Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1353/07.5PTLSB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SOUSA FONTE
Descritores: VALOR DIMINUTO
ROUBO
FURTO
ABUSO DE CONFIANÇA
MEDIDA DA PENA
MOTIVAÇÃO
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
CONFISSÃO
Data do Acordão: 02/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Doutrina: - Faria Costa (“Direito Penal Especial – Contributo a uma sistematização dos problemas “especiais” da Parte Especial”, 71 e 72);
- Figueiredo Dias (“As Consequências…”, 285, 290 e segs.);
- "Comentário Conimbricense…”, Tomo II, 178; Tomo I, 355; Tomo II, 167 e 344;
-“Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, ed. Ministério da Justiça (1993), 329".
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: ARTIGO 729º Nº 2, 722º Nº 3, 669º E 670º
Jurisprudência Nacional: AC. STJ DE 12/12/91, BMJ Nº. 412 - PÁG. 368 E AC. STJ DE 3/04/2003, CJ. STJ - ANO XI, TOMO II, PÁG. 157
Sumário :
I - O valor dos bens é, com efeito, um elemento de qualificação de todos os crimes contra o património. Coisas sem qualquer valor venal não são merecedoras, qua tale, de protecção penal através dos crimes contra o património. Nem mesmo aquelas cujo valor não atinge o «limiar mínimo de relevância para o mundo do direito penal» (cf. Faria Costa, “Direito Penal Especial”, págs.71 e 72).

II - No caso do crime de roubo, em que a par de bens jurídicos patrimoniais se protege a liberdade individual e a integridade física, a lesão destes é a preponderante. Por isso é que, ao contrário do consagrado para os crimes de furto e de abuso de confiança, onde a restituição da coisa ou a reparação integral é susceptível de extinguir a responsabilidade criminal ou suscitar a atenuação especial da pena (cf. art. 206.º do CP), tais possibilidades não foram estendidas ao crime de roubo.

III - Por conseguinte, o valor da coisa roubada, embora não possa deixar de ter alguma influência na determinação da medida da pena, é circunstância cuja relevância é praticamente neutralizada pelo grau e espécie da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima, designadamente quando se destaca claramente daquele limiar mínimo.
IV - O capítulo da motivação da sentença não é o lugar adequado para arrumar os factos provados.

V - O arguido ao admitir ter praticado alguns ou quase todos os factos que lhe eram imputados, não confessa em sentido técnico-jurídico, mas presta apenas declarações, admitindo, isto é, aceitando, ter praticado os factos nos termos que ficaram consignados, na oportunidade conferida pelo art. 345.º do CPP.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

1. No Tribunal Colectivo da 5ª Vara Criminal de Lisboa, no processo em epígrafe, foi julgado, com outro, o arguido AA, solteiro, nascido em 22/01/1990, no Campo Grande – Lisboa, filho de F… do C… V… e de B… B… C… e residente, antes de preso, na Rua das M…, Bloco … – …º Esq., também em Lisboa, tendo sido condenado, pela prática dos seguintes crimes, nas penas que vão indicadas:

- um crime de roubo agravado p. e p. pelo artº 210º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao artº 204º, nº 2, al. f), ambos do CPenal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

- nove crimes de roubo «agravado, desqualificados pelo valor», p. e p. pelo artº 210º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao artº 204º, nºs 2, al. f) e 4, ambos do CPenal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por cada um deles;

- seis crimes de roubo simples, p. e p. pelo artº 210º, nº 1, do CPenal, na pena de 2 anos de prisão, por cada um deles;

- em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 9 anos de prisão.

Inconformado, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de cuja motivação extraiu as seguintes conclusões:

«1. As importâncias subtraídas foram de pequena monta, circunstâncias que não desabonam a tese da influência da toxicodependência por forma relevante.

2. Em seis dos crimes de roubo cometidos pelo arguido, a "violência" exercida, não passou do medo criado nas vítimas para assim mais facilmente conseguir os seus intentos.

3. Não se pode conformar o recorrente quando é condenado a 2 anos de prisão pelos roubos simples sem "violência significativa" e de 2 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de roubo simples (estes desqualificados pelo valor), de valores ou quantias de 1 euro, 5 euros, 7 euros, 8 euros, 10 euros, 20 euros, 25 euros e 50 euros, quando a violência utilizada não passou – e ainda bem – de criar temor nos ofendidos.

4. Na verdade, custa aceitar numa sociedade de Estado de Direito Democrático, a condenação de uma pena de prisão (a título meramente exemplificativo), de 2 anos de prisão, por roubo de 1 euro, utilizando unicamente a "agressão moral", sem qualquer forma, mesmo ténue, de "expressão física" para a sua consumação.

5. Isto é, sem excepção, os crime praticados pelo recorrente, foram, em termos do tipo criminal, (pois este já engloba a violência), de ilicitude e dimensão de danosidade social reduzidos.

6. Embora, na determinação da pena, o tribunal não possa atender a circunstâncias que façam parte do tipo de crime (artº 71° nº 2 do C.P.), isso não impede que possa estender à maior ou menor gravidade da ilicitude material que tais circunstâncias possam encerrar em concreto, mormente a forma como foi exercida a violência nos crimes em análise.

7. Os factos praticados a sua forma de execução tendo por objecto importâncias pequenas ou objectos de pouco valor, tudo conduz à conclusão que no procedimento do arguido ora recorrente pesou de forma muito significativa e relevante a sua toxicodependência.

8. Os crimes que cometeu estão de uma forma directa relacionados com a sua toxicodependência (cfr. Artigo 44° do DL. N° 15/93 de 22-1).

9. Na aplicação da pena única o tribunal deveria ter atenuado a mesma nos termos do artigo 72° nº 2 al. c) do CP, na medida em que conforme consta do douto acórdão recorrido o recorrente confessou quase integralmente os factos e a "postura por ele assumida em julgamento reveladora de arrependimento".

10. Pelo que todas as penas em concreto estão inflacionadas em cerca de 6 meses de prisão, e como tal devem ser reduzidas.

11. A pena única de 9 (nove) anos de prisão a que foi condenado, entende o recorrente que excede a medida da sua culpa não é compreendida pelo mesmo, não pode ser sentida como justa e como tal não pode produzir qualquer efeito socializador, além de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artº 40, nº 2 do CP).

12. Ao não ter procedido como se motivou e para aí se remete o aliás, douto acórdão recorrido, por erro de interpretação e aplicação do direito, violou os artigos, 40° nº 2, 71º nº 1 e 2, 77° do CP., devendo interpretá-los e aplicados em consonância como se motivou no sentido de as penas se situarem no seu mínimo legal, e em cúmulo jurídico, ter aplicado a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão».

O Senhor Procurador da República respondeu e concluiu pela improcedência do recurso, com a consequente confirmação tanto das penas parcelares como da pena única.

A Senhora Procuradora-Geral Adjunta deste Tribunal emitiu parecer em que:

- criticou a qualificação jurídica dos 9 crimes de roubo que a 1ª instância considerou «de roubo agravado, desqualificados pelo valor»;

- entendeu que as penas parcelares correspondentes aos 15 crimes de roubo simples podem «sofrer algumas reduções»;

- a pena conjunta deve ser fixada entre os 6 anos e 6 meses e os 7 anos de prisão.

