Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1287/08.6JDLSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
COACÇÃO
TENTATIVA
PORNOGRAFIA
MENOR
ACORDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
CONSENTIMENTO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
JUÍZO DE PROGNOSE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
TRATAMENTO MÉDICO
Data do Acordão: 11/12/2014
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão:
PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME / CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO /ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL / CRIMES CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Ferrajoli, Derecho y razon, p. 399.
- Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral, Tomo I, p. 681 e segs..
- Gimbernat Ordeig, Estudios de Derecho Penal, 3.ª ed., Tecnos Madrid, p. 151.
- Jeschek, Tratado de Derecho Penal, p. 470.
- Laura LowenKron , (Menor)idade e consentimento sexual..., Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2007, V. 50 Nº 2. Ag 715 e segs..
- Norbierto Barranco, O Princípio da proporcionalidade Criminal, p. 209.
- Pinto de Oliveira, Iter criminis: o caminho do crime. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3104, 31 dez. 2011.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 22.º, 23.º, 50.º, 72.º, N.ºS 1 E 2, 73.º, 154.º, N.º 1, 155.º, N.º 1, AL. B), 171.º, N.ºS 1, 2 E 3, AL. B), 173.º, N.º 2, 176.º, N.º 1, AL. B), 177.º, N.º 6.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 400.º, ALS. D) E E), 432.º, N.º1, AL.C).
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS DA CRIANÇA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (1989).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-AFJ N.º 4/2009, DE 18-02-09.
Sumário :

I - O arguido interpôs recurso da decisão do Tribunal da Relação que, negando provimento ao recurso por si interposto, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo MP e, em consequência, o condenou: a) pela prática de um crime de abuso sexual de criança, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º e 171.º, n.ºs 1 e 2, do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; em cúmulo jurídico, englobando a pena parcelar antes referida e as aplicadas em sede de 1.ª instância e confirmadas na mesma decisão, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
II - Na 1.ª instância o arguido foi condenado nas seguintes penas:
- pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 3, al. b), do CP, na pena de 14 meses de prisão;
- pela prática de um crime de abuso sexual de adolescente, p. e p. pelo art. 173.º, n.º 2, do CP, na pena de 2 anos de prisão;
- pela prática de dois crimes de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. b), 22.º, 23.º e 73.º, do CP, nas penas de 1ano de prisão e de 10 meses de prisão;
- pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176.º, n.º 1, al. b), e 177.º, n.º 6, do CP, na pena de 3 anos de prisão.
III -O AFJ 4/2009, de 18-02-09, fixou jurisprudência no sentido de que, em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1.ª instância. Assim, a questão da recorribilidade convocada no caso está perfeitamente definida no sentido da admissibilidade de recurso para o STJ das decisões absolutórias ou decisões que aplicam penas privativas de liberdade, estar dependente de as respectivas penas se inscreverem no catálogo da al. c) do n.º 1do art. 432.º do mesmo diploma, ou seja, serem superiores a 5 anos (als. d) e e) do art. 400.º do CPP na versão introduzida pela Lei 20/2013, de 21-02).
IV - Consequentemente, tal como no caso vertente, a decisão absolutória proferida em 1.ª instância a que se tenha sucedido uma decisão condenatória em pena privativa de liberdade inferior a 5 anos proferida pelo Tribunal da Relação não é susceptível de recurso para o STJ. Igualmente não são susceptíveis de recurso, nos mesmos termos, as restantes penas parcelares que mereceram a confirmação do Tribunal da Relação. Assim sendo, o presente recurso cinge-se à questão da pena conjunta aplicada.
V - A decisão recorrida não teve em atenção questões relevantes do concurso de penas e que têm consequências na aplicabilidade do princípio da proporcionalidade. Na verdade, existem três itens que não foram abordados naquela decisão, nomeadamente o tempo decorrido desde a data dos factos, a circunstância dos actos punidos terem subjacente um consentimento que, sendo irrelevante em termos de afastamento da punibilidade, deve ser valorado em função da proximidade da sua relevância jurídico-penal e, por último, a circunstância de alguns dos factos praticados se situarem numa zona de transposição entre o acto preparatório e o acto tentado o que deve ser valorado em função da intensidade com que foi atingido o bem jurídico protegido, nomeadamente a protecção da menor.
VI - Impõe-se, ainda, a consideração de que o arguido apresenta um percurso profissional e pessoal caracterizado pela assunção dos compromissos inerentes à sua condição de subscritor do contrato social. Assim, temos por adequada a pena conjunta de 5 anos de prisão.
VII - No caso concreto, o arguido tem um percurso de vida pautado pela normalidade na sua assunção de deveres para com a comunidade e para com a família. Não tem passado criminal e confessou parcialmente os factos ocorridos. Não obstante a gravidade que, em abstracto, reveste este tipo de actos para o comum dos cidadãos, o certo é que a ponderação da gravidade dos factos praticados conjugada com a personalidade do arguido permitem dar o necessário realce ao juízo de prognose positivo quanto à possibilidade de a censura expressa na condenação e a ameaça de execução da pena de prisão aplicada serem suficientes para afastar o arguido de um futuro criminoso.
VIII - Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 50.º do CP, se suspende a execução da pena aplicada pelo período de 5 anos, sob a condição de o mesmo se submeter a acompanhamento, em consultas da especialidade de psiquiatria e/ou psicologia, se possível em sub-especialidade preferencialmente direccionada para o prosseguimento de perturbações como a apresentada (espectro das parafilias).



Decisão Texto Integral:

                                   Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

O arguido AA veio interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que, negando provimento ao recurso por si interposto, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, o condenou:

a) Pela prática de um crime de abuso sexual de criança, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 171°, nºs 1 e 2, do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

b) Em cúmulo jurídico, englobando a pena parcelar antes referida e as aplicadas em sede de primeira instância e confirmadas na mesma decisão o condenou na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em sede de decisão de primeira instância o arguido foi condenado nas seguintes penas:

-Pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 3, al. b), do C. Penal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão;

- Pela prática de um crime de «abuso sexual de adolescente», p. e p. pelo artº 173º, nº 2, do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- Pela prática de dois crimes de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 154º, nº 1 e 155º, nº 1, al. b), 22º, 23º e 73º, do C. Penal, assim procedendo à convolação, nas penas de 1 (um) ano de prisão (ofendida BB) e de 10 (dez) meses de prisão (ofendida CC);

- Pela prática de de um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 6, do C. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:

a)         Por douto acórdão proferido nos autos foi o arguido condenado como autor material, e em concurso real, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punível pelo art. 171º nº 3, al. b) do Código Penal, na pena de 14 meses de prisão; de um crime de abuso sexual de criança, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, 73º, 171º nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão; de um crime de acto sexual de adolescente, previsto e punível pelo art. 173º nº 2 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; de dois crimes de coação agravada, na forma tentada, previstos e puníveis pelos artigos 154º e 155º nº 1 alínea b), 22º, 23º e 73º do Código Penal, sendo que, operada a convolação, um ano de prisão relativamente à ofendida BB e 10 meses de prisão relativamente á ofendida CC; e um crime de pornografia de menores, na forma continuada, previsto e punível pelos artigos 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 6 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, e em cúmulo jurídico na pena de cinco anos e seis meses de prisão.

b)         O arguido aceita ter praticado um crime de abuso sexual de criança, previsto e punível pelo art. 171º nº 3, al. b) do Código Penal, um crime de coação agravada, na forma tentada, na pessoa da ofendida BB, previsto e punível pelos artigos 154º e 155º nº 1 alínea b) do Código Penal, e um crime de pornografia de menores, na forma continuada, previsto e punível pelos artigos 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 6 do Código Penal.

c)          O crime de acto sexual de adolescente na pessoa de CC, não se provou, em virtude de se não ter provado que o arguido abusou da inexperiência da ofendida;

d)         O arguido não cometeu, nem se provou, a prática do crime de coacção agravada, na forma tentada, na pessoa da ofendida CC, previsto nos artigos 154º e 155º nº 1 al. b) do Código Penal, e muito menos se provou a circunstância agravante, previstas na al. b) do nº 1 do art. 155º do Código Penal.

e)          Não se provou que o arguido tenha cometido o crime de abuso sexual de criança, na forma tentada, na pessoa da ofendida BB, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, 73º, 171º nºs 1 e 2 do Código Penal;

f)          A ofendida BB sempre afirmou que jamais compareceria a qualquer encontro com o arguido, donde sempre seria impossível consumar-se o crime.

g)          O “encontro” foi marcado sob a égide da Polícia Judiciária e da mãe da menor BB, com o estrito objectivo de deter o arguido;

h)         O arguido não pode ser punido pela tentativa de um crime sem objecto, não podendo os actos praticados serem qualificados como actos de execução.

i)          Independentemente de reclamar a sua absolvição quanto a três dos crimes por que foi condenado, as penas parcelares aplicadas a cada crime são exageradas, e, independentemente disso, verificam-se circunstâncias que devem conduzir à suspensão da pena na sua execução, ainda que sujeita a regras de conduta e prova regular das mesmas nos autos.

j)          A pena excessiva é evidente no que ao crime de acto sexual com adolescente e coacção, na forma tentada, na pessoa da ofendida CC, devendo a mesma, em função das circunstâncias do facto, ser reduzida para multa ou para não mais de seis meses de prisão, já que o arguido, após prévias conversas sobre sexo, deslocou-se da zona de Lisboa a Portimão, e a ofendida, prestes a fazer 16 anos, entrou livremente no veículo e indicou-lhe o local para onde deviam seguir.

k)         A medida da pena do crime de abuso sexual de criança, na pessoa da menor BB, previsto e punível pelo art. 171º nº 3, al. b) do Código Penal, fixado em catorze meses é excessiva, tendo em conta que, sem excluir a responsabilidade do arguido, e apesar da menor ter 13 anos de idade, a mesma denota já algumas experiência, que se consubstancia não só na forma como, em tempo, arrepiou caminha, mas também das conversas que tinha nos seus SMS, devendo a pena ser fixada em não mais de seis meses de prisão.

l)          Pelas mesmas razões, a medida da pena para o crime de coacção agravada, no forma tentada, na pessoa da menor BB, não dever exceder seis meses de prisão.

m)        Ao crime de pornografia de menores, na forma continuada, previsto e punível no artigo 176º nº 1 al. b) e 177º nº 6 do Código Penal, o Tribunal aplicou uma pena de três anos de prisão, que é também exagerada, não devendo exceder dezoito meses de prisão, já que as fotografias que detinha eram apenas para uso pessoal e ao aceder aos sites fazia-o apenas em termos de visionamento.

