Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A934
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
Nº do Documento: SJ200604270009341
Data do Acordão: 04/27/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1- Tratando se de acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual, o Réu pode limitar, expressa ou tacitamente, o âmbito do recurso aos danos, conformando se com os restantes pressupostos da responsabilidade aquiliana.
2- Cumpre ao Autor alegar e provar o montante dos danos sofridos como consequência do despiste de um veículo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"Empresa-A", com sede em ... intentou acção, com processo ordinário, contra AA, residente em ..., na freguesia de S. Domingos de Rana, do Município de Cascais.

Pediu a condenação do Réu a pagar lhe a quantia de 13627.60 euros, acrescida de juros vencidos á data da propositura da acção, no montante de 492.64 euros e dos que se vencerem até integral pagamento á taxa legal de 12%.

A 1ª instância julgou a acção procedente.

O decidido foi confirmado pela Relação de Lisboa.

Inconformado, o Réu pede revista, assim concluindo as suas alegações:

- Tudo está na correcta aplicação dos artigos 483º nº 1 e 342º nº1 do Código Civil;

- A recorrida teria de provar os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual o que não fez quanto à totalidade dos danos invocados;

- Limitou se a alegar que teve de adquirir outro veículo, não demonstrando mais qualquer dispêndio, para alem do aluguer do veículo durante o mês de Março e alguns dias de Abril de 2002;

- Não fez prova dos danos resultantes da caducidade do contrato de "leasing";

- A recorrida não fez prova dos factos constitutivos do direito alegado.

Pede, em consequência, a revogação do Acórdão "sub-judicio".

Contra alegou a Autora, para concluir:

-A perda total do veiculo ficou a dever se a facto ilícito imputável ao recorrente;

-O veículo foi avaliado em 12500 euros;

-Que a seguradora não pagou por o segurado ter declinado a sua responsabilidade;

-A perda do veiculo originou a imediata caducidade do contrato de locação financeira e determinou que o respectivo risco corresse por conta da recorrida dentro dos valores do seguro;

-Provou que sofreu o prejuízo de 12500 euros, resultante da perda do veiculo acidentado.

Pede a manutenção do Acórdão.

A Relação deu por assente a seguinte matéria de facto:

- A Autora é uma sociedade comercial que, entre outras actividades, se dedica à comercialização de sistemas de protecção electrónica;

- No dia 1 de Outubro de 2001, o Réu foi admitido ao serviço da Autora mediante " contrato de trabalho a termo certo" como técnico de sistemas de protecção electrónica, com funções, entre outras, de instalar e dar assistência aos equipamentos comercializados pela autora;

- O trabalho poderia ser prestado em qualquer local do país, de acordo com as necessidades de serviço;

- A propriedade do veículo automóvel de matrícula PL está registada a favor de "Empresa-B";

-Cerca das 2.30 horas do dia 22 de Dezembro de 2001, o Réu conduzia o veículo PL, no sentido descendente da Av. Eng. António Azevedo, em Cascais;

-Embateu num marco de pedra onde estava aposto um sinal de trânsito;

- O veiculo ficou totalmente destruído e irrecuperável;

- Na declaração anexa à declaração amigável do acidente de automóvel, o Réu declarou se não culpado por não ter tido "qualquer responsabilidade no sinistro";

-O declarado pelo Réu foi confirmado por BB que disse ter sido interveniente no acidente e considerou se culpado;

- Mais tarde veio negar a sua participação no evento dizendo que tinha feito essa declaração para ajudar "um amigo";

- O Réu preencheu a declaração que a Autora se limitou a assinar;

- Convicta de que o seu teor era verdadeiro;

- Aquando do evento, o Réu não estava no exercício de funções;

- Só mais tarde deu pessoalmente conhecimento ao Director Geral da Autora que tinha sido o único interveniente no acidente, o qual resultou de um despiste;

- O acidente só foi participado á seguradora em 26 de Dezembro de 2001;

- A "Empresa-C" declarou não assumir qualquer responsabilidade por o acidente não ter ocorrido como foi participado;

- O veiculo PL foi vistoriado pela seguradora que considerou não ser aconselhável a sua reparação, atendendo à extensão dos danos;

- Considerou o "uma perda total" e atribuiu lhe o valor venal de 12500 euros, à data do acidente;

- O veículo fora adquirido à "Empresa-B" em regime de "leasing" com a duração de 48 meses, em 20 de Abril de 2000;

