Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
308/1999.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO
PROCURAÇÃO
REPRESENTAÇÃO SEM PODERES
OBJECTO DO PROCESSO
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
CONVOLAÇÃO
INVALIDADE DO NEGÓCIO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
Data do Acordão: 11/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
1.Tendo sido anulada, por erro dolosamente provocado, a procuração em que se atribuem poderes de representação na celebração de escritura de doação de imóveis a favor de donatário determinado, é consequencialmente aplicável ao acto de doação o regime estabelecido no art.268º do CC para a representação sem poderes, implicando a ineficácia do negócio em relação ao doador.

2.O que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal convolar de um pedido de anulação do negócio jurídico para a declaração de ineficácia, sem que tal permita afirmar que, ao fazê-lo, o tribunal julgou objecto diverso do que havia sido peticionado.

3.Limitando-se o autor a formular um pedido constitutivo de anulação de um negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença em que, para além do decretamento da anulação, se condene oficiosamente a parte a restituir o que obteve em consequência do contrato anulado, por tal traduzir condenação em objecto diverso do pedido, vedada pelo nº1 do art. 661º do CPC.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1.AA propôs, no Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, acção condenatória, com processo ordinário, contra BB e mulher, CC, pedindo a anulação, por vício da vontade, da declaração constante de procuração , outorgada a favor de uma sua filha, legitimando-a para doar ao 1º réu um conjunto de imóveis que lhe pertenciam; a anulação da declaração constante da própria escritura de doação, em que o A. figurou como doador e o 1º R. como donatário; a restituição do montante de 32.566.467$30 com que os RR. se locupletaram , através de levantamentos bancários abusivos, feitos com base em autorização de movimentação de contas; e a indemnização, a título de perdas e danos, no valor de 10.000$00 e respectivos juros de mora.
Os RR. contestaram, impugnando toda a argumentação do A. e pugnando pela licitude dos actos e movimentos patrimoniais realizados.
O A. faleceu em 29/2/00, tendo sido habilitados os seus herdeiros, vindo a ser proferida sentença , na qual de julgou a acção parcialmente procedente, decretando a anulação da procuração, bem como da subsequente doação, condenando os RR. a reconhecerem tal efeito jurídico e a devolverem todos os prédios objecto dessa doação; e ainda a restituírem à herança por óbito do A., representada pelos herdeiros habilitados, a quantia peticionada com base na abusiva movimentação de contas bancárias; foram ainda os RR. condenados como litigantes de má fé em multa e indemnização, posteriormente liquidada.
Inconformados, os RR. apelaram da sentença, tendo ambas as partes agravado da decisão que liquidou a indemnização por litigância de má fé.


2.A Relação de Coimbra julgou todos os recursos improcedentes, aderindo, nomeadamente, após ter considerado improcedente a impugnação deduzida em sede de matéria de facto, à fundamentação exposta na sentença recorrida, que confirmou, nos termos do art.713º, nº5 , do CPC.


É desta decisão que vem interposto pelos RR. o presente recurso de revista.
Tendo entretanto, falecido uma das interessadas habilitadas como sucessora do originário A., DD, teve lugar a habilitação dos respectivos herdeiros, identificados no requerimento de fls.3033 e segs., para com eles prosseguirem os termos da causa – pretensão esta que foi julgada procedente por despacho de fls. 3060.

No recurso de revista formulam os recorrentes as seguintes conclusões que, como é sabido , lhe definem o objecto:


1-0 quadro fáctico dos autos, quanto à procuração doe. n° 5 configura uma actuação sem poderes de representação .
2 - Para se determinar a prova deste facto, tal só é possível nos autos, com a presença do mandatário, e do oficial público, que tiveram intervenção quer na procuração quer na escritura.
3 - Como tal não sucedeu permanecem válidas quer a procuração quer a escritura.
4- O Tribunal da Relação não se pronunciou sobre estas questões pelo que cometeu omissão que constitui nulidade, nos termos do disposto no art° 668 e 716 do C.P.C .
5 - Porque não se trata de anulabilidade mas sim de ineficácia não é aplicável ao presente caso a doutrina do Assento N° 4/95 deste Supremo Tribunal.
6 - Existe caducidade do exercício da presente acção, pelo que tal deve ser declarado nos termos do disposto no art° 287 e 333 do C.C
7 - A validade das transferências bancárias não pode ser posta em causa através de prova testemunhal, nos termos do art° 376 do C.C.
8 - Não foi pedido nos autos a declaração de invalidade ou falsidade das transferências bancárias descritas nos autos.
9 - A ser assim contrariamente ao decidido anteriormente, o dinheiro transferido mostra-se licitamente em poder dos recorrentes.
10 - O Tribunal não pode condenar para além do pedido, como o fez o Tribunal recorrido, pois tal se opõe e disposto no art° 661 do C.P.C
11 - Qualquer transferência bancária, ou depósito bancário representa um contrato, coberto por legislação especial, nomeadamente o Dec. Lei 41/2000 de 17/03 e o art°

231 do C. Penal e 947 do C.C., e como actos formais que são, para que a sua validade possa ser posta em causa, sempre, se imporia para a produção do efeito útil e normal da decisão, a intervenção dos legais representantes da instituição financeira.
12 - Assim se entenderia melhor todo o procedimento bancário e financeiro documentado e relatado nos autos.
13-0 aliás douto acórdão violou além do mais o disposto no art° 668, 661, 713 do C.P.C., art° 259, 268 n° 1, 287, Assento 4/95 do S.T.J, 289, 376 e 374,947 do C.C, 239 do C.Comercial e Dec.-Lei 41/2000 de 17/03.

Não foram apresentadas contra-alegações.