n)         O Supremo Tribunal de Justiça, embora tenha um poder reduzido quanto à alteração da matéria de facto, pode encontrar algumas contradições nos factos dados por provados, nomeadamente, no que tange à ofendida CC, suspectíveis de conduzirem à absolvição do arguido ou, pelo menos, a uma redução acentuada da ilicitude do comportamento do arguido.

o)         E mesmo quanto à ofendida BB, os factos dados por provados omitem muitas das conversas com origem na menor e que a partir de certa altura eram potenciadas por terceiros, controladas pela P. J., com o objectivo único de deter o arguido.

p)         O arguido tem 58 anos de idade, sofre de uma perturbação da personalidade, é aposentado da ..., tem excelente comportamento militar e não tem antecedentes criminais.

q)         O arguido mostrou arrependimento sincero, confessou parcialmente os factos que lhe vinham imputados, nomeadamente quanto à menor BB e à parte em que manteve conversações de teor sexual com as menores, bem como que se deslocou à loja Vobis, em Almada, e que aí visualizou sites de pornografia de menor.

r)          O arguido tem frequentado consultas de Psicologia e de Psiquiatria, e encontra-se medicado.

s)          Os factos de que vem acusado dizem respeito ao ano de 2008, mantendo-se o arguido em liberdade.

t)          Já passou muito tempo desde a prática dos factos até hoje, mantendo o arguido boa conduta, e na sua mente foi interiorizando não só a gravidade da sua conduta e a necessidade de arrepiar caminho, mas também a forte possibilidade de não lhe ser aplicada uma pena privativa da liberdade.

u)         O arguido está inserido social, profissional e familiarmente.

v)         O arguido pediu desculpa às ofendidas, às famílias, inclusive à sua, e aos amigos, disponibilizou-se para aceitar qualquer imposição ou tratamento que o Tribunal entenda ajustado ao seu comportamento.

w)         Estão verificados todos os pressupostos legais não só para uma atenuação extraordinária da pena.

x)         Estão igualmente verificados os requisitos legais para a suspensão da pena na sua execução, ainda que sujeita a regras de conduta e à prova das mesmas nos autos.

y)          Atenta a natureza de uma pena ou sanção, a suspensão da execução da pena não deixa, no caso concreto, de se fazer sentir no próprio arguido, constituindo medida dissuasora em termos de prevenção particular e geral, satisfazendo-se as necessidades de censura social, através da sujeição a regras de conduta.

Termina pedindo que seja absolvido da prática do crime de abuso sexual de criança, na forma tentada, na pessoa de BB; seja absolvido da prática do crime de acto sexual com adolescente, na pessoa da ofendida CC;s eja absolvido da prática do crime de coação agravada, na forma tentada, na pessoa da ofendida CC;

                Sem prejuízo do cúmulo jurídico a operar reduzidas as penas dos crimes praticados:

     A) De abuso sexual de criança, na pessoa da ofendida BB, previsto e punível pelo art. 171º nº 3, al. b) do Código Penal, de catorze meses de prisão, para multa ou não mais do que seis meses de prisão;

     B) De coacção agravada, na forma tentada, na pessoa da ofendida BB, previsto e punível pelos artigos 154º e 155º nº 1 alínea b) do Código Penal, de um ano de prisão, para multa ou não mais de seis meses de prisão;

     C) De pornografia de menores, na forma continuada, previsto e punível pelos artigos 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 6 Código Penal, de três anos de prisão, para dezoito meses de prisão

        Mais entende haver lugar à atenuação extraordinária da pena e que, independentemente desta, deve a pena ser suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regras de conduta, com eventual recurso à prova das mesmas.

            Respondeu o Ministério Publico advogando a manutenção da decisão recorrida.

Neste Supremo Tribunal de Justiça foi emitido proficiente parecer pelo ExºMº Sr Procurador Geral no qual se conclui que é de rejeitar o recurso, nos segmentos em que o recorrente convoca a reapreciação das questões que se identificam  por inadmissibilidade legal, nos termos dos arts. 432.º, n.º 1/b), 400.º, n.º 1/e) e 420.º, n.º 1/b), com referência ao art. 414.º, n.ºs 2 e 3, todos do CPP;

Na improcedência do mesmo recurso – no que diz respeito às questões relativas à pena única do respectivo concurso – é de confirmar o decidido pelo Tribunal da Relação

                                   Os autos tiveram os vistos legais

                                                           *

                                               Cumpre decidir.

Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:

1. Desde data não concretamente determinada mas seguramente desde o ano de 2008 o arguido acedia a chats da internet - messenger, netlog (entre outros) de onde retirava os contactos de raparigas para depois estabelecer conversação directamente com as mesmas.

2. Assim aconteceu com as ofendidas BB, de treze anos e CC, de quinze anos e com outras menores não concretamente identificadas.

3. No ano de 2008, BB usava os chats da internet como meio habitual de comunicação com os seus amigos.

4. No ano lectivo 2007/2008, e utilizando o endereço electrónico BB@, BB estabeleceu contacto via "Messenger" (adiante designado abreviadamente "MSN") com um indivíduo que se identificou com nome não concretamente apurado.

5. Tais contactos mantiveram-se durante as férias de Verão de 2008.

6. Durante tais contactos, BB enviou àquele indivíduo e a pedido deste, diversas fotografias suas, algumas das quais aparecendo retratada em roupa interior.

7. O referido indivíduo nunca lhe enviou fotografias suas, sendo certo que se despia e masturbava em frente à webcam, o que era visionado pela ofendida em sua casa.

8. As imagens exibidas eram emitidas em directo ou gravadas previamente.

9. O indivíduo nunca exibiu o seu rosto.

10. O mencionado indivíduo alegou que tinha um tio e que ia pô-los em contacto.

11. BB autorizou-o, então, a facultar ao "tio" o seu contacto telefónico nº ..., passando, desde então, a trocar com o arguido mensagens via MSN e via telemóvel.

12. Foi o referido indivíduo que a pôs em contacto com o arguido, facultando a um e a outro os contactos.

13. A ofendida nunca conheceu pessoalmente o mencionado indivíduo nem o arguido Inácio.

14. A ofendida desconhecia o verdadeiro nome do arguido e só o conhecia pelo seu nickname "PAX".

15. A ofendida desconhecia a verdadeira idade do arguido.

16. A "ambos" a ofendida informou ter treze anos de idade.

17. A ofendida começou, então, a falar regularmente com o arguido num chat, o que o arguido fazia, para a cativar, com modos amáveis.

18. O arguido detinha em seu poder fotografias que a ofendida apenas tinha enviado ao mencionado indivíduo.

19. Durante os meses de Agosto e Setembro de 2008, quer através do Messenger, a partir da sua residência sita em Vale Milhaços, Corroios, Seixal, para a residência da menor BB, sita em Caxias, em Oeiras, quer via telemóvel, culminando com a marcação de um encontro, no dia 9 de Setembro de 2008, em Belém, Lisboa, o arguido manteve conversações com a menor BB com o teor de fls. 7 a 53, 84 e 85 do Apenso A, e 128 a 134 dos autos, que se dá aqui por reproduzido.

O arguido actuou do modo descrito, tendo em vista obter dela o envio de fotografias, em poses a sugerir a prática de actos sexuais, bem como de com ela se encontrar para manter relações sexuais, só não tendo logrado este propósito por força da intervenção policial.

20. O arguido tinha conhecimento de que BB tinha treze anos de idade.

21. Em data não concretamente apurada, mas entre Abril e Maio de 2008, utilizando o seu endereço electrónico ...@..., o arguido iniciou contactos quase diários com BB através do endereço desta BB@..., contactos que se faziam, igualmente, através do contacto telefónico que a ofendida facultara com o n ....

22. Entre Abril/Maio e Setembro de 2008, o arguido trocou inúmeras mensagens com a ofendida BB quer através do messenger, via internet, quer por telemóvel, via sms, utilizando, para tal, o telemóvel com o n0 ....

23. Este telemóvel com o nº ... encontra-se registado na operadora Vodafone como pertencendo ao arguido Inácio, sendo por este utilizado diária e pessoalmente.

24. O arguido disse a BB ter cerca de trinta anos.

25. O arguido afirmou a BB ter consigo as fotografias que o sobrinho lhe fornecera, manifestando desejo de se encontrar com ela.

26. Nesse período, o arguido solicitou a BB que lhe enviasse fotografias suas, o que esta satisfez.

27. Pouco depois, o arguido pediu à ofendida que lhe enviasse fotografias em poses provocantes, apenas em cuecas, ou de fato de banho, o que a ofendida satisfez.

28. O arguido solicitou à ofendida BB o envio de tais fotografias porque se interessou sexualmente por ela.

29. Apesar das constantes insistências por parte do mesmo para que ambos se encontrassem, o que se prolongou durante cerca de um mês, BB sempre foi respondendo negativamente a tal pretensão, argumentando com desculpas várias para se eximir a tal encontro.

30. O arguido manifestou a BB o desejo de manter com ela relações de natureza sexual, fazendo alusão concretamente a cópula, ainda que de forma não expressa.

31. Com a confiança que foi adquirindo com a menor, o arguido convenceu-a a enviar-lhe fotografias cada vez mais ousadas, o que ela acabou por fazer.

32. Por fim, o arguido pediu à ofendida BB que lhe enviasse fotografias suas totalmente despida.

33. O arguido pediu à ofendida que lhe enviasse um vídeo a masturbar-se ou a tomar banho, pedido que esta não satisfez.

34. O arguido prometeu que lhe carregaria o telemóvel com € 20.

35. A ofendida adiantou-lhe que não era uma prostituta.

36. Mas perante a insistência do arguido, a ofendida foi enviando fotos suas, uma delas integralmente nua e outras semi-nua (em roupa interior).

37. O arguido gravou e guardou todas as fotografias que a ofendida lhe mandara na pendrive apreendida, num ficheiro denominado" BB”.

38. O arguido começou, então, a desafiar a ofendida BB para se encontrar pessoalmente consigo, o que a ofendida não fez nem desejava fazê-lo.

39. Passado algum tempo, o arguido começou a enviar mensagens, via MSN e telemóvel (SMS), à ofendida afiançando-lhe que caso não acedesse aos seus propósitos divulgaria as suas fotografias, via internet, ficando assim acessíveis a todos os seus amigos e familiares.

40. Na verdade, o arguido manteve com a ofendida BB diversas conversas via "Messenger" (MSN) entre as 10h23:53 e as 12h20:52 do dia 11.08.2008, entre as 15h54:37 e as 16hll:06 do dia 3.9.2008, entre as 17h3m48 e as 17h16m37 do dia 4.9.2008, entre as 23h34m25 do dia 5.9.2008 e as 00h21m53 do dia 6.9.2008, às 19h27m16 do dia 6.9.2008 e ainda entre as 19h05m59 e as 19h46m03 de 7.9.2008.