Notificado nos termos do nº 2 do artº 417º do CPP, o Arguido nada disse.

Corridos os vistos legais, vieram os autos à conferência para decisão.

2. Cumpre, agora, decidir.

2.1. É do seguinte teor a decisão do Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto:

«Factos provados e não provados.

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 2 de Outubro de 2007, cerca das 9h30, no Jardim do Campo Grande, em Lisboa, o arguido AA aproximou-se de BB, que ali circulava, e fazendo uso de uma navalha que apontou ao ofendido, coagiu o mesmo a entregar-lhe um MP3, de marca “Cougar”, avaliado em € 60.

2. De imediato, o arguido, exibindo sempre à vítima a navalha atrás referida, ordenou a BB que se deslocasse a uma caixa ATM, nas proximidades, de onde o ofendido levantou € 100 que entregou ao arguido, por ter receio pela sua integridade física.

3. Após, o arguido abandonou o local, levando tais bens consigo (NUIPC 997/07.0 PSLSB).


*

4. No dia 3 de Outubro de 2007, cerca das 3h15, no Terminal de Autocarros do Campo Grande, em Lisboa, os arguidos AA e CC, agindo em comunhão de esforços e intentos, abeiraram-se de DD, e através da exibição de uma navalha que um dos arguidos apontou na direcção do seu corpo, coagiram o ofendido a entregar-lhes a sua carteira, que continha € 7 (sete euros), em nota e moedas, um cartão “Jovem” e um cartão “Lisboa Viva”.

5. Após, os arguidos abandonaram o local, levando consigo tais bens.

6. Posteriormente, o referido cartão “Lisboa Viva” e a quantia monetária de € 6,80, bem como uma navalha foram encontrados na posse dos referidos arguidos, tendo o aludido cartão e a quantia em dinheiro sido entregues ao respectivo proprietário (NUIPC 1353/07.5 PTLSB).

7. No dia 8 de Outubro de 2007, cerca das 12h20, junto ao prédio nº. 8 da Avenida do Brasil, em Lisboa, o arguido AA abeirou-se de EE, e fazendo uso de uma navalha que apontou ao ofendido, coagiu o mesmo a entregar-lhe a sua carteira, que continha € 10 no seu interior.

8. De seguida, o arguido ordenou a EE que se deslocasse a uma caixa ATM, nas proximidades, de onde o ofendido levantou € 40 que foi obrigado a entregar ao arguido, por temer pela sua integridade física.

9. Após, o arguido abandonou o local, levando tais bens consigo (NUIPC 1007/07.2 PSLSB).




10. No dia 29 de Outubro de 2007, cerca das 21h15, na Avenida de Roma, em Lisboa, o arguido AA, agindo em comunhão de esforços e intentos com outros dois indivíduos não identificados, mediante intimidação e fazendo uso da superioridade numérica em que se encontrava, abordou FF, e após o ter revistado, retirou-lhe um telemóvel, de marca “Nokia”, modelo 6101, avaliado em € 150.

11. Após, o arguido abandonou o local, levando tal objecto consigo (NUIPC 1567/07.8 PTLSB).

12. No dia 4 de Março de 2008, cerca das 0h15, junto à Av. do Brasil, no Campo Grande, em Lisboa, o arguido AA aproximou-se de GG, e fazendo uso de uma navalha que encostou ao pescoço da ofendida, logrou, assim, intimidá-la e revistou-lhe a sua carteira de onde retirou € 8 em dinheiro.

13. Após, o arguido abandonou o local, levando consigo tal quantia em dinheiro (NUIPC 333/08.8 PSLSB).

14. No dia 17 de Março de 2008, cerca das 0h40, no Campo Grande, perto da Igreja, em Lisboa, o arguido AA, agindo em comunhão de esforços e intentos com outro indivíduo não identificado, abordou HH, e mediante ameaça com uma navalha, obrigou o ofendido a entregar-lhe um telemóvel, de marca “Motorola”, avaliado em € 50.

15. Após, o arguido abandonou o local, levando consigo tal objecto (NUIPC 415/08.6 PSLSB).

16. No dia 20 de Março de 2008, cerca das 12h40, na Praça de Alvalade, junto ao estabelecimento comercial denominado “McDonald’s”, em Lisboa, o arguido AA abordou II, e mediante ameaça com uma navalha, obrigou o ofendido a entregar-lhe € 20 em dinheiro.

17. Após, o arguido abandonou o local, levando consigo tal quantia em dinheiro (NUIPC 434/08.2 PSLSB).

18. No dia 24 de Março de 2008, pelas 18h50, no cruzamento da Avenida da Igreja com a Praça de Alvalade, em Lisboa, o arguido AA abordou JJ e pediu-lhe o telemóvel para enviar uma mensagem.

19. Como o ofendido se recusou a entregar tal objecto, o arguido subtraiu-lhe, através de puxão, o telemóvel de marca Sagem, no valor de € 50.

20. Após, o arguido abandonou o local, levando consigo tal objecto (NUIPC 447/08.4 PSLSB).

21. No dia 25 de Março de 2008, pelas 20h50, na Rua Projectada ao Campo Grande, AL/3, Lisboa, o arguido AA abordou LL e, munido de uma tábua com 63 cm de comprimento, ordenou-lhe “dá-me um cigarro e algum dinheiro, senão parto-te o carro”.

22. A vítima, com medo de que o arguido lhe batesse ou causasse dano no seu automóvel, entregou-lhe uma nota de € 5.

23. Após, o arguido abandonou o local, levando consigo tal quantia em dinheiro.

24. Pouco tempo depois, o arguido foi abordado por um agente da PSP, tendo-lhe sido apreendida a nota de € 5 e a tábua em questão (NUIPC 461/08.0 PSLSB).

25. No dia 30 de Março de 2008, cerca das 2h30, na Avenida do Brasil, em Lisboa, o arguido AA, agindo em comunhão de esforços e intentos com outros dois indivíduos não identificados, abordou LL e MM, exibiu-lhes um “X-acto”, e mediante ameaça de que os espetava com tal objecto, logrou retirar ao ofendido LL um telemóvel, de marca “Nokia”, modelo 6288 e ao ofendido MM um telemóvel, de marca “Motorola”, cada um deles avaliado em € 80.

26. Após, o arguido abandonou o local, levando consigo tais objectos (NUIPC 489/08.0 PSLSB).

27. No dia 31 de Março de 2008, pelas 18h15, na Estação de Metro do Campo Grande, em Lisboa, o arguido AA, acompanhado de um indivíduo não identificado, abordou os jovens NN e OO, tendo-lhes ordenado a entrega de bens que possuíssem, senão puxava de uma navalha.

28. Com medo de serem agredidos, o ofendido NN entregou ao arguido o leitor MP3, de marca “Grundig”, modelo “MPX701”, no valor de € 25, e o ofendido OO entregou ao arguido uma moeda de um euro.

29. Após, o arguido abandonou o local, levando consigo tais objectos (NUIPC 484/08.9 PTLSB).

30. No dia 6 de Maio de 2008, pelas 21h10, no Campo Grande, em Lisboa, o arguido AA abordou PP e, através de esticão, subtraiu-lhe o telemóvel de marca Sony Ericsson, no valor de € 200.

