Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
209/07.6TBPCV-A.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: DECISÃO ARBITRAL
MEIOS IMPUGNATÓRIOS
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I- Dispõe o artº 29º, nº 1 da Lei nº 31/86 de 29 de Agosto, com as modificações que lhe foram introduzidas pelo Dec-Lei 38/2003 de 8 de Março (Lei da Arbitragem Voluntária), diploma legal esse que aqui designaremos pela sigla LAV, que se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem, para o Tribunal da Relação, os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo Tribunal de comarca.
Por sua vez, o artº 30º do sobredito diploma legal preceitua que «a execução da decisão arbitral corre no tribunal da 1ª Instância, nos termos da lei de processo civil» e, logo no artigo seguinte, estatui-se que «o decurso do prazo para intentar a acção de anulação não obsta a que se invoquem os seus fundamentos em via de oposição à execução da decisão arbitral».
II- As decisões dos tribunais arbitrais são exequíveis nos mesmos termos em que o são as decisões dos tribunais comuns ( artº 48º, nº 2 do CPC) e, como tal, apenas os fundamentos previstos no artº 814º do CPC podem servir de suporte às execuções baseadas em sentença, acrescendo, no que às sentenças arbitrais concerne, os fundamentos em que pode basear-se a anulação judicial da mesmas decisões, de harmonia com o artº 815º do referido diploma legal.
III- Não obstante a latitude de meios impugnatórios que a lei colocava ao seu dispor, a saber, recurso da decisão arbitral para o Tribunal da Relação ( artº 29º, nº 1 da LAV) acção de anulação da decisão dos árbitros (artº 28º do mesmo diploma legal), os ora Recorrentes não interpuseram tal recurso, nem intentaram a falada acção de anulação no prazo assinalado no nº 2 do artº 28º da LAV ( um mês a contar da notificação da decisão arbitral).
Mesmo assim, a lei generosamente concede que «o decurso do prazo para intentar a acção de anulação não obsta a que se invoquem os seus fundamentos em via de oposição à execução da decisão arbitral» ( artº 31º da LAV).
IV- Os fundamentos para a propositura de uma acção de anulação da decisão arbitral são exclusivamente de índole adjectiva (processual).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

RELATÓRIO

Por apenso à Execução que AA move contra BB e CC, todos com os sinais dos autos, vieram os Executados, com apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, deduzir Oposição à Execução, com fundamento em nulidade absoluta do título pelos vícios ocorridos no decurso do processo que o inquinaram irremediavelmente e da obrigação subjacente, por falta de pertinência, proporcionalidade e desadequação da cláusula sancionatória, a qual gera ineficácia, e em consequência serem os executados absolvidos, ou caso assim não se entenda, deve a sentença proferida pelo tribunal arbitral ser reapreciada e ponderada segundo os critérios da equidade, considerando-se, entre outros, o crédito dos executados, relativo a obras feitas e ao IVA, no montante de € 10.988,56, por aplicação da proibição do enriquecimento sem causa e ao abrigo da clausula 7.a do contrato e dos demais princípios de justiça.
Alegam para o efeito, em síntese, que por força de deficiente apreciação, ponderação e valoração da prova produzida, o Tribunal Arbitral não valorizou, nem acautelou como devia os interesses das partes de forma justa e igualitária, tendo incorrido em omissão de pronúncia, tendo por isso proferido uma decisão errada, porque não foram tomados em consideração os factos alegados na contestação da acção arbitral, verificando-se desta forma uma nulidade absoluta do titulo pelos vícios ocorridos no decurso do processo que o inquinaram irremediavelmente.
Alegam também que o referido tribunal não se pronunciou quanto à nulidade da clausula penal aplicada, que consideram injusta, perversa e abusiva.
Regularmente notificada, a Exequente veio apresentar contestação à Oposição, pugnando pela inadmissibilidade da Oposição deduzida e pela sua improcedência, alegando, em síntese, que os fundamentos invocados não se subsumem aos previstos no art° 814° do C.P.C. e art° 27.° da Lei da Arbitragem Voluntária, e que os oponentes tiveram a oportunidade de sindicar, no momento próprio e pelos meios processualmente adequados, a decisão arbitral e, não obstante, não o fizeram.