41. Nessas conversas, o arguido sob ameaça de divulgação das fotografias da ofendida BB, nalgumas semi-nua e numa nua, que detinha em seu poder, forçou-a a enviar-lhe mais fotografias de idêntico teor, a desnudar-se, a exibir partes do seu corpo, a tocar nos seios, através da webcam por forma a observá-la, e ainda a efectuar vídeos onde aquela se encontre nua e a masturbar-se.

Sob tais ameaças, obrigou-a ainda à marcação de um encontro entre ambos, no sentido de com ela vir a manter actos de natureza sexual, bem sabendo que a mesma tinha 13 anos de idade.

42. Através do seu telemóvel com o nº ... o arguido enviou, entre o dia 07.09.2008 e dia 08.09.2008, mensagens de texto (SMS) para o telemóvel da menor BB, com as quais pressiona e força a ofendida ao agendamento de um encontro pessoal (cfr. fls. 83 a 86 do Apenso A, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

43. Com o mesmo objectivo, o arguido telefonou do seu telemóvel com o nº ... por diversas vezes à ofendida, entre os dias 05.09.2008 e 08.09.2008, gritando com esta para deste modo a amedrontar e constranger a encontrar-se consigo pessoalmente para com esta manter relações sexuais.

44. Nesta sequência, o arguido marcou um encontro com a ofendida no dia 9.9.2008, na estação da CP de Belém, local para onde se deslocou ao volante do seu veículo automóvel de matrícula ...-RX, com o estrito objectivo de manter relações sexuais com a ofendida menor BB, que sabia ter treze anos.

45. Para tanto, entre o dia 7.9.2008, pelas 21h4m1seg e o dia 9.9.2008, pelas 14h48m29', o arguido trocou com a ofendida as mensagens escritas que se encontram descritas a fls. 128 a 134 dos autos, e 41 a 44, 48 a 49,51 a 52, 56 a 58, 64 a 65, 67 a 70 do Apenso B e fls. 83 a 86 e 103 a 105 do Apenso A, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

46. No dia 9.9.2008, por volta das 9h, a ofendida BB foi novamente contactada na sua residência pelo denunciado insistindo para que aquela acedesse a com ele se encontrar.

47. Mais tarde, em novo contacto, desta feita via MSN, forçou a menor a com ele se encontrar nesse mesmo dia, junto à Estação da CP de ..., em Lisboa, seguindo sempre as indicações que o mesmo lhe enviaria, via SMS, encontro que ficara agendado para as 14h/14h30.

48. O arguido afiançou à ofendida que as suas fotografias se encontravam em poder de alguém que na sua falta as publicitaria.

49. Pelas 11h do dia 9.9.2008 o arguido perguntou via MSN à ofendida se tomava a pílula. Tendo esta respondido negativamente este perguntou ainda "alguma xena dexas?", tendo a ofendida voltado a responder negativamente (cf. fls.134).

50. Minutos antes, pelas 10h56m, pela mesma via, o arguido afiançara à ofendida "i n tenhas medu pk eu sou pexoa de bem nd de mal te vai acontexer' (cf. fls.133).

51. A ofendida BB não chegou a encontrar-se pessoalmente com o arguido devido à intervenção policial, contra a vontade e expectativa deste.

52. O arguido detinha em seu poder três preservativos, dois cartões SIM para telemóvel, bem como o telemóvel utilizado pelo mesmo, equipado com o cartão SIM ao qual corresponde o nº ....

53. O arguido detinha no interior da viatura automóvel de marca Volkswagen, modelo Passat, de cor cinzenta, com a matrícula ...-RX, viatura esta de sua pertença e pelo mesmo utilizada, uma pendrive que se encontrava escondida debaixo do tapete do lado do condutor.

54. O arguido detinha, ainda, em seu poder no interior da sua viatura de matrícula ...-RX, de sua pertença uma embalagem de toalhitas de limpeza e embalagens de lenços de papel.

55. No seu domicílio sito na R. ..., no dia 9.9.2008, o arguido detinha um computador (CPU) através do qual comunicava com a ofendida BB, entre outras.

56. A pendrive apreendida ao arguido continha a gravação constante do auto de visionamento, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido (vd. Auto de Visionamento de fls. 198 a 212 dos autos e Apenso C) nela se encontrando:

• um directório/pasta denominada BB@", constituído por quinze fotografias e dois vídeos, onde se encontra retratada a menor BB (cf. fls. 200 a 201);

• No que respeita às fotografias, a menor BB surge retratada numas em roupa interior noutras exibindo partes do corpo desnudadas (seios e vagina), sendo que numa aparece totalmente desnudada, exibindo integralmente o seu corpo nu (cf. fls. 34 a 38 do Apenso C).

• No que respeita aos vídeos, a menor BB aparece em frente ao computador, a escrever no respectivo teclado (cf. fls. 37 do Apenso C);

• Um directório com uma pasta denominada "van" respeitante à ofendida CC (cfr. fls.340, 341, vd. auto de visionamento de fls. 198 a 212 dos autos e Apenso C).

57. Nesta pendrive o arguido armazenou fotografias de outras jovens raparigas em determinadas poses, nalgumas sendo exibidos os órgãos sexuais bem como outras partes do corpo.

58. O telemóvel apreendido ao arguido e cartão SIM que o equipava continha:

• gravado na sua agenda o contacto telefónico da menor BB (...), cf. fls.153;

• gravação de vários SMS, provenientes do telemóvel da menor BB (...), datadas de 9.9.2008, entre as lOh03m5 e as 14h57m9, mensagens que se reportam ao encontro entre vítima e arguido, na data, local e circunstâncias já acima referidas.

59. Um dos dois cartões SIM apreendidos ao arguido constitui uma duplicação dos contactos que se encontram armazenados no Cartão SIM que equipava o telemóvel do arguido à data do exame ao aparelho (cf. fls. 83 a 187).

60. Em data não concretamente determinada dos anos de 2007-2008, o arguido conheceu, igualmente, via internet, CC, à data, menor de 15 anos.

61. O arguido encetou, então, contactos com esta ofendida via messenger.

62. O arguido, fazendo-se passar por "Sílvia", pediu amizade à ofendida CC e esta aceitou, adicionando-a aos seus contactos de MSN.

63. Por diversas vezes, o arguido manteve conversação no chat com a ofendida CC, solicitando que ligasse a webcam para a ver, o que a ofendida CC fez apenas por uma vez.

64. Sempre na pele de “Sílvia", o arguido falou à ofendida CC de um indivíduo que conhecia, com quem se relacionava sexualmente a troco de dinheiro.

65. A ofendida percebeu tratar-se da mesma pessoa, ou seja, que a “ Sílvia'' era o próprio indivíduo a que o arguido fazia alusão.

66. A “Sílvia" adiantou à ofendida CC que daria o seu endereço electrónico a tal indivíduo, não se tendo esta oposto.

67. Em consequência de tal facto, o arguido contactou a ofendida tendo perguntado a esta onde morava (no caso, em Portimão), que idade tinha, entre outras informações sobre si.

68. A ofendida disse ao arguido qual era a sua idade, ou seja, que tinha 15 anos.

69. O arguido não referiu a sua idade.

70. Nas referidas conversas, CC disse ao arguido necessitar de €70 (setenta euros).

71. O arguido de imediato se ofereceu para ir a Portimão encontrar-se com a ofendida e entregar-lhe o dinheiro exigindo-lhe explicitamente, em troca, a prática de relações sexuais, o que a ofendida prontamente negou.

72. O arguido voltou a abordar o assunto com a ofendida via MSN, tendo acabado por trocar com esta contactos telefónicos tendo, em consequência, conversado telefonicamente algumas vezes e trocado diversos SMS.

73. Mesmo perante a recusa da ofendida em relacionar-se sexualmente consigo, o arguido decidiu ainda assim deslocar-se a Portimão a fim de com ela se encontrar, sob o pretexto único de lhe entregar os 70 euros.

74. Encontraram-se, então, em dia não apurado do mês de Agosto de 2008 junto ao estabelecimento comercial denominado LIDL, naquela cidade algarvia.

75. Depois de se terem encontrado, a ofendida entrou no carro do arguido de matrícula ...-RX, a convite deste e de sua livre vontade.

76. O arguido conduziu o veículo até local não concretamente apurado, em Portimão.

77. Ali chegados, a ofendida passou para o banco traseiro da viatura.

78. O arguido saiu do carro, foi à bagageira e retirou do interior da mesma uma toalha de banho e uma máquina fotográfica. Seguidamente entrou no veículo para junto da ofendida e estendeu a toalha sobre o banco traseiro da viatura.

79. De seguida despiram-se ambos, ficando nus no interior do carro.

80. O arguido insistiu com a ofendida para se relacionarem sexualmente, mesmo sabendo que esta tinha apenas 15 anos de idade.

81. Contra a vontade da ofendida, o arguido apalpou os seus seios e vagina, apalpando-a, ainda, na região anal.

82. Face à resistência da ofendida CC, que afastava o arguido de si aquando das investidas, o arguido disse-lhe que "tinha vindo cá para nada",

83. O arguido começou a ficar nervoso e irritado.

84. A ofendida estava sozinha com o arguido, no interior do carro deste.

85. A ofendida tinha quinze anos de idade e não tinha a quem pedir auxílio.

86. A ofendida estava com medo do arguido e de uma reacção violenta para consigo, acabando, em face destas circunstâncias, por aceder a algumas insistências do arguido.

87. O arguido exigiu que a ofendida lhe fizesse sexo oral.

88. Para o efeito a ofendida, com as suas mãos, pegou no pénis do arguido e colocou-o na sua boca.

89. A ofendida negou as pretensões do arguido em penetrá-la.

90. O arguido entregou à menor os 70 euros.

91. Ainda no carro, e estando ambos nus, o arguido tirou diversas fotografias à ofendida determinando as posições em que esta se deveria colocar para o efeito.

92. CC nunca desejou manter qualquer tipo de relacionamento sexual ou afim com o arguido ou por este ser fotografada e apenas se desnudou completamente, por ter ficado com medo, atento o estado de nervosismo em que o arguido se encontrava, devido a se ter recusado a manter relação de cópula com o arguido, apesar das insistências deste.

93. O arguido só não praticou com a ofendida relação de cópula porquanto a ofendida conseguiu evitar que tal ocorresse, resistindo às suas investidas. Apenas e só por medo da reacção do arguido, acedeu à prática de coito oral, nas circunstâncias acima descritas.