3. As instâncias assentaram a decisão jurídica do pleito na seguinte matéria de facto:

II.1 – Foram considerados assentes os seguintes factos:
Da especificação:

1. O Autor nasceu a 14/01/1920, em Fontainhas, Abiúl, Pombal, e casou com DD em 3/01/55, esta falecida em 13/01/94. Do casamento não há descendentes, nem ascendentes sobrevivos (Als. A), B) e C), da especificação);
2. O Autor tem irmãos sobrevivos e sobrinhos, sendo a Ré mulher sua sobrinha, filha do seu irmão EE (Al. D), da especificação);
3. O Autor e sua mulher sempre mantiveram casa de morada de família em Abilheira, Abiúl, Pombal (Al. E), da especificação);
4. O Autor emigrou para França em 1962 e esteve emigrado até cerca de 1982, tendo nestes últimos 12 anos a mulher consigo (als. F) e G), da especificação);
5. O casal regressou definitivamente em 1983, continuando a partir daí a habitar a sua casa em Abilheira (al. H) da especificação);
6. O Autor e mulher eram muito unidos e dedicados um ao outro (al. I) da especificação);
7. O Autor e mulher adquiriram um património composto essencialmente por bens imóveis, sendo um urbano e rústicos - propriedades de semeadura e arvense - e aforro bancário - depósitos a prazo e à ordem em contas bancárias abertas na Agência da Caixa Geral de Depósitos e na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal de mais de 3 dezenas de milhares de contos (al. J) da especificação);
8. Teor do documento (nº 5) junto a fls. 23 e 24 dos autos, denominado procuração, de onde consta, nomeadamente, que AA, cuja identificação foi verificada por declaração dos abonadores FF e GG, disse que constituía sua bastante procuradora HH, a quem concedia, com a faculdade de substabelecer, “poderes para doar com reserva de usufruto a seu sobrinho BB, casado com CC, sob o regime da comunhão geral, natural da dita freguesia de Abiul, onde reside no lugar de Abelheira, os prédios rústicos inscritos na matriz da freguesia de Abiul sob os artigos 8300, 8347, 8933, 8453, 8364, 9124, 9273, 9722, 9724, 9731, 9759, 9920, 13.884, 14.271, 14.434 e 14.652 e os urbanos sob os artigos 660 e 661, processado por computador ficando o donatário com a obrigação de fornecer ao doador vestuário, alimentação, médicos, medicamentos e tratamento adequado nas suas doenças, reservando-se ele outorgante a faculdade de revogar unilateralmente a doação se o donatário não cumprir qualquer das obrigações impostas, outorgando e assinando as respectivas escrituras e todos os documentos que se tornem necessários para os identificados fins, incluindo registos nas conservatórias, seus averbamentos e cancelamentos, e para nas repartições públicas e, designadamente nas repartições de finanças, liquidar contribuições e impostos e requerer quaisquer alterações matriciais”. Do mesmo documento consta, ainda, que “esta procuração foi em voz alta lida e explicado o seu conteúdo ao outorgante na presença simultânea de todos os intervenientes”, bem como, para além de outras, as assinaturas “AA”, “FF” e “GG” (alínea L), da especificação);
9. O Autor e mulher fizeram testamento recíproco e por morte do último a institui-lo como único e universal herdeiro (al. M), da especificação);

10. No dia 3/02/1994 é lavrada escritura de doação, figurando como donatário o Réu marido e doador o Autor, tal como consta do documento de fls 25 a 29., que aqui se dá por reproduzido, tendo como objecto os imóveis (prédios rústicos) inscritos na matriz da freguesia de Abiúl sob os artigos 8300, 8347, 8933, 8453, 8364, 9124, 9273, 9722, 9724, 9731, 9759, 9920, 13.884, 14.271, 14.434 e 14.652 (alínea N), da especificação);
Do questionário:
11. O Autor e a sua mulher mantinham relações com a generalidade dos seus familiares e conviviam bastante com o seu irmão EE, quer em França quer depois em Portugal (resposta aos pontos 1º, 7º, 86º, 87º e 88º da base instrutória/questionário);
12. O Autor andou na escola, sabendo ler e escrever, e a sua mulher não sabia ler e escrever (resposta aos pontos 2º e 103º da base instrutória/questionário);
13. O Autor e a sua mulher eram pessoas que tinham preocupações de aforro, o que era do conhecimento dos seus familiares (resposta aos pontos 3º e 4º da base instrutória/questionário);
14. Em data não apurada de 1989 ou 1990 o Autor foi acometido de trombose, ficando combalido na sua saúde (resposta ao ponto 5º da base instrutória/questionário);
15. A mulher do Autor era pessoa que, face à sua idade, tinha problemas de saúde de natureza não concretamente apurada (resposta ao ponto 6º da base instrutória/questionário);
16. Os Réus encontravam-se emigrados em França, apenas vindo a Portugal, normalmente em Agosto, para o gozo das suas férias (resposta ao ponto 10º da base instrutória/questionário);
17. O Autor e a sua mulher, face à respectiva idade e problemas de saúde, sentiam-se debilitados (resposta ao ponto 12º da base instrutória/questionário);
18. O Autor e a sua mulher deram autorização ao irmão dele, EE, para movimentar as suas (deles) contas bancárias (resposta aos pontos 13º e 14º da base instrutória/questionário);
19. Os Réus tinham algum conhecimento da situação pessoal e do aforro bancário do Autor e sua mulher (resposta ao ponto 15º da base instrutória/questionário);
20. Em finais de Agosto de 1993, os Réus levaram, no seu veículo automóvel, o Autor com eles para França, para que este, como era sua vontade, aí fosse assistido por médicos franceses, por estar convencido que o sistema de saúde nesse país lhe permitiria obter melhoras na sua saúde (resposta aos pontos 16º, 18º e 21º da base instrutória/questionário);
21. A mulher do Autor ficou sozinha em casa, em Portugal, de sua livre vontade, convencida de que o marido regressaria a Portugal daí a algum tempo (resposta aos pontos 17º e 22º da base instrutória/questionário);
22. Em Novembro de 1993, os Réus vieram a Portugal, sem que tenham trazido o Autor com eles, e levaram depois o respectivo sogro e pai (C.......s) para França (resposta ao ponto 29º da base instrutória/questionário);
23. No final do ano de 1993 e início do ano de 1994, o Autor encontrava-se ainda em casa dos Réus, em França, mantendo-se a sua mulher em Portugal, a viver sozinha (resposta aos pontos 30º e 31º da base instrutória/questionário);
24. O Réu só chegou a Portugal com o Autor no próprio dia do funeral da mulher deste, numa altura em que o cortejo fúnebre se encontrava a aguardar a respectiva chegada à porta do cemitério (resposta aos pontos 33º, 34º e 35º da base instrutória/questionário);
25. O Réu dirigiu-se com o Autor ao cartório notarial de Ansião, no dia 19/01/1994, dizendo-lhe que este teria de aí fazer uma procuração por ser necessária para fazer a relação de bens para as Finanças (resposta aos pontos 38º e 39º da base instrutória/questionário);
26. O Autor não quis fazer as declarações constantes do documento cuja certidão consta a fls. 23 e 24 dos autos e a que se alude supra em “8” (na alínea L) da especificação - resposta ao ponto 40º da base instrutória/questionário);
27. O Autor, após o referido supra em “25” e “26” (nas respostas aos pontos 38º a 40º), foi de novo transportado, pelo Réu e no veículo deste, para casa deste (resposta ao ponto 41º da base instrutória/questionário);
28. No dia 26/1/94 foi emitida certidão pela Conservatória do Registo Predial de Pombal que depois foi exibida aquando da outorga da escritura de doação a que se alude supra em “10” (na alínea N) da especificação) e referente aos imóveis nesta incluídos (resposta ao ponto 43º da base instrutória/questionário);
29. Em dia não apurado, situado antes de 3/02/1994, os Réus levaram de novo o Autor para França (resposta ao ponto 44º da base instrutória/questionário);

