as seguintes decisões do Supremo Tribunal de Justiça:

Acórdão do STJ de 12-05-2016 (Rel. Nuno Gomes da Silva), confirmativo de condenação pela prática de um crime de homicídio qualificado, dos arts. 131.° e 132.°, n.° 2, al. j), do CP, na pena de 20 anos e 6 meses de prisão; de um crime de profanação de cadáver, do art. 254.°, n° 1, al. a) do CP, na pena de 1 ano de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 21 anos de prisão.

Acórdão do STJ de 14.10.21 (Rel. António Gama), confirmativo da condenação pela prática de 1 (um) crime de homicídio qualificado dos arts. 131º e 132º, n.ºs 1 e 2 al.s b) e i), do CP, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão, de 1 (um) crime de violência doméstica do art. 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CP, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão; de 1 (um) crime de profanação de cadáver do art. 254.º, n.º 1, al.s a) e b), do CP, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 20 (vinte) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Acórdão do STJ de 03-11-2021 (Rel. Lopes da Mota), confirmativo da condenação pela prática de um crime de homicídio qualificado dos arts. 131.º e 132.º, n.º 1, e n.º 2, al. e) e al. j), do CP, na pena de 23 anos de prisão; de um crime de profanação de cadáver do art. 254.º, n.º 1, al. a), do CP, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, de um crime de detenção de arma proibida do art. 86.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 5/2006, na pena de 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 24 anos de prisão.

Em suma, numa moldura penal de cúmulo jurídico de 20 a 25 anos de prisão (art. 77.º, n. 2, do CP), a pena única mostra-se fixada abaixo do ponto médio, sendo de considerar não só como proporcionada ao concreto “ilícito global perpetrado” e à personalidade desvaliosa do arguido revelada nos factos, como necessária às exigências de prevenção geral e especial.

Considerando, por último, que o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena, e que a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, e “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197), impõe-se aceitar que a pena única fixada é adequada às exigências de prevenção geral e especial, e respeita o limite da culpa.

3. Decisão

Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso na parte relativa à matéria de facto e às penas parcelares inferiores a oito anos de prisão, julgando-o improcedente na parte restante, assim se confirmando o acórdão.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP).


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Cumpra-se oportunamente o disposto no n.º 2 do art. 10.º da Portaria n.º 280/2016.

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Lisboa, 31.01.2024

Ana Barata Brito, relatora

Teresa Féria de Almeida, adjunta

Ernesto Vaz Pereira, adjunto