Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
30031-A/1979.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: DIVISÃO DE COISA COMUM
COMPROPRIEDADE
QUOTA IDEAL
QUOTA INDIVISA
POSSE
INVERSÃO DE TÍTULO
DIVISIBILIDADE
TERRENO
FRACCIONAMENTO DA PROPRIEDADE RÚSTICA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS
Doutrina: - Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1967, 246 e nota (417).
- Manuel Rodrigues, A Compropriedade no Direito Civil, RLJ, Ano 58º, 17 e ss;
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, T2, 2000, 157 e 158.
- Mota Pinto, Direitos Reais, 1970/1971, 256 a 259; e, Compropriedade, RDES, 21º, 96.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, revista e actualizada, 1987, 30, 259, 262 e 263.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 204.º, Nº2, 209.º, 342.º, Nº2, 1260.º, Nº2, 1265.º, 1287.º, 1296.º, 1376.º, 1377.º, ALÍNEAS A) E C), 1403.º, Nº1, 1406.º, Nº2, 1412.º, 1413.º, Nº1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 1052.º, Nº1.
CÓDIGO DO IMPOSTO MUNICIPAL DE IMÓVEIS: - ARTIGOS 3.º, Nº1, 4.º, 6.º, NºS 2 E 3.
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL: - ARTIGOS 28.º, 79.º, Nº1.
PORTARIA Nº 202/70, DE 21 DE ABRIL.
REGULAMENTO DO PLANO DIRECTOR MUNICIPAL DE LOURES: - ARTIGO 79.º, Nº6.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 7-5-1985, BMJ Nº 347, 384 A 390;
-DE 11-6-1987, BMJ Nº 368, 522 A 527;
-DE 31-1-2007, Pº Nº 06A4199, WWW.DGSI.PT ;
-DE 29-10-2009, Pº Nº 151/2001.S1, WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I - Incidindo o direito de cada comproprietário à sua quota ideal em relação ao objecto da compropriedade sobre a totalidade do imóvel, e não sobre parte específica deste, o uso da coisa comum por um deles não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior ao âmbito do seu quinhão, salvo se tiver havido inversão do título.
II - Sendo o comproprietário possuidor em nome alheio, relativamente à parte da coisa que excede a sua quota, não pode adquirir, por usucapião, sem inverter o título de posse, que tem subjacente a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse, em nome próprio.
III - A inversão por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía impõe que o primeiro torne, directamente, conhecida da pessoa em cujo nome possuía, a sua intenção de actuar como titular do direito, sendo uma oposição categórica, traduzida em actos positivos, materiais ou jurídicos, mas inequívocos, como se verifica se aquele murou a parcela de terreno de 1/6 do prédio objecto da acção de divisão de coisa comum.
IV - O juízo acerca da divisibilidade da coisa comum deve reportar-se ao momento e estado em que a mesma se encontrava quando a divisão é requerida, atendendo-se ao que o prédio é e não ao que poderá vir a ser.
V - A limitação relativa ao fraccionamento dos prédios rústicos diz respeito, apenas, aos terrenos aptos para cultura, isto é, aqueles que são próprios para fins agrícolas, florestais ou pecuários, sendo já possível a divisão de qualquer terreno, desde que a parcela fraccionada de destine a algum fim que não seja a cultura.
VI - Ainda que o terreno, no momento do fraccionamento, tenha por fim a cultura agrícola, se o seu destino posterior passar a ser outro, cessa a proibição da sua divisão.
VII - Encontrando-se o terreno afecto a qualquer construção, destina-se a um fim que não é a cultura agrícola e, portanto, trata-se de um terreno para construção que justifica o fraccionamento.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

AA e esposa, BB, propuseram a presente acção especial de divisão de coisa comum contra CC e marido, DD, pedindo que, na sua procedência, se ponha termo à compropriedade, efectuando-se a adjudicação ou a venda do imóvel, alegando, para o efeito, e, em resumo, que, por partilha deferida em inventário, por óbito de EE, os autores adquiriram 1/3 do prédio rústico, denominado “L................ ou B............... e, posteriormente, por compra, adquiriram, sucessivamente, mais 1/3 e 1/6 do mesmo prédio, sendo, actualmente, comproprietários de 5/6 deste prédio, pertencendo o restante 1/6, também, em regime de compropriedade, aos requeridos.