Foi proferido saneador-sentença que, conhecendo do mérito, julgou improcedente a Oposição à Execução, ordenando o prosseguimento da instância executiva.
Inconformados, os Executados interpuseram Apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra que, contudo, julgou improcedente tal recurso, confirmando integralmente a decisão recorrida.
De novo inconformados, os Executados vieram recorrer para este Supremo Tribunal, rematando as suas alegações com as seguintes e ipsis verbis transcritas:
CONCLUSÕES
l-O presente recurso tem subjacente um contrato de construção de uma moradia, celebrado entre exequente e executado, em Abril de 1999 que não foi mutuamente cumprido, tendo em Setembro de 2002 as partes recorrido à Arbitragem, na tentativa de solução do conflito, onde foi estipulada uma clausula sancionatória para o executado no valor de € 249,40 por cada dia de atraso que excedesse 117 dias, contados desde 01 de Janeiro de 2003, até à entrega definitiva da obra, quantia esta a liquidar em execução de sentença (como se fosse este a única parte em falta e susceptível de incumprir).
2-Decorrido esse prazo verificou-se que o executado, embora tivesse tentado, não conseguiu acabar a obra devido a incidentes de vária índole ocorridos entre as partes, denunciadas por aquele, junto do Tribunal Arbitral, em 24-05-05, imputando responsabilidades à executada e a este Tribunal, cf. consta a fls. 41 e 42 do referenciado processo, para onde, respeitosamente, se remete.
3-Em 21-04-2006, veio o Tribunal Arbitral a proferir sentença, condenando o executado a pagar € 380.584,40, valor contado desde a data da celebração do acordo (apesar de não ter havido revogação do contrato inicial) e do tempo decorrido e de não ter, neste acordo, ficado consignados todos os direitos do executado, designadamente os de receber da exequente;
4- A quantia de 7500,00€, vencida desde o início da obra, devido a um erro de projecto, acrescido do IVA, entretanto desembolsado no valor de 13 737,45€, no montante de 21 576,45€, acrescido de juros, entretanto vencidos.
5-Não obstante os conflitos de natureza pessoal gerados entre as partes, a exequente nada pagou ao construtor, apesar das imensas dificuldades económicas e de várias vezes instada a fazê-lo, tendo o dito Tribunal, " ab initio" e mesmo depois da produzida reclamação, feito tábua rasa deste e de outros direitos ao executado, sem o qual não podia nem devia económica e juridicamente acabar os trabalhos, ao abrigo da " exceptio ".
6-Por isso, o executado marido, reclamou junto do Tribunal Arbitral, acerca do incumprimento da exequente, e das razões que o levaram a considerar válido, apenas, o contrato de empreitada, prescindindo do Tribunal Arbitral por, entre outros motivos, apenas, ter havido cedências e obrigações da sua parte, esclarecendo que tudo iria ficar na mesma, cfr. fls. 41-41.
7-Que o texto das cedências foi corrigido pelo marido da exequente, interessado na acção quando devia ter sido um juiz.
8-Em 21 de Abril de 2006 foi expedida Sentença Arbitral que condena o executado e solidariamente a mulher no pagamento de 380 584,06€,
9-Os recorrentes apresentaram Recurso desta decisão no Tribunal da Relação mas esta foi julgada extemporânea, por ter excedido o prazo de 10 dias, por força do art. 685º do C.P.C,
10-Os recorrentes apresentaram oposição à execução no Tribunal de Penacova, reagindo contra o montante e o título que consideram excessivo em violação dos principio gerais de direito, tendo requerido a nulidade da sentença, ou a resolução do conflito segundo as regras da equidade prevista no artº 312 do C.Civil, mas este declarou;
11- Que não lhe foi formulado o pedido de redução da cláusula e que o exequente não demonstrou que a mesma tivesse sido excessiva, defendendo a liberdade contratual segundo o artº 405º do C. Civil, mesmo quando se disse que o montante, dava, não para acabar mas para comprar 6 casas iguais à mandada edificar.
