Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
626/16.0T8GMR.G1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
ABANDONO DA OBRA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
MORA
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / EMPREITADA.
Doutrina:
- Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra, 2000, p. 103 e ss.;
- J. A. Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, p. 56;
- Menezes Cordeiro, 3.º Volume, p. 186;
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 460-461;
- Nuno M. Pinto Oliveira, Princípios do Direito dos Contratos, p. 420 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4, 639.º E 672.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1207.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 06-03-2014, PROCESSO N.º 2747/10.4TBBRR.L1-2, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O abandono da obra por parte do empreiteiro, se for revelador duma vontade inequívoca de não cumprir, pode constituir incumprimento definitivo do contrato de empreitada, não havendo nesse caso necessidade de interpelação admonitória por parte do credor.

II – Se ao invés o abandono da obra não for suficientemente revelador daquela intenção, impõe-se ao credor interpelar o devedor a cumprir em prazo razoável, por forma a transformar a simples mora em incumprimento definitivo.

III – Tendo as partes convencionado no contrato que havendo mora superior a 30 dias sobre o termo fixado para a conclusão da obra, o dono desta tinha o direito de resolver o contrato, verificado este facto, a resolução operada pelo dono da obra é válida e eficaz.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


*


Relatório[1]

« AA - Hotelaria e Turismo, Lda” intentou a presente acção declarativa comum contra “BB - Construtores, S.A.” (anteriormente designada por CC & Filhos, Lda”) e “DD, Lda”, pedindo a condenação da ré BB a pagar-lhe a quantia de € 158.811,54 a título de indemnização.

Para tanto e em suma alegou que no exercício das respectivas actividades profissionais, por escrito particular datado de 22 de Janeiro de 2007, a ré BB declarou obrigar-se a construir e a entregar à autora, até ao dia 22 de Setembro de 2007, dez apartamentos turísticos, recepção e balneários, no lugar de …, …, da freguesia de …, pelo preço global e fixo de € 400 000,00 (quatrocentos mil euros) acrescido do IVA, a pagar em prestações mensais calculadas em função das medições do trabalho realizado.

No dia 9 de Março de 2007, a pedido da BB, que pretendia obter financiamento, a autora aceitou nove letras de câmbio de diferente valor, no montante global de € 484.000,00, correspondente ao preço global da empreitada e do IVA, que aquela lhe apresentou.

Nessa altura ficou acordado que as letras seriam obrigatória e sucessivamente reformadas, nas datas dos respectivos vencimentos, com amortizações correspondentes ao valor da obra executada até essas datas.

Porém, por cartas datadas e entregues no dia 30 de Março de 2007, a BB comunicou à autora que por acordo datado de 29.03.2007 declarara ceder à “DD, Ld.ª”, uma parte do crédito que detinha sobre a autora, no valor de €142 000,00, titulado por dois aceites no montante de € 100.000,00 e € 42.000,00, todos com vencimento em 05.07.2007, e que por acordo datado de 29.03.2007 declarara ceder à “EE, Lda” uma parte do crédito que detinha sobre a autora, no montante total de €150 000,00, titulado por três aceites no montante de € 50 000,00 cada um, todos com vencimento em 05.07.2007;

Por sentença do dia 6 de Junho de 2007 foi decretada a insolvência da BB e nomeado o Sr. A.I., que aí exerceu funções até ao encerramento do processo de insolvência, no dia 19-06-2008.

O Sr. A.I. declarou à autora que pretendia continuar a execução do contrato, pelo que a BB manteve-se na obra até 7 de Setembro de 2007.

Nesse dia, porém, a massa insolvente retirou da obra todos os seus trabalhadores e todas as máquinas e ferramentas. Mais ordenou a paragem dos trabalhos de carpintaria que estavam a ser realizados pelo subempreiteiro que havia contratado, tudo sem dar qualquer explicação à autora.

Não obstante o Sr. A.I. ter de seguida declarado que iria retomar os trabalhos, tendo a autora, por seu turno, assumido perante os subempreiteiros a responsabilidade do pagamento dos trabalhos de carpintaria realizados e a realizar, bem como dos trabalhos de serralharia a realizar (na hipótese de a massa insolvente da ré BB não efectuar o seu pagamento), os trabalhos não foram retomados.

Entretanto a autora procedeu ao pagamento e amortização das letras do seu aceite, agora vencidas, resultantes de anteriores reformas, nomeadamente: a) emitiu a favor da DD (P…) o cheque n.º 2…3, do montante de € 20.000,00, que sacou sobre a Caixa FF, e aceitou uma nova letra do montante de € 30.000,00, sacada pela DD, com vencimento no dia 05.12.2007, para amortização e reforma de uma letra de € 50.000,00, que se venceu no dia 05 de Outubro de 2007; emitiu a favor da ré BB o cheque n.º 3…2, do montante de € 15.000,00, que sacou sobre a Caixa FF, e aceitou uma nova letra do montante de € 25.000,00, sacada pela massa insolvente da ré BB, com vencimento no dia 05.12.2007, para amortização e reforma de uma letra de € 40.000,00 que se venceu no dia 5 de Setembro de 2007, tendo esta nova letra sido avalizada pelo sócio e gerente da autora, GG; emitiu a favor da EE os cheques nº 4…1, 5…0 e 6…9, do montante de € 10.000,00 cada um, que sacou sobre a Caixa FF, e aceitou três novas letras sacadas pela EE do montante de € 15.000,00 cada uma, com vencimento no dia 05.12.2007, para amortização e reforma de três letras de € 25.000,00 cada uma, que se venceram no dia 05.10.2007.