Porém, os autores não pretendem continuar a permanecer em compropriedade com os requeridos, mas não foi possível pôr termo à mesma situação, pela via extrajudicial, sendo certo que o prédio não é divisível em substância, em virtude de o fraccionamento não ser, legalmente, permitido.
Por morte do requerido DD, foram habilitados como seus herdeiros a requerida CC e ainda FF, GG e HH.
E, por morte do autor AA, foram habilitados como seus herdeiros a primitiva autora BB e ainda II e JJ.
Na contestação, a requerida CC concluiu pela improcedência do pedido formulado pelos autores, alegando, para tanto, e, em síntese, que, em 1979, adquiriu, juntamente com o falecido marido, 1/6 do prédio em referência, tendo, desde então, entrado na posse e fruição de parte determinada deste prédio, correspondente ao referido 1/6 que, em 1980, muraram, vindo a construção a ser licenciada, por alvará emitido em 1987.
Ao entrar na posse da referida parcela e ao murá-la, a requerida e o seu falecido marido fizeram-no, em nome próprio, tendo, desde essa data, mantido essa posse, pública e pacífica, e havendo adquirido, deste modo, o direito de propriedade sobre a mesma, por usucapião.
Ainda que assim se não entendesse, não seria de aplicar a proibição do fraccionamento, constante do disposto no artigo 1376º, do Código Civil, porquanto o prédio em causa não deve ser classificado como rústico, mas sim como urbano.
A sentença julgou “improcedente a excepção peremptória invocada e procedente a acção concluindo serem a A. e os habilitados no lugar do primitivo A. juntamente com a R. e os habilitados no lugar do primitivo R. comproprietários do prédio rústico objecto dos autos e ainda pela indivisibilidade material do mesmo prédio”.
Desta sentença, os requeridos interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação, confirmando a decisão impugnada.
Deste acórdão da Relação de Lisboa, os requeridos interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:
1ª - O acórdão da Relação de Lisboa radica numa má interpretação e aplicação dos artigos 1265°, 1377° e 1406° do Código Civil, razão pela qual entende ser a presente revista admissível.
2ª - Os Venerandos Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, partindo do disposto no artigo 1406° do Código Civil (doravante "CC"), concluem peremptoriamente que, podendo qualquer um dos comproprietários servir-se do bem, o seu uso exclusivo não é suficiente para inverter o título da posse, o que determina que interpretou incorrectamente o dito preceito.
3ª – Ficou provado que a requerida/recorrente construiu um muro divisório que não apenas delimitava a sua esfera de actuação como a esfera dos restantes comproprietários, impedindo-os, deste modo, de se servirem da parcela murada.
4ª - O comportamento da requerida/recorrente delimitou de forma directa e objectiva a esfera de actuação de todos comproprietários da coisa.
5ª - O conceito de posse exclusiva previsto no artigo 1406º do CC que derive exclusividade de uma imposição táctica determina a inversão do título da posse previsto no artigo 1265° do CC.
6ª - Nem o conceito de posse nem muito menos o conceito de inversão do título da posse dependem para o seu preenchimento de uma interpelação dos interessados. É suficiente a prática de actos materiais positivos publicamente cognoscíveis.
7ª - A requerida/recorrente construiu um muro de modo a impedir a utilização por parte dos outros comproprietários de uma parcela determinada. Ou seja, a área correspondente a 1/6 do prédio rústico dos autos, cuja usucapião se invoca, está delimitada por um muro e cultivada com produtos agrícolas em toda a sua extensão, pelo que a sua actuação não pode ser definida de outro modo que não como acto positivo e público cognoscível dos interessados.
8ª - Deve considerar-se que se verificou nos presentes autos a inversão do título, nos termos do artigo 1265° do CC.
9ª - Dito isto, nada impede, pelo contrário, a aplicação do instituto da usucapião a situações de compropriedade.