12-A liberdade prevista no art. 405º deve compaginar-se com o previsto no 811/3, em face ao qual, no caso em apreço, se depreende claramente ter havido violação do princípio da proporcionalidade e da equidade.
13-Impunha-se que os Tribunais recorridos tomassem em consideração não apenas o título executivo e a cláusula sancionatória mas os factos supervenientes e subjacentes que geraram o incumprimento, apurando a culpa, em sede de julgamento e outra prova documental a produzir, devendo concluir ter havido impossibilidade de cumprir devido a comportamento culposo de uma das partes, o que implica a desobrigação da outra nos termos do art. 790º, do C Civil.
14-0 Tribunal da Relação conclui, igualmente não ter poderes de controlo sobre o eventual afastamento da cláusula considerada abusiva mas não é isso que decorre do artº 812º do Cód. Civil, e ainda com os fundamentos nos art°s 16, e 27 e 28 da LAV, bem como do artºs 814º e 815º do C. P. Civil.
15-0 Tribunal Arbitral não tratou de modo absolutamente igual as partes, como se infere da reclamação produzida pelo executado perante o não comprimento da exequente, não tendo efectuado diligências no sentido de alguma vez esta cumprir, para além dos privilégios desta e do marido usados na referida instituição;
16 -Esta omissão do Tribunal Arbitral, veio a ter reflexos no desenrolar dos acontecimentos (incumprimentos) e gerou a violação dos princípios consignados no artº. 16º, por força dos fundamentos previstos no artº 27º, ambos da LAV.
17-O facto de os executados não terem recorrido no prazo previsto no artº. 28, segundo esclarece o art. 31, ambos da LAV, não obsta a que se peça a anulação da sentença junto do Tribunal e ali exponham os seus fundamentos, ao abrigo do art. 814, als g) e d) do C.P.C.
18-O Tribunal recorrido devia, em sede de oposição e de recurso conhecer de todos os fundamentos alegados, designadamente de factos extintivos, modificativos e supervenientes, sob pena de inquinar o titulo executivo de nulidade, apesar da aplicação dos artºs 790 e 801, ambos do C. Civil.
19-Estamos perante flagrante enriquecimento sem causa e a violação das mais elementares regras gerais de direito, previstas designadamente nos art°s 762/2,334, 790º, 810/2 e 813º, todos do C. Civil.
20-O artº. 815º do C.P.C, equipara os fundamentos a utilizar na decisão arbitra! aos utilizados em instância judicial, logo,
21-Não se pode concordar com a omissão do Tribunal de que se recorre que com tais fundamentos se absteve de analisar alguns factos, integrando e interpretando erradamente, violando os referidos preceitos e o artº. 721º, a considerar conjugadamente com o artº. 668 do C.P.C.
22-O Tribunal da Relação, não admitiu o recurso interposto da decisão arbitral, por considerar extemporâneo, invocando a aplicação do artº .865 do CPC, quando na verdade deveria considerar o prazo mais dilatado consignado no artº 28 da LAV.
23-Além disso, o processo que correu termos no Tribunal Arbitral foi ,alegadamente entregue no Tribunal Cível de Coimbra, cf. veio o exequente a ser notificado.
24-Contudo e apesar de porfiadamente procurado em todas as secretarias, o processo não foi encontrado, em tempo útil, tudo isto em prejuízo do direito de defesa dos executados.
