Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
767/06.2TCFUN.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
CASO JULGADO FORMAL
SOCIEDADE POR QUOTAS
ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
AMORTIZAÇÃO DE QUOTA
CESSÃO DE QUOTA
DIREITO DE PREFERÊNCIA
EFICÁCIA DO NEGÓCIO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ
Apenso:
Data do Acordão: 02/08/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO COMERCIAL - DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
DIREITO CIVIL - DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Doutrina: - Antunes Varela, RLJ, Ano 103º, 187; e Ano 120º, 108.
Antunes Varela, RLJ, Ano 120º, 151; Ano 114º, 16.
- Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13ª reimpressão, 2002, 242.
- Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, 1968, 353 a 355
- Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, II, 2ª edição, 2008, 365.
- Galvão Telles, Sucessões, 5ª edição, 1985, 269 e ss.
- Henrique Mesquita, em anotação ao acórdão do STJ de 16-1-86, publicado no BMJ nº 353, 450 e ss., RDES, XXIX,, Out-Dez de 1987, nº 4 (II da 2ª série), 532 e 533;
- Raul Ventura, Sociedades por Quotas, I, 2ª edição, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 1999, 577, 613, 631, 644;
- Vaz Serra, RLJ, Ano 110º, 272.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, Nº1 E Nº2, 262.º, Nº 2, 421.º.
CÓDIGO COMERCIAL (C.COM.): - ARTIGOS 13.º, N.º2
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 228.º, NºS 2, 3, 229.º, Nº 5, 1ª PARTE, 230.º, NºS 1, 2, 231.º, NºS 1, 2, A), 3, 4, 232.º, NºS 2 E 5, 234.º, Nº 1, 248.º, Nº 3, 328.º, Nº 2, B).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 494.º, Nº 1, I), 495.º, 508.º-A, Nº 1, B), 660.º, Nº 2, 666.º, Nº 1, 672.º E 677.º, 722.º, Nº 2 E 729.º, NºS 1, 2 E 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DA REPÚBLICA (CRP): - ARTIGOS 20.º, Nº 4 E 202.º, Nº 2.
Legislação Estrangeira: DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (DUDH): - ARTIGO 8.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 2-12-1992, BMJ Nº 422, 273;
- DE 5-5-1994, BMJ Nº 437, 477;
- DE 21-10-1999, Pº Nº 99B410, IN WWW.DGSI.PT ;
- DE 22-11-2001, Pº Nº 01B2937, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário : I - Tendo o Tribunal apreciado e decidido, quer a solicitação das partes, quer pela via da oficialidade, uma questão de conhecimento oficioso, de cuja decisão não foi interposto recurso, esgotou-se o poder jurisdicional quanto à mesma, constituindo-se o caso julgado formal, não podendo, de novo, ser reapreciada e decidida, sob pena de não valer o princípio do caso julgado para as questões de conhecimento oficioso que, de outro modo, estariam sempre à mercê de sucessivas e novas apreciações do Tribunal, no mesmo processo, independentemente do respectivo sentido de orientação de umas e outras.
II – O prazo legal da convocação da assembleia-geral da sociedade por quotas reporta-se à expedição e não à recepção da respectiva convocatória, ressalvado, obviamente, o limite inultrapassável da data em que aquela foi designada e deveria teria lugar, mas não estando cativo de idêntico prazo de antecedência mínima a resposta à informação complementar solicitada por um sócio, a propósito do consentimento para a cessão de quotas.
III – O consentimento da sociedade constitui um requisito legal da eficácia da cessão de quotas, cuja falta não determina a invalidade da cessão, mas apenas a sua ineficácia para com a sociedade, tudo se passando, enquanto não for prestado o consentimento, como se a cessão não tivesse existido.
IV - A proposta de amortização ou de aquisição da quota não pode consistir na simples menção de amortizar ou adquirir, antes deve conter todos os elementos indispensáveis para que o cedente-destinatário possa, conscientemente, tomar uma decisão de aceitação.
V - A eficácia da cessão para a qual o consentimento foi pedido deixa de depender deste, tornando-se livre, nomeadamente, se a proposta subsequente à sua recusa for omitida, sub-entendendo-se que a omissão da proposta é equivalente a uma situação em que esta não corresponda aos requisitos legais.
VI - A proposta de amortização ou de aquisição da quota que a sociedade deve comunicar ao sócio cedente, em caso de recusa do consentimento daquela, não contende com a existência de um qualquer pacto de preferência, inserido no contrato social ou acordado entre os sócios.
VII - Não podendo o contrato de sociedade subordinar os efeitos da cessão de quotas a requisito diferente do consentimento da sociedade, e inexistindo no pacto social a consagração expressa da dispensa do consentimento para a cessão da quota, a estipulação de uma cláusula de preferência não obsta a que o regime legal do consentimento prevaleça sobre aquela.
VIII – Não se pode adoptar, em alternativa, na sequência da recusa do consentimento pela sociedade, o direito convencional de preferência, a favor de algum ou alguns sócios, ou a apresentação da proposta de amortização ou de aquisição da quota da sociedade.
IX - Uma vez tornada livre a cessão, a sua eficácia perante a sociedade já não depende do consentimento desta ou da sua falta, mas apenas, nesta última hipótese, da comunicação que aquela foi efectuada pelo cessionário, e que a mesma recebeu.
X - A lei nova abstrai dos factos constitutivos de uma situação jurídica contratual quando for dirigida à tutela dos interesses de uma generalidade de pessoas que se encontram ou possam vir a encontrar ligadas por certa relação jurídica, de modo a que se possa dizer que a lei nova atinge as pessoas, não enquanto contratantes, mas enquanto pessoas ligadas por certo vínculo contratual.
XI - É de aplicar a lei antiga, em relação aos efeitos futuros e aos efeitos de um facto pretérito ainda não esgotados quando surge a lei nova, quanto às situações jurídicas de execução instantânea e à fase pretérita das situações jurídicas de execução duradoura, mas já se aplica a lei nova quanto à fase subsequente destas últimas situações.
XII - Sendo o estatuto do contrato dominado pela lei em vigor, ao tempo da sua conclusão, sempre que as cláusulas de um contrato celebrado na vigência da lei antiga e por esta consideradas válidas entrem em colisão com as disposições da lei nova com incidência sobre os efeitos dos contratos, e não sobre a sua validade, sendo o teor dessas disposições ditado por razões inerentes ao estatuto das pessoas ou dos bens, prevalecem sobre aquelas cláusulas, para as quais a lei nova é a competente.
XIII - A matéria respeitante ao procedimento a seguir na fase subsequente à recusa do consentimento da sociedade para a cessão da quota a estranhos, abarcando situações subsistentes criadas no domínio da lei antiga, mas não os efeitos de direito que, ao abrigo desta, se produziram por força de actos ou factos ocorridos durante a sua vigência e de acordo com ela, contende com o «estatuto legal» e não com o «estatuto contratual», não lhe sendo aplicável, consequentemente, o regime da lei antiga.
XIV - Está vedado ao STJ, em recurso de revista, exercer censura sobre a decisão da Relação, relativa à suficiência ou insuficiência da matéria de facto para julgar de mérito no despacho saneador, porquanto esta decisão integra, em princípio, questões de facto, da exclusiva competência das instâncias, não se verificando a hipótese excepcional prevista pelos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, nºs 2 e 3, do CPC.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA(1):