30. Os Réus diligenciaram para obterem os documentos necessários para a marcação da escritura (a que se refere a alínea N) da especificação), sem conhecimento do Autor (resposta ao ponto 45º da base instrutória/questionário);
31. Os Réus trouxeram o Autor para Portugal na ocasião em que ocorreu o óbito do (deles) pai e sogro, após o que foi levado de novo para França, não vindo ele a Portugal no mês de Agosto seguinte (resposta aos pontos 47º e 49º da base instrutória/questionário);
32. O Autor não tinha a chave da sua casa, sendo os Réus que a mantinham na respectiva posse (resposta ao ponto 48º da base instrutória/questionário);
33. Os Réus tinham trazido o Autor para Portugal quando ocorreu o óbito de sua (deles) sogra e mãe, em Março de 1995. Na altura do funeral o Autor pediu a um outro sobrinho, de nome II para o ajudar já que não queria voltar para França. Apesar disso, o Autor foi levado pelo mencionado sobrinho de novo para casa dos Réus, tendo estes ficado sabedores do ocorrido (resposta aos pontos 50º e 51º da base instrutória/questionário);
34. Apesar do referido supra em “35” (resposta ao ponto 51º), o Autor dirigiu-se no dia seguinte a casa da sobrinha e afilhada JJ, pedindo que ela o recolhesse. Após esse momento, situado em Março de 1995, o Autor não mais voltou para a companhia dos Réus (resposta ao ponto 51º-A da base instrutória/questionário);
35. O Autor, só após o referido supra em “35” (resposta ao ponto 51º-A) teve conhecimento de que tinha sido outorgada a escritura a que se alude supra em “10” (alínea N) da especificação) (resposta ao ponto 46º da base instrutória/questionário);
36. No dia 25/02/94, por força da autorização de movimentação de contas existente na Caixa Geral de Depósitos (agência de Pombal) a favor do Réu e de ordem dada nesse sentido por este, foi efectuada a transferência de títulos de contas a prazo (nº 00000000) e de reforma (nº 0000000) do Autor, num valor total de Esc. 1.330.267$80, para uma conta a prazo do Réu com o nº 0000000 (título nº 139) (resposta ao ponto 52º da base instrutória/questionário);
37. No dia 03/03/94, por força da autorização de movimentação de contas existente na Caixa Geral de Depósitos (agência de Pombal) a favor do Réu e de ordem dada nesse sentido por este, foi efectuada a Processado por computador transferência de títulos de contas a prazo (nº0000000) e de reforma (nº 000000000) do Autor, num valor total de Esc. 1.822.040$00, para uma conta a prazo do Réu com o nº 0000000 (título nº 140) (resposta ao ponto 53º da base instrutória/questionário);
38. No dia 02/05/94, por força da autorização de movimentação de contas existente na Caixa Geral de Depósitos (agência de Pombal) a favor do Réu e de ordem dada nesse sentido por este, foi efectuada a transferência de títulos de contas a prazo (nº 0000000) e de reforma (nº 000000) do Autor, num valor total de Esc. 2.970.005$00, para uma conta a prazo do Réu com o nº 00000000 (título nº 141) (resposta ao ponto 54º da base instrutória/questionário);
39. No dia 30/05/94, por força da autorização de movimentação de contas existente na Caixa Geral de Depósitos (agência de Pombal) a favor do Réu e de ordem dada nesse sentido por este, foi efectuada a transferência de títulos da conta a prazo (nº 00000000) do Autor, num valor total de Esc. 1.486.049$00, o qual foi utilizado, por sua ordem (do Réu), para pagamento parcial de um cheque por si emitido (resposta ao ponto 55º da base instrutória/questionário);
40. No dia 30/06/94, por força da autorização de movimentação de contas existente na Caixa Geral de Depósitos (agência de Pombal) a favor do Réu e de ordem dada nesse sentido por este, foi efectuada a transferência de títulos da conta a prazo (nº 00000) do Autor, num valor total de Esc. 1.574.475$00, para uma conta a prazo do Réu com o nº 000000 (título nº 142) (resposta ao ponto 56º da base instrutória/questionário);
41. No dia 29/07/94, por força da autorização de movimentação de contas existente na Caixa Geral de Depósitos (agência de Pombal) a favor do Réu e de ordem dada nesse sentido por este, foi efectuada a transferência de títulos de contas a prazo (nº000000) e de reforma (nº 000000) do Autor, num valor total de Esc. 1.526.711$70, bem como do saldo de Esc. 481.288$30 da conta à ordem nº 0000/000, também do Autor, para a conta do Réu n° 25401.120 (título nº 143) (resposta aos pontos 57º e 63º da base instrutória/questionário);
42. No dia 31/08/94, por força da autorização de movimentação de contas existente na Caixa Geral de Depósitos (agência de Pombal) a favor do Réu e de ordem dada nesse sentido por este, foi efectuada a transferência de títulos da conta a prazo (nº 000000) do Autor, num valor total de Esc. 5.235.049$90, para uma conta a prazo do Réu com o nº 000000 (título nº 144) (resposta ao ponto 58º da base instrutória/questionário);
43. No dia 26/10/94, por força da autorização de movimentação de contas existente na Caixa Geral de Depósitos (agência de Pombal) a favor do Réu e de ordem dada nesse sentido por este, foi efectuada a transferência de dois títulos da conta a prazo (nº 00000) do Autor, num valor total de Esc. 1.653.043$00, para uma conta a prazo do Réu com o nº 000000 (título nº 145) (resposta ao ponto 59º da base instrutória/questionário);
44. No dia 24/11/94, por força da autorização de movimentação de contas existente na Caixa Geral de Depósitos (agência de Pombal) a favor do Réu e de ordem dada nesse sentido por este, foi efectuada a transferência de quatro títulos de contas a prazo do Autor, num valor total de Esc. 10.858.904$30, para uma conta a prazo do Réu com o nº Processado por computador instrutória/questionário);
45. No dia 25/01/95, por força da autorização de movimentação de contas existente na Caixa Geral de Depósitos (agência de Pombal) a favor do Réu e de ordem dada nesse sentido por este, foi efectuada a transferência de títulos de contas a prazo e de reforma do Autor, bem como de saldo de Esc. 246.025$00 da conta à ordem deste, num valor total de Esc. 1.129.688$40, para uma conta a prazo do Réu com o nº 000000 (título nº 147) (resposta aos pontos 60º-A e 62º da base instrutória/questionário);
46. Os valores referentes a juros foram também transferidos (resposta ao ponto 61º da base instrutória/questionário);
47. O Réu transferiu da conta bancária de que era titular o Autor e sua mulher, na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal (com o nº 000/00000000), para uma conta conjunta do Autor e dos Réus (com o nº 000/0000000000) na mesma CCAM de Pombal nº 000/000000000000000, as seguintes quantias: em 1/03/1994, Esc. 291.000$00; em 7/03/1994, Esc. 130.000$00; em 26/04/1994, Esc. 430.000$00; em 18/05/1994, Esc. 867.000$00; em 11/08/1994, Esc. 562.000$00. Após, em 23/03/95, o Réu procedeu ao levantamento, da conta o nº 000/0000000 da quantia de Esc. 1.084.000$00 e, em 27/03/95, da quantia de Esc. 1.297.000$00, deixando nessa conta um saldo de Esc. 13.208$00 (resposta aos pontos 64º e 65º da base instrutória/questionário);