25-A exequente não se pronunciou acerca do recurso de que ora se recorre, interposto no Tribuna! da Relação, por certamente com o mesmo concordar mas,
26-O Acórdão da Relação, apesar das considerações em rodapé, omitiu tal facto e as suas consequências legais, facto este que,
27-Este Douto Tribunal não deixará de tomar em consideração, com as devidas consequências de Nulidade do Acórdão e das precedentes sentenças, o que aqui se requer.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal
FUNDAMENTOS
Das instâncias, vem dada, como provada, a seguinte factualidade:
1. No dia 08/03/2007, a Exequente deu entrada do requerimento executivo que deu origem à execução para prestação de facto de que os presentes autos correm por apenso (conforme requerimento executivo de fls. 2 e ss.(1)
2. A Exequente juntou como título executivo ao requerimento referido em 1, certidão de decisão do Tribunal Arbitral da Associação dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas do Norte (AICCOPN), notificada às partes em 21/04/2006 e transitada em julgado, na qual se decidiu julgar «a acção parcialmente procedente e condena-se os RR. BB e mulher CC a:
a) Cumprirem integralmente o contrato de empreitada com as subsequentes alterações e demais obrigações assumidas a tal respeito, executando os trabalhos em falta necessários à correcta eliminação de todos os vícios e defeitos que a obra apresenta, no prazo de 120 dias a contar do Trânsito em julgado desta decisão;
b) A pagar à A. [a aqui Exequente] a importância de €249,00, por dia, desde 01 Janeiro de 2003 até à entrega definitiva da obra, quantia esta a liquidar em execução de sentença.
No mais são os RR. absolvidos do pedido.
Custas do processo a cargo da A. e RR., na proporção de 1/5 suportadas pela A. e 4/5 pelos RR.» (cfr. decisão arbitral de fls. 8 e ss., que aqui se dá por integralmente reproduzida. (2)
3. Do relatório dessa decisão consta que «Os RR. BB e mulher CC tendo sido regularmente citados, com a cominação de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pela A., constatou-se que apenas o R. BB limitou-se a apresentar o documento constante de fls. 41 a 43(3), onde alega sinteticamente que:
1) Seria sua intenção resolver o diferendo que opõe as partes nos presentes autos, e que no dia em que foi celebrado o acordo – Acta de Tentativa de Conciliação prévia de fls. 24 a 31 – apenas este efectuou algumas cedências, quando estas também deveriam ter sido concretizadas pela A.;
2) Que no início dos trabalhos se deparou com falta de material que havia ficado na obra para a sua conclusão, desconhecendo o seu destino;
3) No dia em que foi celebrado o acordo ficou estabelecido o compromisso entre todas as partes – para a resolução de um erro de implantação no valor de 1.362.000$00, do qual também dependeria a concretização do acordo, que no entanto não foi considerado, pelo que, concluiu que tudo iria ficar como inicialmente;
4) Aceita apenas o contrato inicial formado entre as partes datado de 12/04/1999, renunciando ao acordo constante de fls. 24 a 31 dos autos;
5) Termina prescindindo do Tribunal Arbitral e requerendo a imputação das custas do processo à A.».
Perante esta escassa factualidade, cumpre apreciar e decidir sobre o quanto vem pedido no presente recurso e que é o seguinte:
«... deve o acórdão recorrido ser doutamente revogado por outro que ordene a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Coimbra, para que ali sejam apreciados os fundamentos do recurso à Decisão Arbitral e à subjacente oposição, decidindo no sentido de que a clausula sancionatória e o respectivo título executivo sejam considerados nulos, ao abrigo do alegado e do artº 801 do C. Civil, deixando , em virtude das alegadas vicissitudes contratuais e processuais de produzir qualquer eficácia por, em nosso entender, ter ocorrido flagrante violação das regras de direito e de defesa dos executados.
Que, entretanto, seja declarada imediata suspensão da execução, até que, em instância competente seja a decisão arbitral e subsequentes decisões reapreciadas, bem como o referido montante titulado, o qual terá que reflectir os critérios da equidade previstos no art. 812 do C. Civil, e o superior interesse da ambas as partes, a partir da superior interpretação por esse Venerando Tribunal das normas de direito».
Dispõe o artº 29º, nº 1 da Lei nº 31/86 de 29 de Agosto, com as modificações que lhe foram introduzidas pelo Dec-Lei 38/2003 de 8 de Março (Lei da Arbitragem Voluntária), diploma legal esse que aqui designaremos pela sigla LAV, que se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem, para o Tribunal da Relação, os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo Tribunal de comarca.
Por sua vez, o artº 30º do sobredito diploma legal preceitua que «a execução da decisão arbitral corre no tribunal da 1ª Instância, nos termos da lei de processo civil» e, logo no artigo seguinte, estatui-se que «o decurso do prazo para intentar a acção de anulação não obsta a que se invoquem os seus fundamentos em via de oposição à execução da decisão arbitral».
