Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
487/19.8PALSB.L2.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LATAS
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Sumário :

I- A indemnização por danos não patrimoniais tem natureza acentuadamente mista: “ … por um lado visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”.


II- Embora consideremos que os valores da indemnização por danos não patrimoniais determinados noutras decisões judiciais - máxime em via de recurso – podem relevar no montante da indemnização a fixar equitativamente pelo tribunal no caso concreto, tais valores constituem meras referências na ponderação dos critérios legais antes referidos, a que se reporta o art. 494º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do agente e do lesado, bem como de outras circunstâncias do caso que se justifiquem, tais como o lapso de tempo durante o qual os danos se verificam, a repetição das mesmas e a gravidade das consequências concretamente sofridas pelos lesados.

Decisão Texto Integral:

Recurso Penal


NUIPC 487/19.8PALSB.L2.S1


Acordam os Juízes, em conferência, nas secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça


Relatório


1.No Juízo Central Criminal de ... (J.) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o arguido, AA, fora condenado por acórdão de 02/11/2022, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 6 (seis) crimes de violência doméstica, nas pessoas da cônjuge BB, e dos filhos CC, DD, EE, FF e GG, na pena única de 7 anos e 10 meses de prisão e nas penas acessórias de proibição de contactos com as vitimas por 5 anos com fiscalização por meios de controlo à distância e obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica sob controlo da DGRSP.

Relativamente ao pedido cível deduzido pela Assistente/Demandante, BB, por si, e na qualidade de representante legal dos seus filhos, Demandantes nos autos, o tribunal coletivo condenara o arguido a pagar-lhes as seguintes importâncias a título de indemnização por danos não patrimoniais as seguintes quantias, já devidamente atualizadas, nos termos do art. 566º, nº2, do Código Civil):

- € 10.000 (dez mil euros), quanto à demandante BB;

- € 20.000 (vinte mil euros), quanto ao demandante CC;

- € 16.000 (dezasseis mil euros), quanto ao demandante DD;


-€ 12.000 (doze mil euros), quanto à demandante EE;


-€16.000 (dezasseis mil euros), quanto ao demandante FF; e


- € 14.000 (catorze mil euros), quanto ao demandante GG. (…)”.


2. Inconformado, o arguido interpôs recurso daquela decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que concedeu parcial provimento ao recurso, alterando a decisão do tribunal coletivo de 1ª instância nos seguintes termos:


«a) Reduz[iu] as penas parcelares aplicadas ao recorrente para as seguintes medidas:


- A pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica que teve por vítima a assistente BB;


- A pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica que teve por vítima o menor CC;


- A pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica que teve por vítima o menor DD;


- A pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica que teve por vítima a menor EE;


- A pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica que teve por vítima o menor FF;


- A pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica que teve por vítima o menor GG.


b) Fix[ou] a pena única para 5 (cinco) anos de prisão.


c) Suspende[u] a pena única de 5 (cinco) anos de prisão na sua execução, mediante a


imposição ao recorrente do dever de pagar aos demandantes, os valores que foram fixados


a título de indemnização, no prazo de dois anos, ao abrigo do disposto no art. 51.º, nº 1, al.


a) do CP.


d) Condicion[ou] a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido,


ainda, à regra de conduta de o recorrente não proceder a qualquer contacto, da sua


iniciativa, com os filhos, ficando excluído desta regra o filho CC que com o recorrente vive, tudo ao abrigo do disposto no art. 52.º do CP.


e) Mant[eve] a aplicação ao recorrente da pena acessória de proibição de contactos com as vítimas, embora apenas no sentido de o recorrente não proceder a qualquer contacto da sua iniciativa com a assistente e com os filhos menores de idade, ficando excluído desta regra o filho CC que com o recorrente vive, e sem sujeição a vigilância eletrónica.


f) Reduz[iu] a indemnização civil para os seguintes valores:


- € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), quanto à demandante BB;


- € 3.000 (três mil euros), quanto a cada um dos demandantes, CC, DD, EE, FF e GG, pelo que se fixa a indemnização global devida pelo recorrente aos demandantes, num total de € 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos euros), (ipsis verbis) valor que inclui a indemnização por dano patrimonial devida à assistente.»

3. Inconformada com a decisão do TRL a Assistente/Demandante, BB, por si e na qualidade de representante legal dos seus filhos, todos demandantes nos autos, interpôs o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

« A. O presente recurso vem interposto do Acórdão dos autos, na parte em que decidiu alterar a


sentença de primeira instância, reduzindo o valor atribuído aos Assistentes/Demandantes a título de indemnização civil pelos danos não patrimoniais em que o Recorrido foi condenado (cfr. F) do dipositivo decisório).


B. A decisão é recorrível, nos termos conjugados dos arts. 400, nº 2 e nº 3 do CPP e 403º, nº 1 e


nº 2, al. b) do CPP.


C. Em sede de primeira instância, o tribunal havia condenado o arguido ao pagamento de uma


indemnização aos Demandantes no montante global de € 89.000,00, o que o Tribunal a quo decidiu


agora reduzir para um total de € 18.500,00.


D. À Recorrente atribuiu € 2.500,00; e a cada um dos filhos € 3.000,00.


E. Fê-lo de forma injusta e de acordo com um critério que não é equitativo, não relevando


devidamente, e de forma distinta, os factos provados a título de danos sofridos por cada um dos


Demandantes, e equiparando liminar e tabelarmente o sofrimento por que todos passaram.


F. Recorrente e Recorrido viveram 16 anos de uma violenta vida conjugal, que foi a vida toda dos


menores, que não conheceram outra realidade.


