Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
Descritores: | DECISÃO SINGULAR RECLAMAÇÃO | ||
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Data da Decisão Sumária: | 09/02/2025 | ||
Votação: | - - | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO – ARTIGO 405.º DO CPP | ||
Decisão: | INDEFERIDA | ||
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Sumário : | I. Não admite recurso em 2.º grau, para o Supremo Tribunal de Justiça, acórdão da Relação que, em recurso, reverte para prisão efetiva, a pena suspensa aplicada na sentença/acórdão recorrida/o. II. Na resposta o recurso, o arguido pôde esgrimir os argumentos que entendeu para convencer o tribunal ad quem a confirmar a decisão recorrida, garantindo-lhe-se, assim, o direito de defesa em dois graus de jurisdição. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Reclamação – artigo 405.º do CPP * I - Relatório: O arguido AA foi condenado em 1.ª instância pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º, n.º 1, com referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, condicionada à obrigação de, no mesmo prazo, pagar ao Estado da quantia de € 77.274,60, bem como acompanhada de regime de prova, com observância do plano de reinserção social. Foi ainda condenado, na pena acessória de proibição do exercício de funções públicas relacionadas com a administração da justiça, nos termos do artigo 66.º, nº 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal, pelo período de 4 anos. O tribunal também declarou a perda, a favor do Estado, da quantia de € 77.274,60, substituída, no caso, pelo pagamento ao Estado do respetivo valor a cargo do arguido, nos termos previstos no artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4, do Código Penal. O Ministério Público, inconformado, recorreu para a 2.ª instância. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 28 de maio de 2025, no que releva, concedeu parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, na parte em que determinou a suspensão da execução da pena privativa da liberdade imposta ao arguido nos autos. Confirmando no mais a decisão recorrida. Inconformado, interpôs o arguido AA recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Recurso que não foi admitido por despacho de 18 de junho de 2025, com fundamento no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, a contrario, referindo-se que é uma inverdade o argumento do arguido de que foi com a decisão do Tribunal da Relação que pela primeira vez, foi confrontado com uma pena de prisão efetiva, uma vez que esse também foi o objeto do recurso interposto ao qual respondeu. O recorrente apresentou reclamação para a conferência, nos termos do artigo 417.º, n.º 8, do CPP do despacho que não admitiu o recurso, invocando, em síntese, que interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, na parte em que revogou a suspensão da execução da pena aplicada em primeira instância, discordando da aplicação, ao caso, do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP, por considerar que tal interpretação normativa colide com os princípios constitucionais consagrados nos artigos 20.º e 32.º da CRP. Mais refere, que o acórdão recorrido corresponde a uma decisão nova, não se limitando, a confirmar uma pena decretada em primeira instância, uma vez que impôs uma nova sanção, qualitativamente mais gravosa, não assegurando minimamente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas, e ainda que a apresentação de contra-alegações no âmbito de um recurso, são uma faculdade do contraditório, não uma iniciativa recursiva plena que substitua um direito ao recurso não tendo a virtualidade de impugnar autonomamente os termos de uma condenação. Acrescenta que o direito ao recurso, no caso em apreço, é um imperativo constitucional que não pode ser comprimido com base numa interpretação meramente literal do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, configurando a interpretação normativa segundo a qual se encontra arredado o direito de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, uma limitação desproporcionada e atentatória dos princípios estruturantes do processo penal constitucionalmente consagrados, designadamente, o princípio do contraditório, o direito à tutela jurisdicional efetiva e o princípio da proporcionalidade enquanto limite à restrição de direitos fundamentais. Face à reclamação apresentada, foi proferido novo despacho, onde foi entendido tramitá-la como reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, considerando o disposto no artigo 193.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal, determinando a sua remessa ao Supremo Tribunal de Justiça. * Cumpre decidir * II - Fundamentação 1. Apesar de a reclamação vir incorretamente dirigida, face à simplicidade da questão, e ao princípio do aproveitamento dos atos processuais, e tendo em conta que o reclamante pretende impugnar o despacho de não admissão do recurso, considera-se a reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 405.º do CPP. 2. No que é relevante, para o conhecimento da reclamação, o arguido foi condenado em 1.ª instância, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, pela prática do crime acima enunciado. Em recurso, o Tribunal da Relação revogou a decisão recorrida na parte em que suspendeu a execução da pena. 3. O critério de admissibilidade do recurso ordinário para o STJ reporta-se à pena concretamente aplicada, ou seja, à pena em que a arguido foi condenada na decisão recorrida. A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP, dispondo a alínea b) do n.º 1 que se recorre “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”. Deste preceito destaca-se a alínea e) do n.º 1 que consagra a irrecorribilidade dos “acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1ª instância”. No caso, não se verifica a exceção prevista na parte final do preceito transcrito. O arguido foi condenado em 1ª instância. O acórdão recorrido revogou a suspensão da pena. Assim sendo, tendo em conta que o arguido foi condenado em pena não superior a 5 anos de prisão, o recurso é inadmissível, ao abrigo das referidas disposições legais. 4. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 32.