Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
721/09.2JABRG-H.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. Relatório

No processo comum colectivo n.º 1094/10…, do Tribunal judicial da Comarca de ... (…), o arguido AA foi condenado na pena única de dois anos e seis meses de prisão, que englobou as penas de dois anos de prisão e de um ano de prisão, pelos crimes de burla qualificada dos arts. 217.º e 218.º, n.º 1 do CP e de falsificação de documento do art. 256.º, n.º 1, al. a) e d) do CP, respectivamente.

A decisão foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 8 de fevereiro de 2016, na sequência de recurso interposto pelo arguido.

Vem agora o arguido, por sua mão, interpor recurso extraordinário de revisão, dizendo fazê-lo ao abrigo do art. 449.º, n.º 1, als. c), d, e) do CPP.

No seu extenso requerimento refere, no essencial, que até à data da sua detenção  desconhecia o desenrolar dos presentes autos, que foi prejudicado de forma séria e grave pelos defensores nomeados no processo, tendo participado criminalmente contra um dos advogados, e conclui pedindo que “após análise do mesmo recurso de revisão seja declarado revogado o trânsito em julgado dos presentes autos e por conseguinte a anulação/revogação dos mandados de detenção emitidos pelo Tribunal de Primeira Instância”.

O magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:

“1 - Vem o condenado AA apresentar requerimento para recurso extraordinário de revisão, que no essencial alega que “nada sabia do desenrolar dos presentes autos, estando o assunto entregue à sua advogada oficiosa nomeada nos presentes autos, Dr.ª BB” e que “não se pode conformar com a informação dada pela sua advogada oficiosa Dr.ª BB” assim como “não se pode conformar com tanta mentira firmada pela sua defensora oficiosa na informação prestada ao Tribunal e com a sua premeditação”, que “nem foi visitar o Arguido no estabelecimento Prisional de ... (…) nem mais quis saber da defesa deste, deixando-o ao abandono, como se alcança dos autos” e que “perante a informação falsa dada por esta defensora nos autos induziu o Tribunal da Relação em erro” e que depois desta foi nomeado um outro defensor “que pediu escusa em que respondeu à revelia do Recorrente tendo respondido sem o seu conhecimento e sem o seu consentimento (…) não consultou os presentes autos (…) apenas fez um “copypate” deste recurso (…) “nem se dignou a visitar o Recorrente porque sabia que nem era recebido (…) resulta de forma clara que este advogado prejudicou o Recorrente de forma séria e grave ao não trazer ao conhecimento de um Tribunal Superior, o que vai ser plasmado ao longo deste recurso de revisão” sendo que “Do comportamento deste advogado e da gravidade do seu comportamento o Recorrente participou criminalmente contra este no DIAP da Comarca de ..., tendo dado origem ao processo n.º 3114/19…”, pedindo que “após análise do mesmo recurso de revisão seja declarado revogado o trânsito em julgado dos presentes autos e por conseguinte a anulação/revogação dos mandados de detenção emitidos pelo Tribunal de Primeira Instância”.

2 - Conforme resulta do preceituado no artigo 449.º do Código de Processo Penal a revisão incide apenas sobre a questão de facto, e assim desde logo se terá de afirmar que necessariamente o recurso apresentado pelo ora recorrente na parte que envolve matéria de direito terá que claudicar.

3 – Invocando como fundamentos para a revisão, o plasmado na alíneas c) d) e e) do número 1 do citado artigo 449.º do Código de Processo Penal, não se vislumbram da argumentação factos que permita afirmar estar-se na presença de “os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”; nem que permita afirmar que se descobriu que serviram “de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º” do Código de Processo Penal;

4 –  No que se refere à alínea c), como tem sido entendido tanto pela doutrina como pela jurisprudência, os factos ou elementos de prova que fundamentam a revisão das decisões penais devem ser novos no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo condenado no momento em que o julgamento teve lugar.

5 – Escalpelizando o alegado pelo recorrente logo se depara que aqueles “novos factos” mais não constituem a análise pelo requerente das vicissitudes processuais atinentes refletidas nos autos na intervenção dos defensores que lhe foram nomeados, pelo que se não pode afirmar que se trate de quaisquer factos novos ou meios de prova como suporte válido de qualquer revisão que pretende ver autorizada.

6 – Sendo que já em anteriores requerimentos e até recurso o recorrente explanou aqueles mesmos factos relativamente aos quais foram sendo proferidas sucessivas decisões;

7 – Por isso, com todo o respeito que nos merece a opinião contrária, surge lícita a conclusão que o que o recorrente faz é usar este mecanismo do recurso de revisão naquilo que de crítica realiza à forma como os defensores nomeados intervieram no processo nos desenvolvimentos processuais documentados nos autos, criando um terceiro grau de recurso em matéria de facto e quando por tais comportamentos apresentou denúncia criminal;

8 – Afigura-se-nos assim, não se verificar os invocados fundamentos para a peticionada revisão.”

