Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
409/15.5T8AMT.P3.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PRESSUPOSTOS
PRESCRIÇÃO
IMPROCEDÊNCIA
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
CASO JULGADO MATERIAL
DESTITUIÇÃO DE GERENTE
CITAÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE.
Sumário :

I- A autoridade do caso julgado manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada, quando o objeto da decisão proferida em ação anterior se inscreva, como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior, entre as mesmas partes.


II- Sendo distinta a base factual considerada na anterior ação e na posterior e tendo a anterior ação julgado improcedente a exceção perentória da prescrição, ou seja, sem decidir definitivamente que a exceção se verificava, não tem eficácia de autoridade de caso julgado na posterior, não obstando que nesta fosse julgada procedente a exceção da prescrição.


III- A citação numa ação em que a sociedade pede a destituição dos réus da gerência não interrompe o prazo de prescrição do direito a ser indemnizada pelos réus pelos danos que sofreu em resultado da conduta dolosa ou culposa deles.

Decisão Texto Integral:

Revista n.º 409/15.5T8AMT.P3.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

AA intentou contra J..., Lda, BB, CC e DD, ação declarativa com processo comum pedindo que:


“a) Seja declarada nula e de nenhum efeito a deliberação de 20 de agosto de 2003 que o destituiu da gerência da 1.ª Ré. A não se entender assim, e sem prescindir, que seja declarada revogada a deliberação de 20 de agosto de 2003 que o destituiu da gerência da 1.ª Ré e, sempre, em consequência;


b) Se ordene o cancelamento do registo da deliberação social tomada na assembleia geral extraordinária da requerida realizada no dia 20 de agosto de 2003, pelas onze horas, na sede social da requerida na conservatória do registo comercial com a suspensão imediata dos seus efeitos retroagindo à data do respetivo averbamento.


c) Os 1.º, 2.º e 4.º Réus sejam condenados solidariamente a pagar-lhe a quantia de € 30 000,00 (trinta mil euros) pelos danos não patrimoniais.


d) A 1.ª Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 125 015,90 (cento e vinte e cinco mil, quinze euros e noventa cêntimos), proveniente da sua remuneração mensal como gerente, no montante de € 1 571, 21 (mil quinhentos e setenta e um euros e vinte e um cêntimos), 14 meses por ano, desde dezembro de 200, após a execução da deliberação de destituição declarada nula pela sentença proferida daquela sentença, que teve lugar em 17 de setembro de 2012;


e) A 1.ª Ré seja condenada a pagar-lhe os juros de mora sobre as remunerações mensais em dívida à taxa legal de 4 % que contados desde o dia 01 do mês seguinte àquele a que respeitam perfaz a 03/03/2015 a quantia de € 26 167,65;


f) A 1.ª Ré seja condenada a pagar os juros de mora vincendos à taxa de 4 % contados sobre € 125 015,90 desde 04/03/2015 até efetivo e integral pagamento;


g) Os 2.º e 3.º Réus sejam condenados, solidariamente com a 1.ª Ré, a pagar-lhe a quantia global de € 151 173,55 (cento e cinquenta e um mil, cento e setenta e três euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescida dos juros legais de mora vincendos contados desde 04/03/2014 até efetivo e integral pagamento, constante nos pedidos das alíneas d), e) e f).”


Os Réus contestaram e concluíram pela improcedência da ação.


Em reconvenção pediram a condenação do Autor e do seu irmão EE no reembolso dos valores indevidamente retirados à sociedade, no montante que se vier a apurar, acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal e ainda solidariamente condenados a indemnizar a 1.ª Ré pelos prejuízos causados com a sua conduta, em montante nunca inferior a € 40 000,00.


Requereram a intervenção principal do identificado irmão do Autor EE, vindo este incidente a ser oportunamente deferido.


O Autor replicou, excecionando a prescrição. Concluiu pela improcedência da reconvenção.


O Interveniente EE veio apresentar articulado próprio, excecionando a prescrição. Concluiu pela improcedência da reconvenção.


Foi decretada a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na ação n.º 1678/12.8..., pendente igualmente no Juízo de Comércio de ....


Levantada a suspensão e depois de proferido o despacho saneador, pelo falecimento do Interveniente EE foi decidida a habilitação dos seus herdeiros FF, GG e HH, por decisão de 09.12.21.


Após incidentes sem relevo para o presente recurso e após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença, com data de 06.07.22, que decidiu:


“ A) Declarar revogada a deliberação de 20 de agosto de 2003 que destituiu o A. da gerência da 1.ª R e, em face disso, julgar prejudicado o pedido de nulidade da citada deliberação;


B) Julgar improcedente o demais peticionado pelo A., dele absolvendo os réus;


C) Julgar procedente o pedido formulado pela reconvinte e condenar o autor e o chamado a pagar à sociedade ré a quantia que vier a apurar-se em sede de incidente de liquidação no que se reporta ao reembolso dos valores indevidamente retirados à sociedade;


D) Julgar improcedente o demais peticionado pela reconvinte.”


O Autor apelou, impugnando parte da decisão da matéria de facto e pede se condenem os Réus como peticiona e se julgue a reconvenção improcedente.


Os habilitados/herdeiros do interveniente EE apelaram e pedem se revogue a mesma na parte em que julgou procedente a reconvenção deduzida pelos Réus contra o Interveniente EE.


Os Réus J..., Lda., BB, CC e DD também apelaram, impugnando parte da decisão da matéria de facto e pugnando pela condenação do A e interveniente em indemnizações.


Os Réus nas contra-alegações, em resposta às alegações do Autor e dos habilitados herdeiros do interveniente, ampliaram o objeto do recurso, quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, pugnando pela condenação dos mesmos e respetivos mandatários como litigantes de má fé.


Em 26.09.2023 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, que julgou parcialmente procedentes os recursos do Autor, dos Habilitados e dos Réus, alterando-se a decisão recorrida nos seguintes termos:


“ A) Declarar revogada a deliberação de 20 de agosto de 2003 que destituiu o Autor da gerência da 1.ª Ré e, em face disso, julgar prejudicado o pedido de nulidade da citada deliberação;


B) Ordenar o cancelamento do registo daquela deliberação social, com a suspensão dos seus efeitos.


C) Julgar improcedente o demais peticionado pelo Autor, dele absolvendo os réus;


D) Julgar prescrito o direito de condenação do Autor AA e Chamado EE a reembolsar a sociedade Ré dos valores indevidamente retirados e a indemnizá-la pelos prejuízos causados com a sua conduta, em montante nunca inferior a € 40 000,00.


Julgar improcedente o pedido de condenação como litigantes de má fé do Autor, habilitados e respetivos mandatários.”


A Ré/reconvinte recorreu pedindo a revogação do acórdão recorrido, na parte em que julgou prescrito o seu direito de indemnização.


Termina a sua alegação com as seguintes conclusões que se transcrevem:


“I – Salvo o devido respeito que nos merecem a opinião e a ciência jurídica dos Exmos. Juízes Desembargadores a quo, afigura-se à Recorrente que o douto acórdão de 2023.09.26, na parte em que julgou prescrito o direito de indemnização da Ré sobre os Autor e Chamados, aqui Recorridos, com vista ao reembolso dos valores por aqueles indevidamente retirados da sociedade, absolvendo-os do respetivo pedido reconvencional, não se poderá manter, consubstanciando tal uma solução que viola os preceitos legais e os princípios jurídicos aplicáveis, afigurando-se como injusta e não rigorosa.


II – Por sentença proferida em 2022.07.06, o Tribunal de Primeira Instância (Juízo de Comércio de ... – Juiz ...) julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pela ora. Recorrente, começando, quanto ao mesmo, por julgar improcedente a exceção de prescrição deduzida pelo Autor e pelos Chamados, ora Recorridos.


III – Os Recorridos haviam sustentado a prescrição do direito invocado pela Recorrente, referindo-se à data do último levantamento em apreço, ocorrido em 2007.11.28, como momento relevante para o início da contagem do prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 174.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”), o que conduziria, na sua tese, à prescrição do mesmo direito, porquanto, à data da apresentação em juízo da contestação-reconvenção pela Ré Reconvinte e ora Recorrente (2015.05.11), já haveriam passado, pelo menos, 7 anos e meio.


IV – Consequentemente, atenta a decisão proferida pelo Juízo de Comércio de ..., os Recorridos interpuseram recurso para o Tribunal a quo no dia 2022.09.28, em cujas alegações vieram impugnar também o referido segmento decisório, sustentando agora, em abono de prevalecer o entendimento que tinham já propugnado, que o apelo, pelo Tribunal de Primeira Instância, ao caso julgado formado no processo n.º1678/12.8... não se poderia admitir, tendo em conta o objeto distinto do referido processo e da respetiva decisão, quanto ao tema da prescrição em análise.


V – Especificamente, o referido processo n.º 678/12.8..., que correu termos no Juízo de Comércio de ... – Juiz ..., versara sobre o pedido de destituição de gerentes então formulado pela aí Autora e aqui Ré ora Recorrente, sendo que os fundamentos que estiveram na base da decisão de destituição de gerentes dos aqui Recorridos proferida no identificado processo assentaram na mesma factualidade que também está em causa na apreciação do direito ressarcitório aqui peticionado pela Ré em reconvenção, o que levou o Tribunal a apreciar a prescrição do direito de pedir essa destituição.


VI – Tendo o Tribunal, nessa sede – e por referência à apreciação que fez sobre a mesmíssima factualidade relevante – vindo julgar improcedente a exceção de prescrição então invocada pelos aí Réus e aqui Recorridos.


VII – Por isto mesmo, nas contra-alegações de recurso apresentadas ao Tribunal a quo a 2022.11.04 no âmbito dos presentes autos, a Recorrente pugnou pela manutenção da decisão no referido segmento.