31. Após, o arguido abandonou o local, levando consigo tal objecto (NUIPC 707/08.4 PSLSB).




32. No dia 23 de Maio de 2008, pelas 9h05, na Gare da C.P. de Entrecampos, em Lisboa, o arguido AA, na companhia de outro jovem não identificado, abordou QQ e, mediante o uso de um instrumento metálico pontiagudo, ordenou-lhe que lhe desse o dinheiro que possuísse.

33. Como o QQ respondeu que não tinha dinheiro, o arguido obrigou-o a deslocar-se à máquina ATM ali existente e a levantar a quantia de € 40, que depois o ofendido se viu obrigado a entregar ao arguido, por temer pela sua integridade física.

34. Após, o arguido abandonou o local, levando consigo tal quantia em dinheiro (NUIPC 821/08.6 PSLSB).




35. No dia 29 de Agosto de 2008, cerca da 1h00, na Rua dos Anjos, em Lisboa, o arguido AA abeirou-se de RR, que ali circulava, e ordenou-lhe a entrega dos bens que este possuísse.

36. Como o RR se recusou a entregar tais bens, o arguido meteu a mão nos bolsos das calças do ofendido e daí retirou a sua carteira, que continha no interior uma nota de € 10.

37. Após, o arguido abandonou o local, levando consigo tal quantia em dinheiro (NUIPC 737/08.6PHLSB).

38. O arguido AA, embora soubesse que os bens acima descritos eram pertença dos ofendidos atrás identificados, e que agia contra a vontade destes, quis fazê-los seus, como efectivamente fez e integrá-los na respectiva esfera patrimonial, ainda que, para tanto, tivesse de utilizar violência, como utilizou, ou ameaçar, como ameaçou, as pessoas visadas, com recurso a navalhas e outros objectos cortantes.

39. Os arguidos AA e CC, agiram em execução de um plano previamente delineado entre ambos e assente na existência de uma consciência recíproca de actuação, para cuja execução conjugaram esforços e intentos.

40. Os arguidos, embora soubessem que aqueles bens eram pertença do ofendido DD, e que agiam contra a vontade deste, quiseram fazê-los seus, como efectivamente fizeram e integrá-los nas respectivas esferas patrimoniais ainda que, para tanto, tivessem de ameaçar, como ameaçaram, a pessoa visada, com uma navalha.

41. Os arguidos agiram sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se apurou que:

- O arguido AA, de 19 anos de idade, é solteiro e tem como habilitações o 3º ano de escolaridade.

Nascido no seio de uma família de etnia cigana de condição sócio-económica muito modesta, o arguido é o mais novo de sete filhos, tendo o seu processo de socialização decorrido de acordo com as tradições e normas da cultura cigana.

O seu percurso escolar foi marcado pelo insucesso, tendo aos 14 anos de idade abandonado a escola sem concluir o ensino básico.

Quando tinha 14 anos de idade, o arguido ficou à guarda do pai, que exercia a actividade de vendedor ambulante, por a mãe e um dos irmãos terem sido condenados a penas de prisão efectiva, tendo a ausência da progenitora tido repercussões negativas no comportamento do arguido que, sem qualquer controlo parental, passou a centrar o seu quotidiano no grupo de pares com condutas delinquentes.

Em Abril de 2006, no âmbito de um processo Tutelar Educativo, foi-lhe aplicada medida de imposição de obrigação, que não chegou a concretizar-se por, entretanto, ter ficado sujeito a medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, tendo em Junho de 2006 tal medida de coacção sido substituída por prisão preventiva, dado o arguido ter revelado comportamentos inadequados no decorrer do cumprimento dessa medida, registando vários incumprimentos.

Após ter regressado à liberdade, na sequência de uma condenação em pena de prisão suspensa na sua execução com regime de prova, o arguido voltou ao convívio com o seu grupo de pares e iniciou o consumo de heroína e cocaína.

O arguido vive com uma companheira há cerca de 2 anos. Antes de ter sido detido, integrava o agregado familiar de seus pais e não exercia qualquer actividade profissional.

No contexto prisional, o arguido tem mantido um comportamento institucional mais correcto, após ter sofrido uma sanção disciplinar.

Desde que se encontra detido, o arguido deixou de consumir estupefacientes.

O arguido regista as seguintes condenações:

a) - por acordão proferido em 5/02/2007, no processo comum colectivo nº. 98/06.8 S7LSB da 9ª Vara Criminal de Lisboa-2ª Secção, foi condenado pela prática, em 10/02/2006, de dois crimes de roubo agravado – um na pena de 15 meses de prisão e outro na pena de 20 meses de prisão – um crime de sequestro e um crime de burla informática, nas penas parcelares de, respectivamente, 8 meses de prisão e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos com regime de prova;

b) - por sentença proferida em 5/11/2008, no processo abreviado nº. 6477/07.6 TDLSB do 1º Juízo-3ª Secção do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, foi condenado pela prática, em 18/09/2007, de um crime de furto simples, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano com regime de prova.

Encontra-se preso preventivamente à ordem destes autos desde 31/08/2008.

- O arguido CC ….

Nenhum outro facto se provou com interesse para a boa decisão da causa, para além dos supra descritos, designadamente:

- que os arguidos tivessem encostado a navalha à barriga do ofendido DD;

- que o telemóvel Nokia pertencente ao ofendido LL valesse € 139».

2.2. Nas conclusões que extraiu da motivação do seu recurso que, como é sabido, fixam, em última instância, o objecto do recurso (cfr. arts. 412º, nº 1, do CPP e 684º, nº 3 e 685º-A, do CPC), o Recorrente insurge-se contra a medida das penas parcelares de 2 anos e de 2 anos e 6 meses de prisão em que foi condenado pelos crimes de roubo simples – os praticados «sem violência significativa» e os «desqualificados pelo valor» – e contra a pena conjunta, fixada em 9 anos de prisão.

2.2.1. Quanto às penas parcelares.

2.2.1.1. Previamente à abordagem desta primeira questão, vamos apreciar a crítica que a Senhora Procuradora-Geral Adjunta fez à qualificação de alguns dos factos, também implícita, aliás, na resposta do Senhor Procurador da República, e verificar os seus eventuais reflexos nas respectivas molduras penais aplicáveis.

Disse aquela Magistrada, relativamente aos crimes de roubo que o Tribunal Colectivo qualificou como «agravados, desqualificados pelo valor» – os 9 crimes cometidos em: 1) 3.10.07, factos dos nºs 4 a 6; 2) 8.10.07, factos dos nºs 7 a 9; 3) 4.03.08, factos dos nºs 12 e 13; 4) 17.03.08, factos dos nºs 14 e 15; 5) 20.03.08, factos dos nºs 16 e 17; 6) 25.03.08, factos dos nºs 21 a 24; 7) e 8) 30.03.08, factos dos nºs 25 e 26; 9) 23.05.08, factos dos nºs 32 a 34 – que «a qualificação que a 1ª instância fez, não poderá manter-se e, oficiosamente deverá ser alterada de acordo com as previsões legais (…), independentemente das circunstâncias apuradas deverem/poderem ser atendidas na determinação da medida da pena, desde que não façam parte do tipo de crime de roubo (…). Por isso, concluiu, «o arguido Tiago deverá/terá de ser condenado por autoria de 15 crimes de roubo p.p. pelo art. 210º, nº 1 do CP, os nove primeiros devido ao disposto no nº 4 do art. 204º, aplicável por força do disposto no art. 210º, nº 2. al. b) do CP».

O acórdão recorrido refere-se efectivamente a esses crimes como constituindo crimes de «roubo agravado, desqualificados pelo valor», por o valor das coisas ou do dinheiro roubados ser, em qualquer desses casos, um «valor diminuto», nos termos das disposições conjugadas dos arts. 210º, nº 2-b), 204º, nº 4 e 202º-c), todos do CPenal.

Faria Costa (“Direito Penal Especial – Contributo a uma sistematização dos problemas “especiais” da Parte Especial”, 71) sustenta que a norma do nº 4 daquele artº 204º «é, em termos dogmáticos, um contra-tipo. Isto é, se houver qualificação por força de um qualquer outro elemento previsto no artº 204º e, para além disso, a coisa for de diminuto valor, em caso algum se verificará um furto qualificado [no nosso caso, um crime de roubo qualificado] mas sim um furto simples [no nosso caso, um crime de roubo simples]». Aliás, já o seu comentário a essa norma, no “Comentário Conimbricense…”, II, 86, o mesmo Autor, depois de referir que, «no mínimo – … – poder-se-á sustentar que o que aqui se contempla não é mais, mas também não é menos, do que uma norma de desqualificação», logo adianta que «à lógica das desqualificação [prefere] a ideia mais forte e talvez mais expressiva de que neste caso se está perante um contra-tipo». Isto é, se a coisa for de diminuto valor, não chega a preencher-se o tipo qualificador, remetendo-se o comportamento proibido para o tipo matricial – o de roubo “simples” (sublinhado nosso).

Nesta perspectiva, que perfilhamos, o acórdão recorrido deveria ter dito que, naqueles casos, o arguido cometeu (mais) 9 crimes de roubo simples, p. e p., cada um deles, pelo artº 210º, nº 1.

Porém, a crítica a fazer ao acórdão recorrido não passa disso mesmo – de qualificação dos factos menos rigorosa, do nosso ponto de vista –, sem quaisquer reflexos ou consequências ao nível da moldura penal a considerar na punição. Com efeito, o Tribunal Colectivo, relativamente ao primeiro dos casos apontados, disse expressamente que o mesmo teria de ser punido «como mero crime de roubo simples … cuja moldura é de 1 a 8 anos de prisão» (cfr. fls. 1257). E se, em relação aos restantes, não fez a mesma menção, teremos de concluir, em face das penas concretamente aplicadas, todas elas abaixo do limite mínimo previsto para o roubo agravado (qualificado) – sendo certo que foi afastada a possibilidade de atenuação especial da pena, mesmo ao abrigo do DL 401/82, de 23 de Setembro – que a moldura considerada foi a mesma.

Em todo o caso, como bem salientam o Senhor Procurador da República e a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, as circunstâncias que, não fosse o valor diminuto, levariam à qualificação dos roubos, influirão, como efectivamente influíram (vd. infra) na medida concreta de cada uma das penas.

2.2.1.2. Apreciemos agora a pretensão do Recorrente neste domínio

2.2.1.2.1. Vimos no início do relatório quais as penas em que o Arguido foi condenado:

- uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão pelo crime de roubo agravado (factos dos nºs 1 a 3);

- nove penas de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um dos crimes de roubo ditos «agravados, desqualificados pelo valor» [factos dos nºs 4 a 6, 7 a 9, 12 e 13, 14 e 15, 16 e 17, 21 a 24, 25 e 26 (dois crimes) e 31 a 34];

- seis penas de 2 anos de prisão por cada um dos outros crimes de roubo simples [factos dos nºs 10 e 11, 18 a 20, 27 a 29 (dois crimes), 30 e 31 e 35 a 37].

O Tribunal a quo justificou do modo seguinte a medida da pena:

«Na escolha e determinação da medida concreta das penas a aplicar a cada um dos arguidos, nos termos dos artºs 71º e 77º do C.Penal, atender-se-á à culpa do agente, às exigências de prevenção e de reprovação do crime e ainda às seguintes circunstâncias:

- ao elevado grau de ilicitude dos factos, traduzido no valor dos bens e no montante em dinheiro que foram alvo de apropriação;

- à intensidade do dolo, que é directo;

- à forma como os arguidos abordaram os ofendidos a fim de concretizarem os seus intentos apropriativos;

- ao tipo de bens e valores subtraídos;

- à gravidade dos ilícitos (com a insegurança e alarme social que causaram);

- ao modo de execução, nomeadamente no que se refere ao tipo de violência e intimidação empregues pelos arguidos para alcançarem os seus objectivos e ao tipo de armas utilizadas pelo arguido AA (uma navalha, uma tábua com 63 cm de comprimento, um “X-acto” e um instrumento metálico pontiagudo);

….

- aos antecedentes criminais dos arguidos;

- à situação de toxicodependência dos arguidos, que terá tido influência na determinação da prática dos factos;

- ao facto do cartão “Lisboa Viva” e da quantia em dinheiro retirados a DD terem sido recuperados e entregues ao respectivo dono e ainda ao facto de ter sido recuperada a nota de € 5 subtraída a LL;

- às circunstâncias da vida pessoal dos arguidos e ao facto destes estarem a procurar libertar-se do consumo de drogas;

- à confissão quase integral dos factos por parte do arguido AA e à postura por ele assumida em julgamento reveladora de arrependimento;

- à necessidade imperativa de se fazer sentir aos arguidos o desvalor dos seus actos e de responsabilizá-los pelas consequências dos mesmos;

- à idade do arguido AA à data da prática dos factos (já que tinha o mesmo, quando iniciou a prática dos factos, tinha 17 anos, fazendo 18 anos no decurso da sua actividade ilícita).

No contexto desta última circunstância, haverá que notar o seguinte em relação ao arguido AA:

Como se constata da leitura dos factos dados como provados, este arguido actuou, na maior parte das situações supra descritas, exibindo armas brancas ou outros objectos que podiam ser utilizados como armas às suas vítimas e exercendo sobre as mesmas uma forte intimidação e constrangimento, para prosseguir os seus intentos.

Para além disso, esta actuação do arguido não foi episódica, tendo-se prolongado durante vários meses (de Outubro de 2007 a Agosto de 2008), período durante o qual o arguido, sozinho ou juntamente com outros, cometeu todos aqueles ilícitos que lhe são imputados.

Por outro lado, a violência e agressividade empregues pelo arguido na prática dos factos que lhe são imputados, revelam da sua parte uma falta de interiorização das normas de conduta que regem a vida em sociedade, e até mesmo uma não aceitação dessas regras.

Este tipo de actuações do arguido AA supra descritas denota uma frieza de ânimo, uma sensação de impunidade e um tão grande afastamento do cumprimento das regras que nos permitem viver em sociedade, o que, aliado ao grande alarme social provocado por este tipo de condutas e ao crescente número de actuações deste tipo, designadamente de assaltos à mão armada efectuados por grupos de jovens, que parecem cessar só com as suas detenções, levam o Tribunal a afastar, quanto a este arguido, o Regime Especial para Jovens Delinquentes consagrado no DL 401/82 de 23/9.

Tem entendido a Jurisprudência do STJ que o Regime Especial para Jovens Delinquentes não é de aplicação automática, não devendo o Tribunal fazer uso da faculdade de atenuação especial prevista no artº. 4º do citado DL 401/82 quando é grande o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido e é grave a sua culpa, na forma de dolo directo, não sendo, nesse caso, legítimo concluir que há razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultam vantagens para a sua reinserção social (cfr. Ac. STJ de 12/12/91, BMJ nº. 412 - pág. 368 e Ac. STJ de 3/04/2003, CJ. STJ - Ano XI, Tomo II, pág. 157).

Por isso, haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e o modo de execução do crime e os seus motivos determinantes – e foi o que o Tribunal fez, no caso do arguido AA, concluindo não ser de lhe aplicar o aludido regime especial para jovens delinquentes, uma vez que o conjunto dos factos por ele praticados e a sua gravidade, bem como a sua personalidade e o seu percurso de vida retratados no relatório social junto aos autos, elaborado pela Direcção Geral de Reinserção Social, desaconselham, em absoluto, a aplicação do mesmo, por se não mostrar passível de prognose favorável à sua reinserção social.

Com efeito, entende-se que, neste caso, embora não deva haver lugar à atenuação especial da pena, que resultaria da aplicação do DL 401/82 de 23/9 (Regime Especial para Jovens Delinquentes), por se entender que tal atenuação não ajudará à reinserção social do arguido AA (tendo em atenção o considerável número de ilícitos por ele praticados, a sua gravidade, o prolongamento de tal actividade ilícita por vários meses, só tendo terminado com a sua detenção e o facto do arguido ter antecedentes criminais), já se deverá atender à sua idade para efeitos de determinação da medida concreta da pena, ou seja, como circunstância atenuante comum.

Assim, ponderando todas as circunstâncias acima descritas e tendo em consideração as molduras penais atrás mencionadas, entendemos ser de impor ao arguido AA uma pena privativa da liberdade para cada um dos crimes por ele praticados, por forma a fazer-lhe sentir o profundo desvalor da sua conduta e como meio de prevenção, avisando que este tipo de actuações não pode ser tolerado na vida em sociedade, sendo a pena de prisão relativa ao crime de roubo agravado, embora situada próximo do limite mínimo legal, a mais gravosa de todas, ao passo que as penas de prisão relativas aos crimes de roubo agravado (desqualificados pelo valor) serão inferiores ao meio da moldura penal e idênticas para todos eles; quanto às penas de prisão relativas aos crimes de roubo simples, as mesmas serão ligeiramente inferiores às penas a serem aplicadas aos crimes de roubo agravado (desqualificados pelo valor) e idênticas para todos eles.

No caso ora em apreço, verifica-se que as necessidades de prevenção geral são elevadas, considerando o crescente número de actuações deste tipo e o grande alarme social que tais factos provocam e que se traduz num clima de insegurança que atinge a população em geral, com especial relevo em meio urbano.

Do ponto de vista da prevenção especial, as exigências são também elevadas, tendo em atenção o facto do arguido, não obstante ser um jovem com 19 anos de idade, já tem antecedentes criminais na área dos crimes contra o património e as pessoas – pois já sofreu uma condenação por crimes de roubo, sequestro e burla informática e uma condenação por um crime furto simples, todos eles praticados antes dos crimes dos presentes autos, e apesar de lhe ter sido dada oportunidade de inverter o seu percurso de delinquência, designadamente pela imposição, na condenação pelos crimes de roubo, sequestro e burla informática, de uma pena única de prisão suspensa na sua execução com regime de prova, a verdade é que tal mecanismo não serviu como meio dissuasor, uma vez que o arguido continuou a praticar factos ilícitos, pelos quais veio a ser condenado, tendo os ilícitos destes autos, inclusive, sido praticados no período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada no processo nº. 98/06.8 S7LSB da 9ª Vara Criminal de Lisboa-2ª Secção.

Em conformidade com o atrás exposto, tem-se por justo e adequado às exigências de reprovação e de prevenção de futuros crimes, a aplicação aos arguidos das seguintes penas parcelares…»

O Recorrente contesta as penas parcelares em que foi condenado, alegando, em síntese, que:

- praticou a maioria dos crimes num curto espaço de tempo – entre Outubro de 2007 e Março seguinte;

- as importâncias subtraídas foram de pequena monta, custando «aceitar numa sociedade de Estado de Direito Democrático, a condenação de uma pena de prisão (a título meramente exemplificativo), de 2 anos …, por roubo de 1 euro, utilizando unicamente a “agressão moral”…»;

- a violência utilizada foi insignificante, não tendo passado, em seis dos casos, «do medo criado nas vítimas para assim mais facilmente conseguir os seus intentos»;

- os crimes cometidos estão de uma forma directa relacionados com a sua toxicodependência.

Enfim, diz não poder conformar-se «quando é condenado a 2 anos de prisão pelos roubos simples sem violência e de 2 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de roubo simples (… desqualificados pelo valor) de valores ou quantias de 1 euro, 5 euros, 7 euros, 8 euros, 10 euros, 20 euros, 25 euros e 50 euros, quando a violência utilizada não passou – … – de criar temor nos ofendidos».

E, começando por concluir que «todas as penas, em concreto, estão inflacionadas em cerca de 6 meses de prisão» (cfr. conclusão 10), acaba a reclamar (cfr. conclusão 12) que as mesmas se devem fixar «no seu mínimo legal».

Na sua resposta, o Senhor Procurador da República considerou que o Tribunal Colectivo fundamentou a escolha das penas de forma «exaustiva e exemplar», tendo abordado «todos os aspectos que deveriam ter sido – e foram – considerados, nomeadamente, as razões porque se entendeu não aplicar, ao Arguido AA, o Regime Especial, emergente do DL 401/82, de 23 de Setembro, o grau de ilicitude, o modo de execução e os motivos das condutas, os valores do subtraído, a intensidade do dolo, as condições pessoais do Arguido, a conduta anterior e posterior aos factos». E, acrescenta, «em abono da discriminação operada, relativamente às penas aplicadas, de entre a mesma moldura penal, quanto aos crimes de Roubo Simples e aos crimes resultantes da desqualificação em função do valor do subtraído, bem andou o Tribunal», porquanto, «não pode deixar de se ter em consideração, não, já, como circunstância agravante modificativa especial, mas, antes, como mera circunstância agravante geral, os factores que serviram para agravar o roubo. A utilização de navalha(s), “x-acto”, tábua de madeira com 63 cm de comprimento e instrumento metálico pontiagudo, configura uma censurabilidade acrescida que não podia deixar de se traduzir num acréscimo do montante das penas respectivas».

E concluiu que deve confirmar-se o acórdão recorrido.

A Senhora Procuradora-geral Adjunta também aceita, e pelas mesmas razões, a diferenciação de punição entre os dois grupos de roubos não agravados e a não aplicação ao Arguido do regime especial do DL 401/82. E, embora concorde que circunstâncias como a da recuperação de alguns dos bens, o diminuto valor de cada um dos roubos e o comportamento posterior tenham valor atenuativo, já repudia a atribuição desse significado a outras também invocadas pelo Recorrente, como a insignificante violência física, «o arrependimento integral» e a toxicodependência, como determinante da prática dos crimes, por não estarem corroboradas pela matéria de facto julgada provada.