48. Nem o Autor nem a sua mulher, enquanto viva, quiseram ou deram autorização a qualquer dos Réus para que fossem efectuados os movimentos bancários referidos supra em “38” a “49”, ambos inclusive (nas respostas aos pontos 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 60º-A, 61º, 62º, 63º, 64º e 65º - resposta ao ponto 66º da base instrutória/questionário);
49. Os Réus passaram a dispor, considerando-as como suas e dando-lhes o destino que bem entenderam, das quantias em dinheiro referidas supra em “38” a “49”, ambos inclusive (nas respostas aos pontos 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 60º-A, 61º, 62º, 63º, 64º e 65º - resposta ao ponto 67º da base instrutória/questionário);
50. Face ao referido supra em “38” a “49”, ambos inclusive, e “51” (nas respostas aos pontos 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 60º-A, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º e 67º), o Autor, dos valores em dinheiro que possuía em instituições bancárias, apenas ficou com um saldo bancário de Esc. 13.208$00 (resposta ao ponto 68º da base instrutória/questionário);
51. Datada de 15 de Fevereiro de 1994, consta da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal uma autorização para que BB possa efectuar levantamentos da conta cujos titulares eram o Autor e sua mulher (n.º 000000000). Consta também da Caixa Geral de Depósitos (agência de Pombal) uma autorização concedendo todos os poderes ao Réu BB para, como representante, movimentar a conta n.º 4936, cujos titulares eram o Autor e sua mulher.
O Réu serviu-se, para efectuar os movimentos bancários referidos, destas autorizações, dadas pelo Autor apenas para proceder a movimentos em proveito e no interesse único e exclusivo deste (o Autor) (resposta aos pontos 69º, 104º e 105º da base instrutória/questionário);
52. A reforma do Autor passou a ser depositada em conta do Réu (resposta ao ponto 85º da base instrutória/questionário);
53. Quando se encontravam no cartório Notarial de Ansião, foi o Réu quem falou directamente com o funcionário do cartório, sem que o Autor tivesse ouvido o que por eles foi dito. O Autor foi conduzido junto ao balcão do cartório, onde aguardou acompanhado do Réu e de uma mulher cuja identidade concreta não foi possível apurar, local onde depois foi colocada a minuta preenchida da procuração, sem que lhe tenha sido lido ou explicado o seu conteúdo. Nesse momento, o Réu disse ao Autor, que se encontrava a chorar e mostrando hesitação em assinar, que teria de o fazer e, depois de pôr uma caneta na mão do Autor, segurou-lhe essa mão com a sua, para que o mesmo fizesse a assinatura, o que acabou por acontecer (resposta aos pontos 70º, 71º, 72º, 73º, 74º, 75º e 76º da base instrutória/questionário);
54. Nenhuma das pessoas que tiveram intervenção como abonadores conhecia ou tinha qualquer relação familiar ou outra com o Autor e também a estes não foi lido o conteúdo da procuração (resposta ao ponto 77º da base instrutória/questionário);
55. O Réu sabia que o Autor não tinha intenção de fazer uma procuração com o conteúdo da que foi feita, bem como que fosse realizada qualquer escritura de doação dos seus bens para ele (Réu), quer ainda que levantasse os valores em dinheiro existentes nas contas (resposta ao ponto 80º da base instrutória/questionário);
56. Os Réus sabiam da idade e doença da mulher do Autor (resposta ao ponto 83º da base instrutória/questionário);
57. O Autor só em Março de 1995 tomou efectivo conhecimento do conteúdo da procuração e da escritura de doação depois outorgada, quando se deslocou a Ansião e pediu fotocópias no Cartório Notarial, e só no mesmo mês (de Março de 1995) teve conhecimento dos levantamentos de importâncias em dinheiro da CGD e da CCAM de Pombal, ao solicitar os saldos das contas (resposta ao ponto 78º da base instrutória/questionário);
58. Após o momento referido supra em “34” (situado em Março de 1995, em que o Autor se dirigiu a casa da sobrinha e afilhada JJ pedindo que ela o recolhesse, não mais tendo ele voltado para a companhia dos Réus), os Réus não mais forneceram ao Autor vestuário, alimentação, médicos, medicamentos e tratamento adequado à doença (resposta ao ponto 84º da base instrutória/questionário);
59. Em casa dos Réus em França, o Autor dormia num sofá cama, o qual era aberto quando chegava a hora desse se deitar e era depois fechado quando se levantava. Enquanto o Autor dormia no sofá, os Réus não abriam as persianas da divisão onde este se encontrava (respostas aos pontos 23º, 24º e 101º da base instrutória/questionário);