94. A ofendida sentiu-se constrangida pelo arguido para ser fotografada bem como a com ele manter relacionamento sexual, pois caso contrário nunca teria para com aquele os comportamentos e as posturas descritas.

95. Em data não concretamente determinada mas posterior à já descrita, o arguido telefonou à ofendida CC, dizendo que queria encontrar-se novamente com ela, sendo que nessa altura teria que aceder a com ele manter relações sexuais, pois caso não o fizesse divulgaria as fotografias que lhe havia tirado naquele dia em Portimão no interior do veículo automóvel.

96. A ofendida recusou um novo encontro, por temer que fosse obrigada a novos contactos sexuais com o arguido.

97. Perante tal recusa o arguido afiançou à ofendida que teria que devolver-lhe os € 70 (setenta euros) que lhe entregara.

98. A ofendida devolveu tal quantia mediante o carregamento do telemóvel do arguido, em data não concretamente determinada.

99. O arguido detinha fotografias da ofendida CC, gravadas e armazenadas na pendrive apreendida, numa pasta do directório denominado "Vany", fotografias essas que foram tiradas pelo arguido com uma máquina fotográfica de sua pertença no encontro que manteve com a ofendida em Portimão, local da sua residência (cf. fls.340, 341, vd. auto de visionamento de fls. 198 a 212 dos autos e Apenso C).

100. No dia 26.11.2008, pelas 16h30m, o arguido encontrava-se na loja denominada Vobis no Centro Comercial Almada Fórum, sito na Rua Sérgio Malpique, Feijó, Almada.

101. Após efectuar um pagamento prévio, o arguido fez uso de um dos três computadores disponíveis naquele estabelecimento com acesso à internet.

102. Ali permaneceu o arguido a navegar em sítios de pornografia infantil disponíveis na internet bem como no MSN e em outros chats de conversação.

103. Nos sítios referidos, o arguido visualizava fotografias de jovens de ambos os sexos que se apresentavam despidos.

104. Nos chats, o arguido mantinha conversas com jovens, conversações essas de cariz sexual, acedendo a fotografias dos mesmos.

105. O arguido identificava-se diversas vezes como sendo um jovem.

106. O arguido fez uso dos computadores daquele estabelecimento diversos dias antes deste - durante todo o mês de Outubro de 2008- e por diversas horas.

107. Mesmo depois de identificado pela Polícia de Segurança Pública no dia 26.11.2008, o arguido continuou a fazer uso dos computadores da loja "Vobis", em Almada, para as mencionadas visitas a sítios pornográficos e conversações em chats juvenis.

108. O arguido é casado, tem dois filhos e gosta de manter relações sexuais com raparigas entre os 12 e os 16 anos de idade.

109. Com a sua conduta pretendeu o arguido conquistar a confiança da menor BB e da menor CC para com estas vir a manter relações sexuais, intenção e vontade essa que lhes manifestou durante as conversas de cariz erótico, pornográfico e sexual que mantinham, por escrito, via MSN e SMS, e por conversas telefónicas e visionamento de fotografias.

110. O arguido actuou deliberada, livre e conscientemente desejando perturbar as duas menores exibindo imagens, mantendo conversas do conteúdo acima descrito, incitando-as a mantê-las bem como a despirem-se, acariciarem-se e masturbarem-se em fotografias e em exibições na webcam que lhes pedia, bem sabendo que as raparigas identificadas tinham 13 e 15 anos e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

111. O arguido constrangeu cada uma das ofendidas menores a um encontro, amedrontando-as e afiançando-lhes que caso não acedessem a tal pretensão, divulgaria as fotografias que possuía, situação vexatória e humilhante para aquelas, encontros que não chegaram a acontecer, na sequência destas expressões, nos termos supra referidos.

112. O arguido procurou com a sua conduta libertar e satisfazer os seus instintos e impulsos sexuais ofendendo o sentimento de timidez e vergonha das ofendidas, bem sabendo que atentava contra a liberdade de determinação sexual das menores.

113. O arguido actuou deliberada, livre e conscientemente desejando sujeitar a menor CC ao contacto físico e genital com o seu corpo bem conhecendo que a mesma era menor, se encontrava constrangida e amedrontada, e que a sua conduta era proibida e punida por lei.

114. O arguido actuou deliberada, livre e conscientemente bem sabendo que acedia inúmeras vezes a sítios de pornografia infantil (acesso que fez pelo menos duas vezes em estabelecimento público), dali retirando fotografias de menores em poses pornográficas, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei.

Provou-se, ainda, que:

B)

O arguido é seguido em consultas de psicologia/psicoterapia desde Setembro de 2008 e em consultas de psiquiatria, encontrando-se medicado.

C)

À data dos factos o arguido tinha a noção do bem e do mal, estava consciente do que fazia, sabia que o que fazia era errado.

Nessa data o arguido não padecia de nenhuma doença psiquiátrica mas sim de perturbação da personalidade e de uma parafilia (pedofilia).

Sendo que então, nada no seu estado mental o impedia de avaliar a ilicitude dos seus actos ou de se determinar em função dessa avaliação, possuindo total capacidade para avaliar o alcance dos concretos factos que lhe são imputados e para se determinar em face da avaliação que deles fazia.

D)

O certificado de registo criminal do arguido não averba qualquer condenação.

E)

AA nasceu em ... e é o oitavo elemento de uma fratria de dez irmãos. O seu processo de desenvolvimento terá decorrido em contexto familiar de doença do foro mental, não especificada, do progenitor e de seis dos seus irmãos. O progenitor suicidou-se, contava o arguido cinco anos de idade, tendo a progenitora exercido o principal papel na assumpção da supervisão parental dos seus comportamentos.

Concluiu a instrução primária (actual 4.° ano), e iniciou actividade laboral com 12 anos, na área da agricultura, abandonando nessa altura o agregado materno.

Dois anos depois foi para ..., conjuntamente com outros rapazes seus conterrâneos, tendo-se alojado numa barraca, na Quinta da ..., bairro degradado da cidade associado a problemáticas criminais, para trabalhar no ramo da construção civil.

Em 1971, com 15 anos, regressou a ... para trabalhar na construção da unidade fabril da ... e retomou a ..., onde manteve emprego no ramo da construção civil até 1974.

Aos 18 anos ingressou na ..., onde registou um percurso laboral ascendente e exemplar já que iniciou funções como Praça e terminou a carreira como 1º Sargento. Em 2005 passou à situação de reserva e em 2010 passou à condição de aposentado. Até aí, o arguido desenvolvia um quotidiano centrado no trabalho e apresentaria rotinas estruturadas.

Em 1985 contraiu matrimónio, vindo a nascer desta relação 2 filhos. A relação degradou-se no plano da intimidade do casal motivada pelo desinteresse do arguido para com o cônjuge, após processo de doença.

À luz dos alegados factos, em 2008, o arguido contava 52 anos e constituía agregado com o cônjuge e os dois filhos, ainda integrados no agregado, residindo na morada constante nos autos, em habitação própria, sem encargos.

Encontrava-se inactivo laboralmente, em situação de reserva, auferindo cerca de 1300 euros/mês. Actualmente, apesar de divorciado, o agregado mantém-se.

O arguido é acompanhado na consulta de especialidade de Epilepsia, nos serviços do Hospital Garcia de Orta, desde Agosto de 2004. Encontra-se actualmente a ser seguido na referida consulta, não se tendo apurado repercussões deste quadro de saúde nas suas rotinas.

A procura de suporte ao nível das instâncias de saúde mental reporta-se ao período entre Setembro de 2008 e Maio de 2009 no âmbito de consultas particulares de Psicoterapia e na especialidade de Psiquiatria desde 15 de Janeiro de 2009, datas que se fixam em períodos posteriores à data dos alegados factos. O acompanhamento psicoterapêutico foi iniciado logo após instauração do presente processo mas abandonado e só retomado no mês de Dezembro de 2011, Janeiro e Março de 2012, períodos coincidentes com a aproximação da data do julgamento. O acompanhamento no âmbito da Psiquiatria, iniciado em Janeiro de 2009, tem-se mantido com regularidade.

2. Factos não provados:

a) O indivíduo com que BB estabeleceu contacto via Messenger se tenha identificado como “Guilherme”;

b) BB tenha enviado a esse indivíduo fotografias suas despida;

c) O referido indivíduo tenha questionado a ofendida, sempre via MSN, se gostaria de conhecer pessoas mais velhas, e que a mesma tenha respondido afirmativamente.

d) O mencionado indivíduo tenha dito a BB que o seu tio ao ver as fotografias da ofendida manifestara vontade de conhecê-la;

e) As raparigas de que o arguido retirava os contactos na internet tivessem idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos;

f) O arguido tenha afirmado a BB ter apreciado as fotografias que o sobrinho lhe fornecera;

g) BB não satisfizesse o pedido do arguido de lhe enviar fotografias suas totalmente despida;

h) A promessa de carregar o telemóvel da ofendida BB tenha resultado de esta não ter satisfeito o pedido de enviar ao arguido um vídeo a masturbar-se ou a tomar banho;

i) BB tenha enviado ao arguido fotografias suas integralmente nua, para além do que consta do item 36 supra;

j) Nas conversas que manteve com BB o arguido disse expressamente que desejava praticar cópula consigo, provando-se outrossim o que consta do item 30 supra;

k) O arguido tenha afiançado à ofendida que a divulgação das suas fotografias seria feita designadamente na rede social hi5;

l) O arguido já tivesse utilizado as toalhitas de limpeza e embalagens de lenços de papel e pretendia voltar a dar uso nos seus encontros sexuais com raparigas menores que aliciava e constrangia.

m) Nas fotografias da pendrive apreendida ao arguido a menor BB surgisse numas totalmente desnudada, provando-se outrossim o que consta do item 56 supra;

n) As fotografias de outras jovens (não identificadas) armazenadas na referida pendrive fossem obtidas mediante o pedido de envio das mesmas nos contactos que o arguido manteve na internet;

o) O arguido tivesse conhecido CC via internet em Março ou Abril de 2008, provando-se outrossim o que consta do item 60 supra;

p) “Sílvia” se tivesse apresentado como natural do Porto;

q) Nas conversas por chat com CC o arguido elogiasse a sua beleza, tendo esta apenas exibido a sua cara pela webcam;

r) A “Sílvia” tivesse adiantado a CC que daria o seu endereço electrónico ao indivíduo de que lhe falou, e que a menor não se opusesse;

s) A ofendida CC pensasse que o arguido teria cerca de vinte anos e só quando se conheceram pessoalmente o arguido lhe dissesse ter mais de quarenta anos de idade;

t) O arguido fosse conhecedor da necessidade económica da ofendida CC e tivesse abordado este assunto, provando-se outrossim o que consta do item 70 supra;

u) O arguido tenha conduzido o veículo até à Torre.