VIII – Ora, no acórdão ora recorrido, o Tribunal a quo veio decidir, quanto ao tema em apreço acedendo à argumentação dos Recorridos quanto aos âmbito e extensão do caso julgado, especificamente apreciada a divergência objetiva entre o processo n.º 1678/12.8... e o pedido reconvencional formulado pela Recorrente nestes autos, concluindo agora decidir que a importação da decisão proferida naquele processo quanto à prescrição sempre pressuporia que nesse processo anterior se tivesse discutido o mesmo pedido.


IX – Todavia, com o devido respeito, o Tribunal a quo andou mal na interpretação desses caracteres do instituto processual do caso julgado.


X – Com efeito, o referido entendimento está inquinado pela confusão, que importa, entre a exceção de caso julgado – enquanto reflexo negativo do instituto em apreço – e a autoridade de caso julgado – como dimensão positiva desse instituto –, sendo doutrinal e jurisprudencialmente pacífico que o caso julgado pode e deve ser compreendido e distinguido de acordo com as especificidades de uma e de outra expressões jurídico-processuais.


XI – Sendo que, se a exceção de caso julgado, tal como prevista nos arts. 580.º e 581.º do CPC, obsta à repetição de uma causa, exigindo a sua procedência, por isso, que estejamos perante idênticos sujeitos, pedido e causa de pedir (cfr. art. 581.º, n.º 1, do CPC), já a autoridade de caso julgado implica, no plano do caso julgado material, que os tribunais e demais autoridades devam acatar o conteúdo das decisões proferidas sobre o mérito de uma determinada causa, no sentido de não poderem, quanto a uma mesma relevância fáctico-jurídica, implicar decisões contraditórias, a bem dos princípios da certeza e segurança jurídica, da eficácia das decisões e do prestígio dos Tribunais.


XII – Por esse motivo, esta aceção positiva externa do instituto processual do caso julgado consente com a dispensa da tríplice identidade que, a propósito da exceção de caso julgado, o art. 581.º do CPC prevê.


XIII – Revela-se, pois, categoricamente inoportuna a questão de o pedido que veio a ser efetivamente julgado no processo n.º 1678/12.8... ser distinto do ora em apreço, como oportunamente já apreciara o Tribunal de Primeira Instância.


XIV – Com efeito, não foi no pressuposto de que naquela ação e nesta se discutia o mesmo pedido indemnizatório que o Juízo de Comércio de ... recorreu à autoridade do caso julgado para julgar improcedente a exceção de prescrição, tendo-se então fundamentado que, não obstante os pedidos fossem inequivocamente distintos, os factos subjacentes a um e outro, e em relação aos quais os Recorridos haviam invocado a prescrição, eram exatamente os mesmos.


XV – Mais cabendo desenvolver, insistindo, e em linha com o que vem sendo entendido pacificamente nas nossas doutrina e jurisprudência, que a figura da autoridade do caso julgado não exige ou pressupõe a identidade dos objetos de uma e outra ação judicial, mas tão só que, entre as mesmas partes, corram ações judiciais conexas por uma relação de prejudicialidade, sem prejuízo (e mesmo apesar) dos objetos diferenciados de uma e de outra.


XVI – A verificação dessa prejudicialidade basta-se com depender a apreciação presente do objeto previamente julgado, servindo, para este efeito, a primeira ação como relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na ação posterior.


XVII – Por outro lado, a autoridade do caso julgado abarca, além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam de antecedente lógico necessário à parte dispositiva da decisão.


XVIII – Assim já se pronunciou, inclusive, este Supremo Tribunal de Justiça, enfocando que a apreciação de uma mesma factualidade, percebida no quadro da prejudicialidade que a autoridade de caso julgado exige e pressupõe, possa ser importada apesar da formulação, numa e noutra ações, de pedidos distintos.


XIX – É, por tudo isto, de acompanhar a que se vem descrevendo como corrente menos restritiva que tem vindo a ser defendida – cremos que de forma maioritária – na doutrina e na jurisprudência no que concerne aos pressupostos da autoridade do caso julgado.


XX – Tudo visto o que, não poderá concluir-se senão pela prejudicialidade claramente asserida entre as duas ações, como foi definitivamente (e cremos de modo inteiramente correto) apreciada pelo Tribunal de Primeira Instância.


XXI – Deve aliás recordar-se, que, por força do despacho de 2018.10.19 proferido pelo Tribunal de Primeira Instância, já transitado em julgado, ficaram os presentes autos suspensos à espera que fosse proferida decisão final transitada em julgado no processo n.º 1678/12.8..., o que, de modo cabal e inequívoco, demonstra em concreto a prejudicialidade exigida, no mesmo sentido.


XXII – Não tem, pois, o Tribunal a quo qualquer razão, com o devido respeito, quando se dirige às finalidades distintas de uma e de outra ações (em rigor, aos pedidos diversos ali e aqui formulados) enquanto objeção à consolidação da apreciação tomada quanto aos mesmos factos, por força da autoridade de caso julgado, certo sendo que, como bem se sustentou, os fundamentos que suportam a causa de pedir subjacente ao pedido reconvencional em crise coincidem com a causa de pedir do processo n.º 1678/12.8...


XXIII – Não sendo a qualificação jurídica dos factos à luz de uma ou outras normas do sistema o que integra a causa de pedir, mas antes e somente o acervo dos factos concretos de onde o autor/reconvinte pretende retirar o efeito pretendido, acervo que é inteiramente idêntico no presente caso.


XXIV – Como bem se pode concluir, esta coincidência meramente parcial (verificada quanto à causa de pedir e aos sujeitos processuais, mas já não quanto ao pedido) obstaria, com efeito, à procedência da exceção de caso julgado, mas não seria suficiente para impedir – como na verdade não impede – que se deva afirmar a autoridade de caso julgado, quando, atenta a identidade de causa de pedir e de sujeitos à luz dos factos em discussão, se tenha afirmado a inequívoca prejudicialidade entre uma e outra causas, como aqui sucedeu.


XXV – E foi evidentemente da autoridade de caso julgado que o Tribunal de Primeira Instância lançara mão quanto à apreciação dos – mesmos – factos relevantes para a prescrição do direito exercido por via da formulação do pedido reconvencional.


XXVI – Ora, o Tribunal a quo, em nosso humilde entender, veio reproduzir, quase acriticamente, a pretensão recursiva dos Recorridos, incorrendo na mesma falta interpretativa sobre as necessárias diferenças entre a exceção de caso julgado e autoridade de caso julgado, suportando-se na falta de coincidência daqueles três pressupostos da exceção de caso julgado para afirmar a inadmissibilidade da força vinculativa positiva da autoridade de caso julgado, e formando, em coerência, o substrato para acabar por julgar procedente a exceção de prescrição.


XXVII – Em virtude do exposto, apesar da decisão inteiramente pertinente e solidamente sustentada do Tribunal de Primeira Instância, que corretamente apreciou que a decisão proferida no processo n.º 1678/12.8... acerca da prescrição se impunha – por via da autoridade do caso julgado – nos presentes autos, conduzindo necessariamente à improcedência da exceção de prescrição, o Tribunal a quo reverte esse entendimento, perfilhando uma leitura incompreensivelmente restritiva e erradamente assente nos pressupostos da exceção de caso julgado, que para aqui não cumpria importar.


XXVIII – O Tribunal a quo violou, pois, as normas dos arts. 581.º, n.ºs 2 e 4 e 619.º, n.º 1, todos do CPC.


XXIX – Mais deve ressalvar-se, sem conceder, que ainda que se entendesse que aquela decisão, proferida no processo n.º 1678/12.8..., não se deveria impor nestes autos, como entendeu o Tribunal a quo, no sentido de se apreciar a prescrição invocada pelos Recorridos, sempre haveria de se concluir, de igual forma, pela improcedência da exceção de prescrição, tendo andado mal o Tribunal a quo, não só por entender ser necessário apreciar a referida prescrição, pelos motivos supra, como ainda por ter desconsiderado que, em todo o caso, da propositura daquela ação anterior sempre teria emergido um facto interruptivo da prescrição.


XXX – Com efeito, a contagem do prazo prescricional previsto no art. 174.º, n.º 1, alínea b), do CSC, começa a partir do termo da conduta dolosa ou da sua revelação (se aquela tiver sido ocultada).


XXXI – Assim é quer por força da indicada disposição legal, que coloca o início da contagem do prazo no termo da conduta, como ainda por via do n.º 5 do mesmo art. 174.º do CSC, que remete para o prazo resultante do ilícito criminal, se a conduta em causa constituir crime e o prazo previsto na lei penal for mais longo.


XXXII – Sem prejuízo da incontornável consolidação da decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à matéria de facto, sempre importa indagar se se verifica alguma causa de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição, nos termos do art. 323.º do CC.


XXXIII – Quanto a tanto, cumpre destacar que a decisão recorrida acedeu a que, como a Recorrente pugnara no recurso interposto a 2022.10.10, fossem aditados ao elenco de factos dados como provados outros, referentes a retiradas indevidas de valores da Recorrente, especificamente os constantes dos itens 74 a 76, constando agora, de acordo com esse segmento da decisão, dos factos definitivamente elencados como provados que a última retirada indevida de dinheiro da sociedade teria ocorrido a 2008.05.29 (cf. facto 75), data a partir da qual o próprio Tribunal a quo considerou para o início do prazo prescricional de cinco anos.


XXXIV – Sucede que, entretanto, a Recorrente deu entrada da ação que correu termos com o processo n.º 1678/12.8..., em cuja petição inicial, não obstante as vicissitudes posteriormente ocorridas, a Recorrente deduziu inicialmente pedido de condenação no pagamento dos valores indevidamente retirados da sociedade contra o Recorrido AA e contra EE – cfr. Doc. 151 junto com o requerimento apresentado no dia 2020.11.13.


XXXV – Ora, com efeito, da propositura da referida ação judicial veio a interromper-se o prazo prescricional, nos termos do art. 323.º do CC, pois que, como daquele preceito decorre, a interrupção opera por mero efeito da citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e seja ou não o tribunal competente,


XXXVI – Sendo que, para o que aqui mais releva, também se tem a prescrição por interrompida decorridos cinco dias sobre a prática do ato, quando a citação ou notificação não se tenha realizado, contanto que tal não se deva a causa imputável ao requerente, nos termos do disposto no número 2 do referido art. 323.º do CC.