No fim da primeira semana do mês de Novembro de 2007, os trabalhos da empreitada continuavam no mesmo estado em que se encontravam no dia 7 de Setembro de 2007, sendo que os trabalhos por realizar ascendiam a € 186.375,51.

As letras aceites pela autora que se venciam em 5 de Dezembro de 2007 e haviam sido emitidas para reforma de outras letras já descontadas pelas respectivas sacadoras, totalizavam apenas o montante de € 100.000,00.

Concluindo que a BB não iria prosseguir nos trabalhos por falta de capacidade económica, a autora, procurando evitar o agravamento dos prejuízos resultantes do abandono da obra e paragem dos trabalhos da empreitada, por parte da ré, decidiu declarar e declarou a resolução do respectivo contrato, por facto imputável à empreiteira, decisão que lhe comunicou por carta registada com aviso de recepção do dia 9 de Novembro de 2007.

Por cartas registadas com aviso de recepção do dia 14 de Novembro de 2007, a autora enviou à ré DD e à EE cópia da carta que enviara à BB, comunicando-lhes que deveriam retirar do circuito bancário as letras de câmbio aceites pelo AA.

Na sequência dessa missiva a EE resgatou e/ou retirou de circulação as três letras de € 15.000,00, mas a massa insolvente da ré BB não promoveu a reforma, nem resgatou nem retirou de circulação a letra de € 25.000,00, tal como nem esta nem a ré DD promoveram a reforma, ou resgataram ou retiraram de circulação a letra de € 30.000,00.

Por carta registada e datada do dia 5 de Dezembro de 2008, o HH intimou a autora a pagar o valor da letra de € 25.000,00 acrescido de juros e despesas, vindo a autora a liquidar a quantia de € 26.011,17 em doze prestações mensais.

Por seu turno, a ré DD apresentou a letra no valor de € 30.000,00 à execução.

Após improcedência da oposição à execução deduzida pela autora, veio esta a ter que pagar a quantia de € 40.000,00, consideradas as despesas.

Porque a disponibilidade deste valor só se logrou com a utilização de uma garantia bancária previamente constituída junto da FF, a autora teve depois que pagar a esta entidade bancária a quantia de € 44.063,27 para reembolso daquele valor pago à exequente e das respectivas despesas de emissão, comissões e impostos de selo.

Foi ainda paga a quantia de € 803,54 à Sra. S.E., bem como € 1.558,05 de despesas judiciais.

Assim, com as letras e todas as despesas que teve que a autora gastou o montante global de € 642.811,54.

Contudo, só teria gasto o montante de € 484.000,00 se a ré BB houvesse cumprido o contrato de empreitada que celebrara, tendo assim sofrido um prejuízo de € 158.811,54.

A ré DD deverá também responder pelo ressarcimento de prejuízos até ao montante de € 46.424,86, correspondente ao valor da letra de € 30.000,00 que não retirou de circulação, respectivos juros de mora e encargos e despesas judiciais.


*

Devidamente citadas, as rés contestaram.

A ré BB pugnou pela improcedência da acção, alegando desconhecer a factualidade alegada, dada a alteração dos seus órgãos sociais, mas invocando a preclusão relativamente à reclamação de quaisquer créditos pela ora autora na insolvência, já que essa era a sede própria para o fazer.

A “DD, Lda.” pugnou também pela improcedência da acção, alegando nunca ter recebido da co-ré BB qualquer valor, apenas tendo aceitado subscrever o documento de cessão de créditos porque um cliente comum à DD e à BB, lho pediu.

Contudo, não descontou qualquer letra, devolvendo os títulos à BB, não tendo beneficiado de qualquer valor, como a autora bem sabe, razão pela qual requer a condenação desta como litigante de má-fé.


*

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido o despacho a que alude o art. 596º do CPC.

*

**


Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição das rés “BB, S.A.” e “DD, Ld.ª”, do pedido, sem lugar a qualquer condenação a título de litigância de má-fé».


*

**


Irresignada com esta decisão, dela apelou a autora., tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, julgado « parcialmente procedente o recurso, revogando, em consequência, a decisão recorrida, e condenando a 1.ª Ré/Recorrida a pagar à A./Recorrente a quantia de €72.436,03 (setenta e dois mil, quatrocentos e trinta e seis euros e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como no montante que se vier a liquidar em execução de sentença quanto aos demais danos, acrescido de juros, à taxa legal, desde a data em que tornar líquida a quantia que for devida, no mais se mantendo o decidido».