Perante este quadro normativo, cumpre desde logo salientar que, como acertadamente considerou a decisão da 1ª Instância que foi confirmada pela Relação no acórdão ora sob recurso, «os oponentes não podem vir agora, transitada em julgado a decisão arbitral, tentar fazer factos que poderiam e deveriam ter alegado em sede própria».
Com efeito, não obstante a latitude de meios impugnatórios que a lei colocava ao seu dispor, a saber, recurso da decisão arbitral para o Tribunal da Relação ( artº 29º, nº 1 da LAV) acção de anulação da decisão dos árbitros (artº 28º do mesmo diploma legal), os ora Recorrentes não interpuseram tal recurso, nem intentaram a falada acção de anulação no prazo assinalado no nº 2 do artº 28º da LAV ( um mês a contar da notificação da decisão arbitral).
Mesmo assim, a lei generosamente concede que «o decurso do prazo para intentar a acção de anulação não obsta a que se invoquem os seus fundamentos em via de oposição à execução da decisão arbitral» ( artº 31º da LAV), pelo que com base em tal concessão legal, vieram agora os Recorrentes em sede de Oposição à Execução tentar obter a anulação da referida decisão, de uma forma, no mínimo, prolixa, dando aso a que o Tribunal da Relação escrevesse no acórdão recorrido, com vista à elucidação da situação em apreço, a seguinte passagem:
«Recolhem os presentes autos, enquanto incidências relevantes da tramitação do processo arbitral, além do ponto de partida decorrente da expressa sujeição dos possíveis litígios emergentes do contrato de empreitada celebrado à arbitragem voluntária do Centro de Arbitragem da AICCOPN, a existência de uma fase de conciliação prévia, consubstanciada no alcançar de um acordo (acordo de 05/09/2002, constante de fls. 24/31 do processo arbitral), cujos elementos foram enunciados nos pontos 19 a 23 da fundamentação de facto da decisão arbitral. É esta a origem da cláusula penal contestada pelos Apelantes e foi o incumprimento deste acordo pelo empreiteiro (rectius, pelo Apelante marido) que gerou a decisão arbitral objecto da execução aqui pretendida bloquear.
Vale aqui o teor da defesa apresentada no processo arbitral pelos Apelantes (mostra-se esta transcrita no ponto 3. dos factos provados) e a constatação, face a essa defesa, de que nada com potencialidade para afastar o incumprimento pelo empreiteiro do acordo (que a Sentença constatou), foi alegado nessa defesa (que em alguns aspectos é até incompreensível no seu sentido). Percebe-se que o Apelante marido, face ao seu incumprimento, se pretendeu ver livre – por assim dizer, “a meio do caminho”, na antevisão de uma decisão desfavorável – do Tribunal arbitral que expressamente aceitara. Tal pretensão, todavia, dada a sua óbvia inconsistência legal, para não a qualificarmos como falta de lisura processual, nunca poderia ser considerada pelo Tribunal Arbitral. Seja como for, nada disto – e, sublinha-se, ser isto a defesa apresentada pelos Apelantes – passou, na actividade da instância arbitral, por qualquer inobservância dos princípios enunciados no artigo 16º da LAV».
Ora em primeiro lugar, como se sabe, – as Instâncias não se cansaram de o sublinhar – os fundamentos para a propositura de uma acção de anulação da decisão arbitral são exclusivamente de índole adjectiva (processual), como bem se refere na seguinte passagem da decisão da 1ª Instância, que foi confirmada pela Relação:
«A anulação judicial da decisão arbitra! a que se fez referência apenas pode suceder nos casos referidos no art° 27° na Lei da Arbitragem Voluntária (Dec.-Lei n.° 31/86 de 29 de Agosto, alterado pelo Dec.-Lei n.° 38/2003, de 08 de Março), e são os seguintes:
a) Não ser o litígio susceptível de resolução por via arbitral,
b) Ter sido proferida por tribunal incompetente ou irregularmente constituído;
c) Ter havido no processo violação dos princípios do direito de defesa de audiência, igualdade e contraditório, com influência decisiva na resolução do litígio;
d) Faltar a assinatura dos árbitros ou a fundamentação da decisão;
e) Ter havido o conhecimento, pelo tribunal arbitrai, de questões que não podia tomar conhecimento, ou ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
Como se retira da sua leitura, as causas de anulação da decisão arbitrai reportam-se à relação processual de arbitragem, e não à relação substantiva aí pleiteada».