G. À data da separação, os Demandantes filhos tinham respectivamente 15, 14, 12, 10 e 8 anos.


H. Conforme ficou provado, a Assistente e os seus filhos foram vítimas de actos de violência física


e psicológica diários por parte do arguido, e durante todas as suas curtas vidas.


I. Uma pessoa que se aproveitou da debilidade e fragilidade dos mesmos e quando especiais


deveres de respeito lhe impunham o contrário.


J. Os menores são pessoas instáveis, e crianças com perturbações decorrentes dos maus tratos a


que foram sujeitos, todos seriamente traumatizados e precisando de muito apoio psicológico (a que o


arguido sempre recusou aliás dar consentimento)


K. Os actos do arguido são de uma gravidade tal que justificavam a medida indemnizatória com a densidade que havia sido anteriormente produzida.


L. Actos do arguido que tiveram início quando o filho mais velho tinha apenas 8 meses de idade !


M. O Tribunal recorrido alterou o valor indemnizatório, apesar de como referiu se manter “como assente a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida”.


N. E apesar de, igualmente, ter mantido como provados os factos relativos ao pedido de


indemnização civil, e apesar de considerar que o arguido deve «ser responsabilizado pela totalidade dos


danos sofridos pelos lesados».


O. Porque, no entender do tribunal a quo, os valores fixados na sentença de primeira instância,


eram “superiores à média do que tem sido atribuído em situações de gravidade idêntica ou até de maior


gravidade.”


P. A gravidade dos actos perpetrados pelo Arguido é enorme por se tratar de marido e progenitor


dos lesados, aproveitando-se do ascendente moral e da força física que possui(a), e da consequente


vulnerabilidade das vítimas, para as agressões que perpetrou.


Q. Fixar uma indemnização num valor inferior ao da primeira instância e no montante de 2.500


euros / 3 mil euros, é degradar o respeito que as vítimas merecem, e constitui uma verdadeira negação


da Justiça.


R. O Tribunal a quo refere, para efeitos de graduação da pena única de prisão, que «os factos, apesar de graves, não se revestem de grande violência» (cfr. pág. 94 do Acórdão).


S. Mas leiam-se os factos provados. Não são de “grande violência” ?


T. Não é grande violência bater num filho de 8 meses ? Ou fazê-lo embater no parapeito de uma


janela ? ou fazê-lo tombar numa banheira ? ou levantar do chão os menores puxando-os pelos cabelos


e orelhas ? ou bater num filho de 4 anos porque riscou uma parede ? ou porque não compreendeu a


matéria escolar ? Ou bater num filho porque um livro está no chão ? Ou chamar nomes diariamente a


uma filha e bater-lhe ? Ou bater com chinelos ? Ou com a lombada de um livro.


U. E não é “grande violência” injuriar diariamente a mulher ou humilhá-la despejando um caixote


de lixo depois de esta ter limpo o chão, ordenando-lhe que voltasse depois a limpá-lo ? Ou recusar-lhe


apoio e assistência quando a mesma sofreu um aborto, dizendo-lhe que a mesma era uma “má cristã”, por chorar a morte do filho que perdera ? E bater-lhe ?


V. Considerando a elevada ilicitude da conduta do arguido, a elevada culpabilidade do arguido, a


idade dos Demandantes, a relação familiar dos Demandantes com o arguido, o total desprezo pelos


laços de filiação que o unem aos Assistentes filhos, e as consequências na vida, presente e futura, dos


Ofendidos, nos termos dados como provados, deveria o Tribunal (pelo menos) ter mantido a condenação do arguido nos valores anteriormente fixados em primeira instância.


W. Até porque o Tribunal recorrido não teve dúvidas de que «o arguido, mesmo após ter cumprido alguns meses de prisão preventiva, não assume a gravidade dos atos que praticou contra a sua esposa e filhos, o que é revelador quanto à sua personalidade controladora, onde falta, ainda, a devida consideração pela dignidade das vítimas.» (cfr. pág. 97 do Acórdão recorrido).


X. A gravidade do que fez também deveria ter uma consequência prática (e substantiva) no valor indemnizatório fixado para compensar as vítimas pelos anos de grande violência a que o arguido as submeteu.


Y. Ao contrário do que foi decidido pelo tribunal a quo, a condenação a título indemnizatório deve


ser forte, severa e não complacente com os comportamentos perpetrados pelo arguido, só assim


podendo minorar os danos que os Demandantes sofreram. Porque apagar não pode.


Z. O critério do tribunal recorrido não foi a equidade. Mas uma “média”, extraída de três Acórdãos


dos nossos tribunais.


AA. Nem sequer é equitativo o tratamento indemnizatório que dá a cada um dos Demandantes,


atribuindo a todos o mesmo valor, e descurando completamente a dimensão dos danos que cada um


teve. E que foram diferentes entre si.


BB. Através da decisão in casu o tribunal recorrido violou a lei, em especial o disposto nos arts. 562º e 564º do Código Civil, e bem assim o disposto nos arts. 496º e 494º C. Civil


CC. Não atendeu devidamente ao grau de culpa do arguido, bem como às circunstâncias do caso e à gravidade dos danos, não atribuindo uma compensação pecuniária proporcionada, e lançando mão de um critério que é tudo menos justo.


DD. Estamos a falar da primeira infância e adolescência dos Demandantes, uma altura crucial para a formação de qualquer individuo.


EE. Não atribuiu uma efectiva possibilidade compensatória, e não cuidou de agir conforme com as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida. E que a reparação, conforme é dito, tem uma natureza mista, dado que, por um lado, visa reparar e, por outro lado, visa punir a conduta.