60. Em França, enquanto esteve na casa dos Réus, o Autor podia sair de casa, tendo chaves, e dava alguns passeios. Enquanto esteve em casa dos Réus em França, o Autor chegou a escrever à sua mulher (respostas aos pontos 96º e 97º da base instrutória/questionário);
61. O Autor, no tempo em que esteve em França em casa dos Réus, foi cuidado por estes, tendo ele sentindo algumas melhoras no seu estado de saúde. Nesse período a Ré, enquanto esses aí estiveram, ficava em casa a tratar quer do Autor, quer dos seus pais (dela Ré) (resposta aos pontos 98º e 102º da base instrutória/questionário);
62. Os Réus, quando o Autor lhes pedia dinheiro, perguntavam-lhe para que o queria, por não precisar dele (resposta aos pontos 26º e 28º da base instrutória/questionário).

4. Começam os recorrentes por suscitar a nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronúncia: na verdade, sustentam os recorrentes que teriam confrontado a Relação com questão que não teria sido apreciada, ao alegarem, no recurso de apelação, que a intervenção da representante voluntária do A. na escritura de doação configuraria uma «actuação sem poderes de representação» e que para se determinar a prova dos factos que conduziriam à ineficácia do acto praticado se impunha «a presença nos autos, não só do próprio mandatário, assim como do oficial público».
Salienta-se que esta linha argumentativa não constitui, em bom rigor, uma questão autónoma, a que o Tribunal devesse necessariamente responder, sob pena de nulidade, mas um simples argumento da parte, decorrente ou consequente da questão fundamental que se pretendia suscitar, e que a Relação, aliás fundadamente, considerou improcedente: a tese de que o que estaria em causa era a «falsidade» da escritura de doação, cujo valor probatório se não poderia considerar precludido através da valoração da prova testemunhal – e devendo, em consequência, «permanecer válidas», quer a procuração, quer a escritura. Na realidade, só assim se poderá compreender a estranha exigência de que o próprio oficial público devesse intervir nos autos, constituindo tal referência do recorrente resquício do regime legal do antigo «incidente de falsidade», aliás, há muito banido do nosso ordenamento adjectivo( cfr. art.361º, nº3 do CPC, na versão anterior à reforma de 1995/96).



Ora, definido claramente pelo acórdão recorrido que o problema suscitado nada tem a ver com a «falsidade» de um documento autêntico, é evidente que o argumento adicional dos recorrentes estava, sem mais, prejudicado.
E, no que se refere à exacta configuração jurídica do reflexo da anulação da procuração no destino do negócio jurídico de doação, celebrado à sua sombra, estamos perante uma pura questão de direito, atinente à configuração e qualificação jurídica da matéria do litígio, não constituindo seguramente «omissão de pronúncia» a circunstância de as instâncias terem entendido que a anulação da procuração por vício da vontade devia acarretar consequencialmente a anulação da doação em que interveio o representante voluntário, aparentemente designado. Em suma, saber se estamos perante um caso configurável , no plano estritamente jurídico-normativo, como de anulação de um acto, de abuso de representação ou de falta de poderes de representação é precisamente a questão de direito que se impõe dirimir, não sendo obviamente «nula» a decisão que, com ou sem fundamento material, se tiver orientado por uma dessas perspectivas jurídicas.


5.A matéria do litígio prende-se com o valor negativo de duas declarações negociais documentadas nos autos: procuração outorgada pelo A. a favor de HH, legitimando-a para o representar em escritura de doação de imóveis em benefício do 1º R, e o próprio negócio de doação celebrado em execução daquela procuração, em que o A., como doador, representado pela procuradora instituída, vem doar os referidos bens imóveis a favor do donatário, o 1º R.