Da leitura das alegações dos Recorrentes, do exame criterioso das conclusões em que tais alegações são condensadas e das decisões proferidas pelas Instâncias, constata-se que não é nenhum dos fundamentos de índole adjectiva a que se refere o artº 27º da LAV que os Recorrentes esgrimiram para se oporem à Execução que lhes foi instaurada.
Por isso, lê-se no Acórdão da Relação, sob recurso, que «os executados mais não fazem que pretender contestar, por sinal com base em argumentos sem sentido jurídico algum, o mérito da condenação constante da sentença arbitral constitutiva do título executivo, mas isso não constitui fundamento válido de oposição à execução, da mesma forma que não constituiria, a uma execução fundada numa sentença proferida por um tribunal judicial. A essência do caso julgado, enquanto efeito de indiscutibilidade concedido a um pronunciamento de um tribunal, passa pela impossibilidade de “revisão” ou de renovação do “acertamento” do Direito no caso concreto. Na formulação de Miguel Teixeira de Sousa, “[…] torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão” (4).A especificidade nesta matéria do pronunciamento decisório emitido por um tribunal arbitral voluntário, tendo presente a regra de equiparação executiva constante do artigo 48º, nº 2 do CPC, reside na possibilidade de existência de um juízo cassatório (julgamento do julgamento e não julgamento da decisão) mitigado, exclusivamente referido à observância de determinados elementos procedimentais. É este o sentido da acção de anulação prevista no artigo 27º e da possível extensão de fundamentos desta à dedução de oposição à execução»
Não desconhecem os Recorrentes, na medida em que estão devidamente patrocinados, que as decisões dos tribunais arbitrais são exequíveis nos mesmos termos em que o são as decisões dos tribunais comuns ( artº 48º, nº 2 do CPC) e, como tal, apenas os fundamentos previstos no artº 814º do CPC podem servir de suporte às execuções baseadas em sentença, acrescendo, no que às sentenças arbitrais concerne, os fundamentos em que pode basear-se a anulação judicial da mesmas decisões, de harmonia com o artº 815º do referido diploma legal.
Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação dos recorrentes, desde a 1ª até à 16ª.
No que concerne à 17ª não se descortina em que é que se baseiam os Recorrentes ao alegarem que nada obsta a que peçam a anulação da sentença arbitral ao abrigo do artº 814º, als. g) e d) do CPC
Na verdade, a alínea g) reporta-se a factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda desde que posteriores ao encerramento da discussão no processo declarativo, o que não vem alegado nem provado.
A alínea d) do artº 814º refere-se à falta ou nulidade da citação na acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo, o que não aconteceu, pois como consta expressamente da sentença arbitral, cuja cópia foi junta aos autos, que «os RR foram regularmente citados, com a cominação de que a falta da contestação importa a confissão dos factos articulados pela A.» tendo-se constatado que «apenas o R. BB limitou-se a apresentar o documento constante de fls. 41 a 43 ...».
Improcede assim, também, a conclusão 17ª e todas as demais conclusões mostram-se prejudicadas pelo quanto exposto se deixou.
Em síntese, outro não pode ser o desfecho do presente recurso que não a total improcedência do mesmo.
DECISÃO
Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista.
Vencidos, os Recorrentes suportarão as Custas.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Fevereiro de 2010

Álvaro Rodrigues (Relator)
Santos Bernardino
Bettencourt de Faria
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(1) Está em causa o requerimento certificado a fls. 124/126 destes autos.
(2) Está em causa a Sentença arbitral certificada a fls. 55/65 e o documento certificado a fls. 66.)
(3) Refere-se ao processo arbitral.
(4) Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 567..