XXXVI - No caso concreto, nem se ficou a dever a facto imputável ao requerente, nem o Tribunal a quo assim o entendeu, motivo pelo qual o prazo prescricional se interrompeu no dia 2012.11.27, sendo que entre o referido ato interruptivo e a apresentação da contestação com reconvenção nos presentes autos (2015.05.11) não decorreram mais de cinco anos.


XXXVIII – Mal andou, pois, o Tribunal a quo quando refere tão só inexistir qualquer interrupção da prescrição, suportado no objeto distinto das ações na sequência do articulado de ampliação do pedido apresentado no processo n.º 1678/12.8..., porquanto, em momento anterior, como vimos, já a sociedade tinha manifestado, de modo claro e cabal, a intenção de exercer o referido direito de indemnização, independentemente da reconfiguração objetiva da instância que eventualmente ocorreu.


XXXIX – Sendo claro que, para o efeito interruptivo acima assinalado, e em coerência com o disposto no art. 323.º do CC, não releva o objeto definitivo do processo de cujo impulso vem a resultar a interrupção, mas a manifestação da intenção de exercício de um direito, como aqui claramente relevou.


XL – Donde, a interpretação a que procede o douto Tribunal a quo na decisão recorrida configura uma violação do disposto no art. 323.º, n.º 2, do CC.


XLI – Termos nos quais cabe, por todos os motivos expostos, ser dado provimento ao presente recurso, cumprindo em conformidade revogar o acórdão recorrido e substituí-lo por outro que mantenha, por inteiramente acertada quanto ao objeto do presente recurso, a decisão proferida em Primeira Instância pelo Juízo de Comércio de ..., que julgou improcedente a exceção de prescrição invocada pelos Recorridos, e em coerência julgou procedente o pedido reconvencional, condenando os aqui Recorridos a pagar à Recorrente a quantia que vier a apurar-se em sede de incidente de liquidação no que se reporta ao reembolso dos valores indevidamente retirados à sociedade.”


Os Herdeiros habilitados do Interveniente contra-alegaram, pugnando pela improcedência da revista.


Foram colhidos os vistos legais.


Fundamentação


A questão essencial é a de saber se deve manter-se o acórdão recorrido, na parte objeto da revista, que julgou prescrito o direito à indemnização da Ré/reconvinte, que, atentas as conclusões da recorrente, implica a decisão do seguinte:


Se a decisão proferida na ação n.º 1678/12.8..., que julgou improcedente a exceção da prescrição tem autoridade de caso julgado na presente ação.


Subsidiariamente, se ocorreu interrupção da prescrição.


*


De Facto


Factos julgados provados nas instâncias, com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação:


1) A Ré é uma sociedade comercial com sede social sita na Rua ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número ... ... .95, com o objeto social de “indústria de produtos de alumínio e de redes de arame”, e tem um capital social de € 249.398,95 correspondente à soma das quotas seguintes: - uma quota no valor nominal de € 46.448,06 pertencente ao sócio DD; - uma quota no valor nominal de € 28.371,63; pertencente à sócia II; - uma quota no valor de € 46.448,06 pertencente ao sócio JJ; - uma quota no valor nominal de € 18.076,43 pertencente ao sócio JJ; - uma quota no valor nominal de € 62.259,95 pertencente ao sócio EE; - uma quota no valor nominal de € 46.448,06 pertencente ao sócio AA; - uma quota no valor nominal de € 673,38 pertencente ao sócio BB; - uma quota no valor nominal de € 673,38 pertencente à própria Sociedade.


2) Em assembleia geral da sociedade Ré, realizada em 20 de agosto de 2003, foi deliberado destituir o A. da sua gerência.


3) O A. impugnou judicialmente a referida deliberação através de providência cautelar que correu termos sob o proc.1135/03.3... do ... Juízo do tribunal Judicial de ....


4) No âmbito da providência cautelar mencionada, as partes aí intervenientes, o aqui A. AA e a aqui R J..., Lda, puseram fim aos autos nos termos da transação aí homologada, em acordo datado de 27 de abril de 2004.


5) O A. não intentou a respetiva ação principal.


6) Consta da ata número cinquenta e sete, referente a uma Assembleia Geral extraordinária da sociedade ré, realizada em 8 de outubro de 2004, como ponto único “deliberar sobre dar sem efeito a decisão tomada na assembleia-geral de vinte de agosto de dois mil e três que destitui da gerência o Sr. AA e, em consequência, confirmar o mesmo como gerente da sociedade J..., Lda com efeitos desde a data da referida deliberação.”


7) Consta da ata mencionada no número anterior a seguinte declaração de voto “A presente assembleia-geral extraordinária, convocada pelo sócio EE, é um ato perfeitamente inútil. Com efeito, a questão da destituição da gerência do sócio Sr. AA, deliberada em Assembleia geral de vinte de agosto de dois mil e três, é uma questão que não se coloca neste momento, uma vez que, de facto e de direito, tal sócio nunca deixou de exercer as funções de gerente, já que interpôs providência cautelar de suspensão de tal deliberação, que correu termos no primeiro juízo do tribunal de ..., sob o nº 1135/03.3... Como é do conhecimento de todos os presentes, tal providência terminou com uma transação judicial que pôs termo à causa, já homologada por sentença transitada em julgado, donde resulta que a referida deliberação nunca chegou a ter efeito. Face ao exposto, e apenas por uma questão de cautela, os sócios CC e BB votaram contra o ponto único da ordem de trabalhos.”


8) Desde a data daquela transação, e até 2006, a R. remunerou o Autor pela gerência, tendo este participado em reuniões diversas de gerência.


9) Em 22 de junho de 2006, em assembleia geral da sociedade 1ªR, foi deliberada a destituição dos gerentes EE e AA.


10) Por sentença proferida na ação sumária com o número de processo 1114/06.9..., que correu termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial do ..., proposta por EE e por AA contra a sociedade aqui 1ªR, transitada em julgado em 17 de setembro de 2012, foi declarada nula a deliberação proferida na Assembleia Geral de Sócios realizada em 22 de junho de 2006, de destituição de EE e AA de gerentes da aqui 1ªR J..., Lda.


11) Em 26 de outubro de 2012, pela Ap. 1/20121026, foi efetuado o registo definitivo da destituição das funções de gerente de AA, deliberada na Assembleia Geral Extraordinária que teve lugar no dia 20 de Agosto de 2003, pelas 10.00 horas.


12) O A. intentou uma providência cautelar não especificada onde pediu, “… o cancelamento do registo da deliberação social tomada na assembleia geral extraordinária da requerida realizada no dia 20 de agosto de 2003, pelas onze horas, na sede social da requerida na Conservatória do Registo Comercial com a suspensão imediata dos seus efeitos, até à decisão proferida na ação principal. A não se entender assim, então e sem prescindir, sempre a presente providência cautelar comum deve ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ordenar-se a suspensão do registo na C.R.C da deliberação social tomada na assembleia geral extraordinária da requerida realizada no dia 20 de agosto de 2003, pelas onze horas, na sede social da requerida na Conservatória do Registo Comercial com a suspensão imediata dos seus efeitos, até á decisão proferida na ação principal.”.


13) Tal providência cautelar correu termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial do ..., sob o n.º 1745/12.8... e foi julgada improcedente, em primeira instância, por não se verificarem os pressupostos de que depende a sua procedência.


14) Da decisão mencionada no número anterior foi interposto recurso, tendo o Tribunal da Relação proferido decisão nos seguintes termos: “aprovada a deliberação de 20-08-2003, que destituiu o requerente da gerência da requerida, aquele requereu, cautelarmente, a sua suspensão, processo no decurso do qual as partes acordaram nos termos constantes de fls. 197 a 199. Ou seja, e entre o mais, acordaram os sócios EE e AA em comprometer-se em comprar aos sócios BB e CC, que, por sua vez, se comprometeram a ceder as respetivas quotas ao preço que resultar da peritagem “pelo valor que por maioria venha a ser indicado pelos peritos nomeados”. Daqui decorre que as partes, tacitamente, revogaram aquela deliberação. Revogação, aliás, confirmada pela assembleia de 8/4/2004 – ata 57, de fls. 200 e ss. – (...) E confirmada, ainda, pelo facto de, até 2006, a requerida nunca ter impedido o requerente de desenvolver a sua atividade «de gerente, remunerando-o por essa atividade; e pelo facto de, por deliberação de 22-06-2006, a requerida ter aprovado a destituição do gerente da mesma – donde, naturalmente, o considerar como tal. E assim sendo, ou seja, revogada tal deliberação, não podia a mesma ser registada. Tornando-se desnecessária, em consequência, a apreciação da questão, quer com base na sua eventual nulidade, quer com base no alegado abuso de direito. Verifica-se, assim, o primeiro requisito apontado: probabilidade séria da existência do direito invocado. Afigura-se-nos, todavia, não se verificar o segundo requisito. … acorda-se em face do exposto, em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão proferida”.


15) Na sequência da destituição da gerência, ocorrida em 2006, o A. esteve ausente da empresa até ao trânsito em julgado da Sentença que declarou nula tal destituição em 17-09-2012.


16) O seu afastamento foi uma imposição da R e não uma vontade própria.


17) Após 26/10/2012, data do registo da deliberação tomada em 2003, o A. foi proibido, pelos sócios BB e DD, de entrar nas instalações da empresa, só lhe permitindo permanecer nas instalações da R, e na sala respetiva, para participar nas assembleias-gerais quando convocado.


18) Em 02 de outubro de 2013, o A. pediu informações ao sócio BB.


19) A missiva referida no número anterior não obteve resposta.


20) Em maio de 2014, e mediante condições rigorosas de fiscalização, foi permitida ao Autor a análise de parte dos elementos.


21) Os factos referidos causaram no A. sentimentos de humilhação, sentindo-se desrespeitado e impotente, havendo noites em que não consegue repousar, e que são contínuas, e revolta com a situação criada.


22) O A. está preocupado com a situação atual da empresa.


23) Desde setembro de 2006, a Ré não paga ao Autor a remuneração mensal que auferia como gerente, no valor mensal de €1.571,21 (mil quinhentos e setenta e um euros e vinte e um cêntimo), 14 meses por ano.


24) Entre setembro de 2006 e setembro de 2012, a Ré não distribuiu quaisquer lucros aos sócios.


25) Em 30/9/2009 foi deliberado aumentar o salário de gerente de BB de €1.571,21 para €2.500,00 por mês.


26)O Autor e o interveniente EE retiraram da sociedade as seguintes quantias para efetuar pagamentos ao Exmo. Senhor Dr. KK, ilustre causídico que os patrocinou nas ações ordinárias n.º 340/02 (1.º Juízo), n.º 273/02 (2.º Juízo), n.º 637/03 (2.º Juízo) e n.º 509/04 (2.º Juízo), num montante global de € 11.000,00: a) € 2.405,23, com recibo datado de 13/04/2004; b) € 2.405,23, com recibo datado de 05/05/2004; c) € 2.982,35, com recibo datado de 26/07/2004; d) € 3.207,00, com recibo datado de 26/07/2004.


27) O Autor e o interveniente EE retiraram da sociedade € 2.500,74 para pagar honorários ao Exmo. Senhor Dr. LL relativos ao patrocínio da ação ordinária n.º 1057/04.0... em que o Autor e o seu irmão EE, ali em representação da sociedade, pedem a anulação do acordo celebrado com o então sócio BB e com a então sócia CC (cessão de quotas) no âmbito do procedimento cautelar n.º 1350/03.0...


28) O Autor e o interveniente EE retiraram da sociedade a quantia de € 2.000,00, para pagamento de honorários ao Exmo. Senhor Dr. MM, pelo patrocínio do Autor no processo n.º 1135/03.3... (providência cautelar que interpôs contra a sociedade para anular a deliberação dos sócios que o destituiu da gerência e que terminou no acordo homologado por sentença, cujo pedido de anulação veio mais tarde requerer judicialmente.


29) O Autor e o interveniente EE retiraram dinheiro da sociedade para efetuar pagamento de honorários ao Exmo. Senhor Dr. NN, ilustre causídico que os patrocina em juízo, nomeadamente: - pagaram a quantia de € 2.500,00, contra um recibo de honorários, datado de .../.../2005, pelo patrocínio na ação n.º 538/05.9..., em que os Réus pretendem que seja anulada a deliberação da assembleia geral de 14/03/2005, que aprovou as contas do exercício de 2004. -em 15 de Maio de 2006, o Autor e o seu irmão EE procederam ao levantamento em caixa da quantia de € 3.100,00 para alegadamente pagamento do recibo apresentado pelo Exmo. Senhor Dr. NN, a título de honorários, sendo certo que no documento de remessa de fundos se diz apenas “Honorários, posteriormente manda listagem ações”, que nunca foi remetida à Sociedade.


30) O Autor e o interveniente EE retiraram da sociedade a quantia líquida de € 4.267,25, para pagamento dos honorários ao Dr. OO pelo patrocínio em várias ações judiciais, sendo que a quantia de € 850,00 + € 1.300,00 = € 2.150,00 respeita ao procedimento cautelar n.º 1174/05.0..., intentado pelo sócio gerente BB para anular a deliberação dos sócios que o destituiu da gerência.


31) Daquela quantia, € 200,00 foram para pagamento de honorários pela elaboração da réplica no processo n.º 1057/04.0... e a quantia de € 3.849,11, através da remessa de fundos onde se diz “Honorários, manda listagem posteriormente”.


32) O Autor e o interveniente EE retiraram, ainda, dinheiro da sociedade para pagamento de taxas de justiça no Processo n.º 1350/03.0... (€ 44,30), que se trata de uma oposição à execução, em que o Autor e o seu irmão EE eram ali executados e o então sócio BB e a então sócia CC eram ali exequentes, para cumprimento do acordo celebrado entre os quatro sócios.


33) Mais tarde, e por imposição do tribunal, aquela taxa inicial foi retificada para a quantia de € 1.068,00, sendo que o Autor e o interveniente EE procederam ao pagamento da mesma, com dinheiro da aqui 1.ª Ré.


34) Em 2001, o Autor era credor, em relação à 1.ª Ré, de ESC. 6.727.137$80 (€ 33.529,88), não se contabilizando aqui diversos levantamentos feitos por si do caixa da empresa desde 1994.


35) Em 2002, o Autor recebeu € 5.612,38 – € 841,86 (IRS) = € 4.770,52, a título de distribuição dos lucros referentes ao exercício de 2001, tendo devolvido essa quantia, alegando existir uma ação de anulação da deliberação das contas, pelo que ficou credor de € 38.300,40.


36) Ainda em 2002, foram feitos lançamentos de alguns levantamentos feitos pelo Autor, tendo ficado credor de € 29.794,90.


37) Em 2003, foram lançados na conta do Autor cheques que tinham sido emitidos a seu favor através da sua assinatura e do Réu EE, em 2000, um no montante equivalente a € 7.980,77, e outro no montante equivalente a € 6.983,17, e que só em 2003 foram justificados.


38) Em 2003, a 1.ª Ré entregou ao Autor a sua parte nos lucros relativos ao exercício de 2002 (€ 17.397,30 - € 2.609,60 – IRS), ao que foi deduzida a quantia pelos atrás referidos cheques, bem como parte dos levantamentos efeituados por aquele sócio gerente entre 1994 e 2002.


39) O Autor devolveu o cheque – novamente com o argumento da irregularidade das contas apresentadas.


40) Em dezembro de 2003, o Autor com a colaboração do interveniente seu EE, procedeu ao levantamento de um cheque da sociedade, no montante de € 8.302,12, alegando tratar-se de quantias a que tinha direito como compensação pela diferença do que recebeu da Segurança Social, a título de baixa médica e durante o período da mesma, e do que teria direito pela sua remuneração integral, caso estivesse ao serviço.


41) Fundou-se, para tanto, na ata n.º 5 da sociedade, datada de 04/07/1974.


42) Tais baixas médicas correspondem aos seguintes períodos: fevereiro de 1984 a abril de 1985; abril de 1986 a maio de 1986; setembro de 1991 a setembro de 1992; maio de 1994 a agosto de 1994; agosto de 1995 a janeiro de 1996; fevereiro de 1996 a abril de 1996.


43) Em 2004, o Autor recebeu os lucros relativos a 2003 (€ 10.216,44 - € 1.532,47 (IRS) = € 8.683,97).


44) Em 2005, o Autor recebeu os lucros relativos a 2004 (€ 14.855,86 - € 2.228,37 (IRS) = € 12.627,94).


45) O Autor, com a colaboração do interveniente seu EE, levantou, em 8 de fevereiro de 2006, um cheque sacado sobre esta sociedade no montante de € 14.787,71.


46) Por deliberação da assembleia geral de 10 de março de 2006, a maioria do capital deliberou que parte dos lucros do exercício não fosse distribuído, de forma a começarem a acertar as contas do caixa.


47) O Autor e o seu irmão EE votaram contra e devolveram os cheques com os dividendos a que, por força daquela deliberação, tinham direito.


48) Em 18 de maio de 2006, o Autor procedeu ao levantamento da totalidade dos lucros a que teria direito, € 5.616,91, não fosse a deliberação de 10 de março de 2006, sem nunca proceder à retenção na fonte das quantias devidas ao Fisco a título de IRS.


49) Em 19 de maio de 2006, também o irmão EE procedeu ao levantamento da totalidade dos dividendos, no montante de € 7.529,02, sem nunca proceder à retenção na fonte das quantias devidas ao Fisco a título de IRS.


50) Por ocasião do julgamento da providência cautelar n.º 1174/05.0..., que visava suspender a deliberação que destituiu o 2.º Réu e a 3.ª Ré da gerência, os empregados da 1.ª Ré pediram dois dias de férias ao então sócio-gerente BB, para poderem assistir ao julgamento, sendo que Seis dos empregados eram testemunhas no processo.


51) O 2.º Réu entendeu que os empregados da empresa estavam no seu direito de conhecer a verdade, razão pela qual entendeu conceder-lhes os dois dias de férias.


52) Em virtude da imposição unilateral do Autor e do interveniente EE e à revelia dos outros gerentes, tais dias acabaram por ser descontados nos vencimentos dos trabalhadores (tendo as faltas sido consideradas injustificadas, excetuando as dos que eram testemunhas).


53) Com fundamento nestas duas faltas ao trabalho, o Autor e o interveniente EE decidiram, novamente em comunhão de esforços e à revelia dos outros gerentes, instaurar processos disciplinares a todos os empregados.


54) E, em 9 de janeiro de 2006, todos os empregados da firma foram punidos pelo Autor e interveniente e à revelia dos outros gerentes, com uma sanção de 30 dias de suspensão do trabalho, com perda de retribuição, por terem estado ausentes 2 dias.


54-A) De tal sanção resultaram prejuízos para o funcionamento da empresa, com perdas ao nível da produção, atrasos e incumprimento de fornecimento, de valor concreto não apurado, e também prejuízos para o bom nome da empresa, junto de clientes.


55) Seis dos trabalhadores punidos com a sanção de suspensão do trabalho recorreram ao competente Tribunal do Trabalho de Penafiel com vista à declaração da ilicitude e do abuso da sanção, reclamando, ainda, a inerente indemnização.


56) Tal processo, que correu termos sob o n.º 699/TTPNF pelo 2.º Juízo do referido Tribunal do Trabalho de Penafiel, terminou com a realização de uma transação em que a sociedade aceitou anular a sanção aplicada e pagar aos trabalhadores ali demandantes o montante equivalente ao salário dos 30 dias em que estiveram suspensos.


57) Na transação a sociedade esteve representada pelo Autor e pelo interveniente EE.


58) Face a esta decisão judicial, os então sócios gerentes BB e CC, decidiram revogar igualmente a sanção aos restantes trabalhadores e pagar-lhes o salário dos 30 dias em que estiveram suspensos.


59) Os empregados PP e QQ– os únicos que asseguram o trabalho de escritório- sofreram nova sanção (perda de dois dias de férias), na sequência de outro processo disciplinar, uma vez mais movido unilateralmente pelo Autor e pelo interveniente EE e à revelia dos outros gerentes.


60) A aplicação da referida sanção disciplinar da perda de 2 dias de férias, bem como a decisão de instaurar novo procedimento disciplinar com vista ao despedimento, foram revogadas por deliberação de assembleia geral que teve lugar no dia 26 de Abril de 2006, aprovada com os votos favoráveis do sócio BB e da então sócia CC.


61) O Autor e o seu irmão EE interpuseram então uma providência cautelar com vista à anulação desta deliberação, que correu termos sob o n.º 674/06.9... neste Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canavezes, procedimento esse que veio a ser julgado improcedente.


62) O Autor e o seu irmão EE, decidiram contratar uma empresa de segurança, o que implicou um custo mensal de 3000,00€, acrescido de IVA.


63) A sanha judicial do A. e do seu irmão EE tem acarretado custos enormes para as finanças da 1.ª Ré, seja pelo pagamento de encargos judiciais, seja pela apropriação indevida de fundos para alegadamente pagar despesas e honorários a advogados.


64) Os trabalhadores da empresa – que sempre foram um modelo de empenhamento na prossecução do seu trabalho e na defesa dos interesses da empresa – começaram a ficar claramente desmotivados e fartos da atuação dos Réus: porque se sentem injustamente perseguidos; porque pressentem que, por força da desestabilização da empresa, o seu emprego está em risco; porque o Autor e o seu irmão EE se opõem às suas reivindicações salariais, ao mesmo tempo que os vêem despender enormes quantias na contratação de seguranças inúteis.


65)Por tais factos, todos os trabalhadores fizeram greve nos dias 29 e 30 de maio de 2006 (ainda que parcial), só não a tendo prosseguido por mais tempo, porque o então sócio gerente BB se comprometeu a satisfazer as suas exigências e a adotar as iniciativas que estivessem ao seu alcance para desenvolver a estabilidade à 1.ª Ré.


66) O Autor e o seu irmão efetuaram os seguintes movimentos de dinheiros da sociedade Ré: a) Transferência bancária a favor de EE realizada em 28/06/2007, no valor de € 12.503,12 (doze mil quinhentos e três euros e doze cêntimos); b) Transferência bancária a favor de AA, realizada em 28/06/2007, no valor de € 6.000,00 (seis mil euros); c) Cheque n.º 0355993, datado de 18/07/2006, para alegado pagamento de honorários à Dra. RR, no valor de € 210,00 (duzentos e dez euros); d) Transferência bancária para alegado pagamento de honorários ao Dr. OO, realizada em 03/10/2007, no valor de € 9.003,12 (nove mil e três euros e doze cêntimos); e) Transferência bancária para alegado pagamento de honorários a U... ........ – Sociedade de Advogados, realizada em 28/11/2007, no valor de € 4.003,12 (quatro mil e três euros e doze cêntimos); f) Transferência bancária a favor de EE, realizada em 28/11/2007, no valor de € 15.003,12 (quinze mil e três euros e doze cêntimos).


67) Estas saídas de dinheiro não foram destinadas ao pagamento de qualquer despesa da sociedade.


68) Estas retiradas de dinheiro vieram a dar origem a uma Inspeção Tributária, cujo relatório considerou que tais levantamentos não são enquadráveis como rendimentos de trabalho dependente, precisamente por o Autor e o seu irmão EE não exercerem funções remuneradas como gerentes a partir do momento em que foram destituídos, e presumiu-os feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros, pelo que haveria lugar a uma retenção na fonte de 20%.


69) Em 20.07.2018 foi proferida sentença no processo n,º 1678/12.8... , J. deste juízo do comércio, transitada em julgado, que determinou a destituição dos, ali réus, AA e EE dos cargos de gerente na sociedade “J..., Lda”.


70) A sentença citada conclui pela violação do dever de lealdade e cuidado dos gerentes, ali réus, para com a sociedade e de respeito pela integridade patrimonial da sociedade, atos contrários ao interesse social e apenas visando o interesse pessoal, de tal modo graves, suscetíveis de causar rutura no vínculo de confiança que deve ligar os gerentes à sociedade, demais sócios e até trabalhadores.


71) E concluiu pela prova de que os Réus EE e AA praticaram os seguintes factos: E) Apropriação indevida de dinheiros da sociedade, designadamente, para pagamento de honorários contratados pelos réus. F) levantamentos indevidos de dinheiros societários para pagamento de supostos créditos. G) instauração de procedimentos disciplinares e aplicação de sanções disciplinares a trabalhadores sem qualquer fundamento e gerador de prejuízos para a sociedade, bem como comportamento dos réus gerador de desmotivação dos trabalhadores.


72) Os factos referidos em E), F) e G) ocorreram entre os anos de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007.


73) O Autor e o Interveniente EE procederam a levantamentos de dinheiro do caixa da sociedade Ré para pagar as suas deslocações aos mais diferentes advogados, designadamente, o Autor AA, em conluio com o Interveniente EE, retirou do caixa, de uma só vez, a quantia de € 486,70 para pagamento das suas deslocações a advogados.


74) A 28 de novembro de 2007, foi ordenada à agência do Banco BPI, S.A. sita na Rua ..., uma transferência bancária no valor de € 12.000,00, com origem na conta bancária aberta junto daquele Banco sob o n.º ...............01 da titularidade da Ré Sociedade, e com destino à conta bancária ...............01, a favor do Autor AA, com o descritivo “Regularização ordenados”, realizada no próprio dia.


75)A 4 de março de 2008, o Autor e o Interveniente Principal solicitaram à gerência do balcão do Banco BPI, S.A. da agência sita na ..., uma transferência interbancária no valor de € 10.000,00, com origem na conta bancária aberta junto daquele Banco sob o n.º DO ...............01, titulada pela Ré Sociedade, e com destino na conta com o NIB ........................-3, titulada pelo Autor AA, com o descritivo “Regularização de Ordenados”, tendo tal transferência sido realizada no próprio dia.


76) A 29 de maio de 2008, o Autor e o Interveniente Principal solicitaram à gerência de um balcão da Caixa Geral de Depósitos, S.A., uma transferência interbancária no valor de € 6.000,00, com origem na conta bancária aberta junto daquele Banco sob o n.º DO ...........30, titulada pela Ré Sociedade, e com destino à conta com o NIB .... .... .... .... .... 2, titulada pelo Autor AA, com o descritivo “Regularização de Ordenados e outros”, tendo tal transferência sido realizada no próprio dia.


77)A 28 de fevereiro de 2008, o Autor e o Interveniente Principal solicitaram à gerência do balcão do Banco BPI, S.A. da agência sita na Rua ..., uma transferência interbancária no valor de € 10.000,00, com origem na conta bancária aberta junto daquele Banco sob o n.º DO ...............01, titulada pela Ré Sociedade, e com destino na conta com o NIB ........................-5, titulada pelo Interveniente Principal EE, com o descritivo “Regularização de Ordenados e Despesas da Empresa”, tendo tal transferência sido realizada a 04 de março de 2008.


*


Como se constata a factualidade julgada provada nas instâncias não fixou discriminadamente a factualidade com relevo para o conhecimento do objeto da revista- exceção da prescrição do direito da sociedade Ré contra o Autor e Interveniente.


Importa, pois, transcrever a fundamentação da sentença e do acórdão sobre a referida exceção.


*


A sentença da 1ª instância decidiu pela improcedência da exceção da prescrição, com a seguinte fundamentação:


Questão prévia: da exceção de prescrição:


Prescreve o artigo 174.º do CSC que:


(…)


No âmbito do processo n.º 1678/12.8... que correu termos no Juiz ... deste juízo de comércio de ... foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, que decidiu o seguinte:


«…questões suscitadas nestes dois recursos:


a) No recurso dos réus:


1.º a impugnação da decisão da matéria de facto;


2.º a verificação, no caso, do prazo de prescrição previsto no art.º 174.º do CSC.





E rejeitando-se como agora se rejeita este recurso da decisão de facto, os factos provados e não provados são todos aqueles que já antes aqui deixamos melhor descritos e que agora nos dispensamos de voltar a reproduzir.


Cumpre pois e agora apreciar e decidir a segunda das questões suscitadas pelos réus/apelantes nestes seus recursos.





Já sabemos que nas supra referidas conclusões, os réus/apelantes chamam à colação do disposto no art.º 174.º do CSC, recordando que os direitos das sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos factos elencados nas alíneas a) b) c) d) e e) desse mesmo artigo.


Mais diz que os réus foram citados para esta ação em 27.10.2016, pelo que analisadas as imputações de apropriação de dinheiros societários que foram feitas na petição inicial, aos ora recorrentes, eles se reportam a factos ocorridos entre 2002 e 2007.


Por fim, que os alegados levantamentos de dinheiro, ainda que fossem considerados abusivos, tais factos constituem factos prescritos.





No caso concreto o tribunal da 1.ª instância e na decisão proferida a fls. 1338 e seguintes dos autos, concluiu pela improcedência da exceção deduzida com base em meras razões de direito, sem necessidade de prova sobre os factos para tanto alegados, assim decidindo em sede de saneador, concluindo do seguinte nodo:


O réu AA veio invocar a exceção de prescrição, uma vez que os factos que o autor invoca para fundamentar o pedido de destituição datam de um período compreendido entre 3 anos e 6 anos atenta a deliberação que sustenta a presente ação e que ocorreu em 17.10.2012. (…)


O Réu EE veio também invocar a prescrição ao abrigo do art.º 174.º do CSC, uma vez que os factos imputados reportam-se a factos ocorridos entre 2002 e 2007 e daí que já há muito tenha decorrido o prazo de cinco anos.(…)


Face ao exposto, julga-se improcedente, por não provada, a exceção de prescrição do direito invocada pela autora, invocados pelos réus EE e AA.”


Esta decisão foi mantida pelo acórdão deste Tribunal da Relação de …já transitado em julgado.


Coloca-se então a aqui a questão de saber qual o valor dessa decisão interlocutória que julgou improcedente tal exceção. (…)


Tal significa que a decisão interlocutória que julgue improcedente uma exceção peremptória, vale, desde o respetivo trânsito em julgado, com o alcance de limite objetivo, negativo, do caso julgado material que vier a recair, a final, sobre a pretensão deduzida.


Em suma, no caso dos autos, a questão da exceção de prescrição suscitada pelos réus, foi decidida em sede de despacho saneador e conformada pelo Tribunal da Relação, por decisão já transitada em julgado, pelo que estava vedado aos mesmos réus, ora apelantes, a sua arguição de novo no âmbito deste recurso.


Termos em que improcedem também aqui as razões dos mesmos réus/apelantes».


Ora, como se sintetiza no sumário do acórdão da Relação de Coimbra, de 28-09-2010 [Proc.º n.º 392/09.6 TBCVL.S1, Desembargador Jorge Arcanjo, disponível em www.dgsi.pt] se:


- «I - A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.


II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do CPC».


Em face do exposto, e tendo já sido apreciada a questão da prescrição no âmbito do citado processo, formou-se caso julgado quanto à mencionada matéria.


Na verdade, ainda que a sua apreciação tenha tido em vista apurar da existência de fundamento para a destituição do ora autor da gerência da ré, certo é que sendo os factos os mesmos e o prazo prescricional o mesmo, tal questão está já decidida nos termos expostos supra.


Termos em que se julga improcedente a exceção de prescrição invocada pelo autor e interveniente.”


O acórdão recorrido, revogou a sentença nesta parte, com a seguinte fundamentação:


«O Autor e os Habilitados vieram sustentar que, em face da reconvenção em que a Ré peticiona quantia que refere dizer respeito ao período compreendido entre 2002 e 2007, tal pedido se encontra prescrito, porquanto entre o último levantamento ocorrido em 2007 e a data da sua citação para a presente reconvenção passaram pelo menos 7 anos e meio.


Referem que no Processo nº 1678/12.8... a Recorrida peticiona exclusivamente a destituição dos gerentes AA e EE e que o Acórdão da Relação, aí proferido, decidiu pela improcedência, por não provada, da excepção de prescrição do direito invocada.


Defendem que nestes autos o pedido é manifestamente diferente do pedido formulado naqueles, sendo que o facto de a Relação ter entendido que não havia prescrição para efeitos de destituição de gerente, não permite alargar tal entendimento para um pedido que nessa acção não foi formulado e pelo contrário, quando tentado em ampliação, foi indeferido e transitou em julgado.


Cumpre apreciar e decidir.


O tribunal recorrido entendeu que a questão da excepção de prescrição foi já apreciada no âmbito do Processo n.º 1678/12.8..., tendo-se formado caso julgado quanto à mencionada matéria. Acrescenta que, ainda que a sua apreciação tenha tido em vista apurar da existência de fundamento para a destituição do ora Autor da gerência da Ré, sendo os factos os mesmos e o prazo prescricional o mesmo, tal questão já está decidida.


O indicado Processo n.º 1678/12.8... tratou-se de uma acção especial de destituição de titulares de órgãos sociais proposta pela sociedade aqui Ré “J..., Lda” contra os aqui Autor e Interveniente AA e EE e pedindo a sua destituição do cargo de gerentes e a título cautelar a suspensão das funções de gerentes daqueles daquela sociedade.


Esta acção foi julgada procedente, tendo sido determinada a destituição dos aí Réus AA e EE dos cargos de gerentes na sociedade aí Autora.


No respectivo despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de prescrição aí deduzida, resultando de tal decisão que os factos que estiveram na base de tal decisão foram efectivamente os mesmos em apreciação na reconvenção destes autos (tal como se refere na decisão recorrida).


Independentemente disso, entendemos não se poder julgar aplicável nos presentes autos o caso julgado decorrente da decisão tomada naquele Processo n.º 1678/12.8...


As decisões judiciais, em especial as sentenças, conduzem à pacificação das relações jurídicas controvertidas, contribuindo para a indispensável segurança jurídica e social.


Por inerência, razões de verdade, harmonia, certeza e segurança jurídica e sociais impõem que não se possa verificar uma contradição de decisões sobre a mesma questão fáctico-jurídica concreta.


A nossa lei consagrou a chamada teoria da substanciação, nos termos da qual a excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, quanto aos sujeitos, à causa de pedir e aos pedidos (cf. arts. 580.º, n.º 1 e 581.º, n.º 1 do CP Civil). Determina que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2 do artigo 581º); que há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3 do artigo 581º) e que há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (nº 4 do artigo 581º do CP Civil).


Descendo ao caso concreto, temos que no antecedente Processo nº 1678/12.8... e na reconvenção deduzida nos presentes autos as partes são sensivelmente as mesmas (sendo que nos presentes autos se verifica que os Reconvintes são em número superior, o que não assume particular relevo).


No entanto, é evidente que estamos perante pedidos distintos numa e noutra acção: enquanto no indicado Processo n.º 1678/12.8... a sociedade Autora “J..., Lda” pediu a destituição do cargo de gerentes por parte dos aí Réus AA e EE na reconvenção deduzida nos presentes autos a mesma sociedade e outros Réus/Reconvintes pedem que o Autor e o seu irmão EE sejam condenados no reembolso dos valores indevidamente retirados à sociedade, no montante que se venha a apurar, acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal, sendo ainda solidariamente condenados a indemnizar a 1.ª Ré pelos prejuízos causados com a sua conduta, em montante nunca inferior a EUR 40 000,00.


Sendo manifestamente diversos os pedidos em confronto, não pode estabelecer-se entre as duas acções uma relação de caso julgado, tal como se decidiu na decisão recorrida.


A circunstância adiantada na decisão recorrida de os factos que estiveram na base da decisão naqueles autos terem sido os mesmos em apreciação na reconvenção destes autos (apelando para uma equivalência parcial da causa de pedir) não é, a nosso ver, suficiente.


A lei exige, como se viu, a identidade das partes, da causa de pedir e dos pedidos.


Tal como defendem os Recorrentes, são os direitos que prescrevem e não os factos naturalísticos.


Em concreto, não tendo sido formulado o pedido reconvencional destes autos naquela acção, a decisão de apreciação da excepção de prescrição não retirou qualquer consequência quanto à pretensão indemnizatória aqui deduzida. Assim sendo, tratando-se um pedido formulado pela primeira vez, impõe-se a sua apreciação in totum.


Apreciando, de novo, a excepção de prescrição é pacífico que a prescrição extintiva é o instituto de ordem pública por via do qual os direitos subjectivos se tornam inexigíveis, transformando-se em meras obrigações naturais, quando não são exercidos durante o lapso de tempo fixado na lei (cf. art.º 298.º, n.º 1, e 304.º do C Civil).


Em termos processuais, a prescrição traduz-se numa excepção peremptória de direito material, de tipo modificativo, por eliminação de um dos elementos do vínculo obrigacional: a exigibilidade da prestação.


No caso em apreciação, e tal como se refere na decisão recorrida, é aplicável a estatuição do art.º 174.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais do seguinte teor: “Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos: (…) b) O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente (…).”


Como refere Carolina Cunha “Afastando-se do regime geral e dos regimes especiais disciplinados nos arts. 309.º C Civ., o art. 174º disciplina os prazos de prescrição dos direitos subjectivos que o CSC confere à sociedade, aos sócios e a terceiros”.


Estamos, pois, perante um regime especial de prescrição.


Analisada a Contestação/Reconvenção, verifica-se que o último facto temporalmente imputado aos Reconvindos data de 28/11/2007 (art.º 302.º). Será, pois, esta a data para o início da contagem do prazo legal de 05 anos e o termo do mesmo na data de 28/11/2012.


Os Réus somente manifestarem intenção de deduzir reconvenção nos autos na data da apresentação do respectivo articulado, em 11/05/2015. Ou seja, muito depois do decurso daquele prazo.


Além disso, não ocorreu qualquer causa de interrupção da prescrição até esta última indicada data de 11/05/2015.


Na decisão proferida no Processo n.º 1678/12.8... considerou-se constituir causa de interrupção do prazo de prescrição a citação para a acção de anulação da deliberação social (Processo 1114/06.9...), a qual apenas transitou em julgado em 17/09/2012.


Esta acção não releva para os presentes autos por que, mais uma vez, tinha por objecto “apenas” a destituição do cargo de gerente (sem qualquer pretensão atinente a um direito indemnizatório como aquele aqui reclamado).


Concluímos, portanto, com os Recorrentes que na data em que a Ré sociedade e os restantes Réus apresentaram em tribunal reconvenção contra os Autor e Interveniente Chamado, pedindo pela primeira vez que estes fossem condenados no reembolso dos valores que os primeiros consideram indevidamente retirados à sociedade, tendo os factos alegadamente praticados por estes que justificariam o pagamento daquela indemnização sido praticados até 28 de Novembro de 2007, o direito da sociedade a ser indemnizada pelos gerentes dos danos que tenha sofrido em resultado da conduta dolosa ou culposa destes já estava prescrito desde 28 de Novembro de 2012.


A nossa decisão vai, assim, no sentido da procedência deste fundamento de recurso.»


Depois de ter conhecido a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pelos Réus na ampliação do âmbito do recurso, o acórdão recorrido aditou a seguinte fundamentação, sobre a exceção da prescrição:


« Em face das alterações ordenadas aos Factos Provados, impõe-se reapreciar este fundamento de recurso.


Dando aqui por reproduzidas todas as considerações acima feitas, verifica-se que o último facto temporalmente imputado aos Reconvindos data agora de 29/05/2008 (facto aditado acima). Passará, pois, a ser esta a data para o início da contagem do prazo legal de 05 anos e o termo do mesmo transita para a data de 29/05/2013.


Os Réus somente manifestarem intenção de deduzir reconvenção nos autos na data da apresentação do respectivo articulado, em 11/05/2015. Ou seja, muito depois do decurso daquele prazo.


Além disso, não ocorreu qualquer causa de interrupção da prescrição até esta última indicada data de 11/05/2015.


Concluímos, portanto, com os Recorrentes que na data em que a Ré sociedade e os restantes Réus apresentaram em tribunal reconvenção contra os Autor e Interveniente Chamado, pedindo pela primeira vez que estes fossem condenados no reembolso dos valores que os primeiros consideram indevidamente retirados à sociedade, tendo os factos alegadamente praticados por estes que justificariam o pagamento daquela indemnização sido praticados até 11 de Maio de 2008, o direito da sociedade a ser indemnizada pelos gerentes dos danos que tenha sofrido em resultado da conduta dolosa ou culposa destes já estava prescrito desde 11 de Maio de 2013.


Procede, portanto, este fundamento de recurso, agora de forma definitiva.».


*


Importa referir que não foi o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 11.04.2019, na ação n.º 1678/12.8..., referido na sentença proferida na 1ª instância, acima transcrita, que confirmou o saneador que julgou improcedente a exceção da prescrição, tendo-se limitado a decidir que a questão tinha sido definitivamente decidida nessa ação, por ter transitado o despacho saneador proferido em 21.06.2017 e, confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de 07.12.2017.


Na fundamentação do despacho saneador proferido nessa ação nº 1678/12.8..., em 21.06. 2017, sobre a arguida exceção, consta:


“Quanto aos restantes factos que alegadamente constituem justa causa para a destituição dos réus como gerentes, da leitura da petição inicial o último dos factos imputados aos réus ocorreu em 28.11.2007 – cf. Art. 153º, al f) da petição inicial.


Uma vez fixado o prazo e o início de contagem do prazo, vejamos agora se existiu alguma causa de interrupção de prescrição.


A prescrição, como ensina Pedro Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil – 7ª ed.ª), “ é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita”.


São razões de segurança e certeza jurídica, que estão na origem do velho instituto da prescrição, são de tal modo valorizados pela lei, que, por isso estabeleceu para a prescrição um regime de interesse e ordem pública, que não pode ser modificado, facilitado ou dificultado por acordo dos interessados, como decorre do Art.º 300º do C.C.


Assim, o princípio geral é de que o direito prescreve se não for exercido no prazo legalmente fixado, a exceção é de que esse prazo pode ser interrompido, suspenso ou prolongado, nos casos excecionais expressamente declarados na lei.


Trata-se, portanto, de uma exceção perentória de caráter pessoal, cuja invocação depende da vontade do beneficiário, daí que não possa ser conhecida oficiosamente pelo tribunal. (Art.º 496º C.P.C.).


O prazo prescricional pode ser interrompido pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertença e ainda que o Tribunal seja incompetente, sendo certo que a lei equipara à citação ou notificação, para efeitos de interrupção da prescrição, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato, àquele contra quem o direito pode ser exercido (Art.º 323º nº 1 e 4 do C.C).


Ora no caso dos autos, os factos agora alegados pela autora fundaram a deliberação de destituição de gerentes da autora dos ora réus, deliberação tomada em Assembleia Geral de sócios realizada em 22.6.2006.


Se nada ocorresse entretanto, esta decisão tornava-se definitiva e a autora nada mais teria que fazer quanto aos factos aqui alegados.


Sucede que os aqui réus instauraram uma ação de anulação desta deliberação em 2006 e cuja decisão apenas transitou em 17.09.2012 a qual decidiu anular aquela decisão e daí que aqueles factos tivessem sido novamente trazidos à discussão.


Ora, neste período que mediou a data da entrada da ação e a data do trânsito em julgado da decisão que julgou nula aquela deliberação, a autora nada poderia ter feito uma vez que a faculdade de vir requerer judicialmente a destituição dos réus como gerentes só se coloca naquela data, ou seja em17.09.2012, porque antes a autora não poderia instaurar esta ação.


Assim face à interrupção da prescrição nos termos acabados de expor e considerando que esta ação deu entrada em 22.11.2012 (a provarem-se os factos alegados na petição inicial) ainda não haviam decorridos os cinco anos desde a data da prática do último ato imputado aos réus como fundamento para justa causa da sua destituição nem os cinco anos desde a data de início da alegada prática concorrencial do réu EE.


A circunstância da citação dos réus não ter sido realizada nos cinco dias após a entrada da ação não é imputável à autora, motivo pelo qual foi nesta data interrompida.


Face ao exposto, julga-se improcedente, por não provada, a exceção da prescrição do direito invocado pela autora nos termos invocados pelos réus EE e AA”.


O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.12.2017, que confirmou esse despacho decidiu, na parte relativa à exceção da prescrição, da seguinte forma:


“Na presente ação é pedida a destituição da gerência do R AA e não a sua exclusão de sócio.


Não se descortina qualquer lacuna para a aplicação analógica do disposto do prazo de 90 dias fixado no n.º 6 do art. 254º e nos art. 241º e art. 234 nº2 todos do CSC, que regulam a exclusão judicial de sócio, que não se pode confundir com a destituição do gerente.


A lei não equipara a exclusão de sócio à exoneração da gerência, desde logo quanto à legitimidade para a propositura da ação. Por outro lado, apesar de em grande parte das situações, o sócio ser também gerente, os direitos e deveres dos sócios e dos gerentes são distintos e não equiparáveis.


Por outro lado, atento a unidade do sistema jurídico, é mais coerente, interpretar o art. 174º do CSC como sendo aplicável não só à ação de indemnização da sociedade contra o gerente, mas também ao pedido de destituição da gerência, em regra, baseada nos mesmos factos.


Entendemos que havendo, um prazo de prescrição para a generalidade das ações intentadas pelas sociedades comerciais contra os seus sócios, gerentes e administradores e outros, no citado art. 174º do CSC, bem como os direitos destes contra a sociedade, não há lacuna que justifique a aplicação analógica do disposto nos arts. 234º n.º 2 e 241º do CSC e o prazo de 90 dias, à presente ação de destituição judicial do gerente.


Assim, no caso, nos termos do art. 174º n.º 1 al. b) do CSC, o prazo prescricional de 5 anos, conta-se a partir do momento em que tiver termo a conduta dolosa ou culposa do gerente ou da sua revelação, se a conduta houver sido ocultada.


Atento o alegado na petição, não se está perante conduta oculta e dos factos contantes na petição resulta que a conduta do Réu recorrente, conjuntamente como o outro R, cessou em 28.11.2007 ( cf. art. 153º al. d) da petição).


Por isso, quando foi intentada a ação ( 22.11.2012) ainda não tinha decorrido o prazo de 5 anos.»


De Direito:


I - Se a decisão que julgou improcedente a exceção da prescrição proferida no processo n.º 1678/12.8... tem autoridade de caso julgado.


O artigo 174º do Código das Sociedades Comerciais, quanto à prescrição estipula:


“1 - Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos:


a) (…);


b) O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade;


(…)


5 - Se o facto ilícito de que resulta a obrigação constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, será este o prazo aplicável.”


O caso julgado material traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário e torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal (cf. neste sentido Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código Processo Civil, pág. 567 e 568).


Nos termos do citado artigo 619º n.º 1 do CPC, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º.


Do artigo 581º, resulta que a exceção do caso julgado se reporta à tríplice identidade, relativa aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, ou seja, pressupõe a repetição de uma causa depois da primeira, entre as mesmas partes, sobre o mesmo objeto e baseada na mesma causa de pedir, ter sido decidida por sentença que não admita recurso ordinário.


No caso, na ação n.º 1678/12.8... e na presente ação os sujeitos são os mesmos sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, sendo irrelevante que nesta o pedido reconvencional tenha sido formulado pelos Réus/reconvintes, sociedade e outros sócios e naquela a demandante ser apenas a sociedade, ora a Autora.


Por outro lado, há identidade de causas de pedir, entre as duas ações, dado que em ambas os pedidos procedem dos mesmos factos jurídicos (cf. artigo 581º n.º 4 do CPC), circunstância que esteve na base de ter sido suspensa a instância na presente ação até ser proferida decisão definitiva na ação n.º 1678/12.8...


Como adiante se referirá os pressupostos de facto que estiveram na base das decisões quanto à exceção da prescrição na ação n.º 1678/12.8... e no acórdão recorrido são, em parte, distintos.


Por último, é pacifico inexistir identidade entre os pedidos, na ação n.º 1678/12.8... a sociedade autora “J..., Lda” pediu a destituição do cargo de gerentes dos aí Réus AA e EE e na reconvenção deduzida nos presentes autos a mesma sociedade e os outros Réus/Reconvintes pedem que o Autor e o seu irmão EE sejam condenados no reembolso dos valores indevidamente retirados à sociedade, no montante que se venha a apurar, acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal e ainda a indemnizar a 1.ª Ré pelos prejuízos causados com a sua conduta, em montante nunca inferior a € 40 000,00.


Não existe, pois, identidade de pedidos entre ambos os processos.


A questão que a Recorrente coloca é a de saber se a autoridade do caso julgado da decisão proferida no despacho saneador e confirmado por acórdão do Tribunal da Relação do Porto na ação n.º 1678/12.8..., impede que se julgue na presente ação procedente a exceção da prescrição.


Importa agora proceder à distinção dos conceitos de exceção do caso julgado e de autoridade do caso julgado.


Miguel Teixeira de Sousa, em «O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material», no BMJ n.º 325, pág. 49 e segs, distingue os apontados conceitos da seguinte forma:


“Quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade do caso julgado material do processo subsequente; quando a apreciação do objecto processual antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva com excepção do caso julgado.”


Mais adiante acrescenta: “ A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior.”


“Quando vigora a autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando da acção ou proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente.”