*

**


Inconformada com o decidido, veio a R., interpor recurso de revista excepcional, que por decisão da formação foi convolado em revista (normal). Nas suas alegações a R. formulou as seguintes


Conclusões:

« A. A recorrente interpõe o presente recurso de revista excepcional porquanto a pronúncia do acórdão a quo é frontalmente divergente de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 26-02-2009, disponível em www.dgsi.pt sob n.° de proc. 2578/08-2 e cuja certidão com menção de trânsito se protesta juntar, acórdão este proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de facto e de direito, não tendo sido fixada, pelo Supremo Tribunal de Justiça, jurisprudência com ele conforme:

B. Como se constata do acórdão fundamento, a Relação de Guimarães, nesse aresto, não sufraga a tese do acórdão recorrido de que basta o mero incumprimento do prazo contratualmente fixado entre as partes para o credor ter o direito de resolver o contrato sem previamente dirigir ao devedor qualquer interpelação admonitória;

C. Mas, antes e em linha com a jurisprudência dominante, considerou-se nesse acórdão-fundamento a resolução do contrato ilícita por o credor não ter demonstrado que, na situação em concreto, se verificou uma das circunstâncias previstas nos art.° 801.° e 808.° do Código Civil;

D. É, igualmente, uma questão fundamental para dirimir o presente litígio o facto de o direito indemnizatório a que a A./Recorrida se arroga simplesmente não existir caso vingue o entendimento do acordão-fundamento, razões pelas quais deve o presente recurso ser admitido;

E. A douta sentença proferida em sede de primeira instância julgou totalmente improcedente o pedido da A./Recorrida, absolvendo a ora Recorrente do pedido, por a primeira ter resolvido o contrato de empreitada de forma ilícita, isto é, sem que houvesse cumprido com nenhum dos requisitos dos art.° 801.° e 808.° do C. Civil;

F. Interposto recurso pela A./Recorrida relativamente à matéria de facto e de Direito, veio o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães declarar parcialmente procedente o mesmo, condenando a R./Recorrente pelos prejuízos alegadamente decorrentes da resolução de contrato operada.

G. Em sede de julgamento em Ia Instância resultou provado e dado como assente também pelo Tribunal recorrido, no que para o presente caso interessa, o constante nos pontos 8, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada;

H. Ou seja e para o que ora interessa, que nunca a R./Recorrente comunicou à A. a sua intenção de não realizar a obra, sendo que a l.ª instância fundou tal convicção no facto de A. e R./Recorrente terem, até ao momento da resolução do contrato, encetado diversas reuniões com o propósito de reiniciar a execução da obra;

I. O que sucedia e se verificou até ao momento em que a A./Recorrida resolveu o contrato de empreitada, foi que a R./Recorrente simplesmente não estava em obra a executar os trabalhos;

J. Ora e como sustenta o acórdão fundamento, o incumprimento definitivo só ocorre quando:

i) a prestação não é mais possível, seja por impossibilidade de cumprimento por causa imputável ao devedor (art.° 801.° do CC);

ii) haja perda de interesse do credor em consequência da mora (art.° 808.° do CC);

iii) se verifique a não realização da prestação em prazo razoável fixado pelo credor (art.° 808 do CC);

iv)  haja declaração  expressa do  devedor no  sentido  que não cumprirá a obrigação, ou abandono da obra em circunstâncias tais, de tempo e modo, que traduza uma vontade firme e definitiva, por parte do empreiteiro, de não cumprir o contrato;

K. Resulta precisamente demonstrado da matéria de facto provada que a execução da obra não ficou hipotecada pela mora da R./Recorrente, tanto mais que a A./Recorrida alega ter concluído a obra e que a mesma se encontra em funcionamento;

L. Resulta igualmente demonstrado que da mora da R./Recorrente não adveio para a A./Recorrida qualquer perda de interesse na conclusão da obra, tanto mais que diz ter procedido à sua conclusão;

M. Resulta precisamente demonstrado da matéria de facto dada como provada que nunca a A./Recorrida fixou à R./Recorrente qualquer prazo para que esta fizesse cessar a sua mora;

N. Quanto à recusa no cumprimento, tal só constituirá fundamento para a resolução do contrato, sem necessidade de interpelação admonitória para o cumprimento, quando se esteja perante declaração expressa do devedor no sentido que não cumprirá a obrigação;

O. Ou abandono da obra em circunstâncias tais, de tempo e modo, que traduza uma vontade firme e definitiva, por parte do empreiteiro, de não cumprir o contrato;

P. Do referido nos pontos 8, 9 e 10 da matéria dada como provada, bem como a fundamentação da sentença da l.ª instância, resulta evidente que não só a R./Recorrente jamais informou a A./recorrida que não iria executar a obra, como, ao longo do tempo e mesmo não estando a executar a obra, a R./Recorrente manteve reuniões com a A./Recorrida e os subempreiteiros da obra no sentido de concluir a execução da mesma;