O Sr. Juiz prestou a informação a que alude o art. 454.º do CPP do modo seguinte:

“Analisados os fundamentos do recurso de revisão apresentado e as respetivas conclusões entendemos que o mesmo deve manifestamente improceder, tal como refere o Ministério Público em resposta doutamente fundamentada.

Em face do exposto, é nosso entender que é manifesto que deve improceder o pedido de revisão.”

A Sra. Procuradora-Geral Adjunta no Supremo Tribunal de Justiça suscitou a questão prévia da ausência de representação do arguido por advogado e, encontrando-se o recurso de revisão apresentado e subscrito apenas pelo arguido e não por defensor, considera que o mesmo deve ser rejeitado.

Teve lugar a conferência.


2. Fundamentação

Questão prévia: Da ausência de representação do arguido por defensor

O recurso de revisão consubstancia na lei ordinária a garantia constitucional assegurada pelo art. 29.º, n.º 6, da CRP. Preceitua a norma constitucional que “os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença”. Também da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no Protocolo 7, artigo 4.º, resulta que a sentença definitiva não impede “a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento”. E o nosso Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Fundamentos e admissibilidade da revisão”, disciplina no art. 449.º os casos taxativos em que este recurso extraordinário (respeitante a decisões transitadas em julgado) é admissível.

Sucede que o art. 64.º do CPP, sob a epígrafe “Obrigatoriedade de assistência”, disciplina no n.º 1, al. c) que é obrigatória a assistência do defensor nos recursos ordinários e extraordinários. Assim, o arguido não pode recorrer por sua mão, desacompanhado de defensor. E o requerimento de interposição de recurso tem de ser obrigatoriamente subscrito por advogado, de acordo com norma legal expressa.

O arguido pretende interpor recurso extraordinário, mas fá-lo por sua mão, sem se encontrar devidamente representado. E independentemente da legitimidade que lhe possa assistir, o requerimento subscrito pelo próprio arguido não cumpre as exigências de representação impostas pela lei, como referido.

Assim tem sido decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no recente acórdão desta 3.ª Secção, de 26.05.2021 (Rel. Nuno Gonçalves), em cujo sumário pode ler-se:

“É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que o arguido não pode subscrever ele mesmo, o requerimento de interposição de recurso extraordinário de revisão. No processo penal português, a defesa do arguido, incluindo a fase de recurso, é, necessariamente e obrigatoriamente, assegurada por advogado – art. 64º n.º 1 do CPP. O arguido não pode autorrepresentar-se. Requerimento e alegação de recurso extraordinário de revisão elaborado e assinado unicamente pelo arguido não cumpre com uma das “condições necessárias” ou pressuposto processual legalmente exigido para poder admitir-se - artigos 64º n.º 1 al.ª e), 420 n.º 1 al.ª b) e 414º n.º 2 e do CPP.”

Neste acórdão, procede-se a indicação de outros acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça no mesmo sentido; relembra-se que “o assistente também não pode autorrepresentar-se – art. 70º n.º 1 do CPP” e que o Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ n.º 15/2016, uniformizou jurisprudência no sentido de “nos termos do artigo 70.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o ofendido que seja advogado e pretenda constituir-se assistente, em processo penal, tem de estar representado nos autos por outro advogado”; reitera-se que “o exercício do direito ao recurso em processo penal pelo arguido, pelo assistente ou por qualquer interveniente ou pessoa que aí seja condenada a qualquer título, só pode efetivar-se através de advogado constituído ou nomeado defensor”; e dá-se nota de que o “Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, confrontado com a proibição legal da autorrepresentação e a obrigatoriedade de constituição ou nomeação de defensor decidiu, no acórdão de 4 de abril de 2018, que não viola o artigo 6 §§ 1 e 3 c) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.”

De tudo resulta que o recorrente não se apresenta com as condições necessárias para recorrer, e o seu recurso não subscrito por advogado não reunia as condições necessárias para ser admitido. Deve, por tudo, ser rejeitado, nos termos dos arts. 420.º n.º 1 al. b) e n.º 2 , e 414.º n.º 2 do CPP.


3. Decisão

Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso do arguido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (arts. 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III do RCP), acrescendo a importância de 3 UC’s (art. 420.º, n.º 3, do CPP).


Lisboa, 23.06.2021


Ana Barata Brito (relatora)

Tem voto de conformidade da Conselheira Adjunta Maria da Conceição Simão Gomes

Pires da Graça, Presidente da Secção