- Nos termos do acordado, o "leasing" caducaria "automaticamente" no caso de perda ou destruição total do veículo, com os prejuízos dai resultantes a ficarem a cargo do locatário;

- A Autora estava a pagar o veículo há cerca de dois anos;

- Teve de alugar outro automóvel, para a deslocação dos seus funcionários, em Março e durante quatro dias de Abril de 2002, aguardando a conclusão do processo na seguradora;

- Despendendo, com o aluguer, a quantia de 1127.60 euros;

- Posteriormente adquiriu nova viatura para substituir o veículo acidentado;

- O que não teria acontecido se não tivesse ocorrido a sua destruição;

- O veículo PL tinha sido entregue ao Réu para nele se deslocar ao serviço da Autora;

- De acordo com o contrato de trabalho que outorgou, o Réu cumpriria, de 2ª a 6ª feira, o horário das 9 as 18 horas;

- Foi entregue ao Réu o cartão Galp - Frota nº 5204530007-0 para abastecimento daquele veículo, do qual o Réu era responsável e utilizador, aquando das deslocações ao serviço da Autora.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

1- Âmbito do Recurso
2- Danos
3- Conclusões

1- Âmbito do Recurso

A Autora pretende efectivar a responsabilidade civil extracontratual do Réu, nos termos do artigo 483º do Código Civil.
Têm o ónus de alegar e provar os respectivos pressupostos: evento, culpa (como nexo de imputação subjectiva), causalidade adequada e dano.
Na perspectiva do recorrente não foi feita prova do dano, para alem das despesas com o aluguer do veículo.
Nada refere, nas conclusões da sua alegação, quanto ao evento ou quanto à culpa.
Tudo está em saber se se conformou com o julgado nesta parte, restringindo, tacitamente, o objecto do recurso nos termos do nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil ou se, por outra óptica, tratando se de decisão única, o recurso terá e abranger tudo o que na parte dispositiva lhe é desfavorável.
Certo que, tratando se de situação inversa, isto é, se o recorrente restringe o âmbito do recurso à dinâmica do evento ou à matéria da culpa, a decisão poderia tornar se dificilmente cindível no tocante aos danos.
È que o cômputo dos danos, com determinação do "quantum" indemnizatório, pode variar em função do grau de culpa ou de situação de concorrência.
Mas a inversa não ocorre.
Se o recorrente aceita a descrição do evento e a culpa que lhe é imputada e se limita a questionar a extensão e o montante do prejuízo, nada parece obstar a essa restrição.
Dai que, nos termos conjugados dos nºs 3 do artigo 684º e 1º do artigo 690º, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso seja, apenas, o do montante dos danos.

2- Danos

A matéria de facto apurada, e acima elencada, foi descrita no acórdão recorrido e é inalterável "ex vi" do nº2 do artigo 722º da lei adjectiva.
A Autora alegou, e logrou provar, como lhe impunha o nº 1 do artigo 342º do Código Civil, que, em consequência do acidente, o veículo ficou destruído e irrecuperável, sendo que, então, o seu valor venal era de 12500 euros.
Alegou, e provou, que o adquirira em regime de "leasing", sendo que, nos termos desse contrato, o "leasing" caducaria com a perda total do veículo, formalizado em documento escrito, emitido pela seguradora.
Alegou, e provou, que a seguradora emitiu esse documento.
Alegou, e provou, que os riscos de perda do veículo correm por sua conta, na qualidade de locatária.

Alegou, e provou, que a seguradora declinou a respectiva responsabilidade no pagamento dos prejuízos decorrentes da perda do veículo.
Finalmente, alegou, e provou, ter despendido 1127.60 euros no aluguer de um veículo de substituição durante o período em que a seguradora concluía o processo.
Foi, em consequência, demonstrado o dano patrimonial imediato sofrido pela Autora, nos precisos termos decididos pela Relação.
Não há que censurar o Acórdão recorrido.

3- Conclusões

Conclui se que:

A) Tratando se de acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual, o Réu pode limitar, expressa ou tacitamente, o âmbito do recurso aos danos, conformando se com os restantes pressupostos da responsabilidade aquiliana.
B) Cumpre ao Autor alegar e provar o montante dos danos sofridos como consequência do despiste de um veículo.

Nos termos expostos, acordam negar a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 27 de Abril de 2006
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho