Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6385/08.3TBSTB.E1.S1
Nº Convencional: REVISTA EXCEPCIONAL
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: REVISTA EXCEPCIONAL
RECURSO DA REVISTA
REQUISITOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
VALOR DA CAUSA
ALÇADA
DUPLA CONFORME
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE INSTÂNCIA
COMPETÊNCIA MATERIAL
ACÓRDÃO
CERTIDÃO
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
Data do Acordão: 07/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: REJEITADA A REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário :

I - A revista excepcional só poderá ser admitida se, no processo em causa, também o fosse a título normal ou extraordinário se inexistisse dupla conforme.
II - Há uma íntima relação entre o disposto nos n.ºs 1 e 3 do art. 721.º e os n.ºs 1 e 3 do art. 721.º-A, ambos do CPC: os casos de revista excepcional são hipóteses em que a revista "normal" não é admissível apenas por se verificar uma situação de dupla conforme, ou seja, hipóteses que, não fora a dupla conforme, se reconduziriam a situações de revista "normal".
III - Os requisitos da revista "normal" são, também, hoc sensu, requisitos da revista excepcional - requisitos cuja verificação esta necessariamente pressupõe.
IV - Na hipótese dos autos, embora o valor da causa - € 10 720 - se encontre dentro da alçada da Relação, o que obstaria à admissibilidade da revista como normal à luz do disposto no art. 678.º, n.º 1, do CPC, já seria admissível a título extraordinário com base na disposição excep-cional da al. a) do n.º 1 do mesmo art. 678.º. uma vez que em causa está uma questão de com-petência material do tribunal.
V - Porém, verificando-se, in casu, a existência de dupla conforme, não é, afinal, admissível a revista, a não ser que ocorra a existência de algum dos requisitos da admissibilidade da revista excepcional, importando apenas apurar da eventual existência do requisito previsto no art. 721.º-A, n.º 1, al. c), do CPC - "O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme" - único invocado pelo recorrente.
VI - A existência do invocado pressuposto de admissibilidade da revista excepcional, consistente na contradição de julgados entre o decidido a esse respeito no acórdão recorrido e o decidido no acórdão fundamento, exige que a invocação tenha de ser feita mediante a junção de cópia do acórdão fundamento e a comprovação do seu trânsito em julgado.
VII - Não sendo o acórdão fundamento emanado do STJ - mas da Relação -, não se coloca a ques-tão de saber se ocorre ou não a presunção de trânsito em julgado estabelecida pelo art. 763.º, n.º 2, do CPC, devendo o recorrente fazer ele próprio a prova da oposição de acórdãos, mediante junção de certidão ou de documento com valor idêntico, do acórdão fundamento, contendo o texto integral e a respectiva nota de trânsito em julgado, não cabendo ao tribunal suprir a sua eventual falta.
VIII - Não se mostra suficiente a solução de buscar o texto desse acórdão numa base de dados, imprimi-lo e remetê-lo a Juízo, como o recorrente fez, pois a base de dados não certifica a autenticidade do texto do acórdão nem o respectivo trânsito em julgado, antes tendo por fina-lidade a sua divulgação, como ponto de partida para pesquisa e estudo.
IX - Face ao disposto no art. 266.º, n.º 4, do CPC, o juiz deve providenciar pela remoção de algum obstáculo à obtenção de documento ou informação que condicione o eficaz exercício de facul-dade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, mas quando alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria nessa obtenção, o que o recorrente não fez.
X - Se o recorrente se cingiu a juntar cópia de acórdão obtida numa base de dados, e não se mostra certificado o trânsito, não se pode entender que tenha comprovado a verificação do aludido requisito do art. 721.º-A, n.º 1, al. c), do CPC, pelo que é de rejeitar a revista excepcional.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça os Juízes que constituem a formação de apreciação preliminar:

Em 24/10/08, AA instaurou no Tribunal Judicial de Setúbal acção com processo sumário contra ...., Ar Condicionado, Lda., invocando que em Agosto de 1998 o Autor e a Ré celebraram um contrato de trabalho, auferindo o Autor o vencimento de 715,00 euros mensais, pelo exercício de funções de técnico de metalurgia.

Após ter enviado ao Autor uma nota de culpa, a Ré acabou por despedi-lo, em Abril de 2006, invocando justa causa, que se fundamentava em ter realizado inúmeras chamadas telefónicas, de natureza pessoal, utilizando os telefones da empresa.

Além de despedir o Autor, a Ré ainda descontou no salário o valor das chamadas que dizia aquele ter realizado.

Após indicar os valores a que entende ter direito pelo despedimento que reputa de ilegal, designadamente remunerações, subsídio de férias e Natal, direito a férias, danos não patrimoniais e valores descontados por telefonemas pretensamente realizados, tudo num valor de 10.720,00 €, pede a condenação da Ré a pagar-lhe tal montante.

Citada, contestou a Ré, alegando, por excepção, que o Autor foi despedido na sequência de um processo disciplinar, cuja decisão lhe foi comunicada no dia 10 de Janeiro de 2001.

Os créditos pedidos revestem as características de laborais, pelo que a existirem estariam prescritos por força do artigo 381° do Código do Trabalho.

Mas caso não se entenda ocorrer prescrição, argui a incompetência absoluta do Tribunal Judicial para apreciar o presente pleito, pois competentes para o efeito, diz, são os Tribunais do Trabalho.

E, por impugnação, invoca que nunca o Autor impugnou o seu despedimento perante a Justiça Laboral.

Termina concluindo pela procedência das excepções bem como do pedido da condenação do Réu como litigante de ma fé e quanto ao mais pela sua absolvição.

Respondeu o Autor, rebatendo a matéria das excepções.

Na 1ª Instância foi o Tribunal Judicial julgado materialmente incompetente e a Ré absolvida da Instância.

Não concordou o Autor com a sentença, tendo interposto o respectivo recurso, onde sustentou, nas alegações que apresentou e suas conclusões, a competência material do Tribunal Judicial.

A Relação, porém, proferiu acórdão que negou provimento ao recurso e confirmou por unanimidade a sentença ali recorrida, sendo desse acórdão que vem interposta a presente revista, pelo autor, nos seguintes termos:

“AA, A. nos supra e à margem melhor id. autos, notificado do Douto acórdão proferido, não se conformando com o mesmo, dele vem requerer a interposição de recurso, nos termos do art.º 678°, n.° 2, al. a), e art.º 721°-A, n.º 1, al. c), do C.P.C., o qual é de revista, com efeito meramente devolutivo e subida imediata e nos próprios autos, para o Supremo Tribunal de Justiça, para o que junta a respectiva alegação”.

E, nas suas alegações, alude o recorrente a vários acórdãos em contradição com o recorrido, juntando um deles, da Relação do Porto de 19/06/06, por cópia extraída de base de dados, epigrafada com o seguinte sumário: “Para conhecimento de uma acção em que, posteriormente à cessação do contrato de trabalho, o autor (entidade patronal) pede a condenação do réu (seu trabalhador) a restituir-lhe a quantia que indevidamente lhe pagou, a título de retribuição, é incompetente, em razão da matéria, o Tribunal do Trabalho, pois o enriquecimento sem causa não configura matéria laboral”.

Embora não identificando a presente revista como excepcional, parece que é essa espécie de revista que o recorrente pretende interpor, ao invocar o disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 721º-A do Cód. Proc. Civil.

Cabe, assim, decidir a questão da respectiva admissibilidade, aliás a única para que esta formação de apreciação preliminar é competente.

A presente acção foi instaurada, como se referiu, em 24/10/08, pelo que à mesma se aplica o novo regime dos recursos em processo civil, introduzido pelo Decreto-Lei n° 303/2007, de 24 de Agosto.

Nos termos do art.º 721º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, na redacção actual, cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação proferido ao abrigo do n.º 1 e da alínea h) do n.º 2 do art.º 691º; ou seja, do acórdão da Relação proferido em recurso da decisão do Tribunal de 1ª instância que ponha termo ao processo, - como é a hipótese dos autos -, e do acórdão da Relação proferido sobre despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa.

Por outro lado, porém, segundo dispõe o n.° 3 do mesmo art.º 721º, “Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”. Estabelece, assim, este dispositivo, o sistema da dupla conforme absoluta: havendo conformidade entre o decidido na 1ª instância e o decidido na Relação, por unanimidade, é, em princípio, inadmissível a revista, com as excepções consagradas no artigo seguinte.

E estabelece esse artigo seguinte, o art.º 721°-A, no seu n.º 1, que excepcionalmente cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.° 3 do artigo anterior quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (a), quando estejam em causa interesses de particular relevância social (b), e quando o acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme (c).

Acrescenta o mesmo artigo, no seu n.º 2, que o requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição, as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (a), as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social (b), e os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão - fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (c).

Por outro lado, porém, entende-se ser irrecusável que a revista excepcional só poderá ser admitida se, no processo em causa, também o fosse a revista a título normal ou extraordinário se inexistisse dupla conforme. Ou seja, as antecedentes disposições pressupõem a admissibilidade da revista excepcional, verificados os pressupostos que indicam, apenas nas situações em que a revista seria normal ou extraordinariamente admissível, só não o sendo por efeito da aplicação da regra da dupla conforme.

Isto é, para ser admissível a revista excepcional é, antes de mais, necessário que em causa esteja uma decisão que em princípio admita recurso, nos termos do art. 678°, n.° 1, ou em que o recurso é sempre admissível, por força do disposto no n.° 2 do mesmo artigo, ou que não se trate de uma decisão que, em razão de disposição especial da lei, não admite recurso para o STJ; e importa ainda que o recurso seja interposto de acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1ª instância que tenha posto termo ao processo ou sobre despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa, pois o recurso de revista só nestes casos é admissível (art.º 721°/1).

Só verificados estes requisitos - os requisitos da revista “normal” - e se ocorrer ainda qualquer uma das situações previstas no n.° 1 do dito art.º 721°-A, é que, nos casos de dupla conforme, é admissível a revista excepcional. Existindo aqueles requisitos, que conduziriam à admissibilidade da revista nos termos normais, é que, tornando-se inadmissível a revista por ocorrer a dupla conforme absoluta, haverá que apurar se se verifica algum dos pressupostos apontados naquele art.º 721º-A, n.º 1, caso em que haverá lugar à revista excepcional.

Há uma íntima conexão entre o disposto nos n.ºs 1 e 3 do art. 721° e os n.ºs 1 e 3 do art. 721°-A: os casos de revista excepcional são hipóteses em que a revista “normal” não é admissível apenas por se verificar uma situação de dupla conforme, ou seja, hipóteses que, não fora a dupla conforme, se reconduziriam a situações de revista “normal”.

Daí que os requisitos da revista “normal” sejam também, hoc sensu, requisitos da revista excepcional - requisitos cuja verificação esta necessariamente pressupõe.

Por isso, para se determinar se é, no caso, de admitir, a título excepcional, a revista, não se pode deixar de começar por apurar se, no caso concreto, estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade da revista, considerada como revista “normal”, rejeitando logo o recurso, sem necessidade sequer de passar à apreciação (que nesse caso fica prejudicada) dos requisitos especiais ou excepcionais, se se concluir que não se mostram verificados tais requisitos. Entende-se, pois, que a competência desta formação colegial, abrange o conhecimento de todos os pressupostos de admissibilidade da revista excepcional, neles incluídos os requisitos de admissibilidade da revista normal.

Ora, na hipótese dos autos, embora o valor da causa (10.720,00 euros) se encontre dentro da alçada da Relação, o que obstaria à admissibilidade da revista como normal à luz do disposto no art.º 678º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, já seria admissível a título extraordinário com base na disposição excepcional da al. a) do n.º 1 do mesmo art.º 678º, uma vez que em causa está uma questão de competência material do Tribunal.

Na hipótese dos autos, porém, verifica-se a existência da dupla conforme, o que significa não ser, afinal, admissível a revista, a não ser que se verifique a existência de algum daqueles requisitos de admissibilidade da revista excepcional, importando apenas apurar da eventual existência do terceiro, único invocado pelo recorrente.

Sabido é que, por outro lado, o âmbito do recurso se afere pelas conclusões das alegações dos recorrentes (art.ºs 660º, n.º 2, 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 3, do Cód. Proc. Civil), pelo que só das questões suscitadas nessas conclusões há que conhecer, a menos que haja outras de conhecimento oficioso.

Por isso, é em relação às questões ali suscitadas, que se resumem a saber se é o Tribunal Judicial ou o Tribunal do Trabalho o materialmente competente para apreciação e decisão dos presentes autos, que se há-de verificar a existência do invocado pressuposto de admissibilidade da revista excepcional, consistente na contradição de julgados entre o decidido a esse respeito no acórdão recorrido e o decidido no acórdão fundamento.

Só que, como a lei exige, essa invocação tem de ser feita mediante a junção de cópia do acórdão fundamento, que é um acórdão da Relação do Porto, e a comprovação do seu trânsito em julgado. Ou seja, e como na hipótese dos autos, não sendo o acórdão fundamento emanado deste Supremo Tribunal, não se coloca a questão de saber se ocorre ou não a presunção de trânsito em julgado estabelecida pelo art.º 763º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, deve o recorrente fazer ele próprio a prova da oposição de acórdãos, mediante junção de certidão, ou de documento com valor idêntico, do acórdão fundamento, contendo o texto integral e a respectiva nota de trânsito em julgado, não cabendo ao Tribunal suprir a sua eventual falta; e não se mostra sequer suficiente a solução de buscar o texto desse acórdão numa base de dados, imprimi-lo e remetê-lo a Juízo, como o recorrente fez, pois a base de dados não certifica a autenticidade do texto do acórdão nem o respectivo trânsito em julgado, antes tendo por finalidade a sua divulgação, como ponto de partida para pesquisa e estudo.

Por outro lado, face ao disposto no art.º 266º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil, o Juiz deve providenciar pela remoção de algum obstáculo à obtenção de documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, mas quando alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria nessa obtenção, o que aqui não se mostra feito. Quer dizer que o dever que o Tribunal tem de auxiliar as partes na superação de eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou faculdades ou o cumprimento de ónus ou deveres processuais depende da invocação justificada, por elas, de tais dificuldades, coisa que o recorrente também não fez.
Ora, constata-se precisamente que a cópia junta pelo recorrente provém de uma base de dados, e não se mostra certificado o trânsito, pelo que não se pode entender que o recorrente tenha comprovado a verificação do aludido requisito da al. c).
Tanto basta para se concluir pela não verificação de qualquer dos requisitos previstos no art.º 721º-A, citado, e portanto pela inadmissibilidade da presente revista excepcional.
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Pelo exposto, acorda-se em rejeitar a presente revista excepcional.
Custas pelo recorrente, com 2 UC de taxa de justiça.
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Lisboa, 7 de Julho de 2010

Silva Salazar (Relator)

Sebastião Póvoas

Pires da Rosa