FF. Cabe aos tribunais superiores inverter a tendência miserabilista e pouco condigna das indemnizações por danos não patrimoniais, pelo que não se deve manter, nesta parte, a sentença decretada.


GG. Deverá o Tribunal ad quem regressar aos valores fixados pela sentença de primeira instância, a única que serve os interesses da justiça, protege as vítimas e realiza de forma adequada as finalidades indemnizatórias.


Nestes termos e melhores de direito que sempre serão doutamente supridos por V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências, designadamente com a condenação do arguido no pagamento dos valores de indemnização civil em que fora condenado na sentença de primeira instância, com todos os fundamentos acima melhor alegados.


Só assim se fazendo JUSTIÇA ! »

4. Cumprido o disposto no artigo 416º CPP, o senhor Procurador-geral Adjunto no STJ limitou-se a apor o seu visto.

5. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do CPP, que apreciou e decidiu o recurso nos seguintes termos.

II


Fundamentação


6. Objeto do recurso


O presente recurso limita-se ao valor da indemnização civil por danos não patrimoniais que o TRL, ora recorrido - revogando a decisão do tribunal coletivo de 1ª instância -, arbitrou em substituição à Assistente/Demandante, BB, por si e em representação dos seus cinco filhos menores: CC, DD, EE, FF e GG. Com o que pretende que se arbitre a todos os demandantes valores superiores ao decidido pelo tribunal recorrido, os quais, em vez das importâncias de € 2.500,00 para a Assistente e de € 3.000,00 para cada um dos cinco filhos, no total 17 500 euros, devem ser fixados nos montantes antes atribuídos pela sentença de primeira instância, ou seja:


- € 10.000 (dez mil euros), quanto à demandante BB;

- € 20.000 (vinte mil euros), quanto ao demandante CC;

-€ 16.000 (dezasseis mil euros), quanto ao demandante DD;


-€ 12.000 (doze mil euros), quanto à demandante EE;


-€16.000 (dezasseis mil euros), quanto ao demandante FF;


-14.000 (catorze mil euros), quanto ao demandante GG. (…)”. No valor total de 88.000 euros.


Vejamos


7. Com interesse para a decisão do recurso, é a seguinte a factualidade provada, tal como foi julgada em 1ª instância e mantida no acórdão do TRL ora recorrido:


- « (…) 1. O arguido e a assistente BB casaram um com o outro no dia... de Junho de 2003;


2. O arguido e BB são progenitorescomuns de CC, nascido em ... de ... de 2004, DD, nascido em ... de ... de 2005, EE, nascida a ... de ... de 2007, FF, nascido a ... de ... de 2009, GG, nascido em ... de ... de 2011, e HH, nascido em ... de ... de 2014;


3. O arguido, BB e filhos comuns coabitaram até 30 de Julho de 2019, data em que aquela abandonou o domicílio comum, até então sito na Rua..., ..., levando consigo osfilhos;


4. A partir de tal data, cessou a coabitação entre o arguido e BB, e por inerência entre o arguido e os filhos menores comuns, não maistendo sido retomada;


DOS FACTOS PRATICADOS PELO ARGUIDO CONTRA O FILHO CC


5. Em data não apurada, quando o filho CC contava cerca de oito meses de idade, o arguido, aquele filho e BB encontravam-se no domicílio comum;


6. Então, na sequência do menor CC terdesferido um pontapé num aparelho de aerossol que estava em uso para tratá-lo, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na cara, assim lhe causando dores;


7. Quando chamado à atenção por BB quanto a tal conduta, o arguido retorquiu que o filho CC sabia o que tinha feito, que ospaisdeviam corrigirosfilhos, e que tais castigos não faziam mal nenhum;


8. Em data não apurada, quando o filho CC contava cerca de oito anos de idade, no domicílio comum, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na cara, fazendo-o embaterno parapeito de uma janela próxima, assim lhe causando dores e lesões visíveis numa das orelhas;


9. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2010 e o término da coabitação, o arguido e o filho CC encontravam-se na residência de II e DD, avôsmatemosdeste, sita no concelho de ...;


10. Nessas circunstâncias, irado porestar convicto de que o referido menorderramara chá sobre algunsartigos escolares, o arguido desferiu-lhe um pontapé nosglúteose uma pancada com a mão fechada nascostas, assim lhe causando dores;


11. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2016 e o término da coabitação, o arguido e o filho CC encontravam-se no domicílio comum;


12. Em tais circunstâncias, ali também se encontrava JJ, que à altura privava com o agregado familiardo arguido;


13. Então, aparentando irritação por o filho CC patentear dificuldades em compreender a matéria escolarque estava a estudar, o arguido desferiu-lhe váriaspancadas com as mãosabertas na cara, assim lhe causando dores;


14. O arguido agarrou então o filho CC e conduziu-o até à cozinha da habitação, local onde voltou a desferir-lhe váriase audíveispancadas, com asmãosabertas, pelo corpo, assim lhe causando dores;


15. Em data não apurada, compreendida no mêsde Dezembro de 2018, na via pública, junto às instalações da Paróquia de S.. ..... .. ......, nas ..., em ..., o arguido encostou o filho CC a uma parede e desferiu-lhe uma pancada nas costas, com a mão aberta, assim lhe causando dores;


16. Em data não apurada, compreendida na época do Natal de 2018, nas instalações da Paróquia de S.. ....... ......, nas L......, em ..., no decurso do ensaio do respetivo cora1, o arguido desferiu um empurrão no filho CC, fazendo-o embater contra uma parede, assim lhe causando dores;