v) Esse local fosse ermo, com vegetação em redor;

w) O arguido soubesse que a ofendida CC ainda não iniciara a sua vida sexual por esta lho ter dito;

x) Enquanto o arguido se despia prontamente a ofendida CC, tenha começado lenta e inibidamente a despir-se;

y) O arguido tenha tentado beijar a ofendida na boca por várias vezes, e que esta se tenha sempre eximido a tais investidas, deixando apenas que lhe beijasse a cara e o pescoço.

z) O arguido tenha apalpado os seios, a vagina e a região anal da ofendida CC, por cima da roupa.

aa) O arguido tenha dito a CC que até tinha mentido à mulher para poder ir a Portimão ter com ela e que ela lhe estava a fazer "uma desfeita daquelas", referindo-se ao facto de a menor não estar a colaborar no sentido de manterem relações sexuais.

bb) O arguido tenha  praticado sexo oral na pessoa da ofendida;

cc) A ofendida CC não tenha conseguido manter o pénis do arguido na boca por muito tempo pela agonia que sofria.

dd) O referido em cc) tivesse deixado o arguido zangado e exasperado com a ofendida.

ee) Em alternativa o arguido tenha dito à ofendida que a iria penetrar no ânus com o seu pénis, e que esta se tenha recusado a tanto, sentando-se no banco.

ff) Para a forçar a fazê-lo, o arguido tenha agarrado a ofendida, a levantasse e a pusesse ao seu colo, encostando o seu pénis ao ânus da menor, sem sucesso, no entanto, por a menor CC ter resistido fazendo força e conseguindo evitar a penetração.

gg) Irritado com toda a situação, o arguido tenha dito "quero-me vir', ao mesmo tempo que afirmava, "se não me fazes um broche nem te vou ao cu, ao menos deixa-me vir na tua cona'.

hh) Uma vez que a ofendida não deixou o arguido penetrá-la, este pegasse com força na menor e a deitasse contra a vontade desta no banco traseiro do carro, de barriga para cima, ao mesmo tempo que se colocava de pernas abertas sobre si, auto-manipulando o pénis, até ejacular sobre o peito da ofendida.

ii) Depois o arguido tenha limpo o seu pénis em lenços de papel que tinha no carro entregando-os também à ofendida para o mesmo efeito, deitando-os depois pela janela do carro.

jj) A conversa referida no item 95 supra fosse mantida via sms;

kk) A quantia de € 70 em dinheiro tenha sido devolvida pela ofendida CC  numa loja Vodafone, em Portimão;

ll) Na loja Vobis e nos sítios de pornografia infantil o arguido visualizasse imagens de crianças a ser vítimas de abuso sexual por adultos.

mm) O arguido retirasse fotografias de jovens desses sítios que depois reenviasse aos seus contactos nos chats.

nn) A estes o arguido solicitasse que se exibissem nus e manipulando os órgãos genitais através das webcam que equipavam os seus computadores.

oo) Aos jovens seus interlocutores o arguido enviasse fotografias de outros jovens nus por cujas identidades se queria fazer passar.

pp) O arguido mantivesse conversação com os jovens mediante a utilização de endereços electrónicos com identidades que lhe não pertenciam.

qq) O arguido se identificasse diversas vezes como sendo uma rapariga jovem adolescente, exibindo uma fotografia adequada a esse género e condição, provando-se outrossim o que consta do item 105 supra.

rr) O arguido mantivesse naqueles dias do mês de Novembro de 2008 conversas com os jovens titulares dos e-mails seguintes:

•... @...;

• ... @...;

• ... @....

ss) O arguido fizesse uso dos computadores da loja Vobis pelo menos até ao dia 13.4.2009.

tt) Como consequência directa e necessária das condutas do arguido as menores BB e CC tenham padecido e padeçam de sofrimento psicológico.

uu) Nos referidos acessos a sítios de pornografia infantil o arguido visualizasse crianças a serem sexualmente molestadas, enviasse fotografias que dali retirava para contactos que tinha de menores, via Messenger, fazendo-as circular na internet, exibindo-as e conferindo-lhes visibilidade pública bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei, fazendo-o designadamente a partir de um local público, porquanto por factos da mesma natureza o seu computador particular já havia sido apreendido.

                                                                       *

            I         

Questão prévia.

O presente recurso incide sobre o segmento da decisão do tribunal da Relação de Lisboa que concedeu provimento ao recurso do MºPº condenando o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de criança, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 171°, nºs 1 e 2, do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e mantendo a decisão de primeira instância na parte restante. Será admissível recurso daquela decisão de absolvição para o Supremo Tribunal de Justiça?

-O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2009 de 18.02.09, publicado no DR, 1ª Série, de 19.03.09 fixou jurisprudência no sentido de que, em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1ª instância. Assim a questão da recorribilidade convocada no caso está  perfeitamente definida no sentido da admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões absolutórias ou decisões que aplicam penas privativas de liberdade, estar dependente de as respectivas penas se inscreverem no catálogo do nº1 alínea c) do artigo 432 do mesmo diploma, ou seja, serem superiores a cinco anos. ( alíneas d) e e) do artigo 400 do Código de Processo Penal na versão introduzida pela Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro)

            Consequentemente, tal como no caso vertente, a decisão absolutória proferida em primeira instância a que se tenha sucedido uma decisão condenatória em pena privativa de liberdade inferior a cinco anos proferida pelo Tribunal da Relação não é susceptível de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça. Igualmente não são susceptíveis de recurso, nos mesmos termos, as restantes penas parcelares que mereceram a confirmação do Tribunal da Relação.

            Assim sendo o presente recurso cinge-se à questão da pena conjunta aplicada.

II

Parcialmente a lógica argumentativa do recorrente centra-se no apelo ao instituto da atenuação especial a que alude o artigo 73 do Código Penal.

             Nesta consonância importa verificar se a conjugação daqueles factores imprime uma diminuição da culpa do recorrente susceptível de alterar qualitativamente o quadro subjacente á previsão do legislador ao tipificar o crime em apreço.     

            Como refere Figueiredo Dias em relação ao instituto de atenuação especial “passa-se aqui algo de análogo - ao que sucede com os exemplos-padrão: por um lado, outras situações que não as descritas naquelas alíneas podem (e devem) ser tomadas em consideração, desde que possuam o efeito requerido de diminuir, por forma acentuada, a culpa do agente ou as exigências da prevenção; por outro lado, as próprias situações descritas nas alíneas do art. 73°-2 não têm o efeito «automático» de atenuar especialmente a pena, mas só o possuirão se e na medida em que desencadeiem o efeito requerido. Deste ponto de vista, pode afirmar-se, com razoável exactidão, que a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autêntico pressuposto material da atenuação especial da pena.

         A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a jurisprudência e a doutrina quando insistem em que a atenuação especial só em casos excepcionais pode ter lugar ”.

O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existam circunstâncias anteriores, ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena - artigo 72º, nº 1 do Código Penal. O nº 2 enumera algumas circunstâncias que podem ser consideradas para o efeito de diminuir de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa ou a necessidade da pena, ou seja, também diminuição das exigências de prevenção.

            Pressuposto material da atenuação da pena, autónomo ou integrado pela intervenção valorativa das situações exemplificativamente enunciadas, é a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção. Mas tal acentuada diminuição projecta-se em casos extraordinários, ou excepcionais, em que a imagem global do facto se apresenta com uma gravidade tão específica, ou diminuída, em relação aos casos para os quais está prevista a fórmula de punição, que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tais hipóteses quando estatuiu os limites normais da moldura do tipo respectivo).

            A atenuação especial da pena só pode, pois, ser decretada quando a imagem global do facto revele que a dimensão da moldura da pena prevista para o tipo de crime não poderá realizar adequadamente a justiça do caso concreto, quer pela menor dimensão e  expressão da ilicitude ou pela diminuição da culpa, com a consequente atenuação da necessidade da pena - vista a necessidade no contexto e na realização dos fins das penas.

            No caso vertente nem a culpa nem a ilicitude consideradas globalmente apresentam uma coloração tão diversa que permita a conclusa que o mesmo, pelas suas características, escapa aquela que teria sido a formatação do ilícito e da culpa subjacente á previsão do legislador.


III

            O cerne da questão suscitada nos presentes autos prende-se, como se referiu, com a determinação da pena conjunta em relação à qual refere a decisão recorrida que:

……………………No caso em apreço é evidente a estreita ligação entre os crimes cometidos pelo arguido, com duas vítimas concretas, num espaço temporal de alguns meses. Afigura-se-nos que no caso a pluralidade emerge de pluriocasionalidade.

Tudo ponderado, tendo presente o conjunto dos factos, a conexão entre eles, com parcial similitude do modo de execução de conduta, e o quantum das penas parcelares aplicadas, a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão mostra-se equilibrada e ajustada.

Improcede, pois, esta faceta de ambos os recursos.

9.2. Como decidido em supra 7.3., o arguido incorreu na prática de um crime de abuso sexual de criança, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 171°, nºs 1 e 2, do C. Penal.

Cuidemos, agora, da pena a cominar ao arguido.

O crime em apreço é punido com a pena abstracta de prisão de 7 meses e 6 dias a 6 anos e 8 meses.

O grau de ilicitude é elevado.

Intenso é o dolo, na forma directa, com que o arguido actuou.

A seu favor milita o facto de não ter antecedentes criminais, bem como o seu percurso de vida, possuindo hábitos laborais.

As exigências de prevenção especial são acentuadas.

São significativas as necessidades de prevenção geral dado o alarme social e repúdio que este tipo de actuações criminosas suscita na comunidade.

Daí que surja como ajustada a pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

9.3. Face ao decidido, importa, agora, proceder à reformulação da pena única de 4 anos e 6 meses de prisão imposta ao arguido.

Ao arguido foram cominadas, na decisão recorrida, as seguintes penas:

14 (catorze) meses de prisão pela prática do crime de abuso sexual de criança; 2 (dois) anos de prisão pela prática do crime de acto  sexual com adolescente; 1 (um) ano de prisão e 10 (dez) meses de prisão por cada um de dois crimes de coacção agravada, na forma tentada; 3 (três) anos de prisão pela prática do crime de pornografia de menores agravado.

A moldura penal varia, agora, entre o mínimo de 3 anos de prisão e o máximo de 10 anos e 6 meses de prisão.