Admite, em conclusão, que «as 9 penas de prisão de 2 anos e 6 meses, devido exactamente aos valores, se poderiam situar próximo dos 20 meses».

2.2.1.2.2. Apreciação

2.2.1.2.2.1. O Arguido nasceu em 22.01.90 e praticou os factos por que foi condenado entre 2 de Outubro de 2007 e 29 de Agosto de 2008. Tinha, portanto, 17 anos quando cometeu os primeiros e 18 quando praticou os últimos.

O artº 9º do CPenal prescreve que «aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial». O Arguido está assim sujeito a essa «legislação especial», corporizada no DL 401/82, de 23 de Setembro. A lei geral, o Código Penal, contudo, aplicar-se-á em tudo que não for contrariado pelo regime especial – artº 2º do citado DL.

O acórdão recorrido afastou a possibilidade de atenuação especial da pena prevista no seu artº 4 – decisão que o Arguido não contestou e que os dois Magistrados do Ministério Público que intervieram na fase do recurso sufragaram.

Também a nós essa decisão nos não merece qualquer reparo, porquanto ficaram provadas circunstâncias que nos convencem de que a atenuação especial da pena não se revela capaz de facilitar a sua reinserção social. Basta ver que vêm já dos 14 anos as suas dificuldades de integração, quando, «sem qualquer controlo parental, passou a centrar o seu quotidiano no grupo de pares com condutas delinquentes»; que, depois da primeira reclusão, voltou a esse convívio e se iniciou no consumo de heroína e cocaína; que, apesar de ter constituído família, não procurou trabalho; que entrou na senda do crime a partir de Fevereiro de 2006 e que as medidas tutelares e a suspensão da execução das penas de prisão em que antes foi condenado não o motivaram para um comportamento honesto, fiel ao direito. Os crimes por que agora responde, tem de se sublinhar em desabono do Arguido, foram praticados cerca de 8 meses depois de ter sido condenado por diversos outros, entre os quais dois de roubo, em 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, com regime de prova

As penas a aplicar ao Arguido terão de se situar, pois, dentro da moldura prevista nos nºs 1 (15 crimes) e 2 (1 crime) do artº 310º.

2.2.1.2.2.2. A pena do crime de roubo agravado também não vem contestada pelo Recorrente – o que significa, atento o disposto no artº 403º, nº 2-c), do CPP, que é questão fora do objecto do recurso.

2.2.1.2.2.3. A moldura penal dos restantes 15 crimes é, em qualquer dos casos, a de 1 a 8 anos de prisão.

A determinação da medida da pena, dentro desses limites, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção – artº 71º, nº 1, do CPenal. O tribunal deve ainda atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – nº 2 do mesmo artigo.

O Tribunal a quo enunciou de forma, pode dizer-se, exaustiva, aquelas circunstâncias, mesmo as descritas a título exemplificativo nas diversas alíneas do segundo daqueles preceitos.

Analisemos então esse percurso, em cotejo com a concreta impugnação do Recorrente e da posição assumida pelos dois Magistrados do Ministério Público.

a) Disse o Tribunal recorrido que, para o efeito, iria atender, além do mais, «ao elevado grau de ilicitude dos factos, traduzido no valor dos bens…», e «ao modo de execução, nomeadamente no que se refere ao tipo de violência e intimidação empregues pelos arguidos para alcançarem os seus objectivos e ao tipo de armas utilizadas pelo arguido AA (uma navalha, uma tábua com 63 cm de comprimento, um “X-acto” e um instrumento metálico pontiagudo)».

O Recorrente reclama, como vimos, a qualificação desse valor como «de pequena monta” e não entende como pôde ter sido condenado, por exemplo, a 2 anos de prisão pelo roubo de €1,00 (factos dos nºs 27 a 29), «utilizando unicamente a “agressão moral”, sem qualquer forma, mesmo ténue, de “expressão física”», tanto neste caso como nos outros seis que vêm qualificados como de “roubo simples” (os negritos são nossos).

A Senhora Procuradora-Geral Adjunta também aceita uma redução destas penas.

Vejamos, em primeiro lugar, a questão do valor.

Os factos julgados provados dizem-nos que o valor dos roubos é, na maioria dos casos, efectivamente um valor diminuto. Em alguns é mesmo muito reduzido (por exemplo, €1,00). Precisamente por isso é que nove dos crimes fugiram à punição prevista no nº 2 do artº 210º. O valor mais elevado é, com efeito, o de €200,00 (factos dos nºs 30 e 31), também ele muitíssimo inferior ao que a própria lei – artº 202º-a), do CPenal – considera valor elevado.

Por isso que não tenhamos por correcto reportar o «elevado grau de ilicitude» ao valor dos bens ou do dinheiro de que o Arguido se apropriou, como fez o Tribunal recorrido.

Mas isso também não significa que, neste particular, a razão esteja inteiramente com o Recorrente, especialmente quando, nos casos que expressamente aponta, atribui ou parece querer atribuir a esses valores assinalável relevância atenuativa.

O valor é, com efeito, um elemento de qualificação de todos os crimes contra o património. Coisas sem qualquer valor venal não são merecedoras, qua tale, de protecção penal através dos crimes contra o património. Nem mesmo aquelas cujo valor não atinge o «limiar mínimo de relevância para o mundo do direito penal» (Faria Costa, “Direito Penal Especial”, cit., 71 e 72).

No entanto, no caso do crime de roubo, em que a par de bens jurídicos patrimoniais se protege a liberdade individual e a integridade física, a lesão destes é a preponderante. Por isso é que, ao contrário do consagrado para os crimes de furto e de abuso de confiança, onde a restituição da coisa ou a reparação integral é susceptível de extinguir a responsabilidade criminal ou suscitar a atenuação especial da pena (cfr. artº 206º do CPenal), tais possibilidades não foram estendidas ao crime de roubo. Com efeito, no seio da Comissão de Revisão que levaria à Reforma de 1995, tendo o Conselheiro Manso Preto opinado que também no âmbito do crime de roubo se deveria consagrar a hipótese de a restituição da coisa levar a uma atenuação da pena (então não se previa a extinção da responsabilidade criminal, aditada ao artº 206 pela Reforma de 2007), o Professor Figueiredo Dias manifestou o seu desacordo, porque, assim, «estar-se-ia a subestimar a lesão do bem jurídico pessoal, que é preponderante relativamente ao elemento patrimonial», e viu a sua posição consagrada pelo legislador [“Comentário Conimbricense…”, Tomo II, 178 e “Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, ed. Ministério da Justiça (1993), 329].

Nesta conformidade, parece devermos concluir que o valor da coisa roubada, embora não possa deixar de ter alguma influência na determinação da medida da pena, é circunstância cuja relevância é praticamente neutralizada pelo grau e espécie da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima, designadamente quando se destaca claramente daquele «limiar mínimo».

Por outro lado e ao contrário do que parece pretender o Recorrente (cfr. conclusão 7), não vem provado que o Arguido tivesse visado a apropriação das concretas quantias e/ou valores que roubou às suas vítimas. O resultado do crime de roubo é sempre uma circunstância aleatória, independente da vontade do agente, e, como tal, de muito reduzida ou praticamente nula relevância ao nível da culpa.

Quanto ao elemento violência, também assiste alguma razão ao Recorrente.