Q. O que efetivamente se verificou foi a mora da R./Recorrente na execução dos trabalhos e não "abandono da obra em circunstâncias tais, de tempo e modo, que traduza uma vontade firme e definitiva, por parte do empreiteiro, de não cumprir o contrato";

R. A própria carta pela qual a A./Recorrida comunicou à R./Recorrente a resolução do contrato, junta como Doc. 32 da PI, a primeira reconhece as promessas e diligências da R. no sentido de retomar a execução da obra e que é a alegada falta de capacidade desta última para terminar a obra, e não o incumprimento do prazo, que sustentam a resolução do contrato;

S. Daqui resulta, antes, uma situação de mora que não de incumprimento definitivo, já que, para que haja incumprimento definitivo, torna-se necessário saber se há ou não inadimplemento, isto é, saber se há desconformidade entre a execução e o conteúdo do contrato;

T. No caso dos autos, vem demonstrado que a obra estava em fase adiantada de execução ainda que o prazo previsto contratualmente já tivesse sido ultrapassado;

U. Mas a mora não dá direito à resolução, a menos que seja convertida em incumprimento definitivo com a interpelação admonitória a que se refere o art. 808°, n.° 1, do C. Civil, nos dois casos aí previstos: i) se o credor perder o interesse que tinha na prestação ou ii) se a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.

V. E essa interpelação admonitória tem que conter três elementos:

a)    a intimação para o cumprimento;

b)    a fixação de um termo peremptório para o cumprimento;

c)     admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo. Trata-se, pois, de uma declaração intimidativa;

W. Dos autos não deriva que lhe tenha sido feita a admonição ou cominação que a lei exige nos termos supra referidos, nem dessa comunicação da A. se revela a impossibilidade de cumprimento do contrato, ou a recusa de o cumprir.

X. É de particular relevância, atento o ponto 32 aditada pela Relação de Guimarães à matéria de facto dada como provada, que em nenhum momento dessa comunicação a A./Recorrente invoca o n.° 4 da Cláusula XII do contrato de empreitada como fundamento para a resolução do contrato;

Y. Aliás, nos pontos 6 e 7 da comunicação junto como Doc. 32 à pi resulta evidente que o fundamento da resolução aí comunicada não é o atraso na execução da empreitada, mas o entendimento da A./Recorrida de que a R./Recorrente não teria a capacidade financeira bastante para concluir a empreitada;

Z. Assim a A. deveria ter comunicado à R/Recorrente que, se não cumprisse no prazo concedido, deixaria de ter interesse no contrato, transformando a mora em incumprimento definitivo, podendo, então, resolver o contrato;

AA. Não tendo percorrido tal caminho, tem de concluir-se, como se fez na sentença da 1.a instância, que a resolução do contrato não tem fundamento legal, pelo que carece de fundamento o pedido indemnizatório baseado na resolução do contrato;

BB. Atente-se, a este respeito, o Acórdão do STJ de 02-11-2006, proferido no proc.0 n.° 06B3822, o Acórdão da Relação de Lisboa de 01-07-2008, proferido no proc.º n.° 7413/2007-7, o Acórdão da Relação de Coimbra de 23-01-2001, proferido no proc.0 n.° 3131-2000, e ainda o Acórdão da Relação do Porto de 27-10-1993, proferido no proc.º n.° 9420274, todos disponíveis em www.dgsi.pt;

CC. Destarte, andou mal o Tribunal recorrido ao julgar como licita a resolução, pela A./Recorrida, do contrato celebrado com a R./Recorrente nos precisos termos em que ocorreu, tendo, ao decidir como decidiu, violando igualmente o disposto nos art.° 798.°, 801.°, 805.° e 806.° do Código Civil;

DD. Resulta por demais demonstrado que é ilícito à Autora/Recorrida exigir da R./Recorrente o pagamento dos montantes peticionados em sede de pi;

EE. Nestes termos, o Venerando Tribunal recorrido, decidindo pela procedência parcial do recurso de apelação interposto pela ora Autora/Recorrida, fez uma errada aplicação do Direito aos factos dados como provados e, assim, violou não só o disposto nos art.° 798.°, 801.°, 805.° e 806.° do Código Civil, como igualmente o disposto no art.° 607° do C.P.C..

Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder, revogando-se parcialmente a decisão Recorrida, e ser a Recorrente absolvida do pedido, pois só assim se fará


*

Respondeu a A., pedindo a improcedência da revista.

*

**


Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do  novo Cód. Proc. Civil ).

Das conclusões acabadas de transcrever decorre que a questão objecto do recurso se limita a saber se estamos perante uma situação de mora no cumprimento da empreitada, como decidiu a primeira instância ou de abandono da obra e incumprimento definitivo, como decidiu a segunda.


Dos factos

Nas instâncias foram considerados provados os seguintes factos:

«1) A ré “BB, S.A.”, resulta da transformação da sociedade “CC & Filhos, Lda” e dedica-se profissionalmente e com escopo lucrativo à indústria de construção civil, elaboração de projectos e construção de prédios.