Tudo ponderado, dando-se aqui por reproduzido o expendido em supra 9.1., a propósito da fixação da pena única, entendemos adequado cominar ao arguido a pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Face a tais pressupostos estamos em crer que a decisão recorrida não teve em atenção questões relevantes do concurso de penas e que têm consequências na aplicabilidade do princípio da proporcionalidade. Na verdade, existem três itens que em sede de medida da pena conjunta suscitam a nossa atenção e que não foram abordados naquela decisão, nomeadamente o tempo decorrido desde a data dos factos; a circunstância dos actos punidos terem subjacente um consentimento que, sendo irrelevante em termos de afastamento da punibilidade, deve ser valorado em função da proximidade da sua relevância jurídico-penal e, por ultimo a circunstância de alguns dos factos praticados se situarem numa zona de transposição entre o acto preparatório e o acto tentado o que deve ser valorado em função da intensidade com que foi atingido o bem jurídico protegido, nomeadamente a protecção da menor.

Relativamente a este último ponto dir-se-á que o itinerário que leva à prática do crime, assume uma dinâmica própria com fases sucessivas de uma intensidade crescente na qual o pensamento dá lugar à acção. Neste processo a reflexão apresenta-se como momento  inicial, desenvolvendo-se no foro íntimo do agente, englobando um conflito que se desenvolve entre impulsos contraditórios, e ambivalentes, provindos do consciente e do inconsciente do agente. [1]

Neste momento, o mesmo agente apenas pensa em praticar o delito, num conflito de sentimentos presente no seu imaginário e na sua consciência a que está agregada, normalmente, a indecisão. Sucessivamente, começa a afinar a sua inclinação criminosa, sintetizando uma elaboração mental de resolução  que ganha forma e na qual o eterno debate entre o Bem e o Mal começa a desequilibrar-se, desenvolvendo-se a vontade no sentido  dum propósito final cuja concretização constituirá o crime. Como refere Pinto  de Oliveira são os actos internos que percorrem o labirinto da mente humana, vencendo obstáculos e ultrapassando barreiras que, porventura, existam no espírito do agente. [2]

Este momento de reflexão, e decisão interna, desenhado no mundo das ideias,  traduz-se nos princípios cogitationis poenam nemo patitur e de internis non curat praetor que estabelecem a sua não punibilidade. Aliás, o reconhecimento expresso em tais princípios decorre, igualmente, da dificuldade de controlar os pensamentos, pois que, como bem aponta Jakobs, os mesmos integram a esfera constitutiva da pessoa e controlá-los destruiria a sua liberdade.

À reflexão segue-se, necessariamente a decisão que ocorre quando o agente supera a mera elaboração mental, prevalecendo nele a vontade criminosa, ou seja, o agente decide-se pela prática do delito.

O desenvolvimento do crime é um processo ininterrupto em que se pode distinguir diversos momentos sem que seja possível uma prévia determinação de limites. Nessa  sequência mostra-se possível considerar a decisão como uma fase autónoma, e decisiva, do  iter criminis porquanto a mesma consubstancia o transpor da fronteira e para além da opção pelo agir, ou não agir, tem inclusa um congeminar pela forma concreta como se irá desenvolver  o processo criminoso.

A decisão, também chamada de desígnio criminoso, desenvolve-se na esfera íntima do agente e, tal como a reflexão, não é susceptível de punição. Mesmo a sua exteriorização através de quaisquer indícios físicos concretos não se configura como tentativa, se não for além da inócua manifestação de um pensamento e, como tal, insusceptível de imputação criminal.

Efectivamente, as manifestações orais, ou escritas, de um desígnio criminoso ou de uma opinião só são incriminadas quando, por si mesmas, representam uma situação de lesão, ou perigo para um bem jurídico, constituindo condutas típicas.

Como refere o Autor citado a manifestação de desígnio criminoso, se não lesa, ou ameaça, bem jurídico algum, esgota-se na esfera do pensamento, razão pela qual é insusceptível de qualquer punição no âmbito penal. Nesse sentido, lembra Hungria que pensiero non paga gabella (o pensamento não paga imposto).

Na mesma linha se pronuncia Figueiredo Dias quando afirma que  "A mera decisão de realização de um tipo de ilícito objectivo, independente de um começo de realização efectiva, não é punível. A esta conclusão conduz o princípio indiscutido cogitationes poenam nemo patitur. A justificação deste princípio deriva da própria função do direito penal de protecção subsidiária de bens jurídicos, não de puros valores morais: se o direito penal não visa, ao menos directamente, contribuir para a modelação moral do indivíduo, mas proteger uma ordenação social, só a violação desta ordenação - e assim, a conduta externa do agente - pode constituir um ilícito. A decisão de realização analisa-se num puro processo interior, insusceptível, em si mesmo, de violar interesses socialmente relevantes ".  [3]

Ultrapassado o plano daquilo que pertence ao mero domínio da mente o agente passa do pensamento à acção. Todavia, a forma como tal transposição se verifica reveste uma policromia que se desenha na particularidade de cada acto ilícito praticado o que desde logo se revela na preparação daquele.

Na verdade, se é certo que, se por vezes a passagem é imediata, sem qualquer hiato que não o imposto pela própria dialética inscrita no fenómeno de acção e reacção, noutros casos já o processo de maturação é lento, abarcando a prática de actos que constituem a ente entre o licito e o ilícito. Estamos, assim, no domínio dos actos preparatórios definidos em função da violação do bem jurídico, do ataque ao ordenamento social que a ordem jurídica quer prevenir.

A questão que, então, se suscita, tal como no caso vertente, é da delimitação entre actos preparatórios e a tentativa pois que aqueles não são puníveis. Perspectivado num outro ângulo a fronteira entre os dois conceitos implica a determinação do que são já actos de execução o que convoca a aplicação do artigo 22 do Código Penal quando refere que  são actos de execução:  a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;  b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou  c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores

Estabelecendo a fronteira entre os dois conceitos fazemos apelo a Jeschek[4] quando refere que se encontra superada a teoria puramente subjectiva que, para o começo da tentativa, atende somente à representação pelo autor quanto ao inicio da execução, entrando assim amplamente no âmbito da teoria objectivo formal segundo a qual a tentativa deveria começar com a acção típica entendida de modo restrito e requerendo que,  na tentativa exista um perigo para o bem jurídico protegido.,

Adianta, ainda, o mesmo Autor que na delimitação entre tentativa e preparação deve partir-se da "representação do facto por parte do autor", pois o suceder externo fragmentariamente realizado só pode entender-se, pelo menos na tentativa inacabada, desde o plano do autor. Consequentemente, há que atender à forma o imaginou o agente e de quando e de que maneira queria começar a acção típica executiva.

É, também, nesse sentido que refere Figueiredo Dias[5] que uma correcta qualificação de certos actos concretos como preparatórios ou de execução não pode prescindir completamente do apelo a momentos subjectivos. Isto implica que se não omita de todo uma referência às teorias subjectivas, segundo as quais a fron­teira entre actos preparatórios e actos de execução deveria procurar-se e encontrar-se com apelo à qualidade ou intensidade da vontade documentada no acto dirigido à realização do crime. Relativamente a muitos actos concretos, só poderá determinar-se a sua referência típica por apelo ao plano concreto de realização do agente. Aqui reside, efectivamente, o significado que um momento subjectivo - o plano de realização do agente - assume para as teorias objectivas e que justifica a afirmação de que "os mesmos actos podem ser preparatórios, quando a intenção é dirigida a determinado crime, e deverão já constituir actos executivos, quando a intenção seja dirigida a outro crime".

            Conclui o mesmo Autor que a distinção cuja concretização se procura há-de ser eminentemente objectiva embora na base do plano do agente. Estamos assim perante uma perspectiva objectiva individual.

No caso vertente considerou-se, para efeito de alteração da decisão de primeira instância, que nos encontrávamos perante actos de execução, ou seja, e de acordo com a fórmula legal, perante aqueles que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores. São actos que ,assumindo as exigên­cias de "normalidade social", antecedem imediatamente, sem solução de continuidade substancial e temporal, o acto a que se refere as als, a) ou b do normativo citado o que se consubstancia em fun­ção de uma dupla conexão: de uma conexão de perigo e de uma conexão típica.

Adianta Figueiredo Dias que a conexão de perigo existe sempre que entre o último acto parcial questionado e a realização típica se verifica, segundo o lapso temporal mas também de acordo com o sentido, uma relação de iminente implicação. Conexão típica existe quando o acto penetra já no âmbito de protecção do tipo de crime: só neste momento, e nestas condições, está inclusivamente legitimada a intervenção do direito penal à luz da sua fun­ção única de instrumento de tutela subsidiária de bens jurídicos. Esta intervenção verificar-se-á - sempre que o acto se intrometa na esfera da vítima; isto é só, porém, sinal de intromissão no âmbito de protecção do tipo quando este tutela bens jurídicos individuais ou de titularidade supra-individual individualizada.

Assumida a relevância da tutela do bem jurídico, e da proximidade da ameaça com que o mesmo se confronta, é manifesto que a intensidade com aquele é violado terá de se repercutir em sede de medida da pena. Não assume a mesma dimensão valorativa a violação consubstanciada na consumação do crime e a que se define na tentativa, bem como a proximidade a que esta se encontra do acto preparatório.

            No que concerne a parte do itinerário criminoso do arguido recorrente é de equacionar a forma como se processou tal proximidade. Na verdade, no crime de abuso sexual de criança, na forma tentada pelo qual agora foi condenado, e sendo vedado qualquer alteração da qualificação jurídica dada a irrecorribilidade da decisão no tocante, o certo é que não existiu qualquer contacto físico, ou sequer pessoal, tudo se passando, no essencial, no domínio do “mundo virtual” da Internet.

III

Um outro ponto que se suscita com mais premência em relação à menor CC é o da irrelevância do seu consentimento. Será que a adesão é, em absoluto, irrelevante, não assumindo qualquer significado em termos de dimensionamento da própria culpa do arguido e da ilicitude do acto?

            -O tipo legal de crime em referência visa-se “a protecção da autodeterminação sexual face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade, presumindo a lei que a prática de actos sexuais com menor, em menor ou por menor de certa idade prejudica o seu desenvolvimento”. A existência, ou não, de consentimento, sendo irrelevante no afastamento da tipicidade criminal, poderá assumir um significado mais, ou menos, intenso consoante a idade da vítima, ou seja, em equação com a maior ou menor proximidade do limite que o legislador entendeu como relevante para a concessão de dignidade penal ao comportamento do arguido.

            É pois a questão da relevância do consentimento que está em causa.[6]

            Este pode ser definido como uma decisão de concordância voluntária tomada por um sujeito dotado de capacidade de agência e livre-arbítrio. Refira-se que as polémicas contemporâneas sobre as leis da idade do consentimento são parametrizados num contexto em que crianças e adolescentes passaram de um estado de total subordinação à família ou aos tutores para se tornarem “sujeitos de direitos” – com a aprovação da Convenção Universal de Direitos da Criança pela Organização das Nações Unidas (1989),.