Perante a matéria de facto provada, entenderam as instâncias que:
- a procuração, enquanto declaração viciada por erro dolosamente provocado pelo próprio R., está ferida pelo vício de anulabilidade, nos termos do preceituado nos arts 253º e 254º do CC, proferindo sentença constitutiva de anulação de tal acto;
-tal vício comunica-se ao subsequente acto de doação, sendo consequentemente anulável o negócio celebrado a jusante da procuração anulada, decretando-se identicamente tal efeito constitutivo quanto ao negócio jurídico de doação, celebrado através dos poderes representativos outorgados com a procuração anulada.


Não suscitando, face à clareza da matéria de facto fixada, qualquer dúvida a anulação da declaração do A., contida na procuração, por erro dolosamente provocado, importa, todavia, determinar com rigor quais são os reflexos de tal anulação no valor e eficácia do negócio celebrado a coberto da procuração anulada ; não nos parece, na verdade, ser necessário recorrer à figura da anulação da doação, envolvendo para o doador o ónus de, exercitando o direito potestativo que lhe assiste, obter o decretamento do efeito constitutivo que é típico do instituto da anulabilidade dos negócios jurídicos: é que, da invalidade da procuração, decorrente da respectiva sentença anulatória, resulta, em termos meramente consequenciais, atento o efeito retroactivo da anulação, a falta de poderes representativos do procurador, geradora de uma representação sem poderes, imediatamente enquadrável na previsão normativa do art.268º .


Ora, nos termos deste preceito legal o negócio jurídico que uma pessoa, desprovida de poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, salvo se ocorrer ratificação – tornando-se, deste modo, desnecessário ao interessado que não ratifique o acto obter o decretamento da anulação do negócio, como forma de se eximir aos seus efeitos.
Note-se, todavia, que esta alteração do enquadramento jurídico do litígio em nada favorece a posição dos RR, ora recorrentes, conduzindo naturalmente a ineficácia do acto em relação ao doador à sua desvinculação quanto ao efeito translativo do negócio celebrado sem poderes de representação.
Por outro lado, no caso dos autos, sendo o beneficiário da doação precisamente a pessoa que provocou dolosamente o erro que esteve na base da anulação da procuração, nenhum problema se suscita em sede de tutela da confiança de terceiros, face à aparência de poderes representativos que emergia do teor literal da procuração anulada - sendo manifesto que o donatário conhecia ou devia conhecer a falta de poderes representativos, sendo-lhe por isso plenamente oponível o efeito da anulação de tal acto, dotada de eficácia retroactiva.


6.No caso ora em apreciação, o A. apenas curou de peticionar a anulação do negócio consubstanciado na escritura de doação, sem formular expressamente um pedido de restituição dos imóveis doados, como decorrência do valor negativo que atribuiu àquele negócio jurídico – formulando, deste modo, apenas um pedido constitutivo, sem lhe adicionar um pedido de condenação na restituição dos bens ilegitimamente doados.

Entenderam, porém, as instâncias que tal não devia obstar a que oficiosamente pudesse ser decretada a condenação da parte na restituição dos imóveis recebidos ,com fundamento no disposto no art. 289º do CC, invocando-se o entendimento que esteve na base do assento nº 4/85, de 28/3/95, uma vez que os efeitos, neste caso, da anulabilidade invocada pelo interessado legítimo mais não seriam que a consequência legal da invalidação do acto .
Contra tal entendimento se insurge o recorrente, considerando que a doutrina do referido assento sempre seria intransponível do plano das invalidades do negócio jurídico para o plano da ineficácia deste, decorrente da falta de poderes de representação do procurador, como directa consequência da anulação da procuração , anteriormente decretada.

Importa, pois, analisar com alguma profundidade os precisos contornos do conflito jurisprudencial dirimido pelo referido acórdão uniformizador:

Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico, invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no n. 1 do artigo 289 do Código Civil.


Tal solução assentou na seguinte linha argumentativa:


O acórdão fundamento, face a contrato (no caso de cessão de exploração comerial), que servira de base a uma acção de denúncia do mesmo na pressuposição da sua validade, orientou-se no sentido de que, detectada e declarada (oficiosamente) a sua nulidade por ocorrência de vícios formais (não redução a escritura pública) a respectiva causa de pedir ficaria sem suporte, quer dizer, tornar-se-ia insubsistente e insuficiente, o que necessariamente conduziria à improcedência dos pedidos formulados, já que o contrato nulo é um nada jurídico sem virtualidade para modificar a situação preexistente, a tudo acrescendo que a obrigação de restituir consignada no artigo 289 do Código Civil respeita apenas a negócios nulos, não inculcando o dispositivo citado a restituição in pristinum, mesmo que não pedida; e ainda a circunstância de o entendimento diferente, ou seja este último entendimento, importar a violação do artigo 661 do Código de Processo Civil que proibe a condenação em quantidade superior ou em coisa diversa do pedido, como também dos artigos 193 n. 2 alíneas a) e b) e 498 n. 4 desse Código, que exigem uma dada relação entre a causa de pedir e o pedido.

Por seu lado, o acórdão recorrido, em caso de acção tendente a obter a restituição da quantia mutuada em acção proposta na ideia da validade do contrato, enveredou no sentido de que, apurada oficiosamente a nulidade do contrato, por falta da devida forma legal, haverá lugar à restituição do prestado, com assento, não em enriquecimento sem causa mas por força do determinativo do artigo 289 do Código Civil, e tudo isso por ser da incumbência do tribunal a qualificação jurídica da situação concreta e julgar com base em fundamento jurídico diferente do enunciado pela respectiva parte.