2) A ré DD dedica-se profissionalmente e com escopo lucrativo ao comércio por grosso e a retalho de material eléctrico e artigos de iluminação.

 3) Por escrito particular datado de 22 de Janeiro de 2007, a ré BB declarou obrigar-se a construir e a entregar à autora, até ao dia 22 de Setembro de 2007, dez apartamentos turísticos, recepção e balneários, no lugar de …, …, da freguesia de …, pelo preço de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) acrescido do IVA, a pagar em prestações mensais calculadas em função das medições do trabalho realizado.

4) No dia 9 de Março de 2007, a pedido da BB, que pretendia obter financiamento, a autora aceitou nove letras de câmbio de diferente valor, no montante global de € 484.000,00, correspondente ao preço global da empreitada e do IVA, que aquela lhe apresentou.

5) Nessa altura ficou acordado que as letras seriam obrigatória e sucessivamente reformadas nas datas dos respectivos vencimentos, com amortizações correspondentes ao valor da obra executada até essas datas.

6) Por cartas datadas e entregues no dia 30 de Março de 2007, a BB comunicou à autora que, por acordo datado de 29.03.2007 declarara ceder à “DD, Ld.ª”, uma parte do crédito que detinha sobre a autora, no valor de €142.000,00, titulado por dois aceites no montante de € 100.000,00 e € 42.000,00, todos com vencimento em 05.07.2007, tal como consta dos docs. de fls. 67 e 69, do p.p., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (fruto da alteração infra decidida).

7) A ré BB comunicou também que por acordo datado de 29.03.2007 declarara ceder à “EE, Lda” uma parte do crédito que detinha sobre a autora, no montante total de €150.000,00, titulado por três aceites no montante de € 50.000,00 cada um, todos com vencimento em 05-07-2007, tal como consta dos docs. de fls. 68 e 70, do p.p., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido reproduzido’ (fruto da alteração infra decidida).

8) Por sentença do dia 6 de Junho de 2007 foi decretada a insolvência da BB e nomeado o Sr. A.I., que aí exerceu funções até ao encerramento do processo de insolvência, no dia 19.06.2008.

9) A BB manteve-se na obra até 07.09.2007, com o conhecimento e concordância do Sr. A.I.

10) Em 07.09.2007 a massa insolvente retirou da obra todos os seus trabalhadores e todas as máquinas e ferramentas, embora sem que o A.I. referisse que não pretendia prosseguir na obra.

11) Mais ordenou a paragem dos trabalhos de carpintaria que estavam a ser realizados pelo subempreiteiro que havia contratado.

12) Posteriormente o Sr. A.I. referiu à autora que a obra iria prosseguir (eliminado, fruto do decidido infra).

13) A autora assumiu perante os subempreiteiros a responsabilidade do pagamento dos trabalhos de carpintaria realizados e a realizar, bem como dos trabalhos de serralharia a realizar na hipótese de a massa insolvente da ré BB não efectuar o seu pagamento.

14) A autora procedeu ao pagamento e amortização das letras do seu aceite, agora vencidas, resultantes de anteriores reformas, nomeadamente: a) emitiu a favor da DD (P…) o cheque n.º 2…3, do montante de € 20.000,00, que sacou sobre a Caixa FF, e aceitou uma nova letra do montante de € 30.000,00, sacada pela DD, com vencimento no dia 05.12.2007, para amortização e reforma de uma letra de € 50.000,00, que se venceu no dia 05 de Outubro de 2007; emitiu a favor da ré BB o cheque n.º 3…2, do montante de € 15.000,00, que sacou sobre a Caixa FF, e aceitou uma nova letra do montante de € 25.000,00, sacada pela massa insolvente da ré BB, com vencimento no dia 05.12.2007, para amortização e reforma de uma letra de € 40.000,00 que se venceu no dia 5 de Setembro de 2007. A nova letra foi avalizada pelo sócio e gerente da autora, GG; emitiu a favor da EE os cheques nº 4…1, 5…0 e 6…9, do montante de € 10.000,00 cada um, que sacou sobre a Caixa FF, e aceitou três novas letras sacadas pela EE do montante de € 15.000,00 cada uma, com vencimento no dia 05.12.2007, para amortização e reforma de três letras de € 25.000,00 cada uma, que se venceram no dia 05.10.2007.

15) No fim da primeira semana do mês de Novembro de 2007, os trabalhos da empreitada continuavam no mesmo estado em que se encontravam no dia 07.09.2007.

16) Concluindo que a BB não iria prosseguir nos trabalhos por falta de capacidade económica, a autora comunicou àquela, por carta registada com aviso de recepção do dia 9 de Novembro de 2007, que considerava o contrato resolvido, invocando o facto de o carpinteiro ter interrompido trabalhos em Setembro de 2007 e o serralheiro ter interrompido trabalhos em Maio de 2007, nos precisos temos que constam do doc. de fls. 115/116, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido’ (fruto do decidido infra).

17) As letras aceites pela autora que se venciam em 5 de Dezembro de 2007 e haviam sido emitidas para reforma de outras letras já descontadas pelas respectivas sacadoras, totalizavam apenas o montante de € 100.000,00.