º da CRP inscreve o direito ao recurso como uma garantia de defesa do processo criminal, impondo que seja assegurado ao arguido o direito ao reexame por uma instância superior de qualquer decisão judicial contra ele proferida no processo penal. O Ministério Público recorreu peticionando o agravamento da condenação do arguido, que fosse determinada a não suspensão da pena de prisão aplicada. Ao arguido foi facultado o contraditório que exerceu, respondendo a pugnar pela improcedência dos recursos do Ministério Público e das assistentes. Foi-lhe, pois, garantida a facultade de esgrimir os argumentos que entendeu em defesa da sua tese e também em defesa da confirmação da condenação decretada em 1ª instância. Teve, pois, possibilidade de se defender como entendeu da reversão da pena suspensa em pena de prisão efetiva. Com o que ficou assegurado no processo o seu direito constitucional e legal de defesa, incluindo o direito de recurso. O reclamante pretende que seja reconhecido o direito a um terceiro grau de jurisdição ao condenado em 1.ª instância em pena de prisão com execução suspensa que a Relação, em recurso, determina seja privativa da liberdade, independentemente da medida da pena aplicada, interpretando restritivamente o artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP que limita a recorribilidade para o Supremo Tribunal de acórdão da Relação proferido em recurso de decisão condenatória, a penas superiores a 5 anos de prisão efetiva. E o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, a organização de um modelo de intervenção processual, razoável, proporcional e adequado, não cabendo na dimensão e no respeito da essência constitucional do direito a exigência exacerbada e repetida de meios que se sobreponham e que perturbem a regularidade da evolução processual e dos prazos de decisão. Está, assim, completamente fora de causa a violação, no caso, do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. 5. Incidindo sobre idêntica questão, o Tribunal Constitucional, na decisão sumária n.º 375/2019, confirmada pelo referido acórdão n.º 104/2020, motivando o julgamento da não inconstitucionalidade, expendeu: “no caso de recurso de decisão de primeira instância condenatória, que tenha aplicado pena não privativa da liberdade e em que o recorrente Ministério Público e/ou Assistente pugnem perante a Relação pelo agravamento daquela, o objeto do recurso encontra-se perfeitamente delimitado, balizando-se a possível decisão do mesmo dentro de apertados limites: (…). Nestes casos, existe uma efetiva reapreciação do segmento da decisão condenatória relativo às consequências do crime, cujos termos, âmbito e consequências, são perfeitamente antecipáveis pelo arguido. O objeto do recurso e os assinalados limites intrínsecos e extrínsecos à decisão a tomar pelo tribunal superior no julgamento daquele, permitem concluir que a faculdade de responder ao recurso, prevista no artigo 413.º do Código de Processo Penal, assegura um efetivo exercício do direito de defesa, permitindo ao arguido expor perante o tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição jurídico-processual da defesa, em termos idóneos a persuadir o julgador da sua justeza e a influenciar o curso do seu processo decisório.” Reafirma-se na decisão em citação “que o respeito pelo direito ao recurso não significa que o legislador esteja constitucionalmente vinculado a assegurar a impugnabilidade pelo arguido de todas as decisões condenatórias proferidas em recurso, mesmo quando imponham reação sancionatória privativa da liberdade e imediatamente exequível. Constitui entendimento consolidado do Tribunal que o direito ao recurso, assegurado pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, não garante ao arguido um segundo grau de recurso em matéria penal, assistindo ao legislador democrático margem de liberdade na modelação do acesso por via de recurso ao tribunal judicial supremo, enquanto via de prossecução de outros direitos e interesses constitucionalmente tutelados, como sucede com a própria eficácia do sistema penal, que tem como condição a emissão de um julgamento final e definitivo em tempo razoável”. Concluindo-se: “é certo que o julgamento do recurso comportou um agravamento da posição processual do arguido relativamente ao antes decidido, mas daí não decorre uma situação de indefesa do sujeito processual, constitucionalmente proibida. No âmbito do recurso da decisão condenatória proferida em 1.ª instância, ciente da pretensão de modificação da reação penal e da natureza fundamentalmente substitutiva do julgamento proferido pela 2.ª instância, pôde o arguido, para além de refutar os argumentos do recorrente, perspetivar as eventuais consequências sancionatórias - à semelhança com o que acontece frequentemente no momento da apresentação na 1.ª instância da contestação e rol de testemunhas (artigo 315.º do CPP), ou nas alegações orais proferidas em audiência de julgamento (artigo 360.º do CPP) - e desse modo influenciar decisivamente o julgamento do recurso. No quadro em presença, a limitação das garantias de defesa, na dimensão do exercício do direito ao recurso e do acesso a um terceiro grau de jurisdição, não se mostra desrazoável ou desproporcionada, em atenção ao interesse público relevante prosseguido pelo legislador democraticamente legitimado, impondo-se afastar a violação do artigo 32.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, ou outros parâmetros de constitucionalidade”. 6. Decisão em linha com a jurisprudência daquele Tribunal. Incidindo sobre a aplicação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, a caso como o dos autos, no acórdão n.º 101/2018, de 21 de fevereiro, decidiu “não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, interpretado no sentido de ser irrecorrível o acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, revogando a suspensão da execução de pena de prisão decretada pelo tribunal de primeira instância.” III - Decisão: 7. Pelo exposto, indefere-se a reclamação deduzida pelo arguido AA. Custas pelo reclamante fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. Notifique-se. * Lisboa, 2 de setembro de 2025 O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça Nuno Gonçalves |