17. Ato contínuo, o arguido desferiu um pontapé no referido menor, atingindo-o na zona dos glúteos, assim lhe causando dores;


18. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2017 e a cessação da coabitação, o arguido, o filho CC e demaisagregado familiarencontravam-se no domicílio comum,sentados à mesa do jantar, tomando a dita refeição;


19. Nessas circunstâncias, também se encontrava KK, que à altura privava com o agregado familiardo arguido;


20. Então, o arguido disse ao filho “CC, TIRA-ME ESSA CARA”, e ato contínuo desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na face, assim lhe causando dores;


21. No dia 15 de Abril de 2019, o arguido e o filho CC encontravam-se no domicílio comum;


22. Nessas circunstâncias, ali se encontravam alguns amigos do menor, em celebração do aniversário deste, e bem assim KK, que à altura privava com o agregado familiardo arguido;


23. Então, o arguido desferiu duaspancadasnascostasdo menor, indiferente a que taisatos fossem presenciados pelasdemais pessoas presentes, assim vexando o filho e causando-lhe dores;


24. Em data não concretamente apurada, compreendida no ano de 2019, pouco tempo antes cessação da coabitação, o arguido e o filho CC encontravam-se no domicílio comum;


25. Em tais circunstâncias, ali também se encontrava JJ, que à data a privava com o agregado familiardo arguido;


26. Então, na sequência da vítima ter agredido alguns dos seus irmãos, o arguido agarrou no filho CC e conduziu-o até a um quarto, local onde lhe desferiu vários pontapés, mesmo quando o menor se encontrava prostrado no solo, assim lhe causando dores;


27. A assistente BB compareceu então no aludido quarto, com vista a cessar taisagressões;


28. Então, gritando, o arguido declarou a BB “DESAPARECE”, tendo esta saído do local, por recear o que o arguido lhe pudesse fazer, caso não acatasse tal ordem assim vociferada;


29. Em data não concretamente apurada, compreendida no ano de 2019, pouco tempo antes da cessação da coabitação, o arguido e o filho CC encontravam-se na sala do domicílio comum;


30. Então, o arguido desferiu váriosempurrõesna vítima, impelindo-o até à casa de banho.


31. Nessa divisão, o arguido continuou a desferir-lhe empurrões, até fazê-lo tombar na banheira, assim lhe causando dores;


32. Ao longo de todo o período da coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, com frequência pelo menossemanal, no domicílio comum, o arguido desferiu pancadas com as mãos abertas no filho CC, atingindo-o onde calhasse, mormente na cara, pernas e glúteos, assim lhe causando dores, pranto e marcas visíveisnaszonasatingidas;


33. Por força de tais pancadas, por vezes o menor tombava no chão, sendo que nessas ocasiões o arguido tinha por hábito levantá-lo, puxando-o pelos cabelos, e bem assim pelas orelhas, exercendo força muscular, assim lhe causando dores;


34. Quando assim procedia, o arguido não se coibia de apelidaro filho de “PREGUIÇOSO, PALERMA”,e de lhe declarar“CC, TU ÉS UMA NÓDOA”;


DOS FACTOS PRATICADOS PELO ARGUIDO CONTRAO FILHO DD


35. Em data não apurada, quando o filho DD contavacerca de quatro anos de idade, no domicílio comum, na sequência daquele terriscado uma parede com um carrinho de brincar, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta nos glúteos, assim lhe causando dores;


36. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2016 e o término da coabitação, o arguido e o referido menorencontravam-se no domicílio comum;


37. Em tais circunstâncias, ali também se encontrava JJ, que à altura privava com o agregado familiardo arguido;


38. O arguido questionou então o filho por que estava um livro no chão, ao que o menor nada respondeu, por terficado transido de medo com tal pergunta;


39. Acto contínuo, o arguido desferiu-lhe váriaspancadascom asmãosabertas, atingindo-o por todo o corpo, mormente na cara e cabeça, assim lhe causando dores e pranto persistente, de que o arguido ficou ciente, e que não o demoveu de continuara baterno menor de tal forma;


40. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2018 e o término da coabitação, o arguido e o referido menor encontravam-se no domicílio comum;


41. Em tais circunstâncias, ali também se encontrava JJ, que à altura privava com o agregado familiar do arguido;


42. Nessa ocasião, o menor DD estava doente, patenteando estar acometido de febre;


43. Pese embora tivesse ficado bem ciente de que o filho estava doente, e patenteava estado febril, o arguido não se coibiu de lhe ordenar que mudasse os lençóis das camasde seus irmãos, o que o menorfez;


44. Em data não apurada, quando o menorcursava o sétimo ano de escolaridade, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na face, causando-lhe dores, e bem assim, na zona atingida, uma marca vermelha visível nostrêsdiassubsequentes, causada pelo impacto da aliança de casamento que o arguido usava na mão;


45. Em data não apurada, compreendida no ano de 2019, próxima da cessação da coabitação, o arguido agarrou o filho DD por uma orelha, exercendo força, assim lhe causando dores;


46. Ao longo de todo o período da coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, com frequência pelo menossemanal, no domicílio comum, o arguido desferiu pancadas com as mãos abertas no filho DD, atingindo-o onde calhasse, mormente na cara, pernas e glúteos, assim lhe causando dores, pranto e marcas visíveisnaszonasatingidas;


47. Nesse contexto, por vezes o arguido atingia o filho com lombadas de livros, assim lhe causando dores;


48. Por força de tais pancadas, por vezes o menor tombava no chão, sendo que nessas ocasiões o arguido tinha por hábito levantá-lo, puxando-o pelas orelhas, exercendo força muscular, assim lhe causando dores;