18) Por cartas registadas com aviso de recepção do dia 14 de Novembro de 2007, a autora enviou à ré DD e à EE. cópia da carta que enviara à BB, comunicando-lhes que deveriam retirar do circuito bancário as letras de câmbio aceites pelo AA.

19) Na sequência dessa missiva a EE resgatou e/ou retirou de circulação as três letras de € 15.000,00.

20) A massa insolvente da ré BB não promoveu a reforma, nem resgatou nem retirou de circulação a letra de € 25.000,00.

21) A DD não promoveu a reforma nem resgatou ou retirou de circulação a letra de € 30.000,00.

22) Por carta registada e datada do dia 5 de Dezembro de 2008, o HH intimou a autora a pagar o valor da letra de € 25.000,00 acrescido de juros e despesas, vindo a autora a liquidar a quantia de € 26.011,17 em doze prestações mensais.

23) Na sequência de execução que lhe foi movida por II e que correu termos na … Secção de Execução, J…, Instância Central de Guimarães, comarca de Braga, sob o nº 1846/09.0 TBGMR, após improcedência da oposição, a autora pagou a quantia de € 40.000,00, consideradas as despesas.

24) Porque a disponibilidade deste valor só se logrou com a utilização de uma garantia bancária previamente constituída junto da FF, a autora teve depois que pagar a esta entidade bancária a quantia de € 44.063,27 para reembolso daquele valor pago à exequente e das respectivas despesas de emissão, comissões e impostos de selo.

25) Pagou também a quantia de € 803,54 à Sra. S.E., bem como € 1.558,05 de despesas judiciais.

26) Na sequência do referido em 13) a autora pagou à sociedade “JJ, Lda”, a quantia total de € 52.073,39.

27) Na sequência do referido em 13) a autora pagou à sociedade “KK, Lda”, a quantia total de € 124.723,39.

 28) Na sequência do referido em 13) a autora pagou à sociedade “LL - decorações e Renovações, Lda”, a quantia total de € 345,00.

29) Na sequência do referido em 13) a autora pagou à sociedade “MM, Lda”, a quantia total de € 19.343,46.

 30) Na sequência do referido em 13) a autora pagou à sociedade “NN”, a quantia total de € 19.575,00.

31) -‘À data de 9.11.2007, faltavam executar e pagar para a conclusão da obra da empreitada, vários trabalhos de diferentes especialidades, em montante não concretamente apurado (fruto do aditamento infra decidido).

32) Nos termos da cl.ª XII, n.º 4, do contrato aludido no ponto 3, dos factos dados como provados, estipulou-se que, caso a mora se prolongue por mais de trinta dias a Primeira Outorgante (aqui A.), terá direito a rescindir o contrato (fruto de aditamento na 2ª instância).


*

Factos não provados


a) A ré DD tenha apresentado à execução a letra no valor de € 30.000,00.

b) O preço acordado para a empreitada fosse € 968.000,00.

 c) Que o valor referido em b) estivesse já pago aquando da declaração de insolvência da BB.

d) Que a DD soubesse que o contrato entre a autora e a BB estava em incumprimento e que estava a prejudicar a autora quando adquiriu e endossou a letra referida em 14), sendo essa a sua vontade.

 e) Que a “DD, Lda” apenas tenha aceitado subscrever o documento de cessão de créditos porque um cliente comum à DD e à BB lho pediu.

 f) Que a DD tenha devolvido os títulos de que era portadora à BB.

g) Que o Administrador de Insolvência da BB tenha recusado contactos com a autora a partir de Outubro de 2007, tendo deixado de atender ou retribuir chamadas telefónicas da autora.


*

**

Do Direito



Questão prévia

A recorrente, invocou a existência de contradição de julgados, para fundamentar o recurso de revista excepcional que interpôs. Acontece que, como bem decidiu a formação a que alude o art.º 672º nº 3 do CPC, no caso o acórdão recorrido era passível de recurso de revista normal, pelo que não seria necessário fazer apelo à eventual existência de contradição entre acórdãos dos Tribunais da Relação. Mas a verdade é que, vistos os autos e o acórdão fundamento, não se vislumbra qualquer contradição entre este e o acórdão recorrido. Desde logo porque a factualidade relevante é substancialmente diferente num e noutro caso e consequentemente o direito aplicável e a decisão jurídica não poderiam ser idênticos. No acórdão fundamento considerou-se que não havia abandono da obra e que o credor não tinha demonstrado a perda do interesse na prestação pelo que havendo simples mora não assistia ao credor o direito de resolver o contrato, sem fazer uma interpelação admonitória ao devedor para cumprir em prazo razoável. No acórdão recorrido, embora reconhecendo-se que não estava demonstrado o abandono da obra, considerou-se que havia uma situação de mora quanto ao prazo fixado para a sua conclusão (dia 22 de Setembro de 2007) e que estando a obra absolutamente parada desde 7 de Setembro de 2007 até á data em que foi remetida a carta a comunicar a resolução do contrato (9 de novembro de 2007), haviam já decorrido mais de 30 dias de mora sobre a data contratualmente fixada para a conclusão dos trabalhos, pelo que nos termos da clª XII nº 4, a autora tinha o direito de resolver o contrato, sem necessidade de qualquer interpelação prévia ou admonitória. Não há pois qualquer contradição, porquanto a desnecessidade de interpelação admonitória resulta do próprio contrato, em virtude da mora se prolongar por mais de 30 dias e não do regime legal do não cumprimento das obrigações.