É verdade que o Tribunal distinguiu, e bem, entre os crimes de roubo simples praticados sem «violência significativa», como se exprime o Arguido, e os que foram praticados com o uso de armas. Os primeiros foram punidos, cada um deles, com 2 anos de prisão; os segundos, com a pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

Mas a actuação no primeiro grupo, se, tal como o acórdão recorrido, julgamos preencher, em todos os casos, o conceito de violência, segundo o comum entendimento da doutrina e da jurisprudência (a violência abrange tanto a violência física como a violência psíquica, nela se devendo integrar as chamadas “insignificâncias”, isto é as irrelevantes agressões à integridade física – “Comentário Conimbricense…,” I, 355 e II, 167 e 344), nas situações descritas nos nºs 18 e 20 (o Arguido pediu à vítima o telemóvel para enviar uma mensagem; como esta recusou, tirou-lhe o telemóvel por “puxão”), 30 e 31 (tirou o telemóvel ao ofendido por esticão) e 35 e 37, dos factos provados (tendo o ofendido recusado a ordem de entrega dos bens que possuísse, o Arguido, meteu-lhe a mão nos bolsos das calças e retirou-lhe a carteira), essa violência situa-se indiscutivelmente no limiar do exigível, diminuindo, por isso, em medida não desprezível, o grau da ilicitude.

b) Alega, por outro lado, o Recorrente que os crimes que cometeu estão de forma directa relacionados com a toxicodependência citando, entre parênteses, o artº 44º do DL 15/93 (conclusão 8), com o que parece querer beneficiar do regime aí previsto – possibilidade de suspensão da execução da pena, «de acordo com a lei geral», sob a condição, além do mais de se sujeitar a tratamento …

Todavia, o preceito em causa não lhe é aplicável, desde logo porque o Arguido não foi considerado toxicodependente, nos termos do artº 52º do citado DL.

Certo que o acórdão recorrido, entre as circunstâncias a que disse ter atendido para determinar a medida da pena, arrolou a «situação de toxicodependência dos arguidos, que terá tido influência na determinação da prática dos factos».

No entanto, não só não ficou provado que o Arguido fosse/é toxicodependente – o que ficou provado foi apenas que, a partir de certa altura, se iniciou no consumo de heroína e cocaína que abandonou depois de preso – como também não se provou qualquer ligação ou conexão entre a prática dos crimes e o consumo de drogas.

Concluímos, assim, contra o que vem decidido, que a alegada circunstância não tem aqui qualquer influência, embora não possamos, por via desta correcção, alterar a medida de cada uma das penas, no sentido do seu agravamento, em virtude da proibição do princípio da reformatio in pejus, consagrado no artº 409º do CPP.

c) O Tribunal recorrido valorou ainda a «confissão quase integral dos factos, por parte do arguido AA e [a] postura por ele assumida em julgamento reveladora de arrependimento».

Porém, nenhuma dessas circunstâncias – confissão e arrependimento – está presente no rol dos factos provados. Não encontramos aí, de facto, o menor indício de uma e/ou da outra

É verdade que na alínea “2.2.1 – Meios de Prova”, do capítulo “2.2. – Motivação de facto e de direito”, do acórdão recorrido (fls. 1253), o Tribunal disse que baseou a sua convicção, além do mais, «nas declarações do arguido AA em audiência de julgamento, …, bem como na parte em que admitiu, de forma espontânea, ter praticado os factos que lhe são imputados, com excepção da utilização de uma navalha …».

Todavia, o capítulo da motivação da sentença não é o lugar adequado para arrumar os factos provados, como resulta, sem margem para dúvidas, do nº 2 do artº 374º do CPP. De qualquer modo, “admitir” ter praticado alguns ou quase todos os factos que lhe eram imputados, não é sinónimo de “confissão”. Se as palavras foram usadas com rigor, como tem de se admitir que foram, o que tem de se concluir daquele passo da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto é precisamente que o Arguido não confessou em sentido técnico-jurídico, como resulta da articulação dos arts. 343º e 344º do CPP, mas sim que prestou declarações, admitindo, isto é, aceitando, ter praticado os factos nos termos que ficaram consignados, na oportunidade conferida pelo artº 345º do mesmo Código.

Mas mesmo que deva aceitar-se, como acabamos por aceitar, como facto provado, que o Arguido “admitiu” ter praticado praticamente todos os factos – o que não se traduz em condescendência ou em acto de generosidade por parte deste Tribunal, antes assenta, é bom sublinhar, no entendimento de que se está perante uma deficiente arrumação dos factos provados, a integrar mera irregularidade que o tribunal de recurso pode corrigir, nos termos 380º do CPP –, já o invocado arrependimento tem de ser irremediavelmente recusado, porque nem mesmo ali, na “Motivação”, se descortina o mais pequeno indício de tal «postura».

Tal como em relação à circunstância da toxicodependência, também agora a correcção não poderá conduzir ao agravamento da pena.

d) Também não vemos que a circunstância de alguns dos crimes, quer do grupo dos qualificados como de roubo simples, quer dos ditos «agravados, desqualificados pelo valor», terem sido praticados em co-autoria (num caso, o concretizado pelos factos dos nºs 10 e 11, o Arguido actuou até em conjunto com outros dois indivíduos) tenha influído de algum modo na medida das diversas penas parcelares, todas iguais, dentro de cada um daqueles grupos.

e) Finalmente, entendemos, contra a opinião da Senhora Procuradora-Geral Adjunta, que a recuperação do cartão “Lisboa Viva” e de quase todo o dinheiro roubado a DD, bem como dos €5,00, roubados a LL, não assume valor atenuativo por, como resulta dos nºs 6 e 24 dos factos provados, essa restituição não traduzir em acto voluntário do Arguido ou do seu companheiro.

Quanto ao mais, bem andou o Tribunal ao considerar designadamente o elevado grau da culpa, o uso de armas, os antecedentes criminais e o comportamento posterior, a idade e as elevadas necessidades de prevenção geral e especial.

Pelo que ficou dito e como vem decidido, na determinação das penas correspondentes a cada um dos 15 crimes de roubo simples, tem de se distinguir, desde logo, os dois grupos que temos vindo a referir: os 9 cometidos com uso de armas e os 6 restantes.

Dentro de cada grupo, o Tribunal recorrido não fez qualquer discriminação, aplicando a mesma pena a cada um dos crimes.

Já deixamos antever que não temos por correcta essa decisão.

Com efeito, e quanto aos crimes do segundo daqueles grupos (roubos sem recurso a armas), não nos parece correcto que os crimes praticados em 24.03.08 (factos dos nºs 18 a 20), em 06.05.08 (factos dos nºs 30 e 31) e em 29.08.08 (factos dos nºs 35 a 37), em que, como já atrás dissemos, a violência usada se situou no limiar do legalmente exigível, enfileirem no mesmo grau de gravidade dos outros três, cometidos em 29.10.07 (factos dos nºs 10 e 11) e em 31.03.08 (dois crimes, factos dos nºs 27 a 29) com evidente e atemorizante superioridade física, já que o Arguido actuou em conjunto com outro (no 2º caso) e outros (no 1º caso).