49. Quando assim procedia, o arguido não se coibia de apelidar o menor de “BURRO, ESTÚPIDO”;


DOS FACTOS PRATICADOS PELO ARGUIDO CONTRAA FILHA EE


50. Desde, pelo menos, o ano de 2011, que, no domicílio comum, o arguido passou a dirigir maustratos à filha EE;


51. Assim, ao longo de todo o período compreendido entre data não apurada de 2011, quando a menor tinha quatro anosde idade, e o término da coabitação, em múltiplasocasiões, de número não apurado, com frequência pelo menos semanal, no domicílio comum, o arguido desferiu-lhe pancadascom asmãos abertas, atingindo-a onde calhasse, mormente na cara, costas e glúteos, assim lhe causando dores, pranto e marcas visíveisnaszonasatingidas;


52. Por força de tais pancadas, por vezes a menor tombava no chão, sendo que nessas ocasiões o arguido tinha por hábito levantá-la, puxando-a pelas orelhas, exercendo força muscular, assim lhe causando dores;


53. Quando assim procedia, o arguido não se coibia de apelidar a menor de “BURRA, ESTÚPIDA, PALERMA, PARVA”;


DOS FACTOS PRATICADOS PELO ARGUIDO CONTRA O FILHO FF


54. Em data não apurada, compreendida em Maio de 2018, o arguido e filho FF encontravam-se junto à Igreja de S.. ..... .. ......, em ..., após a missa dominical;


55. Então, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na face, provocando a respetiva queda no solo;


56. Como consequência de tal conduta do arguido, o menorJosé sofreu dores, e bem assim uma marca de impacto na face, impressa pelosdedos do arguido;


57. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2016 e o término da coabitação, o arguido e o referido menorencontravam-se no domicílio comum;


58. Em tais circunstâncias, ali também se encontrava JJ, que à altura privava com o agregado familiardo arguido;


59. Em tais circunstâncias, o arguido, o referido menor e demais agregado familiar, estavam sentadosà mesa de jantar, tomando tal refeição;


60. Então, no contexto de conversa com JJ sobre matérias escolares, o filho FF, denotando entusiamo, levantou-se da mesa;


61. Acto contínuo, o arguido desferiu-lhe duas pancadas com as mãos abertas na cara, causando-lhe dores e pranto;


62. Em tal ocasião, vociferando, o arguido questionou o filho “QUEM TE MANDOU LEVANTAR? QUEMÉ QUE TE MANDOU LEVANTAR?”;


63. Em data não apurada, compreendida no período da coabitação, por o menor estar a chorar após ter saído da piscina em que estava a nadar, e por não ter explicado ao arguido o motivo para tanto, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na cara, assim lhe causando dores;


64. Ao longo de todo o período da coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, com frequência pelo menossemanal, no domicílio comum, o arguido desferiu pancadas com as mãos abertas e fechadas no filho FF, atingindo-o onde calhasse, mormente na cara, pescoço, costas e glúteos, assim lhe causando dores, pranto, e marcas visíveisnaszonasatingidas; 65. Nesse contexto, o arguido não se coibia de puxar o filho pelasorelhas, exercendo força muscular, assim lhe causando dores;


66. Quando assim procedia, o arguido não se coibia de apelidaro menosde “ESTÚPIDO, PALERMA, PARVO”;


DOS FACTOS PRATICADOS PELO ARGUIDO CONTRAO FILHO GG


67. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2018 e o término da coabitação, o arguido, o referido menore demaisagregado familiarencontravam-se no domicílio comum;


68. também se encontrava KK, que à altura privava com o agregado familiardo arguido;

69. Nessas circunstâncias, o menor GG estava a brincarà mesa de jantar;

70. Então, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na face, assim lhe causando dores;


71. Ao longo de todo o período de coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, com frequência pelo menossemanal, no domicílio comum, o arguido desferiu pancadas com as mãos abertas e fechadas no filho GG, atingindo-o onde calhasse, mormente na cara, pescoço, costas e glúteos, assim lhe causando dores, pranto e marcas visíveisnaszonasatingidas, mormente nas pernas;


72. Nesse contexto, o arguido não se coibia de atingir o menos com chinelos, assim lhe causando dores;


73. Nesse contexto, o arguido não se coibia de puxar o filho pelasorelhas, exercendo força muscular, assim lhe causando dores;


DOS FACTOS PRATICADOS PELO ARGUIDO CONTRA BB


74. Ao longo de todo o período de coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, no domicílio comum, o arguido apelidou a mulherde “IRRESPONSÁVEL, ESTÚPIDA”, por entender que a mesma não desempenhava de forma adequadas as lides domésticas, cuja execução o arguido lhe impunha na totalidade;


75. Ao longo de todo o período de coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, no domicílio comum, o arguido desferiu empurrõesa BB, para evitar que a mesma se interpusesse entre o arguido e os filhos menores comuns, nas ocasiões em que o arguido dirigia a estes, agressões físicas;


76. Em data não apurada, compreendida no período da coabitação, após BB terlimpo o chão da cozinha do domicílio comum, o arguido despejou o conteúdo de um caixote de lixo, sob pretexto de procurar um artigo que estaria perdido;


77. De seguida, o arguido ordenou à mulherque limpasse de novo o chão da cozinha, o que esta fez, para não incorrerna ira do arguido;


78. Em data não apurada, compreendida em Janeiro de 2018, BB sofreu um aborto espontâneo, no terceiro mês de gestação, o que apurou apósa realização de ecografia;


79. No dia seguinte, de manhã, pelas07H, BB acordou tomada de dores, apurando então que havia expelido o feto que trazia ainda no ventre, e que porforça de tal facto estava acometida de profusa hemorragia na zona vaginal;