Dito isto passemos à apreciação do objecto do recurso. A recorrente sustenta que a Relação fez uma errada aplicação do direito, ao considerar validamente resolvido o contrato, por incumprimento definitivo, quando no seu entender haveria apenas mora e esta careceria de ser transformada em incumprimento definitivo através de interpelação admonitória para o cumprimento. Face à alteração da decisão de facto operada pela Relação, à restante factualidade apurada e aos termos do contrato, em particular ao disposto na clª XII nº 4, a tese da recorrente é absolutamente insubsistente.

A relação fundamentou a decisão nos seguintes termos:

«A questão primordial sobre que incide o recurso consiste em saber se os factos são susceptíveis de integrar a resolução do contrato celebrado entre a A. e a 1.ª Ré.

Ora, no caso “sub judice”, atentos os factos provados, estamos perante a celebração de um contrato de empreitada, tal como as partes o denominaram, celebrado entre A. e 1.ª R., que a lei define como aquele no qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço – art. 1207.º, do Cód. Civil.

O dono da obra, como comitente, encarrega o empreiteiro de realizar uma obra e tem, por conseguinte, direito a que no prazo acordado lhe seja entregue uma obra realizada nos moldes convencionados, isto é, a exigir do empreiteiro a obtenção do resultado a que se obrigou.

O empreiteiro está assim adstrito a realizar uma obra, a obter um certo resultado, em conformidade com o convencionado e sem vícios (art 1207.º e 1208.º, ambos do Cód. Civil) devendo, em suma, o contrato ser pontualmente cumprido (art 406.º, do Cód. Civil) e de boa fé, segundo as regras da arte (art 762.º, n.º 2, do Cód. Civil) - Cfr. Menezes Cordeiro, 3.º Vol., Pág. 186.

Concretamente, o abandono da obra por parte do empreiteiro (ou construtor) começa a ser um caso frequente na nossa jurisprudência, quer ao nível dos Tribunais de Segunda Instância, quer dos tribunais superiores, com forte impacto na última década, fruto, certamente, da crise que o sector atravessou (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-01-2001; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29-03-2007; Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-02-2009; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-06-2011; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 01-02- 2011, e Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09-12-2010, entre muitos outros, todos disponíveis em «http://www.dgsi.pt»).

Como se sabe, a inobservância do prazo implica, sem mais, o atraso no cumprimento, ou seja, constitui o devedor em mora (cfr. art. 801.º, do Cód. Civil).

Para NUNO M. PINTO OLIVEIRA (Princípios do Direito dos Contratos, … opus cit., pp. 420 e ss) o não cumprimento definitivo pressupõe a irreversibilidade da prestação uma vez que o devedor já não pode cumprir a prestação que lhe era devida; o não cumprimento temporário, por sua vez, reporta-se a uma situação de reversibilidade, admitindo, por isso, a possibilidade do devedor reparar em “tempo útil” a situação de incumprimento.

Contudo, segundo o art. 808.º, do Cód. Civil, a mora (que pressupõe ainda a possibilidade da prestação) converte-se em incumprimento definitivo, quer mediante a perda (subsequente à mora) do interesse do credor, quer em resultado da simples inobservância do prazo peremptório que o credor fixe razoavelmente ao devedor.

Acontece que, quando perante uma situação que indubitavelmente se exige que a obra esteja concluída em determinado prazo, porque se trata de um prazo absoluto, não há necessidade de interpelação admonitória para se considerar resolvida.

Neste sentido, decidido foi no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 2747/10.4TBBRR.L1-2, de 6 de Março de 2014, publicado no site da dgsi, que ‘[T] tendo a obrigação da empreiteira um prazo fixo, por acordo expresso das partes, aquela incorreu em incumprimento após o simples decurso do prazo sem a realização integral da prestação.

Esse incumprimento é definitivo e acarreta os efeitos jurídicos correspondentes a tal situação jurídica.

Deixando a prestação de ser possível após o decurso do prazo fixado, não há mora do devedor, pois esta pressupõe a possibilidade de realização da prestação, depois desta não ter sido efectuada no tempo devido (art. 804.º, n.º 1, do CC).

Perante uma situação de incumprimento definitivo da obrigação, deixa de fazer sentido o apelo à interpelação admonitória a que se refere o art. 808.º, n.º 1, do CC. Com efeito, a interpelação admonitória, tal como está regulada, e através da qual o credor intima o devedor a cumprir dentro de um prazo razoável, a definir conforme as circunstâncias, sob a expressa cominação de incorrer no não cumprimento da obrigação, apenas se justifica no caso do devedor se encontrar numa situação de mora’.