AA, residente na Rua Dr. G... F..., n.º ..., F..., propôs a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB“J. A. M... & F..., Ldª, sociedade comercial, com sede na Rua do A..., n.º ..., Funchal, pedindo que, na sua procedência, seja declarada, judicialmente, a validade e plena eficácia da cessão de quota titulada pela escritura de 31 de Maio de 2006, e a ré condenada a reconhecer a validade e eficácia da mesma cessão e a reconhecer o autor como actual e legítimo sócio, enquanto titular da quota do valor nominal de dois mil e quinhentos euros, de que foi titular o ex-sócio CC, invocando, para o efeito, e, em síntese, que adquiriu a este e esposa uma quota social, no valor nominal de €2500,00, de que o mesmo era titular na sociedade comercial ré, com todos os direitos e obrigações inerentes, pelo preço de 60000$00, sob a condição do cedente renunciar às funções de gerente e de autorizar a manutenção do seu nome na firma social, e de o cessionário assumir a co-responsabilidade pessoal dos cedentes, junto do DD-Banco “B..., SA”, por aval prestado à sociedade, sendo certo que, por falta de consentimento da sociedade, a aludida cessão e a renúncia à gerência, por parte do sócio cedente, ficaram registadas, provisoriamente.
Porém, a ré sociedade recusou prestar o consentimento à cessão, sem que, em contrapartida, tivesse apresentado proposta de amortização ou de aquisição da mesma quota, tornando-se, assim, a cessão livre, para além de que aquela quota se encontrava, há muito mais de três anos, na titularidade do cedente, sendo certo que a cessão foi comunicada à ré, pelo autor, que, deste modo, pretende registar, definitivamente, a seu favor, a aquisição da quota, visando com a presente acção obter uma decisão que declare a validade e a eficácia da mencionada cessão.
Na contestação, a ré conclui pela improcedência da acção, alegando, para tanto, em resumo, que o contrato de cessão de quota realizado entre o autor e o sócio CC é eficaz, apenas, entre eles, não tendo aquele adquirido a qualidade de sócio da ré, por o cedente não ter pedido o consentimento da sociedade, não preenchendo a carta constante dos autos os requisitos do pedido de consentimento à sociedade, pois que tal pedido deve ser feito por escrito, em documento autónomo de uma carta que pretende ser uma convocatória para assembleia-geral, e que as informações solicitadas sobre o contrato de cessão só foram conhecidas pelo sócio EE, no dia 23 de Maio de 2006, quando a convocação da assembleia-geral deveria ter sido expedida com a antecedência mínima de 15 dias.
Por outro lado, na data em que se realizou a reunião da assembleia-geral, todos os restantes sócios informaram o cedente da sua intenção de exercerem o direito de preferência na aquisição da sua quota, e, no dia da realização da escritura, o sócio EE compareceu munido do valor necessário para proceder à aquisição e, não obstante, efectuou-se a projectada escritura de cessão de quotas, sem que se tivesse atendido à proposta formulada pela ré, razão pela qual a cessão da quota não se tomou livre.
A isto acresce que, continua a ré, o sócio cedente não lhe comunicou a renúncia, tendo abandonado o acompanhamento da actividade da sociedade, o que prejudicou o funcionamento desta, para além de ter passado procuração a favor do autor, conferindo-lhe os poderes para reger e gerir o estabelecimento comercial, sendo certo que esta delegação de poderes nunca foi autorizada pela ré.
Na audiência preliminar, a ré invocou a excepção dilatória da litispendência, em relação ao processo nº 616/06.1TCFUN, em virtude de, no seu entendimento, se verificarem os respectivos pressupostos legais.
Na resposta, o autor sustenta que a excepção deduzida é intempestiva e que não ocorre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, imprescindíveis à sua consagração.
Decidindo, separadamente, a arguida excepção dilatória da litispendência, o Tribunal de 1ª instância julgou-a improcedente.
Notificada do teor desta decisão, no dia 31 de Março de 2008, a ré não deduziu impugnação, no prazo de dez dias, a que se reporta o artigo 153º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC).
Em seguida, o Tribunal de 1ª instância, decidindo do fundo da causa, sob a forma de saneador-sentença, declarou a eficácia da cessão da quota, no valor nominal de € 2 500,00, pertencente à sociedade BB-“J A. M... & F..., Ldª, titulada por CC, conforme escritura de 31 de Maio de 2006, e condenou a sociedade BB“J. A. M... & Filhos, Ldª”, a reconhecer a eficácia dessa cessão e o autor como actual titular da quota referida e sócio da sociedade.
Deste saneador-sentença, a ré interpôs recurso, onde impugna, pela primeira vez, a decisão proferida quanto à excepção dilatória da litispendência, que, conforme já se referiu, foi decidida, separada e previamente, aquele saneador-sentença, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação, incluindo no que concerne ao conhecimento oficioso da excepção da litispendência, confirmando a decisão impugnada.
Do acórdão da Relação de Lisboa, interpôs agora a ré recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:
1ª – Os presentes autos encontram-se enfermos pela excepção dilatória de litispendência, uma vez que corre os seus termos no Tribunal de Vara Mista do Funchal, 1.a Secção o Processo n° 616/06.1TCFUN, e foi intentado e cuja citação ao réu foi anterior à da presente acção.
2ª - Em ambas as acções os sujeitos processuais são os mesmos, embora ocupando posições opostas, verificando-se por isso identidade dos sujeitos.
3ª – No âmbito do processo n.° 616/06.01 TCFUN, a recorrente (autora) alega, como causa de pedir, factos que consubstanciam a recusa da prestação de consentimento da mesma para com a cessão de quotas a favor do ora recorrido, concluindo com a formulação de um pedido de anulação da referida cessão de quotas.
4ª – No âmbito dos presentes autos os factos que consubstanciam a causa de pedir alegados pelo recorrido (autor) gravitam em torno da questão dos requisitos de validade e eficácia da cessão de quotas a que se vem aludindo, concluindo-se na petição inicial com o pedido que esta seja declarada válida e de plena eficácia.
5ª – As excepções dilatórias suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, devem ser conhecidas em despacho saneador, sendo que a possibilidade de as partes discutirem as excepções dilatórias e outras em sede de audiência preliminar foi eliminada devido ao cancelamento da continuação da audiência preliminar.
6ª - Foi legítimo e atempadamente interposto o recurso quanto ao conhecimento oficioso da questão da litispendência, sendo que o Tribunal da Relação poderia conhecer da excepção dilatória se expressamente solicitado para o efeito, como o foi pela recorrente.
7ª - É inconstitucional a interpretação dada pelo Tribunal ao artigo 672.º do CPC, por violação dos artigos 20.º, n.º 4 e 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, 508.º-A, n.º 1, alínea b) do CPC e artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, na medida em que o Tribunal alterou a tramitação processual sem motivo válido, violando a defesa dos interesses legalmente protegidos da recorrente, maxime o seu direito ao contraditório e o seu direito recursivo face a uma excepção dilatória que é de conhecimento oficioso.
8ª - A sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser revogada, devendo ser substituída por outra, que conheça da referida excepção de litispendência e, consequentemente, absolva a recorrente (ré) da instância.
9ª - Não se poderá aplicar, sem mais, a Lei nova no que respeita à necessidade de autorização para a cessão, dado que o cedente não ignorava - nem podia ignorar - o pacto social, atentas as especificidades da sociedade comercial em causa, de estrutura familiar conforme provado e assente nos autos, a importância que o regime do consentimento e da transmissão de quotas assume.
10ª – Nos termos do disposto no artigo 12º, nº 1, do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
11ª – A decisão recorrida olvida que os indivíduos regulam as suas actividades e praticam os actos da vida jurídica, tendo em conta a legislação em vigor na época em que eles são praticados, padecendo assim o acórdão recorrido de error in judicando atenta a interpretação errónea do artigo 12º do Código Civil.
12ª – A cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade recorrente, pois nos termos do artigo quinto do pacto social da recorrente BB-J.A. M... & Filhos, L.da. "A cessão de quotas para estranhos fica dependente do consentimento da sociedade." Andou mal o Tribunal ao ignorar tal norma do pacto social.
13ª - A cessão de quotas a que se vem fazendo alusão, foi efectuada sem o consentimento da sociedade, "ou melhor, após uma expressa recusa de consentimento" por parte da sociedade na Assembleia-Geral realizada no dia 24 de Maio de 2006.
14ª - O sócio-gerente CC, não pediu, nos termos prescritos na lei, o consentimento da sociedade, para a cessão da sua quota, que pretendia fazer a favor do ora recorrido, e consequentemente, a carta enviada pelo sócio cedente a 3 de Maio de 2006, não preenche os requisitos do pedido de consentimento à sociedade para a cessão de quotas.
15ª - Não foram fornecidas as necessárias e indispensáveis informações, para que a ora recorrente e os seus sócios tivessem a possibilidade de se pronunciar sobre o consentimento ou sua recusa pelo que andou mal o Tribunal ao reconhecer validade à convocatória em análise in casu.
16ª -.O Acórdão recorrido é omisso, não tendo identificado o problema jurídico subjacente à convocatória e respectivos requisitos e, consequentemente, fazendo uma errada interpretação e aplicação técnico-jurídica da questão sub júdice.
17ª - Nos termos do artigo 248°, nº 3, do CSC, a convocação das Assembleias Gerais deve ser expedida com a antecedência mínima de 15 dias, sendo que o segundo aviso convocatório para a Assembleia Geral da sociedade, a realizar no dia 24 de Maio de 2006, foi expedido no dia 17 de Maio de 2006, i.e., foi expedido com uma antecedência de 7 dias face à data da mesma.
18ª - Em 24 de Maio de 2006, teve lugar a Assembleia Geral da sociedade recorrente, na qual compareceu pessoalmente o sócio EE, tendo expressado um voto de protesto relativamente ao modo como foi feita a convocatória, conforme consta do ponto 9 dos factos dados como provados.
19ª - Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a Assembleia Geral da sociedade realizada no dia 24 de Maio de 2006, foi irregularmente convocada, tendo sido feita uma errada interpretação e aplicação do nº 3 do artigo 248º do CSC e do artigo sétimo do CSC por parte do Tribunal a quo, sendo por isso susceptível de ser anulada nos termos do artigo 58° do CSC.
20ª - A sociedade recorrente recusou expressamente o consentimento à cessão da quota detida pelo sócio-gerente CC, tendo manifestado a sua intenção de fazer adquirir a quota, através da cada proposta dirigida ao sócio cedente, que vale como manifestação da sua vontade, ao configurar-se como deliberação unânime dos seus sócios, que não se encontravam impedidos de votar.
21ª - A recusa de consentimento à cessão de quotas, foi acompanhada da deliberação de aquisição da quota, que foi deliberada e comunicada ao sócio cedente, na mesma data daquela deliberação de recusa, por conjugação do artº 231, nº 1 e 230, nº 4 do CSC, pelo que a cessão de quotas não se tornou livre.
22ª - Foram preenchidos todos os requisitos legais para que a cessão de quotas não se tornasse livre, pois houve uma recusa expressa do consentimento da sociedade acompanhada da apresentação de uma proposta de aquisição da quota do sócio cedente preenchendo todos os requisitos do art.º 231º n.º 2 do CSC - o que se requer seja declarado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
23ª - Deve reconhecer-se que os sócios, co-titulares da quota, que subscreveram a carta, encontram-se a agir não só na qualidade de sócios, mas também como representantes da sociedade, uma vez que o único gerente da sociedade reunia na sua pessoa as qualidades de sócio, de único gerente e a de cedente da quota sob a qual se litiga, encontrando-se naturalmente impossibilitado ou impedido, de praticar os actos previstos no nº 2 e 3 do artigo 228º do CSC.
24ª - Nos termos do disposto no art.º 253º, n.º 1 e 2, no caso de falta temporária de todos os gerentes, (considerando que no caso da sociedade recorrente, as funções de gerência eram assumidas pelo sócio cedente que se encontrava impedido de votar e que tinha todo o interesse em que a cessão da sua quota se concretizasse), e tratando-se de acto que não possa esperar pela cessação da falta, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência.
25ª - Estando o sócio cedente impedido de votar, a deliberação tomada pelos restantes sócios da sociedade, no caso da ora recorrente, os co-titulares da outra quota detida no capital social da sociedade, configura-se como manifestação e exteriorização da vontade da sociedade, o que deve ser integralmente reconhecido em sede do presente recurso.
26ª - Não corresponde à verdade nem se afigura uma interpretação admissível do Tribunal da Relação de Lisboa quando diz que uma das condições para a recorrente proceder à aquisição da quota era a de posse de documento comprovativo da assunção da responsabilidade relativa à conta caucionada aberta na agência do DD-B... na cidade do Funchal.
27ª - Do exame da carta do sócio-gerente datada de 17 de Maio de 2006 conclui-se a exigência da assumpção da responsabilidade pela conta-caucionada poderia ser alcançada por meio de declaração no acto da escritura da aquisição da quota, não sendo necessário - ou pelo menos não tendo sido exigido pelo cedente - a obtenção de um qualquer documento emitido pelo DD-B....
28ª - A omissão da audiência de discussão e julgamento levou a que não se atingisse o verdadeiro valor e significado jurídico da proposta de aquisição de quota que foi apresentada pela recorrente ao sócio cedente, se não reconhecesse a natureza e estrutura societária da recorrente, bem como não se avaliasse a verdadeira razão pela qual o sócio cedente se recusou a celebrar o contrato de cessão de quotas com o sócio EE.
29ª - O sócio-cedente recebeu e interpretou a proposta de aquisição da quota, como valendo para efeitos do disposto no artigo 231.º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
30ª - A decisão proferida em 1ª Instância deveria ter sido revogada pelo Tribunal da Relação de Lisboa por violação do artigo 510º nº 1 al. b) do Código de Processo Civil (CPC) dado que o Juiz do Tribunal a quo, no momento em decidiu proferir um saneador-sentença, não se encontrava em condições de conhecer de imediato o mérito da causa.
31ª - É patente a necessidade de repetição de julgamento, por falta de produção de prova essencial, falta essa imputável ao Tribunal de 1ª Instância.
32ª - No âmbito do Processo 616/06.1TCFUN, o mesmo Tribunal analisou a mesma causa de pedir e pedido mas, tendo realizado uma audiência de julgamento para esclarecer todos os factos relevantes, proferiu uma sentença totalmente diferente da proferida nos presentes autos e, sublinhe-se, totalmente concordante com os argumentos apresentadas pela ora recorrente e as suas legítimas pretensões.
33ª - Deve revogar-se a decisão recorrida por error in judicando, declarando-se a recusa ilegítima do cedente em celebrar o contrato de cessão de quotas e, consequentemente, o reconhecimento de que a cessão de quotas não se tornou livre.
Nas suas contra-alegações, o autor sustenta que o recurso de revista carece de qualquer fundamento, devendo manter-se o douto acórdão recorrido.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do CPC, mas reproduz:
1. Com data de 31 de Maio de 2006, foi lavrada escritura pública de cessão de quotas, a folhas ... a ... do Livro n.º ...-... do Cartório Notarial do Lic. M... F... de A..., em que CC e esposa, GG, como primeiros outorgantes, declaram serem titulares de uma quota, no valor nominal de € 2 500,00, na sociedade comercial por quotas, denominada BB"J. A. M... & Filhos, Ldª, com sede na Rua do A..., nº ..., F..., e que a cedem ao segundo outorgante, AA, cessão que é feita, com todos os direitos e obrigações inerentes, sem reserva alguma, designadamente, os suprimentos e pelo preço de €60000,00 e na condição de o cedente renunciar como, efectivamente, renuncia às suas funções de gerente e autorizar como autoriza a manutenção do seu nome na firma social e ainda na condição de o cessionário, AA, assumir a co-responsabilidade pessoal dos cedentes, junto do Banco DD-B..., SA, por aval prestado à sociedade (documento de fls. 7 a 9 dos autos).
2. Consta da escritura, referida em 1, que: "Li esta escritura e expliquei o seu conteúdo, e adverti-os da obrigatoriedade do registo deste acto, na Conservatória competente, no prazo de três meses, a contar de hoje de que o presente acto é ineficaz em relação à sociedade por falta do seu consentimento." (documento de fls. 7 a 9).
3. O autor procedeu à inscrição, na Conservatória do Registo Comercial do F..., dos actos de cessão de quota, autorização para a manutenção da firma e cessação de funções de membro de órgão social, conforme Av. ..., ... e ..., AP. .../..., inscrições estas que ficaram provisórias, por dúvidas e por natureza (documento de fls. 106 a 110).
4. De acordo com o artigo quinto do pacto social da sociedade BB-“J. A. M... & Filhos, Ldª”, junto a fls. 12 a 17 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado, "A cessão de quotas para estranhos, fica dependente do consentimento da sociedade. Entre sócios as cessões de quotas são permitidas livremente." (documento de fls. 12 a 17).
5. Por carta registada, com aviso de recepção, com data de 3 de Maio de 2006, recebida por EE, em 8.05.2006, CC deu conta ao mesmo do seguinte: "Nos termos legais (art. 248º do C.S.C.) e contratuais (art. 7° do Pacto Social) fica V. S.ª convocado - na qualidade de representante dos herdeiros da quota de 2500,00 euros, em comum e sem determinação de parte ou direito a seu favor e ainda de FF e II por óbito de JJe mulher LL - para a Assembleia Geral da sociedade BB-J. A. M... & Filhos, Ldª, que terá lugar no dia 24 (vinte e quatro) do mês de Maio do corrente ano de 2006, pelas 19 horas e trinta minutos na respectiva sede social e com a seguinte Ordem de Trabalhos: Ponto Único – Consentimento da sociedade à cessão da quota por parte do sócio CC a AA, casado e residente à Rua Dr. G... F..., n.º ..., na cidade do F.... Se à hora marcada não existir quórum suficiente para deliberar a Assembleia reunirá, em segunda convocação, meia hora depois" (documentos de fls. 18 a 20).
6. EE dirigiu a CC uma carta registada, com data de 12 de Maio de 2006, com o seguinte teor: "Na sequência da convocatória de V. Exa. para a Assembleia Geral de 24 de Maio próximo da sociedade em referência e na qualidade de herdeiro e representante dos herdeiros FF e II, titulares em comum e sem determinação de parte ou direito da quota do valor nominal de € 2 500,00, vem solicitar o seguinte: 1º que a referida convocatória seja alterada de modo a permitir, anteriormente, à discussão do ponto único da ordem de trabalhos, a aprovação das contas relativas ao exercício do ano 2005 findo; 2º que lhe seja comunicado, anteriormente, à AG, o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato do mencionado ponto único da convocatória." (documento de fls. 21 e 22).
7. CC dirigiu a EE uma carta registada, com aviso de recepção, com data de 17 de Maio de 2006, recebida por este, em 23.05.2006, com o seguinte conteúdo: "Satisfazendo o solicitado na carta de V. S.ª em referência, a Ordem de Trabalhos da Assembleia-Geral da sociedade em epígrafe aprazada para o dia 24 do corrente mês e ano passa assim a ser seguinte: Ponto Um - Apresentação e votação das contas relativas ao exercício do ano de 2005; Ponto Dois – Consentimento da sociedade à cessão da quota por parte da sócio CC a AA, casado e residente à Rua Dr. G... F..., n.º ..., na cidade do F.... Relativamente ao Ponto Dois da Ordem de Trabalhos e satisfazendo o solicitado por V. S.ª somos a informar das condições essenciais do projecto de cessão de quota em causa e que são as seguintes: 1º - Preço da cessão: - 60 000,00 euros. 2º - Prazo de pagamento do preço: - 31 de Maio de 2006, às 15 horas. 3º - Data de formalização da cessão: 31 de Maio de 2006, às 15 horas no cartório notarial do Lic. M... F... de A..., à Rua da C..., na cidade do F.... 4º - Outras condições contratuais: 4.1 – a quota será cedida com todos os direitos e obrigações inerentes à mesma, sem qualquer reserva; 4.2 – assumpção pelo cessionário da responsabilidade relativa à conta caucionada aberta na agência do DD-B... na cidade do F...; 4.3. – renúncia à gerência por parte do cedente." (documento de fls. 23 a 25).
8. Aos 24 dias do mês de Maio de 2006, teve lugar a realização de assembleia geral da sociedade comercial por quotas, que usa a firma BB-“J. A M... & Filhos, Ldª”, em que estavam presentes os sócios CC, representado pelo Dr. MM e por AA, conforme credencial junta, e o Sr. EE, na qualidade de representante dos contitulares da quota social pertencente que foi ao falecido sócio JJ, encontrando-se, assim, representada a totalidade do capital social, e ainda o Sr. EE, por si, e, passando-se à análise do segundo ponto da ordem de trabalhos, pelo representante do sócio CC foi reafirmada a pretensão constante já da convocatória desta assembleia e respectivo aditamento, e porque os presentes se considerassem, devidamente, esclarecidos, foi posta à votação o constante do ponto dois, tendo votado, favoravelmente, o representante do sócio CC e contra o Sr. EE (documento de fls. 26 a 30).
9. Consta ainda da acta relativa à Assembleia-Geral que teve lugar no dia 24.05.2006, um voto de protesto apresentado pelo Sr. EE, o qual disse não concordar com a convocatória, nos modos em que a mesma foi feita, uma vez que não foi dado conhecimento da mesma às suas irmãs, tal como nas assembleias anteriores, não sabendo, dessa forma, se as mesmas pretendem exercer o seu direito de preferência na pretendida cessão de quota (documento de fls. 26 a 30).
10. AA dirigiu à sociedade BB-“J. A. M... & Filhos, Ldª”, uma carta registada, com aviso de recepção, com data de 12 de Junho de 2006, recebida por esta, em 14.06.2006, com o seguinte teor: "Serve a presente para - nos termos e para os efeitos do disposto na alínea nº 3 do art. 228º do Código das Sociedades Comerciais – comunicar a V. Exªs, que por escritura datada de 31 de Maio do corrente ano e exarada a fls. ...do Livro de Notas n.° ...-A do Cartório Notarial do F... de M... F... foi-me cedida pelo Sr. CC a quota do valor nominal de dois mil quinhentos euros de que o mesmo era titular nessa sociedade e da qual vai em anexo cópia." (documento de fls. 31 a 33).
11. CC era titular da quota, no valor nominal de € 2 500,00, pelo menos, desde 29.10.1990, conforme inscrição ... - Of/... (documento de fls. 106 a 110).
12. EE, FF e II dirigiram a CC uma carta, com data de 24 de Maio de 2006, com a menção do assunto "Exercício do Direito de Preferência" e com o seguinte teor: "Com referência à proposta de cedência da quota do valor nominal de € 2 500,00, no capital social de € 5 000,00 da sociedade comercial por quotas, BB-J. A. M... & Filhos, Ldª, nos termos e condições da notificação anexa, vimos, na qualidade de herdeiros da quota, em comum e sem determinação de parte ou direito, deixada por óbito de JJe mulher LL, exercer o direito de preferência nos termos e condições da referida proposta do projecto de cedência da quota pertencente a V. Exª. Deste modo, agradecemos confirmação, se a data e local para a realização da escritura pública se mantém, podendo fazê-lo através do telefone ... . Em caso de não contacto compareceremos dia 31 de Maio próximo, pelas 15 horas, no Cartório Notarial do Dr. M... F... de A..., a fim de formalizarmos a referida cessão." (documento de fls. 90).

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão da excepção da litispendência.
II – A questão da irregularidade da convocatória da assembleia-geral da ré.
III – A questão da inobservância dos requisitos do pedido de consentimento à sociedade para a cessão de quota.
IV – A questão do consentimento da sociedade na cessão de quotas a estranhos.
V – A questão da liberação da cessão como condição da dispensa do consentimento da sociedade na cessão de quotas a estranhos.
VI – A questão do direito intertemporal na fase subsequente à recusa do consentimento.
VII - A questão da intempestividade da prolação do saneador-sentença.

I. DA EXCEPÇÃO DA LITISPENDÊNCIA

Defende a ré, desde logo, que a acção enferma da excepção dilatória da litispendência, porquanto corre termos, no Tribunal de Vara Mista do Funchal, 1a Secção, o Processo n° 616/06.1TCFUN 2006, existindo em ambas identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, sendo certo que esta foi instaurada, em primeiro lugar, e nela a citação do réu foi anterior à da presente acção.
Porém, independentemente da bondade da argumentação da ré, e, mesmo admitindo, por comodidade de raciocínio, que se verificam todos os pressupostos legais determinantes da litispendência, importa recordar que a ré não interpôs recurso autónomo da decisão do Tribunal de 1ª instância que conheceu, separadamente, da aludida excepção, apenas impugnando essa decisão, conjuntamente, com a apelação interposta do saneador-sentença, quando já se encontrava transcorrido mais de um ano sobre a data daquela primeira decisão.
Outra seria, porventura, a solução, se a decisão sobre a litispendência tivesse sido incorporada no saneador-sentença, mas tal não aconteceu, como já se disse.
É que, ao contrário do sustentado pela ré, pelo facto de a excepção da litispendência ser de conhecimento oficioso, como decorre do preceituado pelos artigos 494, nº 1, i) e 495º, ambos do CPC, tal não conflitua com a eventual formação de caso julgado anterior, porquanto as questões de conhecimento oficioso que o artigo 660º, nº 2, impõe ao Tribunal que aprecie, só relevam se e enquanto as mesmas não tiverem sido apreciadas e decididas, anteriormente, pelo Juiz, pois que, de contrário, o Tribunal cumpriu a sua obrigação.
Assim sendo, quer a solicitação das partes, quer pela via da oficialidade, tendo o Tribunal apreciado e decidido uma questão de conhecimento oficioso, de que não foi interposto recurso, esgotou-se o poder jurisdicional quanto à mesma, não podendo, de novo, ser apreciada e decidida, sob pena de não valer o princípio do caso julgado para as questões de conhecimento oficioso que, deste modo, estariam sempre à mercê de sucessivas e novas apreciações do Tribunal, no mesmo processo, independentemente do respectivo sentido de orientação de umas e outras.
Ora, proferida decisão intercalar sobre a litispendência, que recaiu, unicamente, sobre a relação processual, e admitindo recurso que não foi interposto, tempestivamente, ficou, desde logo, esgotado o poder jurisdicional quanto a essa matéria, formando-se o caso julgado formal sobre a mesma, que impede a sua reapreciação, nos termos das disposições combinadas dos artigos 666º, nº 1, 672º e 677º, todos do CPC.
Esta interpretação, ao contrário do que defende a ré, não viola o princípio do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, mediante um processo conduzido, equitativamente, que obriga a facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que o Juiz decida excepções dilatórias, nem o preceituado pelos artigos 20º, nº 4 e 202º, nº 2, da Constituição da República, 8º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e 508º-A, nº 1, b), do CPC.

II. DA IRREGULARIDADE DA CONVOCATÓRIA DA ASSEMBLEIA-GERAL

Alega a ré que a convocatória da assembleia-geral da sociedade foi irregular, porquanto no suposto aviso de convocação, não foi remetida aquela, nem aos seus sócios, o necessário pedido de consentimento, com as informações obrigatórias por lei, nomeadamente, as condições da cessão, sendo certo que as informações solicitadas e devidas pelo cedente à ré e respectivos sócios, só foram recepcionadas pelo sócio EE, no dia 23 de Maio de 2006, ou seja, apenas, no dia anterior ao da realização da assembleia-geral da sociedade, enquanto que a convocatória desta só ficou completa com a expedição da segunda carta, em 17 de Maio de 2006, ou seja, com uma antecedência de sete dias, face à data da mesma, e em violação do artigo 248°, n° 3, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), o que tornou, manifestamente, impossível proceder a uma análise objectiva e aprofundada da intenção do sócio-gerente CC em ceder a sua quota, conforme consta do voto de protesto do sócio EE.
Dispõe o artigo 248º, nº 3, do CSC, que “a convocação das assembleias gerais [das sociedades por quotas] compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de quinze dias, a não ser que a lei ou o contrato de sociedade exijam outras formalidades ou estabeleçam prazo mais longo”.
As formalidades exigidas pela lei ou pelo contrato para a convocação da assembleia-geral têm como função social interna habilitar os sócios a participarem na formação da deliberação.
Ficou provado, neste particular, que, por carta registada, com aviso de recepção, expedida a 3 de Maio de 2006, por CC, este convocou EE, na qualidade de representante dos herdeiros da quota de €2500,00, em comum e sem determinação de parte ou direito a seu favor, e ainda de FF e II, por óbito de JJe mulher, LL, para a assembleia-geral da ré, a realizar, no dia 24 de Maio de 2006, pelas 19,30 horas, tendo como ponto único da ordem de trabalhos a obtenção do “consentimento da sociedade à cessão da quota por parte do sócio CC a AA”.
Porém, também, se demonstrou que o aludido EE, na sequência de um pedido de esclarecimento que dirigiu ao cedente CC, sobre o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato, foi informado pelo mesmo, por carta expedida a 17 de Maio, e recebida na véspera da data designada para a assembleia-geral, que as condições essenciais do projecto de cessão de quota em causa consistiam no preço de €60 000,00, no prazo de pagamento de 31 de Maio de 2006 e na data de formalização da cessão de 31 de Maio de 2006, sendo a quota cedida com todos os direitos e obrigações inerentes à mesma, sem qualquer reserva, assumindo o cessionário a responsabilidade relativa à conta caucionada aberta, na agência do DD-B..., na cidade do Funchal, renunciando o cedente à gerência.
De todo o modo, provou-se que os presentes se consideraram, devidamente, esclarecidos, tendo sido posto à votação o constante do ponto dois, que obteve o voto favorável do representante do sócio CC e o voto contrário de EE, o qual lavrou um voto de protesto, por não concordar com os termos da convocatória, uma vez que não teria sido dado conhecimento da mesma às suas irmãs, não sabendo, dessa forma, se as mesmas desejariam exercer o direito de preferência na pretendida cessão de quota.
No entanto, EE foi convocado, na qualidade de representante dos herdeiros da quota de €2500,00, em comum e sem determinação de parte ou direito a seu favor e ainda de FF e II, por óbito de JJe mulher, LL.
E a notificação do representante do sócio, enquadrada no âmbito da representação voluntária, equivale à notificação deste, atento o disposto pelo artigo 262º, nº 2, do Código Civil.
Assim sendo, tendo a convocatória sido realizada, por meio de carta registada, com aviso de recepção, com uma antecedência superior ao mínimo de quinze dias, e encontrando-se os sócios representados, em condições de deliberar sobre o ponto controvertido da ordem de trabalhos em apreço, ou seja, sobre a pretendida cessão de quota ao autor, cumpriu todos os requisitos legais exigíveis na matéria, não se verificando a arguida irregularidade da convocação da assembleia-geral da ré.

III. DA INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO PEDIDO DE CONSENTIMENTO À SOCIEDADE PARA A CESSÃO DE QUOTA

Defende, igualmente, a ré que, no suposto aviso convocatório, não foi remetida aquela, nem aos seus sócios, o necessário pedido de consentimento, com as informações obrigatórias por lei, nomeadamente, as condições da cessão.
Porém, conforme ficou demonstrado e já foi referido no ponto anterior, na sequência de um pedido de esclarecimento que EE dirigiu ao sócio cedente CC, sobre o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato, foi informado pelo mesmo acerca da totalidade das condições essenciais do projecto de cessão de quota em causa, em termos de os sócios poderem ajuizar, devidamente, quanto à hipótese da recusa do consentimento à cessão de quota e à subsequente e eventual proposta de amortização ou aquisição da mesma.
E se os presentes, na assembleia-geral de 24 de Maio de 2006, se consideraram, devidamente, esclarecidos sobre a matéria deliberanda, isto é, sobre o pedido de consentimento do sócio CC para a cessão de quota, não é razoável alegar, posteriormente, a falta de comunicação atempada das condições da cessão, não se devendo esquecer que, sem embargo de se ter provado que a carta expedida, a 17 de Maio, foi recebida, na véspera da data designada para a aludida assembleia-geral, o artigo 248º, nº 3, do CSC, reporta-se à expedição e não à recepção da respectiva convocatória, ressalvado, obviamente, o limite inultrapassável da data em que esta foi designada e deveria ter lugar, mas não estando cativa de idêntico prazo de antecedência mínima de quinze dias a prestação da informação complementar solicitada pelo representante dos demais sócios, EE, que, de todo o modo, ainda foi enviada com uma antecipação de sete dias, em relação à data da realização da assembleia-geral.
Deste modo, não foram infringidas as regras que condicionam o pedido de consentimento da sociedade para a cessão de quota.

IV. DO CONSENTIMENTO DA SOCIEDADE NA CESSÃO DE QUOTAS A ESTRANHOS

Entende a ré que a cessão de quotas outorgada, em 31 de Maio de 2006, não produz efeitos em relação aquela, uma vez que "a cessão de quotas para estranhos fica dependente do consentimento da sociedade".
Efectuando uma síntese da factualidade relevante que ficou demonstrada, com vista a decidir a presente questão, importa reter que, com data de 31 de Maio de 2006, CC e esposa, GG, declaram ceder ao autor uma quota, no valor nominal de €2500,00, de que eram titulares na ré, em cujo artigo quinto do respectivo pacto social se previa que "a cessão de quotas para estranhos, fica dependente do consentimento da sociedade. Entre sócios as cessões de quotas são permitidas livremente".
Entretanto, por carta registada, com aviso de recepção, recebida a 8 de Maio de 2006, por EE, CC convocou-o, na qualidade de representante dos herdeiros da quota de €2500,00, em comum e sem determinação de parte ou direito a seu favor, e ainda de FF e II, por óbito de JJe mulher, LL, para a assembleia-geral da ré, a realizar no dia 24 de Maio de 2006, pelas 19,30 horas, tendo como ponto único da ordem de trabalhos a obtenção do “consentimento da sociedade à cessão da quota por parte do sócio CC a AA”.
Porém, o aludido EE dirigiu ao CC uma carta registada, com data de 12 de Maio de 2006, donde constava, além do mais, que lhe fosse comunicado, anteriormente à realização da assembleia-geral, o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato mencionado no ponto único da convocatória.
Seguidamente, o CC dirigiu ao EE uma carta, por este recebida, em 23 de Maio de 2006, em que consagrava como ponto dois da ordem de trabalhos o “consentimento da sociedade à cessão da quota por parte da sócio CC a AA, informando que as condições essenciais do projecto de cessão de quota em causa consistiam no preço de €60 000,00, o prazo de pagamento a 31 de Maio de 2006, a data de formalização da cessão 31 de Maio de 2006, sendo a quota cedida com todos os direitos e obrigações inerentes à mesma, sem qualquer reserva, assumindo o cessionário a responsabilidade relativa à conta caucionada aberta na agência do DD-B... na cidade do Funchal, renunciando o cedente à gerência”.
E, no dia 24 de Maio de 2006, na assembleia-geral da ré, encontrando-se representada a totalidade do capital social, foi votada, favoravelmente, pelo representante do sócio CC e, contrariamente, pelo EE a proposta de cessão de quota, tendo, na mesma data, EE, FF e II dirigido a CC uma carta, em que, com referência à proposta de cedência da quota do valor nominal de €2 500,00, no capital social de €5 000,00 da ré, na qualidade de herdeiros da quota, em comum e sem determinação de parte ou direito, deixada por óbito de JJe mulher, LL, declaram exercer o direito de preferência, nos termos e condições da referida proposta do projecto de cedência da quota, anunciando, então, o seu propósito de comparecer na escritura pública convocada para 31 de Maio próximo, pelas 15 horas, no Cartório Notarial do Dr. M... F...de A..., a fim de formalizarem a referida cessão.
Preceitua o artigo 228º, nº 2, do CSC, que “a cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por esta, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre sócios”.
A cessão de quota, «nomen iuris» adoptado na escritura pública que a suporta, deve entender-se, no contexto envolvente, como correspondendo a uma sub-espécie da espécie «transmissão de quotas entre vivos», consagrada pelo nº 1 do normativo legal acabado de citar, consistindo a sua característica diferencial na voluntariedade do acto de transmissão, por parte do seu titular, com exclusão da situação em que o acto tem um efeito extintivo da quota, quando sobre a mesma se constitui um usufruto, quando se verifica a perda da quota, a favor da sociedade, ou ainda quando acontece a aquisição originária da quota, circunstâncias estas que se não verificam (2).
Ao contrário do que acontecia, no âmbito da Lei das Sociedades por Quotas de 11 de Abril de 1901, em que, por força do preceituado pelo artigo 6º, corpo, e § 3º, no interesse do sócio cedente, as quotas sociais eram, livremente, transmissíveis, nos termos gerais de direito dos artigos 424º a 427º, do Código Civil, embora a escritura social pudesse fazer depender a cessão de quotas do consentimento da sociedade ou de outros requisitos, o nº 2, do artigo 228º, do CSC actual, inverteu a ordem desses factores, transformando em regra geral a necessidade do consentimento da sociedade, enquanto limitação imposta à vontade do titular da quota, com excepção das situações em que se verifique a cessão entre os cônjuges, entre ascendentes ou descendentes ou entre sócios.
Assim sendo, o consentimento da sociedade constitui um requisito legal da eficácia da cessão de quotas, cuja falta não determina a invalidade da cessão, mas apenas a sua ineficácia para com a sociedade, tudo se passando, enquanto não for consentida, como se a cessão não tivesse existido.
Deste modo, a cessão de quota do sócio CC ao autor, que não era seu cônjuge, ascendente, descendente ou sócio da ré, mas antes um estranho à mesma, e desprovida do consentimento desta, que a rejeitou, não produziu quaisquer efeitos, perante a ré sociedade, por violar o preceituado pelo artigo 228º, nº 2, do CSC, e bem assim como o convencionado no artigo 5º do respectivo pacto social, tudo se passando como se não tivesse acontecido.

V – DA LIBERAÇÃO DA CESSÃO COMO CONDIÇÃO DA DISPENSA DO CONSENTIMENTO DA SOCIEDADE NA CESSÃO DE QUOTAS A ESTRANHOS

Porém, a ré acrescenta que a Lei das Sociedades por Quotas de 11 de Abril de 1901, à sombra da qual a sociedade se constituiu, não previa nenhum requisito adicional para que a recusa do consentimento desta se efectivasse, em termos definitivos, equivalendo a uma verdadeira proibição da cessão a manifestação de vontade nesse sentido, afastando-se o regime estabelecido nos artigos 230° e seguintes, do actual CSC, designadamente, a obrigatoriedade da apresentação conjunta com a recusa do consentimento de uma proposta de amortização ou de aquisição da quota, por se tratar de uma verdadeira proibição.
Como assim, a questão mais importante a decidir, nuclear para a sorte da revista, consiste em saber se, não obstante a recusa do consentimento da ré quanto à cessão da quota a um estranho, a eficácia desta subsiste, em virtude da cessão se haver tornado livre, na falta de qualquer proposta de amortização ou de aquisição da mesma, por parte da ré.
Com vista à tomada de deliberação da sociedade sobre o consentimento para a cessão de quotas, deve o pedido correspondente ser formulado “por escrito, com indicação do cessionário e de todas as condições da cessão”, de acordo com o estipulado pelo artigo 230º, nº 1, do CSC.
Se a sociedade recusar o consentimento, facto, indesmentivelmente, demonstrado, no caso em apreço, a respectiva comunicação dirigida ao sócio cedente incluirá uma proposta de amortização ou de aquisição da quota, que ficará sem efeito se não for aceita pelo cedente, no prazo de quinze dias, mantendo-se, então, a situação de recusa do consentimento, atento o disposto pelo artigo 231º, nº 1, do CSC.
Porém, a proposta de amortização ou de aquisição da quota não pode consistir na simples menção de amortizar ou adquirir, antes deve conter todos os elementos indispensáveis para que o cedente-destinatário possa, conscientemente, tomar uma decisão de aceitação (3).
Ora, a cessão para a qual o consentimento foi pedido torna-se livre, ou seja, a eficácia da cessão deixa de depender do consentimento a que, anteriormente, estava sujeita, nos termos do disposto pelo artigo 231º, nº 2, a), do CSC, nomeadamente, se a aludida proposta for omitida (4), sub-entendendo-se, como já se disse, que a omissão da proposta é equivalente à situação da apresentação de uma proposta que não corresponda aos requisitos legais.
Efectivamente, logo no dia 24 de Maio de 2006, EE, FF e II, na qualidade de herdeiros da quota, com referência à proposta da sua cedência, dirigiram uma carta ao sócio cedente, CC, com vista ao exercício do direito de preferência, nos termos e condições da referida proposta do projecto de cedência da quota.
Contudo, a proposta de amortização ou de aquisição da quota que a sociedade deve comunicar ao sócio cedente, em caso de recusa do consentimento, a que se reporta o artigo 231º, nº 1, do CSC, não contende com a existência de um qualquer pacto de preferência inserido no contrato social ou acordado entre os sócios.
Podendo constar do contrato social um direito de preferência para a sociedade ou para os sócios na cessão onerosa de quotas, como elemento constitutivo do seu conteúdo, estas cláusulas de preferência são válidas, na medida em que não subordinem a eficácia da cessão para com a sociedade à observância do direito de preferência, atendendo a que o contrato de sociedade, por força do estipulado no artigo 229º, nº 5, 1ª parte, “não pode subordinar os efeitos da cessão a requisito diferente do consentimento da sociedade”, mas não querem significar a existência de um pacto para a preferência na transmissão das acções, ligado, materialmente, ao contrato de sociedade, nos termos do preceituado pelo artigo 328º, nº 2, b), ambos do CSC (5).
Efectivamente, o sentido útil do disposto pelo artigo 228º, nº 2, do CSC, não é o de conferir o direito de preferência à sociedade, mas antes o de tornar necessária a sua autorização para se poder dispor da quota a estranhos (6).
É que, não podendo o contrato de sociedade subordinar os efeitos da cessão a requisito diferente do consentimento da sociedade, e inexistindo no pacto social da ré a consagração expressa da dispensa do consentimento para a cessão da quota, a estipulação de uma cláusula de preferência não obsta a que o regime legal do consentimento prevaleça sobre aquela.
Assim sendo, tendo-se a cessão da quota tornado livre, a ré já não goza da faculdade de usar o mecanismo do direito convencional de preferência, porquanto podia e devia, através do procedimento legal do consentimento, ter amortizado ou adquirido a quota cedida.
Deste modo, não se pode adoptar, em alternativa, o direito convencional de preferência a favor de algum ou alguns sócios, ou a apresentação da proposta da sociedade simultânea com a recusa do consentimento.
Na verdade, o que se provou ter acontecido foi o envio de uma carta pelo(s) aludido(s) sócio(s), em que estes deram a conhecer ao cedente que, enquanto co-titulares da quota, anteriormente, encabeçada pelo falecido JJe esposa, pretendiam exercer o direito de preferência, mas não de uma proposta de amortização ou aquisição da quota, cuja cessão aquele pretendia efectuar.
Porém, não só a deliberação dos sócios, a que se reportam os artigos 230º, nº 2 e 231º, do CSC, não pode ser substituída ou suprida pela
carta acabada de mencionar, como, também, conforme já se disse, a comunicação da recusa do consentimento ao sócio cedente não foi acompanhada da proposta exigida pelo nº 1 do último normativo legal acabado de citar.
Aliás, a hipotética inobservância da obrigação de preferência, por parte do cedente, admitindo a sua existência, apenas permitiria ao preferente preterido substituir-se na posição de cessionário ou obter uma indemnização, consoante aquela obrigação tivesse ou não eficácia real, atento o disposto pelo artigo 421º, do Código Civil, mas não tornar ineficaz a cessão da quota perante a sociedade.
A isto acresce que o direito de preferência de que gozam os sócios na aquisição da quota depende de prévia deliberação pela sociedade no sentido da aquisição da quota, em relação à qual foi negado o consentimento para a cessão, pelos sócios que declarem pretendê-la, no momento da respectiva deliberação, em conformidade com o preceituado pelo artigo 231º, nº 4, do CSC, sendo certo que se não demonstrou a existência de uma deliberação social nesse sentido.
Deste modo, não se traduzindo o direito de preferência numa proposta de amortização, que tem por efeito a extinção da quota, nos termos do disposto pelo artigo 232º, nº 2, do CSC, ou de aquisição da quota, que incumbe à sociedade, e não aos sócios, enviar ao sócio cedente a quem não foi concedido consentimento, e importando que esta proposta de amortização ou de aquisição da quota esteja instruída com todos os elementos indispensáveis para que aquele cedente possa tomar uma decisão esclarecida nessa matéria, impõe-se concluir que a ré não apresentou qualquer proposta neste sentido.
Sustenta, igualmente, a ré que a comunicação efectuada pela sociedade ao sócio cedente, na sequência da recusa do consentimento à cessão da quota, sobre o direito de preferência na sua de aquisição, não tem o sentido jurídico que lhe foi atribuído pelo Tribunal «a quo», porquanto a mesma deve ser entendida como o direito à aquisição da quota, nos termos do n° 4, do artigo 231°, do CSC, tratando-se de uma proposta que visava impedir a cessão de quotas a favor de terceiro estranho à família.
Preceitua o já transcrito artigo 231º, nº 1, que “se a sociedade recusar o consentimento, a respectiva comunicação dirigida ao sócio incluirá uma proposta de amortização ou de aquisição da quota;…”, sendo certo que o direito de adquirir a quota é atribuído aos sócios, em primeiro lugar, e à sociedade, seguidamente, atento o preceituado pelo artigo 231º, nº 4, ambos do CSC.
Poderá, então, para o fim visado pela ré de obstar à cessão da quota a estranhos, fazer-se equivaler a declaração do exercício do direito de preferência à amortização ou aquisição da quota?
A amortização efectua-se por deliberação dos sócios e tem por efeito a extinção da quota, sem prejuízo, porém, dos direitos já adquiridos e das obrigações já vencidas, nos termos das disposições combinadas dos artigos 232º, nº 2 e 234º, nº 1, ambos do CSC.
Diverso da amortização é a aquisição da quota, porquanto nesta, ao contrário da primeira, a quota não é extinta e, sendo adquirida pela sociedade, mudou de titular, passando este a ser a sociedade, em vez de um sócio, que é uma entidade distinta da sociedade, atento o estipulado pelo artigo 13º, nº 2, do Código Comercial.
Aliás, se a sociedade tiver o direito de amortizar a quota, pode, em vez disso, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou terceiro, em conformidade com o estabelecido pelo nº 5, do artigo 232º, do CSC.
Assim sendo, em caso algum, se poderia identificar o exercício do direito de preferência com o direito de amortização da quota.
E, de igual modo, não seria possível identificar o direito de preferência com o direito de aquisição da quota, porquanto este, não sendo aceite pelo cedente, importa que a proposta da sociedade fique sem efeito, mantendo-se a recusa do consentimento, de acordo com o estipulado pelo artigo 231, nº 1, do CSC, enquanto que, no direito de preferência, o seu titular goza da faculdade de haver para si a coisa alienada, impondo e fazendo valer a existência do seu direito, em princípio, sem possibilidade de denegação, desde que verificados os pressupostos legais, processando-se a substituição do adquirente pelo autor, com efeito retroactivo.
Assim sendo, porque a preferência, por via de regra, desde que reunidos os respectivos requisitos legais, não pode ser rejeitada e goza de efeito retroactivo, ao contrário do que acontece com a aquisição da quota, que pode ser recusada pelo cedente e, apenas, produz efeitos, a partir do momento em que se realize, isto é, «ex nunc» (7), até porque é o cedente e não o cessionário quem, até à perfeição do consentimento, continua a ser o sócio, com os respectivos direitos e obrigações, não pode existir confusão ou equivalência entre os dois institutos.
Ora, tendo sido omitida essa proposta de amortização ou de aquisição da quota, e sendo o cedente titular da quota, há mais de três anos, a cessão, para a qual o pedido de consentimento foi solicitado, tornou-se livre, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 231º, nºs 1, 2, a) e 3, do CSC.
E, uma vez tornada livre a cessão, a sua eficácia perante a sociedade ré já não depende do consentimento daquela ou da sua falta, derivando, neste último caso, apenas da comunicação que aquela foi efectuada pelo cesionário-autor, com data de 12 de Junho de 2006, e por esta recebida, em 14 de Junho de 2006, de acordo com o estipulado pelo artigo 228º, nº 3, do CSC.

VI - DO DIREITO INTERTEMPORAL NA FASE SUBSEQUENTE À RECUSA DO CONSENTIMENTO

A ré esgrime como pano de fundo da revista que a consagração da cláusula quinta do pacto social afasta o regime dos artigos 230º e seguintes, do CSC, o que se reconduz à problemática da aplicação das leis no tempo, em que a Lei da Sociedade por Quotas de 1901 suplantaria, no seu entender, o regime definido pelo actual CSC.
Efectivamente, tendo a ré sociedade sido constituída, no dia 11 de Março de 1977, e inscrita, no registo comercial, em 26 de Maio do mesmo ano, o respectivo regime de tutela encontrava-se previsto, na aludida Lei da Sociedade por Quotas de 1901, até ao momento em que a mesma foi revogada, pelo artigo 3º, nº 1, b), do DL nº 262/86, de 2 de Setembro, que aprovou o CSC em vigor.
No âmbito da vigência do artigo 6º, corpo, da Lei das Sociedades por Quotas de 1901, preceituava-se que “as quotas sociais são transmissíveis nos termos de direito”, isto é, de acordo com o instituto da cessão da posição contratual, constante dos artigos 424º a 427º, do Código Civil, acrescentando o § 3º, daquele primeiro normativo legal, que “a escritura social pode fazer depender a cessão de quotas do consentimento da sociedade ou doutros requisitos”.
E foi, por isso, que, afastando-se do critério legal supletivo, o artigo 5º, do pacto social da ré, estabeleceu, talvez, premonitoriamente, que "a cessão de quotas para estranhos, fica dependente do consentimento da sociedade”, o que viria a ser consagrado pelo artigo 230º, nº 1, do actual CSC, ao estatuir que o consentimento para a cessão de quotas deve ser pedido, por escrito, à sociedade, com indicação do cessionário e de todas as condições da cessão.
Deste modo, não se vê como, com o devido respeito, se esteja perante uma situação de conflito intertemporal de leis, porquanto foram os próprios sócios constituintes da ré quem, sem estarem obrigados a tal e podendo deixar funcionar o regime supletivo da livre transmissibilidade das quotas sociais, decorrente do corpo do artigo 6º, da Lei da Sociedade por Quotas de 1901, estabeleceram, no respectivo artigo 5º, do pacto social, o regime imperativo do consentimento da sociedade para a cessão de quotas a terceiros que, consequentemente, por se tratar de uma norma pactícia e com cobertura legal, deve ser acatada na vida social.
Aliás, não faz sentido que a ré, que não defende a livre transmissibilidade da quota a estranhos, pretenda ver aplicada a Lei da Sociedade por Quotas de 1901!
Porém, a ré sustenta que, por ocasião da vigência da Lei das Sociedade por Quotas de 1901, a recusa do consentimento à realização da cessão de quotas era incondicional, não dependendo a comunicação daquela dirigida ao sócio cedente da inclusão de uma “proposta de amortização ou de aquisição da quota”, como agora se exige no artigo 231º, nº 1, do CSC, recuperando o mecanismo da aplicação das leis no tempo, no sentido da prevalência da lei antiga.
O princípio geral, em matéria de aplicação das leis no tempo, consta do artigo 12º, nº 1, do Código Civil, ao estatuir que “a lei só dispõe para o futuro, e ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”.
Assim sendo, a lei não deve aplicar-se, em princípio, a factos passados, nem aos seus efeitos, sendo certo que a definição do que são e não são os factos passados e os efeitos dos factos passados, deve encontrar-se no respectivo nº 2.
O pensamento fundamental em que se baseia a eficácia prospectiva da lei é o de que, não podendo exigir-se às pessoas o dom de preverem as alterações legislativas futuras, ser justo aplicar aos diferentes actos jurídicos as normas em vigor no momento da sua prática, por ser com os efeitos destas que os interessados, ao agirem, podem e devem, razoavelmente, contar(8).
E o nº 2, do artigo 12º, do CC, preceitua que “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
Deste modo, se há normas que dispõem sobre a validade ou invalidade ou os efeitos de certos factos e que, simultaneamente, são normas relativas ao conteúdo de uma situação jurídica, como aquelas que respeitam à legitimidade ou ilegitimidade para a pratica de um certo acto, quando essa legitimidade ou ilegitimidade se filiem na existência de uma situação jurídica anterior, outras há que respeitam, directamente, ao conteúdo legal de uma situação jurídica, que se referem a factos ou às consequências dos mesmos sobre aquele conteúdo legal, abstraindo dos factos que lhes deram origem (9).
Assim sendo, das duas regras enunciadas neste nº 2, do artigo 12º, do Código Civil, resulta que a aplicabilidade da lei nova aos requisitos, ao conteúdo e aos efeitos dos contratos, às relações jurídicas anteriores e que subsistam à data da sua entrada em vigor, varia conforme ela abstrair, ou não, dos factos que dão origem às situações jurídicas em causa (10).
Ora, a lei nova abstrai dos factos constitutivos de uma situação jurídica contratual quando for dirigida à tutela dos interesses de uma generalidade de pessoas que se encontram ou possam vir a encontrar ligadas por certa relação jurídica, de modo que se possa dizer que a lei nova atinge as pessoas, não enquanto contratantes, mas enquanto pessoas ligadas por certo vínculo contratual(11).
Por outro lado, se a lei reguladora dos contratos é a de que cada um tem, em princípio, como estatuto definidor do seu regime, a lei vigente à data da sua celebração, a lei nova só se aplica aos factos futuros, considerando como tais os que se produzem após a entrada em vigor da norma, com excepção, em especial, das relações jurídicas duradouras que derivam daqueles factos em que a lei nova se aplica, não só às relações jurídicas constituídas na sua vigência, mas, também, às relações que, constituídas antes, protelem a sua vida, para além do momento da entrada em vigor da nova regra(12).
É que, no âmbito da aplicação das leis que se sucedem no tempo, deve partir-se da distinção entre as situações jurídicas de execução instantânea e as situações jurídicas de execução duradoura, para, em seguida, atender à lei do facto ocorrido à data da entrada em vigor da lei nova e à lei dos efeitos passados, quer uma quer outra se aplicando em ambas as referidas situações.
Porém, em relação aos restantes efeitos, ou seja, os efeitos futuros e os efeitos de um facto pretérito ainda não esgotados quando surge a lei nova, aplica-se a lei antiga quanto às situações jurídicas de execução instantânea e à fase pretérita das situações jurídicas de execução duradoura, mas já se aplica a lei nova quanto à fase subsequente destas últimas situações (13).
Sendo o estatuto do contrato, como se disse, dominado pela lei vigente ao tempo da sua conclusão, sempre que as cláusulas de um contrato celebrado na vigência da lei antiga e por esta consideradas válidas entrem em colisão com as disposições da lei nova com incidência sobre os efeitos dos contratos, e não sobre a sua validade, sendo o teor dessas disposições ditado por razões inerentes ao estatuto das pessoas ou dos bens, prevalecem sobre aquelas cláusulas, para as quais a lei nova é a competente (14).
Aliás, a matéria respeitante ao procedimento a seguir na fase subsequente à recusa do consentimento da sociedade para a cessão da quota a estranhos, abarcando situações subsistentes criadas no domínio da lei antiga, mas não os efeitos de direito que, ao abrigo desta, se produziram por força de actos ou factos ocorridos durante a sua vigência e de acordo com ela, contende com o «estatuto legal» e não com o «estatuto contratual», não lhe sendo aplicável, consequentemente, o regime da lei antiga(15).
Assim, tendo sido instaurada a presente acção, que tem por fim a declaração judicial da validade e plena eficácia da cessão de quota, na vigência do actual CSC, período durante o qual ocorreram os factos que lhe servem de fundamento, muito embora o contrato de constituição da sociedade ré haja sido formado, no quadro temporal de vigência da Lei das Sociedades por Quotas de 1901, ser-lhe-ão aplicáveis as regras daquele diploma legal, nomeadamente, as do artigo 231º, nº 1, a propósito da “recusa do consentimento”, no sentido da obrigatoriedade da comunicação desta situação ao sócio cedente incluir uma proposta de amortização ou de aquisição da quota, porquanto a nova regulamentação legal se refere, imediatamente, ao direito, sem qualquer conexão directa com o facto que lhe deu origem, não se prendendo com qualquer facto que haja produzido determinados efeitos.
Deste modo, a cláusula quinta do pacto social da ré não afasta a aplicação do regime legal consagrado pelo artigo 231º, nº 1, do CSC.

VII. DA INTEMPESTIVIDADE DO SANEADOR-SENTENÇA

Finalmente, sustenta a ré que o Tribunal «a quo» omitiu factos relevantes alegados pelas partes, no momento em que proferiu o saneador-sentença, o que demonstra que não se encontrava em condições de conhecer, de imediato, do mérito da causa, sendo certo ainda que se mostra em manifesta contradição e desfasado da insuficiente matéria de facto dada como provada.
Como, reiteradamente, tem sido afirmado, este Supremo Tribunal de Justiça aplica, definitivamente, o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo ser objecto de recurso de revista a alteração da decisão por este proferida quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, quando o STJ entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou, finalmente, quando considere que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 729º, nºs 1, 2 e 3 e 722º, nº 2, do CPC.
Assim sendo, está vedado ao STJ, em recurso de revista, exercer censura sobre a decisão da Relação, relativa à suficiência ou insuficiência da matéria de facto para julgar de mérito no despacho saneador, porquanto esta decisão integra, em princípio, questões de facto, da exclusiva competência das instâncias, sem que ocorra a hipótese excepcional, prevista pelo artigo 722º, nº 2, do CPC (16)., nem se verifiquem contradições na decisão da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, a que se reporta o artigo 729º, nº 3, do mesmo diploma legal, como bem resulta do teor do presente acórdão.
Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da revista da ré.

CONCLUSÕES:

I - Tendo o Tribunal apreciado e decidido, quer a solicitação das partes, quer pela via da oficialidade, uma questão de conhecimento oficioso, de cuja decisão não foi interposto recurso, esgotou-se o poder jurisdicional quanto à mesma, constituindo-se o caso julgado formal, não podendo, de novo, ser reapreciada e decidida, sob pena de não valer o princípio do caso julgado para as questões de conhecimento oficioso que, de outro modo, estariam sempre à mercê de sucessivas e novas apreciações do Tribunal, no mesmo processo, independentemente do respectivo sentido de orientação de umas e outras.
II – O prazo legal da convocação da assembleia-geral da sociedade por quotas reporta-se à expedição e não à recepção da respectiva convocatória, ressalvado, obviamente, o limite inultrapassável da data em que aquela foi designada e deveria teria lugar, mas não estando cativo de idêntico prazo de antecedência mínima a resposta à informação complementar solicitada por um sócio, a propósito do consentimento para a cessão de quotas.
III – O consentimento da sociedade constitui um requisito legal da eficácia da cessão de quotas, cuja falta não determina a invalidade da cessão, mas apenas a sua ineficácia para com a sociedade, tudo se passando, enquanto não for prestado o consentimento, como se a cessão não tivesse existido.
IV - A proposta de amortização ou de aquisição da quota não pode consistir na simples menção de amortizar ou adquirir, antes deve conter todos os elementos indispensáveis para que o cedente-destinatário possa, conscientemente, tomar uma decisão de aceitação.
V - A eficácia da cessão para a qual o consentimento foi pedido deixa de depender deste, tornando-se livre, nomeadamente, se a proposta subsequente à sua recusa for omitida, sub-entendendo-se que a omissão da proposta é equivalente a uma situação em que esta não corresponda aos requisitos legais.
VI - A proposta de amortização ou de aquisição da quota que a sociedade deve comunicar ao sócio cedente, em caso de recusa do consentimento daquela, não contende com a existência de um qualquer pacto de preferência, inserido no contrato social ou acordado entre os sócios.
VII - Não podendo o contrato de sociedade subordinar os efeitos da cessão de quotas a requisito diferente do consentimento da sociedade, e inexistindo no pacto social a consagração expressa da dispensa do consentimento para a cessão da quota, a estipulação de uma cláusula de preferência não obsta a que o regime legal do consentimento prevaleça sobre aquela.
VIII – Não se pode adoptar, em alternativa, na sequência da recusa do consentimento pela sociedade, o direito convencional de preferência, a favor de algum ou alguns sócios, ou a apresentação da proposta de amortização ou de aquisição da quota da sociedade.
IX - Uma vez tornada livre a cessão, a sua eficácia perante a sociedade já não depende do consentimento desta ou da sua falta, mas apenas, nesta última hipótese, da comunicação que aquela foi efectuada pelo cessionário, e que a mesma recebeu.
X - A lei nova abstrai dos factos constitutivos de uma situação jurídica contratual quando for dirigida à tutela dos interesses de uma generalidade de pessoas que se encontram ou possam vir a encontrar ligadas por certa relação jurídica, de modo a que se possa dizer que a lei nova atinge as pessoas, não enquanto contratantes, mas enquanto pessoas ligadas por certo vínculo contratual.
XI - É de aplicar a lei antiga, em relação aos efeitos futuros e aos efeitos de um facto pretérito ainda não esgotados quando surge a lei nova, quanto às situações jurídicas de execução instantânea e à fase pretérita das situações jurídicas de execução duradoura, mas já se aplica a lei nova quanto à fase subsequente destas últimas situações.
XII - Sendo o estatuto do contrato dominado pela lei em vigor, ao tempo da sua conclusão, sempre que as cláusulas de um contrato celebrado na vigência da lei antiga e por esta consideradas válidas entrem em colisão com as disposições da lei nova com incidência sobre os efeitos dos contratos, e não sobre a sua validade, sendo o teor dessas disposições ditado por razões inerentes ao estatuto das pessoas ou dos bens, prevalecem sobre aquelas cláusulas, para as quais a lei nova é a competente.
XIII - A matéria respeitante ao procedimento a seguir na fase subsequente à recusa do consentimento da sociedade para a cessão da quota a estranhos, abarcando situações subsistentes criadas no domínio da lei antiga, mas não os efeitos de direito que, ao abrigo desta, se produziram por força de actos ou factos ocorridos durante a sua vigência e de acordo com ela, contende com o «estatuto legal» e não com o «estatuto contratual», não lhe sendo aplicável, consequentemente, o regime da lei antiga.
XIV - Está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, em recurso de revista, exercer censura sobre a decisão da Relação, relativa à suficiência ou insuficiência da matéria de facto para julgar de mérito no despacho saneador, porquanto esta decisão integra, em princípio, questões de facto, da exclusiva competência das instâncias, não se verificando a hipótese excepcional prevista pelos artigos 722º, nº 2 e 729º, nºs 2 e 3, do CPC.

DECISÃO (17):

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido.

*

Custas da revista, a cargo da ré.

*

Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça,
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2011.
Helder Roque (Relator)
Gregório Silva Jesus
Martins de Sousa
____________________________
(1) Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
(2) Raul Ventura, Sociedades por Quotas, I, 2ª edição, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 1999, 577; Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, II, 2ª edição, 2008, 365.
(3) Raul Ventura, Sociedades por Quotas, I, 2ª edição, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 1999, 644.
(4) STJ, de 21-10-1999, Pº nº 99B410, in www.dgsi.pt
(5) Raul Ventura, Sociedades por Quotas, I, 2ª edição, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 1999, 613.
(6) STJ, de 22-11-2001, Pº nº 01B2937, in www.dgsi.pt
(7) Raul Ventura, Sociedades por Quotas, I, 2ª edição, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 1999, 631.
(8) Antunes Varela, RLJ, Ano 103º, 187; e Ano 120º, 108.
(9) Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, 1968, 353 a 355.
(10)Vaz Serra, RLJ, Ano 110º, 272.
(11) STJ, de 5-5-1994, BMJ nº 437, 477.
(12) Antunes Varela, RLJ, Ano 120º, 151; Ano 114º, 16.
(13) Galvão Telles, Sucessões, 5ª edição, 1985, 269 e ss.
(14) Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13ª reimpressão, 2002, 242.
(15) Henrique Mesquita, em anotação ao acórdão do STJ de 16-1-86, publicado no BMJ nº 353, 450 e ss., RDES, XXIX,, Out-Dez de 1987, nº 4 (II da 2ª série), 532 e 533; STJ, de 5-5-1994, BMJ nº 437, 477.
(16) STJ, de 2-12-1992, BMJ nº 422, 273.
(17)Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.