Esta apontada antinomia entre os arestos em confronto cumprirá solucionar, com fixação final da solução mais conveniente e legalmente adequada.
Ambos os confrontados arestos são concordes no sentido de que no nosso ordenamento jurídico está consagrado o princípio da substanciação (contraposto ao da individualização) segundo o qual, não basta a indicação genérica do direito que se pretende fazer valer, mas antes será necessária a indicação especificada do facto constitutivo desse direito (cf. Prof. A. Reis - Código do Processo Civil Anotado, vol. II, 3. edição, página 356; Prof. Andrade - Noções Elementares de Processo Civil, página 297; Prof. Castro Mendes Manual do Processo Civil-1963,
página 299).

Com assento nesses princípios sempre ficará salva ao Tribunal a possibilidade de qualificar juridicamente a situação que lhe é posta à consideração, embora alicerçada nos factos articulados, como decorre do artigo 664 do Código do Processo Civil, o que conduz, no caso concreto, à possibilidade de fazer reconverter um contrato supostamente válido, em contrato nulo (por falha dos devidos requisitos formais).
Mas cabe perguntar se tal se reconduzirá ao resultado de a acção respectiva, cuja causa petendi assentava no pressuposto da validade do negócio, ficar sem suporte quanto ao alicerce em que se baseou (validade do negócio) - (é essa a posição tomada pelo acórdão fundamento quando afirma, a entender-se, no caso, fundar-se a pretensão do autor em contrato não válido se haverá que inferir pela insuficiência de causa de pedir, com as devidas consequências - absolvição do pedido; já que o contrato nulo é um nada jurídico sem virtualidade para modificar a situação preexistente);

Ou se antes, e atenta a possivel reconversão da causa de pedir que passaria a assentar na nulidade do negócio, ficaria viável solucionar o pleito ao abrigo do estatuído no artigo 289 do Código Civil, segundo o qual, em caso de nulidade (ou anulação) do negócio jurídico, deverão ser repostas as coisas no estado anterior, com restituição do que houver sido prestado.
Seguindo o entendimento do Prof. Vaz Serra exposto na R.L.J. 109, página 308 e seguintes (em anotação ao acórdão fundamento) somos do parecer que a conversão da causa de pedir (inicialmente na pressuposição de contrato válido) bem pode fazer-se ao abrigo do artigo
293 do Código Civil, pelo menos, em causa assente na nulidade do negócio (como foi decretada jurisdicionalmente), já que razoável é pensar que esta última seria invocada pelo peticionante se houvesse previsto a nulidade do contrato em cuja pretensa validade se escudara para demandar.
Com tal em nada se agrava a posição do demandado, já que, válido ou nulo o negócio, sempre ele seria obrigado ao que lhe é pedido, além de se evitar ao peticionante o ónus de propor nova acção (com acento na nulidade) e cujos efeitos e fins seriam os mesmos, evitar esse que o princípio da economia processual aconselharia.

Como adianta o dito Prof. no comentário e artigo citado, o contrato nulo (ao contrário do expendido no acórdão fundamento), não é um nada jurídico, mas algo de existente (embora de errada perfeição, diremos nós) já que tal realidade existencial é revelada pelo instituto da conversão a que respeita o artigo 293 do Código Civil.

Como refere o Prof. Eduardo Correira - Separata da Revista da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XXIX,

"requisito de conversão é antes que a vontade hipotética se conclua da finalidade jurídico-económica, ou de outra espécie efectivamente tida em vista pelas partes".

Nem se pode dizer (como adianta o acórdão fundamento) que solução diferente da que adoptou (ele acórdão fundamento) contraria o disposto no artigo 661 do Código de Processo Civil que proibe a condenação em quantidade superior ou em coisa diversa da pedida, já que, no caso de ambos os acórdãos confrontados o que se pretende, seja válido ou nulo o negócio,

é precisamente a restituição do que havia sido prestado.
Do deixado dito resulta, por virtude do instituto da conversão a que nos referimos já, a reposição das coisas no estado anterior, como determina o artigo


289 n. 1 do Código Civil, reposição a fazer nos precisos termos deste preceito, e não por recurso ao princípio do enriquecimento sem causa, já que este assume carácter subsidiário a advir de falta de causa numa deslocação patrimonial, enquanto que no caso em apreço isso se não verifica, antes estando patente uma nulidade de acto alicerçador do pedido de restituição (cf. Cons. Mário Brito in Código Civil Anot., vol. I, página 364).


O que estava em causa na controvérsia jurisprudencial dirimida pelo citado assento era, pois, a da admissibilidade de convolação pelo tribunal da configuração jurídico - normativa que o A. dava à causa de pedir em que fundava a respectiva pretensão, -- passando a sustentá-la, não no cumprimento de certa relação contratual, mas nas consequências legais da declaração oficiosa da nulidade do negócio jurídico invocado como base da pretensão do demandante – envolvendo ainda tal reconfiguração jurídica da «causa petendi» uma alteração na configuração jurídica do próprio pedido, da pretensão material deduzida, que deixa de assentar na obtenção de uma prestação por via do contrato, para passar a incidir sobre a obtenção de determinado bem ou quantia pecuniária como decorrência da declaração oficiosa de nulidade dessa relação contratual.

Subjacente ao assento está, pois, não apenas o reconhecimento de que é lícito ao Tribunal convolar para uma qualificação jurídica da causa de pedir diferente da formulada pelo A. – no caso, como decorrência da inquestionável possibilidade de conhecimento oficioso das nulidades da acto jurídico - mas também uma inovatória qualificação da pretensão material deduzida, cuja identificação não se faz apenas em função das normas e do instituto jurídico invocado pelo A., mas essencialmente através do efeito prático- jurídico que este pretende alcançar ( só assim se podendo explicar que o tribunal possa atribuir o bem, valor ou montante pecuniário pedido, não em consequência ou a título de cumprimento do contrato em que se consubstanciava a causa de pedir, mas através da figura do dever de restituir tudo aquilo que se obteve em consequência de um negócio oficiosamente tido por nulo).
O que, deste modo, identifica a pretensão material do A., o efeito jurídico por ele pretendido, enquanto elemento individualizador da acção, será o efeito prático-jurídico por ele pretendido com a acção e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal convolar, por exemplo, de um pedido de « destruição»dos efeitos do negócio jurídico, configurado como de anulação ou declaração de nulidade, para uma declaração de ineficácia do contrato, sem que tal permita afirmar que, ao fazê-lo, o juiz julgou objecto diverso do que havia


sido peticionado: veja-se, em clara aplicação deste entendimento, mais substancialista e flexível, o acórdão uniformizador 3/2001, em que se considerou legítima a convolação de um pedido reportado à invalidade do contrato para a respectiva declaração de ineficácia, típica da figura da impugnação pauliana, assim se corrigindo oficiosamente o erro do A. sobre a qualificação jurídica do efeito pretendido pelo demandante.