Esta distinção é pacificamente aceite pela jurisprudência como são exemplo, entre outros, os acórdãos do STJ, disponíveis em www.dgsi.pt., de 06.03.08, processo n.º 08B402, relator Oliveira Rocha, onde se decidiu: “ A excepção de caso julgado tem por fim evitar a repetição de causas e os seus requisitos são os fixados no art. 498º do CPC: identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. A autoridade de caso julgado, diversamente, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que se aludiu, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida”; de 29.09.2018, processo n.º 10248/16.0T8PRT.P1.S1, relator Tomé Gomes, com o sumário: “a autoridade do caso julgado implica, independentemente da verificação de uma tríplice identidade integral, o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa” e de 30.11.2021, processo n.º 697/10.3TBELV.E1.S1, relator Ricardo Costa, com o sumário: “I - A autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente nos arts. 619.º, n.º 1, e 628.º do CPC (“efeito positivo”), implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, numa relação de prejudicialidade, no objeto de uma acção posterior, impedindo que a relação ou situação jurídica antes definida venha a ser objecto de nova decisão e se potencie uma decisão, total ou parcialmente, contraditória sobre a mesma questão.”


Como decidiram os citados acórdãos e, é entendimento pacifico, a autoridade de caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade.


A autoridade do caso julgado manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada, mas apenas quando o objeto da decisão proferida em ação anterior se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior.


A prescrição consiste na extinção de direitos em consequência do seu não exercício do direito pelo seu titular durante um certo lapso de tempo fixado pela lei e, por isso, os pressupostos de facto para se decidir se a referida exceção perentória se verifica, são, em princípio, diferentes na primeira ação e na segunda.


Existindo essa distinção factual, necessariamente, quanto às datas das proposituras das ações, apenas se pode considerar que na primeira a exceção da prescrição ficou definitivamente definida entre as mesmas partes, quando a exceção for julgada procedente.


Apenas neste caso a decisão a proferir na segunda ação, entre as mesmas partes, não pode contrariar a proferida na primeira.


No caso, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a decisão proferida na ação 1678/12.8..., julgou improcedente a exceção da prescrição para a Autora exercer o direito de pedir a destituição da gerência dos aqui Réu e Interveniente, considerou o dia 28.11.2007, como data do início da contagem do prazo de prescrição (atento o alegado na petição e considerando não se estar perante conduta oculta) e, por isso, quando foi intentada a ação (22.11.2012), ainda não tinha decorrido o prazo de 5 anos.


No caso presente, o acórdão recorrido considerou que o início da contagem do prazo da prescrição é em 11.08.2008 (data do último ilícito praticado pelos A e Interveniente, que se julgou provado) e que os Réus apenas em 11.05.2015 deduziram reconvenção pedindo, pela primeira vez, que estes fossem condenados no reembolso dos valores que os primeiros consideram indevidamente retirados à sociedade.


Assim, sendo distinta a base factual considerada na anterior ação e na atual e tendo na anterior ação sido julgada improcedente a exceção perentória da prescrição, ou seja, sem decidir definitivamente que a exceção se verificava, não tem eficácia de autoridade de caso julgado na posterior, não obstando que nesta ação fosse julgada procedente a exceção da prescrição.


É, pois, de concluir que o acórdão recorrido ao julgar procedente a exceção da prescrição, não violou o efeito da autoridade do caso julgado e as normas dos artigos 581.º, n.ºs 2 e 4 e 619.º, n.º 1, do CPC.


II -Se ocorreu interrupção do prazo de prescrição


A Recorrente sustenta que na petição inicial da ação n.º 1678/12.8... (intentada em 22.11.2012), deduziu inicialmente pedido de condenação no pagamento dos valores indevidamente retirados da sociedade contra os ali Réus AA e EE, defendendo, assim, que com a propositura da referida ação judicial e por não lhe ser imputável o atraso na citação dos RR, se interrompeu o prazo prescricional, em 27.11.2012. nos termos do artigo 323.º n.º 1 e 2 do Código Civil.


O acórdão recorrido conheceu da questão da irrelevância dessa petição apresentada na ação n.º 1678/12. 8TBMNC, na fundamentação da impugnação do recurso da matéria de facto, apresentada pelos Réus/reconvintes, nos seguintes termos:


“Os Réus/Recorrentes vieram requerer o aditamento de um conjunto de factos ao elenco dos Factos Provados (para além daqueles já acima analisados), designadamente os seguintes:


81) Em 22.11.2012, através da petição inicial que deu origem ao processo n.º 1678/12.8..., da qual o autor e o chamado se têm por citados em 27.11.2012, a sociedade ré manifestou a intenção de exercer contra eles o direito de indemnização referente aos valores por aqueles indevidamente retirados da sociedade.


Justificam que tal factualidade resulta documentalmente provada pelo Doc. 151 junto ao requerimento por si apresentado nos autos em 22/11/2012.


(…)


Passando para a ampliação do recurso, e quanto ao pretendido aditamento proposto sob o Item 81), da certidão judicial que constitui o Doc. n.º 151 junto ao requerimento apresentado nos autos em 13/11/2020 resulta que no Processo n.º 1678/12.8... a sociedade Autora “J..., Lda” pediu a destituição do cargo de gerentes por parte dos aí Réus AA e EE.


Na respetiva Petição Inicial, entrada em Juízo em 22/11/2012, a aí Autora invoca, como fundamento para os pedidos principais, apropriação indevida de dinheiros da sociedade, levantamentos indevidos de dinheiros societários para pagamento de supostos créditos, instauração de procedimentos disciplinares e aplicação de sanções disciplinares a trabalhadores sem qualquer fundamento e geradores de prejuízos para a sociedade.


A final pede, entre o mais, a condenação de AA e EE no reembolso dos valores indevidamente retirados à sociedade e a indemnizarem a sociedade pelos prejuízos causados com a sua conduta, em montante nunca inferior a € 40 000,00.


Resulta da mesma Certidão Judicial que estes pedidos inicialmente formulados foram eliminados na Petição Inicial reformulada, na sequência de despacho, datado de 11/06/2013, de convite da Autora a vir indicar quais os pedidos que pretende ver reapreciados com fundamento em apreciação de exceção dilatória inominada de cumulação ilegal de pedidos.


Da análise dos autos resulta complementarmente que a citação dos aí Réus ocorreu, respetivamente, em 25/10/2016 (o AA) e em 27/10/2016 (o EE), depois da apresentação da petição aperfeiçoada e na sequência da decisão do procedimento cautelar de suspensão das funções de gerente (cf. decisão cautelar constante de fls. 322 e ss. dos autos).


Resulta ainda do teor desta decisão cautelar de fls. 322 e ss. dos autos que a citação dos Réus para contestar foi feita por referência à petição inicial aperfeiçoada.


Este conjunto de factos processuais obriga-nos a concluir pelo não aditamento dos factos sugeridos: a citação dos Réus no âmbito desta ação não ocorreu por referência aos pedidos formulados inicialmente, mas somente por referência aos pedidos apresentados na Petição Inicial reformulada, de onde já não constavam os acima referidos pedidos indemnizatórios.


Em termos jurídicos, esta situação fáctica é completamente inócua, designadamente para efeitos de interrupção da prescrição, nos termos consagrados no art.º 323.º, n.º 1, do Código Civil.


(…)


Indefere-se, pois, o aditamento deste facto novo.”


O prazo prescricional interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertença e ainda que o Tribunal seja incompetente ( artigo 323º n.º 1 do Código Civil).


Como referem Antunes Varela e Pires de Lima, no Código Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, pág. 289, “ o facto interruptivo da prescrição consiste no conhecimento que teve o obrigado, através duma citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer o direito.”


Deste n.º1 do artigo 323º resulta que um dos requisitos cumulativos desse meio de interrupção da prescrição é a comunicação por citação, ou notificação judicial, ao devedor da intenção de exercício do concreto direito pelo seu titular.


Como sublinha, Ana Filipa Morais Antunes, em Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2.ª edição, pág. 224, a interpretação e correta aplicação do normativo sobre a interrupção da prescrição deve ser feita em termos estritos, atenta a natureza excecional do respetivo figurino.


Assim, se o titular de vários direitos apenas manifesta a intenção de exercer um deles, essa citação não tem o efeito de interromper a prescrição relativamente aos demais.


Neste sentido, escreveu Vaz Serra, em Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ n.º 106, pág. 190: “ Se a acção é proposta só para uma parte do direito, a interrupção só a essa parte se refere.”


Como decidiu o acórdão recorrido, tendo os Réus, AA e EE ( nesta Autor e Interveniente), sido citados da petição corrigida, sem o pedido da sua condenação no reembolso dos valores indevidamente retirados à sociedade e a indemnizarem a sociedade pelos prejuízos causados com a sua conduta, em montante nunca inferior a € 40 000,00, a apresentação da petição originária, onde constava esse pedido é irrelevante para efeito de interrupção da prescrição desse direito à indemnização.


Têm, pois, razão os Recorridos, quando defendem que a sua citação na ação nº1678/12.8..., intentada pela sociedade ora Ré em 22.11.2012, não constituindo ato que exprimisse a intenção da ora Recorrente de exercer o direito da sociedade a ser indemnizada pelo Autor e pelo Interveniente ( ali Réus) dos danos que tenha sofrido em resultado da conduta dolosa ou culposa deles, mas apenas do direito de os destituir de gerentes, não tem a virtualidade de interromper o prazo de prescrição daquele direito da sociedade.


O acórdão recorrido afasta ainda a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 323º do Código Civil.


A Recorrente também se insurge quanto a esta questão, mas a mesma está prejudicada e não tem qualquer efeito útil, por não ter a mesma citação, como atrás se referiu, efetivo interruptivo, por não dela não constar que a Autora/Sociedade, aqui Ré/reconvinte pretendia exercer contra os Réus o direito de indemnização.


Decisão


Julga-se a revista improcedente e confirma-se o acórdão recorrido.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 06. 03.2024


Os Juízes Conselheiros


Relator – Leonel Serôdio


1ª Adjunta – Amélia Freitas Ribeiro


2º Adjunto -Ricardo Costa