Por outro lado, a pena de 2 anos de prisão temo-la por adequada, dentro deste grupo, para a punição dos crimes praticados em 29.10.07 (factos dos nºs 10 e 11) e a um dos crimes praticados em 31.03.08, de que foi vítima NN. Apesar da diferença de valores (€150,00, no primeiro caso; €25,00, no segundo) – circunstância que, pelo que antes dissemos, tem aqui muito pouca relevância –, a ameaça do uso de navalha no segundo caso contrabalança essa diferença.

Já o crime de que foi vítima OO, praticado na mesma data e com o mesmo tipo de ameaça, deve ser punido com uma pena ligeiramente mais baixa, que fixamos em 20 meses de prisão, considerando que o valor de que os Arguidos se apropriaram – uma moeda de €1,00 – é muito baixo e próximo do aludido «limiar mínimo de relevância para o mundo do direito penal».

Os restantes três crimes deste grupo, praticados em 24.03.08 (factos dos nºs 18 a 20), em 06.05.08 (factos dos nºs 30 e 31) e em 29.08.08 (factos dos nºs 35 e 37), em que, repetimos, a violência usada se situou no limiar do legalmente exigível, entendemos deverem ser punidos, cada um deles, com 18 meses de prisão, porquanto as circunstâncias são idênticas e, em nenhum dos casos, designadamente no terceiro, os valores estão próximos do mínimo penalmente relevante.

Quanto aos crimes de roubo simples, praticados com o uso de armas, nada temos a censurar às penas aplicadas, apesar da diferença de valores entre eles (de €5,00, no roubo de 25.03.08, a €80,00, em ambos os robôs de 30.03.08), porquanto todos esses valores se destacam do mínimo relevante e a violência/ameaça é idêntica.

Apesar de nenhuma das penas parcelares se aproximar sequer dos 5 anos de prisão, não pode, neste momento da fixação das penas parcelares, equacionar-se a possibilidade da sua substituição por pena não privativa de liberdade, designadamente pela pena de suspensão de execução da prisão, porquanto a pena que vai ser executada é a pena conjunta e não cada uma das parcelares. Por isso que só relativamente àquela se deva colocar essa possibilidade, como é jurisprudência corrente e defendido por Figueiredo Dias em “As Consequências…”, 285.

2.2.2. Quanto à pena conjunta

Neste capítulo o Arguido sustenta que o Tribunal a quo a devia ter atenuado especialmente ao abrigo do artº 72º, nº 2-c), «na medida em que conforme consta do acórdão recorrido o recorrente confessou quase integralmente os factos e a “postura por ele assumida em julgamento reveladora de arrependimento”», acrescentando que a pena de 9 anos de prisão em que vem condenado excede a medida da culpa. Reclama, por isso, uma pena não superior a 6 anos e 6 meses de prisão.

O Senhor Procurador da República, quanto à pena única, refutou a pretensão do Recorrente de a ver especialmente atenuada, por tal possibilidade não ser legalmente admissível. «A atenuação especial, disse, quando aplicável, por verificação dos respectivos requisitos, haverá que incidir sobre as molduras penais abstractas que correspondam às penas parcelares e, não, à moldura resultante da aplicação dos critérios decorrentes do artº 77º, nº 2, do C. Penal…»

A Senhora Procuradora-Geral Adjunta, quanto a esta questão, é de opinião que a mesma deve ser fixada entre os 6 anos e 6 meses e os 7 anos de prisão considerando a redução preconizada para a punição dos 15 crimes de roubo simples, a circunstância de «o grau de ilicitude [ter] oscilado entre o mínimo e o médio», o passado criminal do Recorrente, a sua idade e a sua actual situação prisional.

Ensina Figueiredo Dias (“As Consequências…”, 290 e segs.) e constitui jurisprudência pode dizer-se pacífica, que, determinada a moldura penal do concurso, a pena conjunta será fixada em função dos critérios gerais da culpa e das exigências de prevenção, considerando-se, ainda, como critério especial fornecido pelo artº 77º, nº 1, do CPenal, «em conjunto, os factos e a personalidade do agente»: o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique; na avaliação da personalidade releva, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência, ou mesmo a uma “carreira”, criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade, só no primeiro caso se devendo atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. E, acrescenta o Mestre, «de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».

Pois bem.

Apesar das alterações que introduzimos em algumas das penas parcelares, a moldura penal do concurso continua a ser a de 3 anos e 6 meses a 25 anos de prisão.

Como refere o acórdão recorrido é muito elevado o juízo de censura a dirigir ao Arguido, quer por ter agido com dolo directo e intenso, quer pela indiferença perante os solenes avisos contidos nas condenações anteriores, quer ainda porque praticou os crimes por que está agora a ser condenado escassos meses depois de ter sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução.

Neste capitulo da avaliação da culpa, já o dissemos a propósito das penas parcelares, não deve ser considerada nem a confissão, reduzida que tem de ser a simples “admissão” dos factos ou de quase todos, nem o arrependimento que não tem qualquer apoio nos factos provados.

Por outro lado, a gravidade global dos factos é bem elevada, considerando o número e frequência dos crimes, todos da mesma natureza (4 em Outubro de 2007; 8 em Março de 2008; 2 em Maio de 2008 e 1 em Agosto seguinte), a que só a sua detenção pôs fim, o que, conjugado com as anteriores condenações e a circunstância de nunca ter tido qualquer actividade profissional, apesar de ter constituído família, indicia muito claramente se não uma carreira, pelo menos uma acentuada tendência para este tipo de crime, pese embora a sua juventude.

As exigências de prevenção geral são muito elevadas, como acentua o acórdão recorrido.

As de prevenção especial de socialização também se evidenciam prementes, visto que se mostrou completamente indiferente aos apelos para se comportar de acordo com o direito contidos nas condenações anteriores. A mitigarem estas exigências releva apenas a sua idade e, em muito pouca medida, pelas circunstâncias em que se verificou – depois de preso – o facto de ter abandonado o consumo de estupefacientes.

Com este panorama, entendemos fixar a pena conjunta em 8 (oito) anos de prisão, de modo a reflectir a diminuição de algumas das penas parcelares.

3. Em conformidade com o exposto e no provimento parcial do recurso, decidimos:

3.1. qualificar como crimes de roubo simples os 9 (nove) crimes de roubo que o acórdão recorrido considerou como de «roubo agravado, desqualificados pelo valor»:

3.2. confirmar as penas parcelares de 2 (dois) anos de prisão aplicadas pelo Tribunal a quo a cada um dos crimes praticados em 29.10.07 (factos dos nºs 10 e 11) e 31.03.08 (factos dos nºs 27 a 29, em que foi ofendido NN);

3.3. confirmar as penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicadas pelo Tribunal a quo a cada um dos crimes cometidos em 31.07.07, 08.10,07, 04,03.08, 17.03.08, 20.03.08, 25.03.08, 30.03.08 (dois crimes) e 23.05,08;

3.4. reduzir para 20 (vinte) meses de prisão a pena aplicada ao crime praticado também em 31.03.08, em que foi ofendido OO

3.5. reduzir para 18 (dezoito) meses de prisão cada uma das penas aplicadas aos crimes cometidos em 24.03.08, 06.05.08 e 29.08.08;

3.6. reduzir para 8 (oito) anos de prisão a pena conjunta correspondente ao concurso de crimes;

3.7. Confirmar no mais o acórdão recorrido.

Sem custas.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010

Sousa Fonte (Relator)

Santos Cabral