80. Então, pediu ajuda ao arguido, explicando-lhe o que acontecera, e bem assim que estava com muitasdores e com perda de sangue;


81. Ainda nesse dia, por o arguido recusar prestar ajuda à mulher, esta solicitou à sua amiga KK que recolhesse algunsdos filhosmenorescomunsnas respetivasescolas, ao que KK anuiu;


82. Nessa altura, pese embora bem soubesse que a mulherficara perturbada com o aludido aborto, o arguido disse-lhe que a mesma era uma cristã, por chorar a morte do filho que perdera;


83. Em data não apurada, por essa altura, no domicílio comum, BB começou a baternas suas própriaspernas, no contexto de revolta com o aludido aborto;


84. Então, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na face, assim lhe causando dores;


85. No dia 28 de julho de 2019, no domicílio comum, na presença dos filhos comuns, o arguido apelidou a mulherde “IRRESPONSÁVEL”;


86. Ao agirda forma descrita, teve o arguido o propósito logrado e reiterado de humilhar e maltratar a sua mulher, BB, no domicílio comum, na presença dos filhos menores comuns, apesar de saber que lhe devia particular respeito e consideração, na qualidade de sua mulhere de mãe dos seus filhos;


87. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito logrado de dirigirmaus-tratosao menor CC, seu filho, no domicílio comum, bem sabendo que, por força da tenra idade deste, e da desproporção etária entre ambos, o filho não tinha qualquercapacidade séria de ofereceroposição à sua actuação, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua ação criminosa;


88. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito logrado de dirigir maus-tratos ao menor DD, seu filho, no domicílio comum, bem sabendo que, porforça da tenra idade deste, e da desproporção etária entre ambos, o filho não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à sua actuação, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua ação criminosa;


89. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito logrado de dirigir maus-tratos à menor EE, sua filha, no domicílio comum, bem sabendo que, por força da tenra idade desta, e da desproporção etária entre ambos, a filha não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à sua actuação, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua ação criminosa;


90. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito logrado de dirigirmaus-tratosao menor FF, seu filho, no domicílio comum, bem sabendo que, por força da tenra idade deste, e da desproporção etária entre ambos, o filho não tinha qualquercapacidade séria de ofereceroposição à sua actuação, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua ação criminosa;


91. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito logrado de dirigir maus-tratos ao menor GG, seu filho, no domicílio comum, bem sabendo que, porforça da tenra idade deste, e da desproporção etária entre ambos, o filho não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à sua actuação, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua ação criminosa;


92. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutasproibidase punidasporlei;

Do pedido de indemnização civil:

93. Ao longo do período de coabitação, o demandado humilhava constantemente a demandante BB, menosprezando o seu papel de mãe, doméstica e mulher;


94. O demandado controlava o que a demandante BB fazia e dava ordens para ela corrigir, aos gritos, o que a mesma fazia, nunca existindo da sua parte ajuda, respeito ou agradecimento por todo o trabalho que a mesma tinha;


95. Perante as críticas do demandado, a demandante BB refugiava-se na casa de banho a chorar, e quando aquele se apercebia de que a mesma estava, começava a gritar e a baterna porta;


96. Durante os anosde coabitação de ambos, o demandado levou a demandante BB a sentir-se mal consigo própria e a acreditar que não servia para nada e que tudo era culpa sua, incluindo o aborto que sofreu, passando a mesma a viverreceosa e em grande estado de alteração nervosa;


97. A demandante BB, perante a situação depressiva que lhe foi causada pelo demandado, teve que recorrer a acompanhamento psicológico e psiquiátrico, que ainda mantém;


98. A demandante BB, por força das actuações do demandado, viveu e vive muito abalada, sentiu-se e sente-se humilhada, sentiu e sente medo, ansiedade e insegurança extrema;


99. A demandante BB, porforça dasactuaçõesdo demandado, tem perturbações do sono, dificuldade em adormecere sofre pesadelos recorrentes que a impedem de descansar;


100. A demandante BB, porforça dasactuaçõesdo demandado, tem medo de não ser uma boa mãe e padece de reduzida autoestima;


101. A conduta do demandado obrigou a demandante BB a recorrer a serviços de especialistas para acompanhamento psicológico e a suportar os seguintes custos: teve de despender, em sessões de tratamento e terapia psicológica na Clínica “P..........”, o valorde 490, tendo ainda suportado o pagamento total de 510 no pagamento de consultas de acompanhamento psicológico prestado aos filhos GG e EE, na “Clínica …”, na sequência da conduta do demandado sobre estes;


102. Os demandantes CC, DD, EE, FF GG encontram-se instáveis, sendo crianças com perturbações decorrentes dos comportamentos violentos praticados pelo demandado, supra descritos;


103. Todos os referidos demandantes encontram-se traumatizados face às condutas do demandado e, porforça destas, osdemandantes CC, FF e GG sofrem de enurese noturna;


104. À medida que cresce, o demandado CC tem-se tornado uma criança cada vez mais agressiva, aparentando estar a assumir o papel do demandado e atuando como ele;


105. O demandante CC apresenta, face aoscomportamentosdo demandado, de que foi alvo, um vazio emocional, tem fraca autoestima e não dispõe de ferramentas emocionais e psicológicas que lhe permitam conseguir relações interpessoais saudáveis, exibindo impulsos agressivos;


106. O demandante DD, por força das actuações do demandado, apresenta-se como uma criança violenta, nervosa e insegura;


107. A demandante EE tem pavor do demandado, apresenta dificuldadesem adormecere é uma jovem insegura, com crises de ansiedade e escassa autoestima;


108. O demandante FF, por força das actuações do demandado, tem-se tornado uma criança cada vezmaisagressiva e com ataquesde fúria, agredindo osirmãoscom objetos;


109. O demandante FF, porforça dasactuações do demandado, tem dificuldade em controlar as suas emoções e frustrações, está sempre com medo, tem crises de choro e é emocionalmente instável;


110. O demandante GG, porforça dasactuaçõesdo demandado, tem pavordeste, está deprimido, apresenta dificuldades em adormecer, em relacionar-se com os outros e tem ataquesde ansiedade e pânico;

Maisse apurou que:

111. O arguido, natural de ..., pertence a uma fratria de dois irmãos, sendo o mais velho, tendo o seu desenvolvimento decorrido no agregado dosprogenitorese da irmã;


112. Em termos académicos, o arguido concluiu uma licenciatura em Economia e posteriormente frequentou uma pós-graduação, que concluiu doisanos;


113. O seu percurso laboral é maioritariamente estável, tendo desempenhado funções como consultor e diretor financeiro numa empresa multinacional sita em ..., na ..., e também em Portugal, pese embora tenha passado por alguns períodos de desemprego, situação que se mantém atualmente;


114. Até Agosto de 2020 0 arguido trabalhou como diretorfinanceiro do Hospital d. ..... ........, perdendo essa colocação laboral porfoça da pandemia de covid-19, tendo-se mantido na situação de desempregado até Setembro de 2022, auferindo 1.100 mensais de subsídio de desemprego e beneficiando de apoio económico porparte dos progenitores;


115. Em Setembro de 2022 conseguiu colocação laboral como “gestor de rede de agentes” numa empresa prestadora de serviços de pagamento, onde aufere de vencimento mensal, aproximadamente, 1.360 líquidos;


116. Apresenta como encargos mensais duas prestações bancárias relativas a empréstimos que contraiu para a aquisição da habitação onde reside (nos valores de 820,48 e 67,67, acrescidas dos valoresa título de seguros de vida e multirriscos), uma prestação bancária relativa a um outro crédito (pelo valormensal de 342,58), outra prestação referente ao uso de um cartão de crédito (pelo valor mensal de 200) e, ainda, uma prestação mensal referente a um crédito pessoal (pelo valor mensal €124,84); paralelamente, paga por mês 100 a título de despesas do condomínio onde reside, contribuindo ainda com 20 mensais referentes aos gastos dos telemóveisdosfilhoscom quem não coabita;


117. O arguido reside com o filho maisvelho, CC, desde Maio de 2022, e encontra-se a frequentaro ensino superior a fim de obtercertificação no ramo da contabilidade;


118. Nos tempos livres, desenvolve atividade de cariz cívico e religioso, tendo sido dirigente de um partido político;


119. O arguido não evidencia juízo crítico ou de autocensura face aos factos a que se reportam ospresentes autos, nem se encontra arrependido da sua prática;


120. O arguido adota, na relação com os outros, uma postura de desejabilidade social e de manipulação;


121. É detentorde uma personalidade agressiva, impulsiva e controladora e não reconhece a condição de vítimasresultantesdosseus comportamentos;

122. Não lhe são conhecidosantecedentescriminais.

(…). »


8. No caso sub judice não se discute a verificação de danos não patrimoniais ou a sua ressarcibilidade, mas somente o valor da indemnização arbitrada a favor de cada um dos demandantes, que foi fixado pelo acórdão recorrido nos seguintes termos:


- € 2.500,00 a favor da demandante BB, em vez da quantia de € 10.000 que lhe fora arbitrada em 1ª instância;


- € 3.000 a favor dos restantes demandantes, filhos do antigo (ex-casal) em vez das seguintes importâncias que, diferenciadamente, lhes haviam sido arbitradas pelo acórdão de 1ª instância, ou seja:

- € 20.000 ao demandante CC, nascido a ........2004;

- €16.000 ao demandante DD, nascido a ........2005;

-€12.000 (doze mil euros), à demandante EE, nascida a ........2007;

-€16.000 ao demandante FF, nascido a ........2009; e

-€14.000 ao demandante GG, nascido a ........2009.

8.1. Ora, dispõe o art. 129º do C. Penal que “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”, pelo que o regime legal substantivo da indemnização dos danos não patrimoniais com fundamento em responsabilidade civil subjetiva ou culposa encontra-se essencialmente nos artigos 483.º, 496º nº3 e 494º, do C. Civil, dos quais resulta ser o montante da indemnização por danos não patrimoniais fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta o grau de responsabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, com que terá o legislador optado por conceber a indemnização por danos não patrimoniais com uma natureza acentuadamente mista. Como refere o Prof. A. Varela, (Das Obrigações Em Geral I, 5ª ed. Almedina Coimbra-1986 p. 568), aquela indemnização “ …por um lado visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”.


Na determinação do quantum indemnizatório há, assim, a ponderar sobretudo, com base na factualidade provada pertinente, a culpa do arguido e a sua situação económica, por um lado, e a concreta gravidade dos danos sofridos pelos demandantes - cônjuge e filhos do arguido -por outro, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem, cabendo ainda ponderar os padrões quantitativos seguidos em outras decisões dos nossos tribunais para hipóteses similares, uma vez que, como referido, os montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais são fixados com base num juízo equitativo, sendo, assim, relevantes os valores fixados pelos nossos tribunais - máxime em via de recurso – na concretização dos critérios legais antes referidos.


8.2. Da fundamentação do acórdão de 1ª instância e do TRL concluímos que as instâncias convergem, no essencial, quanto à base normativa da decisão, divergindo essencialmente quanto à relevância atribuída pelo TRL ao efeito de anteriores decisões das relações na decisão do caso presente, concluindo das mesmas que os valores fixados no acórdão recorrido [de 1ª instância], afiguram-se superiores à média do que tem sido atribuído em situações de gravidade idêntica ou até de maior gravidade. Cita a esse propósito uma decisão do TRC de 11.05.2016 (que considerou adequada uma indemnização por danos morais no valor de € 2.500,00, por factos com gravidade equivalente ou até maior aos que estão em causa nos autos), uma decisão do TRP de 28.10.2021 ( em que foi fixada uma indemnização por danos morais de € 3.500,00, por danos sofridos em consequência do mesmo tipo de crime), e uma decisão do TRL de 19-10-2021 ( em que foi arbitrada uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00, numa situação que se considera mais grave do que a que está provada nos autos).


A este respeito diz o recorrente, no essencial, que o TRL, ora recorrido, se limitou a considerar que os valores fixados na sentença de primeira instância, eram “superiores à média do que tem sido atribuído em situações de gravidade idêntica ou até de maior gravidade”, sem ter devidamente em conta a elevada ilicitude da conduta do arguido, a elevada culpabilidade do arguido, a idade dos Demandantes, o total desprezo pelos laços de filiação que o unem aos Assistentes filhos, e as consequências na vida, presente e futura, dos ofendidos, para além de não ter relevado devidamente, e de forma distinta, os factos provados a título de danos sofridos por cada um dos Demandantes, equiparando liminar e tabelarmente o sofrimento por que todos passaram.


8.3. Ora, embora consideremos que os valores da indemnização por danos não patrimoniais determinados noutras decisões judiciais - máxime em via de recurso – podem relevar no montante da indemnização a fixar equitativamente pelo tribunal no caso concreto, tais valores constituem meras referências na ponderação dos critérios legais antes referidos, a que se reporta o art. 494º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do agente e do lesado, bem como de outras circunstâncias do caso que se justifiquem, tais como o lapso de tempo durante o qual os danos se verificam, a repetição das mesmas e a gravidade das consequências concretamente sofridas pelos lesados.


Assim, tendo em conta, essencialmente, a factualidade descrita sob os 5 a 34, 104 e 105 relativamente ao demandante CC, 35 a 49 e 106 relativamente ao demandante DD 50 a 53 e 107 quanto à filha Maria, 54 a 66 e 108 e 109,a propósito do demandante FF, 67 a 73 e 110 quanto ao demandante GG e 74 a 84 e 93 a 101 quanto à assistente e ex-cônjuge do arguido, BB, afigura-se-nos que têm os recorrentes razão ao alegar que o tribunal ora recorrido não teve suficientemente em conta a gravidade daqueles factos, tanto do ponto de vista do sofrimento físico e psicológico provocado a cada um dos demandantes, como do ponto de vista da culpa acentuada e exclusiva do arguido na sua prática e, consequentemente, na produção dos danos de natureza não patrimonial que lhes estão associados. Danos que, por outro lado, o tribunal a quo não diferenciou ao atribuir à ex cônjuge a quantia de 2500 euros e, indistintamente, a todos os demandantes a importância de 3 000 euros, uniformidade que tão pouco explicou.


Deste modo, tendo ainda particularmente em conta a situação pessoal do arguido tal como a mesma resulta dos factos provados e a natureza mista da indemnização por danos não patrimoniais, que visa reparar o dano sofrido mas também reprovar ou castigar o agente responsável, como vimos antes em 8.1., entendemos que os valores atribuídos pelo TRL, ora recorrido, não atendeu suficientemente à gravidade daqueles factos em si mesmos considerados, ao lapso de tempo durante o qual as ofensas aos demandados se mantiveram, as concretas consequências que delas advieram para a saúde física e mental de cada um dos ofendidos, conforme se descreve nos factos relativos a cada um deles ora destacados, entende-se alterar o decidido no acórdão ora requerido.


Assim, considerando todos estes fatores à luz dos critérios igualmente referidos e tendo especialmente em conta o papel da equidade na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, por um lado e, por outro, a relevância indicativa dos valores das indemnizações arbitradas pelos acórdãos do TRL, do TRC e do TRP identificadas no acórdão do TRL recorrido, bem como a pouco favorável situação económica do arguido, mostra-se adequado aumentar o valor das indemnizações por danos não patrimoniais a suportar pelo arguido, embora não da forma pretendida pelos recorrentes mas antes nos montantes a seguir indicados para cada um dos demandantes:

- € 7500 (cinco mil euros) a pagar à Assistente e demandante BB;

- € 10.000 (dez mil euros) ao demandante CC;

-€ 8000 (oito mil e quinhentos euros) ao demandante DD;

- € 6000 (seis mil euros) à demandante EE;

- € 8000 (oito mil euros) ao demandante FF;

- €7000 (sete mil euros) ao demandante GG.

III


Dispositivo


Nesta conformidade, julga-se o presente recurso - restrito ao valor da indemnização por danos não patrimoniais -, parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se parcialmente o acórdão do TRL ora recorrido, decidindo-se, em substituição, condenar o arguido, AA, a pagar a cada um dos demandantes as quantias supra discriminadas em 8.3..


Custas pelo arguido demandado e pelos demandantes na proporção de vencidos – artigo 523º CPP.


STJ, 23 de novembro de 2023


Os Juízes Conselheiros,


António Latas (Relator)


José Eduardo Sapateiro (Adjunto)


Agostinho Torres (Adjunto)