Surge, assim, a necessidade de conciliar a compreensão de crianças e jovens como sujeitos especiais, ou seja, necessitados de protecção e socialização, com o princípio de que são, também, indivíduos portadores de direitos. Esse é um dos dilemas, que está em jogo nos debates em torno das leis da idade do consentimento nos dias atuais, que discutem formas apropriadas de direitos de crianças e adolescentes em relação à sexualidade 

Nas leis da idade do consentimento, a noção de consentimento pode ser entendida como um tipo particular de competência que é considerada fundamental para o exercício do direito de liberdade sexual. O julgamento de quem é capaz de dar consentimento significativo para o acto sexual depende dos tipos de competência que se consideram relevantes. A competência considerada relevante para a tomada de decisão na atividade sexual é multidimensional, sendo concebida como uma combinação entre competência intelectual (habilidade para processar informação relevante), competência moral (capacidade para avaliar o valor social do gesto) e competência emocional (entendida como habilidade para expressar e manejar emoções).

O princípio que fundamenta a menoridade sexual não é qualquer suposição de que o jovem abaixo da idade definida legalmente não tenha desejo ou prazer sexual, mas, sim, que ele não desenvolveu ainda as competências consideradas relevantes para consentir em uma relação sexual. Só o tempo, por meio de um processo de socialização no qual o sujeito racional completo é (con)formado permitem a modelação de um processo de decisão correctamente elaborado.

Sendo assim, a incapacidade legal de autogestão que define a dimensão tutelar da menoridade apoia-se na ideia de uma incapacidade “natural” que define uma determinada “fase da vida”. (Conf. citada Autora Laura Lowen Kron  ibidem)

            Consequentemente, também o significado que deve ser atribuído á aproximação da idade em que o legislador entende que o consentimento assume um significado jurídico relevante, nomeadamente quando da proximidade da idade que a lei traça como fronteira para a consideração da ilicitude criminal. 

 

IV

Pena adequada é aquela que é proporcional á gravidade do crime cometido. Em sede de violação do princípio da proporcionalidade, torna-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto e a gravidade da pena pois que se é certo que, ao cometer um crime, o agente incorre na sanção do Estado no exercício do seu direito de punir igualmente é exacto que esta sanção importa uma limitação de sua liberdade.

Uma das ideias presente no princípio da proporcionalidade é justamente a de invadir o menos possível a esfera de liberdade do individuo isto é ser intrusivo apenas na medida do estritamente necessário á finalidade da pena que se aplica porquanto se trata de um direito fundamental que será atingido. Por tal motivo a ideia da proporcionalidade não pode ser separada de considerações sobre a finalidade, e função da pena, e não é possível determinar a medida da pena se esta não for orientada para um fim pelo que a racionalidade da opção assenta numa ideia sobre os seus efeitos.

Ao crime e à sua gravidade se refere a maior parte da doutrina para estabelecer critérios concretos de ponderação em relação à extensão da pena a aplicar em cada caso. Tal sucede não somente por razões retributivas, mas também em razão da culpa pelo facto atribuindo ao princípio da proporcionalidade uma função de garantia constitucional. Como refere Norbierto Barranco [7] também em função de razões preventiva se deve aceitar o critério da proporcionalidade   pois que  o direito penal foca a sua atenção na prevenção de comportamentos e maior ênfase na prevenção é imbricado quanto maior a importância do interesse a ser protegido.

O problema, no entanto, e como salienta Ferrajoli[8] , é a noção de gravidade do crime, tanto em termos dos critérios que determinam como na sua quantificação em termos transponíveis para os limites da pena, ou seja,  a proporcionalidade  entre a dimensão da pena  e a gravidade do crime  é um principio geral que, sendo irrenunciável admite uma pluralidade de perspectivas.

É evidente, quanto a nós, que, ao avaliar a gravidade do delito que motiva a intervenção criminal, a primeira referência incide sobre o bem jurídico salvaguardado pela tutela penal. Se o objectivo prioritário do direito penal é a protecção dos direitos legais, entendidos como pré-requisitos para o desenvolvimento pessoal, daí decorre que, quanto mais valor é dado a cada um deles, maior o esforço que deve ser incrementado para garantir a sua salvaguarda.

Para Gimbemat[9] as sanções num direito penal fundamentado na livre determinação fixam-se a partir do valor do bem jurídico protegido e da natureza culposa ou dolosa do delito da conduta que lesou aquele bem. Isto é assim, diz aquele autor, porque" se a tarefa que a pena tem de cumprir é o de reforçar a natureza inibitória de uma proibição , para criar e manter controles para os cidadãos os quais devem ser mais vigorosa quanto maior a nocividade social da conduta, seria absolutamente injustificado  por exemplo punir mais severamente um crime contra a propriedade que um crime contra a vida. O legislador, nesse caso, não teria feito um uso correto do meio que com tanto cuidado tem de ser manejado, da pena.

Decisivo na escolha do tipo de pena e sua duração é a procura da maximização da tutela do bem jurídico com o menor custo possível. Na perspectiva da eficácia da prevenção geral intimidatória a eficácia da tutela depende não só a magnitude da pena, mas também que esta seja tomada a sério, ou seja, que se alguém lesa o bem jurídico é sancionado.

Para muitos Autores o princípio da proporcionalidade radica na necessidade protecção dos bens jurídicos e no princípio da culpa pois que é necessária a existência duma proporção entre a ameaça penal e a danosidade social do facto e apena infligida em concreto na medida da culpa do seu autor[10]

Na relação com o  princípio da culpa há que assinalar que com a proporcionalidade se entrecruzam as exigência  ligados a ideias de justiça ou retribuição com a lógica da utilidade do  protecção jurídico-penal e respeito pelos valores sociais Neste sentido, e numa afirmação da lógica da retribuição,  nasce a necessidade de que a pena não seja inferior ao exigido pela ideia de justiça e sua imposição não resulte numa pena mais grave do que a exigida pela gravidade do delito. Aqui deve-se notar o ponto de vista de Santiago Mir Puig , no sentido de que a proporcionalidade deve ser baseado na nocividade social do facto cujo pressuposto é a afirmação da validade das regras da consciência colectiva.

            A configuração de um Estado democrático requer o ajuste da severidade das sanções ao  significado para a sociedade que assume  o ataque aos bens jurídico. Mir Puig observou que a proporcionalidade é necessário para o funcionamento adequado de prevenção general. [11]

Colocada a questão nestes termos são impressivas as circunstâncias apontadas na decisão recorrida e que já aí apontam para o mediano grau de ilicitude dos factos no que concerne o crime de abuso sexual de criança e de pornografia de menores e o elevado grau de ilicitude quanto ao crime de abuso sexual de adolescente e crimes de coacção (expressões dirigidas a menores de 13 e 15 anos de idade).Na verdade, a forma como se consumaram parte dos crimes imputados não reflecte em relação àqueles primeiros uma especial densidade da ilicitude, ou seja, que o direito das menores a um são e natural crescimento sexual- o seu um direito à inocência- tivesse sido afectado de uma forma absoluta.

Em tal conclusão nem sequer equacionamos uma adesão voluntária a um diálogo com o arguido que qualquer uma das menores tinha a consciência de que não era correcto, mas tão somente a circunstância de nos reportarmos a uma prática em que os intervenientes não tiveram qualquer espécie de contacto físico, distanciados no espaço,  alimentando um diálogo comunicacional que sucessivamente, foi subindo de patamar de concessões  de natureza sexual ao interlocutor e arguido.

É evidente que as novas tecnologias de comunicação são um espaço ideal para se equacionar o cometimento de crimes deste tipo, conjugados com o anonimato ou falsificação de identidade proporcionados pela Internet. Porém, também é exacto que a instrumentalização de tal espaço, estabelecendo um contraste com o contacto físico, demanda, em parte substancial das vezes, um diálogo entre os intervenientes que é fruto, pelo menos num primeiro momento, duma voluntariedade de adesão.

Igualmente é certo que em relação ao crime de coacção cometido  a respectiva  tipificação do mesmo crime está dependente da intensidade com que qualquer uma das menores tenha efectivamente sido constrangida a praticar de acordo com a vontade do coactor e contra a sua vontade.

Considerando por tal forma em sede de protecção de bem jurídico impõe-se, ainda, a consideração de que o arguido apresenta um percurso profissional e pessoal caracterizado pela assunção dos compromissos inerentes à sua condição de subscritor do contrato social.

É evidente que não esquecemos a alusão constante dos factos provados a outra imagens de pessoas não identificadas que o arguido tinha no seu computador. Porém, a essência dos princípios do processo penal dentro do qual nos movemos não permite outorgar qualquer relevância  a tal facto

Assim, temos por adequada a pena conjunta de cinco anos de prisão. 

IV

  Suspensão da execução da pena

     No que concerne parecem-nos particularmente ajustadas as considerações que se teceram no processo 3926/06-03.Referiu-se ali

        Uma das questões mais importantes no âmbito das penas substituição, e com que se debate a decisão, é o critério, ou critérios, que devem presidir à escolha entre prisão e uma pena de substituição. O que se afirma é então que, na lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena - o da medida concreta da pena de prisão -, não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção. Significa o exposto que não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador (artigo 71º do Código Penal) a partir da ideia de que um orientamento de prevenção-e esse é o da prevenção especial- deve estar na base da escolha da penal pelo tribunal; sendo igualmente um orientamento de agora de prevenção geral, no seu grau mínimo - o único que (e deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos prevenção especial.

    Assim, reafirma-se o princípio de que as considerações de culpa não devem ser levadas em conta no da escolha da pena. Na verdade, o juízo de culpa já foi feito: antes de se colocar a questão da escolha da pena importou já decidir sobre a aplicação da pena de prisão e sobre a sua medida concreta, para o que foi decisivo um juízo (concreto) sobre a culpa do agente. Conforme refere Figueiredo Dias “afastada a relevância da culpa no problema da escolha da pena de neste âmbito, comportam mutuamente, substituição, resta determinar como se as exigências de prevenção geral e de prevenção especial"

   É inteiramente distinta a função que umas e outras exercem neste contexto. Prevalência decidida, considera o mesmo Mestre, não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo todo o movimento de luta elas que justificam, em perspectiva político-criminal, contra a pena de prisão. E prevalência, anote-se, a dois níveis diferentes:

-o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração. Em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v,g. multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser a eleita.

      Por seu turno a prevenção geral surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.

        Impõe-se que a comunidade jurídica suporte a substituição da pena, pois só assim se dá satisfação ás exigências de defesa do ordenamento jurídico e, consequentemente, se realiza uma certa ideia de prevenção geral. A sociedade tolera uma certa perda de efeito preventivo geral-isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição, mas nenhum ordenamento jurídico se pode permitir pôr-se a si mesmo em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. Em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral hão-de funcionar como limite ao que, de uma perspectiva de prevenção especial, podia ser aconselhável 

       A aplicação de uma pena de substituição é suficiente, não só para evitar que o agente reincida, como também para realizar o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica. Na verdade, a utilização de reacções não institucionais foi muitas vezes apontada um enfraquecimento da ideia de repressão que se alia á pena: dir-se-ia que a realização das finalidades de prevenção geral e a expressão do castigo pelo crime cometido que se pretendeu realizar através da pena entrariam, com elas, em crise. Ora, é hoje unanimemente conhecido que qualquer das formas de substituição de da pena clássica de prisão não deixa de envolver a inflição de um mal que comporta um efeito mais ou menos penoso para quem o sofre, constituindo, nesse sentido, uma verdadeira pena. O que se quer assim significar é que as exigências de exteriorização física da reprovação pelo crime cometido impõem, em certos casos, ao menos por agora, se lance mão da pena de prisão.

          Mas, sempre que a ideia do «merecido» deixe de impor, aos olhos da sociedade, a aplicação dessa de pena, qualquer indicação nesse sentido fornecida pelo legislador deve ser seguida, sem hesitações, pelo juiz. E não será descabido afirmar que isto cada vez mais se vai tomando numa realidade. A uma certa exteriorização do mal da pena sempre correspondeu um grau de afinamento da sensibilidade da comunidade jurídica, o que pode explicar que a evolução da encarnação do mal das penas tenha culminado- aparentemente- na prisão. Ora a sensibilidade da comunidade numa sociedade em evolução, em que cada vez mais qualquer intromissão na esfera privada do cidadão, por mais ínfima que seja, é sentida como insuportável, satisfaz-se hoje, plenamente, em certos casos, com formas de pena que não implicam prisão no sentido clássico.

  O que assim se acentua é que o castigo e a reprovação públicas que se exprimem através das penas de substituição satisfazem, nesses sentido, as exigências de justiça que o sentimento geral da comunidade requer assegurando-se, assim, a manutenção da fidelidade do público ao direito e a sua confiança na validade daquele. Só quando a realização desta finalidade seja posta em perigo, no caso, concreto, por esta forma de exprimir a reprovação do crime- o que nenhum ordenamento jurídico se pode permitir sob pena de ver a sua própria sobrevivência ameaçada - se pode aceitar que se afaste a aplicação de uma pena de substituição.

                                                                  

             É exactamente esse delicado equilíbrio entre os limites propostos pelos fins das penas que terá de ser resolvida a questão proposta no caso vertente. E, desde logo, deve-se prevenir para uma difícil conjugação entre a aplicação de uma pena de prisão, com o juízo positivo sobre a suficiência da advertência contida na suspensão da execução, e as exigências contidas na prevenção a nível geral.

            Pressuposto básico da aplicação de pena de substituição ao arguido recorrente será a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável. Por outras palavras será necessário que o tribunal esteja convicto de que a censura expressa na condenação e a ameaça de execução da pena de prisão aplicada são suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais e para o futuro. Tal conclusão terá de se fundamentar em factos concretos que apontem de forma BB na forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida, reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de actos ilícitos.

             

            Significa o exposto que, numa lógica que, a nosso ver, necessariamente se reflecte no nosso ordenamento jurídico-penal, o peso das exigências de prevenção geral deve aumentar em paralelo com a gravidade da pena privativa de liberdade. As considerações sobre a função da pena na prevenção da prática do crime, inibindo futuros infractores, ou, numa linguagem mais gongórica, a manutenção da fidelidade ao direito por parte da população, assumem um importância acrescida perante crimes que reflectem um patamar já elevado de culpa e ilicitude.Como diz Jeschek é uma questão de confiança da população na Administração da Justiça ou reprovação da comunidade perante a tolerância injustificada pelas circunstâncias do caso concreto na não execução da pena de prisão. A suspensão da mesma pena deve afigurar-se como compreensível e admissível perante o sentido jurídico da comunidade.

            A lei não o diz, mas é uma questão de razoabilidade e lógica jurídica dimanada dos princípios, a afirmação de que, em termos de prevenção especial não tem o mesmo significado na aferição na possibilidade de suspensão de execução da pena uma pena seis de seis meses ou uma pena de quatro anos de prisão.

                           No caso concreto o arguido tem um percurso de vida pautado pela normalidade na sua assunção de deveres para com a comunidade e para com a família. Não tem passado criminal e confessou parcialmente os factos ocorridos tal como consta da decisão recorrida.

Não obstante a gravidade que, em abstracto, reveste este tipo de actos para o comum dos cidadãos o certo é que a ponderação da gravidade dos factos praticados conjugada com a  personalidade do arguido permitem dar o necessário realce ao juízo de prognose positivo.

   Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 50 do Código Penal se suspende a execução da pena aplica pelo período de cinco anos    

     

  Nestes termos decidem os Juízes Conselheiros que integram a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso interposto condenando o arguido AA na pena de cinco anos de prisão cuja execução se suspende pelo período de cinco anos sob a condição de o mesmo se submeter a acompanhamento, nos termos a definir pelo tribunal de primeira instância, em consultas da especialidade de Psiquiatria e/ou Psicologia, se possível em sub-especialidade preferencialmente direccionada para o seguimento de perturbações como a apresentada (espectro das Parafilias).

 Sem custas

Santos Cabral (relator)
Maia Costa (vencido em parte, quanto à suspensão da execução da pena, porquanto entendo que não é possível formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido)
Pereira Madeira (com voto de desempate a favor do Ex.mo Relator)
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[1] Os chamados iter criminis foi desenvolvido por Carrara. Assim, para o mesmo Autor existem os seguintes passos: a. Fase Ideacional ou ideação, em que a ideia criminosa surge na mente do aente;b. A fase de preparação, em que o agente tem os meios escolhidos a fim de criar o condições básicas para a realização do crime;c. Fase executiva, em que o agente utiliza os meios escolhidos para realizar o crime .d. Fase final, em que o agente de obtém o resultado típicoo.
[2] OLIVEIRA, William César Pinto de. Iter criminis: o caminho do crime. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3104, 31 dez. 2011

[3] Direito Penal Parte Geral Tomo I pag 681 e seg
[4] Tratado de Derecho Penal pag 470
[5] Direito Penal Parte Geral pag 708 e seg.
[6] Como refere Laura LowenKron  (MENOR)IDADE E CONSENTIMENTO SEXUAL... REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 2007, V. 50 Nº 2. Ag 715 e seg)  a comparação internacional e histórica revela uma enorme diversidade de estruturas legais nas quais as chamadas leis da idade do consentimento se inserem, até mesmo dificultando a análise comparativa.SegundoWaites, “the phrase is generally absent from the law in many different states,yet is frequently invoked to describe and constest laws, and is increasingly used to compare laws between different states with contrasting legal frameworks” (Waites, Mtthew The Age of Consent : young People, Sexuality and  Citizenship  2005, p. 2).
As diferentes maneiras de regular juridicamente a atividade sexual de acordo com a idade podem ser sistematizadas com base nos três principais tipos de previsões legais: (i) leis que estabelecem limite de idade mínima: quando a atividade sexual envolvendo pessoas abaixo de uma certa idade é considerada crime; (ii) previsões de sedução: referem-se a situações nas quais a legalidade do comportamento sexual em uma dada faixa de idade é definida pela característica da interação e/ou da motivação do participante mais velho; (iii) previsões legais sobre contato sexual em relações de autoridade: envolvem restrições adicionais sobre o comportamento sexual quando existe uma desigualdade de poder particular, por exemplo, entre professor e aluno. Além disso, as leis podem variar de acordo com o gênero e a orientação sexual (cf. Waites, 2005).
Nas décadas de 1960 e 1970, dois movimentos sociais e políticos tiveram influência especial sobre o debate internacional em torno das leis da idade do consentimento: o movimento feminista e o movimento gay.
O primeiro incluiu o tema nas agendas de luta contra “abuso” sexual  ligado a formas de dominação masculina, de modo que essas leis eram vistas como parte de uma estratégia mais ampla de demandas por proteção legal de sujeitos em situação de vulnerabilidade. Essa perspectiva ganha força no final do século XX, por meio da proliferação de campanhas mediáticas de denúncia de turismo sexual, pedofilia e prostituição infantil. ……Por outro lado, desde a metade da década de 1990, o tema da “violência sexual contra crianças e adolescentes” tornou-se um problema público central e vem cada vez mais sendo apresentado e discutido em relação ao conceito de “pedofilia”. Vale destacar que a “pedofilia” não é uma categoria jurídica, mas, sim, uma categoria clínica, definida por fantasias e desejos que não se atualizam, necessariamente, em condutas sexuais. No entanto, enquanto categoria social, o termo “pedofilia” tem- se disseminado com sentidos diversos e tem sido associado a crimes envolvendo sexo com menores, como estupro, pornografia e prostituição.
Nesse sentido, a “idade do consentimento” funciona como parâmetro, nos debates públicos e políticos, para definir não apenas o que é considerado criminoso, mas igualmente patológico.
[7] O Princípio da proporcionalidade Criminal pag 209
[8] Derecho y razon , p. 399.



[9] Estudios de Derecho Penal 3ª ed Tecnos Madrid pag 151
[10] A punição deve ser adequado a culpa. Como refere Aguado Correa o princípio da culpa refere-se à imputação do facto enquanto proporcionalidade relaciona-se o bem jurídico violado  Aliás  o princípio da culpa não é suficiente para garantir a necessária proporcionalidade entre crime e castigo embora alguns incluam a proporcionalidade como um aspecto da culpa Igualmente não pode ser reivindicada a substituição do princípio da culpa por proporcionalidade. Para Roxin  " enquanto o princípio da proporcionalidade pode limitar a magnitude da pena o mesmo não se pode justificar a punição, e por esta razão já bem abaixo do princípio da culpa.
O problema é que a dimensão da ilicitude e culpa nem sempre concordam , a sua operação no sistema ocorre em diferentes níveis.
[11] Se a finalidade for a prevenção geral positiva é aconselhável que aos crimes mais graves seja atribuída uma penalidade de maior entidade que os crimes menos graves. Isso permite que uma expressão melhor nível de comunicação da maior relevância dos bens jurídicos são consideradas mais valiosas.