Das considerações precedentes decorre que a doutrina consagrada no Assento 4/95 não é aplicável à situação dos autos: desde logo, porque está excluído que o Tribunal possa conhecer oficiosamente da anulabilidade do negócio jurídico que o A. invoca no pressuposto da sua validade, já que tal figura implica, como é óbvio, a arguição do vício pelo interessado legítimo, nos termos do art.287º do CC.
Depois, porque , no caso «sub juditio»,não foi formulada qualquer pretensão que directamente tivesse como objecto a obtenção ou restituição ao património do doador dos bens imóveis ilegitimamente doados ,ao contrário do que ocorreu na situação sobre que versou o assento, em que o que se pretendia era precisamente , fosse válido ou nulo o negócio, a restituição do bem ou valor que havia sido prestado: estamos, pois, aqui confrontados com uma total omissão de um pedido de condenação na restituição dos bens, uma vez que o A., na sua estratégia processual, se limitou a formular um pedido constitutivo, no caso de «anulação» do negócio: ora, se nada obsta, como atrás se viu, a que seja possível qualificar diferentemente tal efeito jurídico pretendido – alicerçando antes a «destruição» dos efeitos do negócio nas figuras da ineficácia ou da inoponibilidade – já não parece viável suprir oficiosamente a referida e total ausência de formulação de um pedido de condenação na restituição de certos bens, que o A. de todo omitiu.

E não se diga que , perante o disposto no art.289º do CC, a obrigação de restituir tudo o que foi prestado é meramente consequencial da invalidação do negócio: tal significa apenas que, no caso, tal pedido consequencial, a ser formulado, seria um pedido dependente, constituindo mesmo, porventura ,um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, sujeito ao regime mais favorável de ampliação pelo A.( cfr. art. 233º do CPC)- mas já não que seja lícito ao tribunal proceder, ele próprio, na sentença e a título oficioso, a tal «ampliação» que o A. não curou de requerer, sob pena de resultar violado o princípio do pedido, ínsito na figura estruturante do princípio dispositivo que sempre caracterizou o processo civil.


Deste modo, tendo-se o autor limitado a formular um pedido de anulação de certo negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença de condenação na restituição ou entrega dos bens , consequente ao decretamento da invalidade - ou da ineficácia do negócio - por tal implicar violação do disposto no art.661º, nº1, do CPC.


7.Sustentam ainda os recorrentes que teria caducado, à data em que foi proposta a acção, o direito de anulação das declarações negociais em causa, considerando que tal caducidade seria de conhecimento oficioso.
Trata-se, porém, e como é evidente, de argumentação totalmente improcedente: estando obviamente em causa direitos disponíveis, é aplicável o disposto no nº2 do art. 333º do CC, pelo que tal invocação constituía matéria de excepção, a deduzir pelos RR. na contestação.


8. Questionam ainda os recorrentes a solução encontrada pelas instâncias quanto ao dever de restituir os valores pecuniários de que ilegitimamente se apropriaram, utilizando em exclusivo proveito pessoal as autorizações para movimentação de contas bancárias do A., dadas no pressuposto de que apenas se destinariam a proceder a movimentos em proveito e no interesse único e exclusivo de quem as emitiu.
A argumentação dos recorrentes não tem manifestamente em conta a verdadeira «ratio decidendi» do acórdão recorrido sobre esta matéria, que passou, em primeira linha, pelo enquadramento da matéria de facto no âmbito da figura da responsabilidade civil extracontratual, configurando o abuso do recorrente na utilização das autorizações para movimentação de contas bancárias de outrem como um facto ilícito e culposo , gerador de um dever de indemnizar os danos causados.
Como é evidente, esta via decisória nada tem a ver com a invocação da validade ou da falsidade de tais autorizações – nenhuma pretensão sendo deduzida contra as instituições bancárias, - o que torna absurda a invocação da figura do litisconsórcio necessário dos legais representantes das instituições financeiras.
Por outro lado, e como é evidente, a qualificação jurídica dos factos apurados no âmbito da responsabilidade civil, reconhecendo-se o direito às quantias pecuniárias peticionadas a coberto de tal figura ,não traduz obviamente violação do nº1 do art. 661º do CC.


9.Nestes termos, concede-se provimento parcial à revista, revogando o segmento da decisão recorrida em que se decreta a anulação da doação celebrada em 3/2/1994 e se condenam os RR. a devolverem ao A. todos os prédios objecto que dela foram objecto, apenas se declarando que tal negócio jurídico , por celebrado sem poderes de representação do doador , é ineficaz em relação a este, nos termos do nº1 do art.268º do CC, e confirmando-a no demais.
Custas por recorrentes e recorridos, que se graduam na proporção de 3/4 para os primeiros e de 1/4 para os segundos, atenta a diferente participação no recurso e relevância do decaimento, nos termos do nº3 do art. 446º do CPC, na versão anterior à emergente do DL.nº34/08. não aplicável ao presente processo.

Lisboa, 05 de Novembro de 2009


Lopes do Rego (Relator)
Pires da Rosa
Custódio Montes