In casu, a empreiteira obrigou-se perante a A., enquanto dona da obra, a realizar e entregar a obra até 22.9.2007.

Acontece que, a 6.6.07, a 1.ª Ré foi declarada insolvente e nomeado AI que exerceu funções até encerramento do processo, no dia 19.6.08.

Com o conhecimento e concordância do AI a 1.ª Ré manteve-se na obra até 7.9.07, data em que retirou da obra todos os seus trabalhadores e todas as máquinas e ferramentas, ordenando a paragem dos trabalhos que estavam a ser realizados pelo subempreiteiro por si contratado.

E, apesar do AI referir à A., posteriormente, que a obra iria prosseguir, o facto é que na 1.ª semana do mês de Novembro de 2007, os trabalhos continuavam no mesmo estado em que se encontravam no dia 7.9.2007, quando se encontravam decorridos mais de 30 dias sobre o prazo final fixado para a realização e entrega da obra pronta.

Decorrente do facto apurado que a insolvente, com o conhecimento e concordância do AI, se manteve em obra, tal pressupõe que o AI optou pela execução do contrato em curso (art. 102.º, do CIRE), tal como o entendeu o tribunal a quo e que não foi posto em causa pelas partes.

Contudo, mesmo que assim se não entendesse, o facto é que a 1.ª Ré acabou por não cumprir o acordado contratualmente, no prazo estipulado, nem mesmo após.

Como tal, estipulada a faculdade de pôr fim ao contrato com base na verificação convencional de um elemento objectivo, tem de se considerar válida a resolução a que procedeu a A., tornando-se a 1.ª Ré/Recorrida responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra, quer em ternos de danos emergentes quer de lucros cessantes, quer ainda pelos danos não patrimoniais que lhe possa ter causado.

In casu o que se sabe ao certo é que a A. teve de pagar os valores titulados pelas letras que tinha entregue à 1.ª Ré para pagamento do preço, após resolução do contrato celebrado entre as partes e que tinham data de vencimento já posterior, apesar de ter ficado acordado que o seu pagamento se faria por via de reformas nas datas dos respectivos vencimentos, com amortizações correspondentes ao valor da obra executada até essas datas.

Concretamente, teve de pagar os valores de 26.011,17, 44.063,27, 803,54 e 1.558,05 (pontos 22 a 25, dos factos provados) e que não seriam devidos por não realizada a obra à data dos vencimentos dos títulos.

Quanto ao mais, o que se sabe é que ficaram trabalhos por realizar, sem que se saiba exactamente o seu concreto valor, bem como se todos os valores titulados pelas letras foram pagos até à data da resolução, quanto a trabalhos já efectivamente realizados, por forma a apurar-se os montantes pagos a mais.

Por outro lado, também não se sabe se os valores pagos quanto aos trabalhos a que se reportam os factos atinentes aos pontos 26 a 30, dos factos provados, são exactamente aqueles que tinham sido contratados e se os valores seriam os mesmos, ou se, por renegociados, a A. teve de pagar mais, ou, até menos, por forma a apurar, nessa conformidade, quais e em que proporção e valores ficou a mesma lesada.

Nestes termos, tendo apenas como certo, neste momento que a A. teve de pagar os valores de 26.011,17, 44.063,27, 803,54 e 1.558,05, no total de €72.436,03, quanto a trabalhos ainda não realizados, respeitantes por isso a datas de vencimentos até posteriores à resolução operada, apenas é possível a condenação da 1.ª Ré a pagar, a título de prejuízos causados à A., tal montante, no mais se relegando para execução de sentença a quantificação dos restantes danos que possa ter sofrido, ao abrigo do disposto no art. 609.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, respeitante aos demais valores que tenha pago a mais quanto a obras não realizadas.

À quantia acrescerão os juros devidos desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como, quanto à ilíquida, desde a data em que se tornar líquida – arts. 804.º, 805.º, n.º 1 e 3, 1.ª parte, do Cód. Civil».

Em face dos factos apurados, o direito aplicado pela Relação e a correspondente decisão, não merecem qualquer censura, sendo desnecessário qualquer reforço argumentativo, que não deixaria de ser redundante. Contudo sempre se dirá que perante o estipulado na Cl.ª XII, nº 4, a autora não carecia de fazer qualquer interpelação admonitória, para transformar a mora em incumprimento definitivo, porquanto decorridos que eram mais de 30 dias sobre o prazo contratualmente fixado para o termo da obra, assistia à A. o direito de resolver o contrato ao abrigo da referida cláusula contratual.


*

 


Concluindo

 Assim sendo, na improcedência da revista, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Notifique.

Lisboa, em 30 de maio de 2019.

José Manuel Bernardo Domingos (Relator)

João Luís Marques Bernardo

António Abrantes Geraldes

_________

[1] Parcialmente transcrito do acórdão recorrido.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil antigo e 635º nº 2 do NCPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, hoje 636º nº 1 e 2 do NCPC). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.