10ª - A inversão do título da posse não depende do reconhecimento por parte do proprietário do surgimento de um novo direito na esfera jurídica do detentor mas apenas que o detentor, neste caso o comproprietário, se comporte como único proprietário de parcela identificada, sendo este comportamento cognoscível pelos interessados.
11ª - Com a construção do muro delimitativo, a requerida inverteu o título da posse, passando a actuar como única proprietária de uma parcela concreta e identificada da propriedade.
12ª - O prazo para usucapião deverá começar a ser contado, pelo menos, desde o dia 31 de Outubro de 1987 em diante.
13ª - A requerida/recorrente está inegavelmente de boa fé, no que concerne ao exercício da posse da parcela de 1/6.
14ª - Por aplicação do regime acima descrito facilmente se conclui que a aquisição do direito de propriedade, a título individual, ocorre em inícios de Novembro de 2002.
15ª - Em face do exposto, deve concluir-se pela aquisição por usucapião da parcela de 1/6 do prédio dos autos.
16ª - Demonstrado que está o prazo necessário para a usucapião nada obsta, independentemente de legalmente a coisa poder ou não ser dividida, à sua efectiva divisão.
17ª - Concluindo-se pela aquisição por usucapião da fracção de 1/6, deixa de ser relevante o disposto nos artigos 1376° e 1377º do CC.
18ª - O prédio é divisível, no que respeita aos requisitos previstos no artigo 209° do Código Civil.
19ª - O terreno em análise está apto para cultura, porquanto, segundo o relatório pericial de Maio de 2008, está classificado como área florestal e silvo-pastoril, em que, de acordo, com o artigo 79°, n° 1 do Regulamento do PDM de Loures, o uso dominante é o florestal ou silvo-pastoril.
20ª - Trata-se de um tipo de terreno que acolhe outras utilizações, conforme decorre do n° 6 do artigo 79°, n° 1 do Regulamento do PDM de Loures, ao contrário das áreas agrícolas que não admitem construções (vd. artigo 80° do mesmo diploma), situação essa que foi manifestamente esquecida pelo Tribunal a quo.
21ª - O terreno dos autos é igualmente apto a receber construções, uma vez que o terreno está igualmente inserido num aglomerado urbano, pelo que o seu destino não tem que se reconduzir necessariamente à agricultura.
22ª - Resulta do artigo 1377° do Código Civil que a proibição do fraccionamento não é aplicável se o terreno constituir uma componente de um prédio urbano.
23ª - A parcela correspondente a 1/6 do terreno dos autos delimitada com um muro pelos recorrentes é contígua a um outro prédio no qual os recorrentes têm uma habitação, conforme também decorre da transcrição.
24ª - A proibição não é aplicável nos presentes autos, uma vez que o terreno é presentemente o logradouro de um outro prédio, pelo que apenas se pode concluir que o mesmo é divisível.
25ª - Se o terreno em causa vier a ser utilizado com outro fim que não tenha propriamente a ver com a cultura agrícola (cfr. al. a) do artigo 1377° do Código Civil), a proibição do fraccionamento não é igualmente admissível. O mesmo sucede se se pretender erguer alguma construção.
26ª - Resulta dos factos provados que foi erguido um muro que, segundo a opinião do Eng. KK, perito nos presentes autos, "origina dois prédios autónomos e distintos", pelo que pode concluir-se que a construção do muro no terreno em crise se subsume no disposto na al. c) do artigo 1377° do Código Civil, desta forma afastando a proibição do fraccionamento e, consequentemente, admitindo que o terreno dos autos é divisível.
27ª - O facto de o muro já estar construído não pode afastar a aplicabilidade do artigo 1377° do Código Civil. Com efeito, se não é pelo facto de ainda não se ter erguido a construção e o terreno continuar a ser apto para a cultura que se pode impedir o fraccionamento, muito menos será quando a construção já estiver terminada.
28ª - A construção do muro visa exactamente outro fim, designadamente delimitar uma parcela, de modo a que esta funcione como logradouro de um outro prédio pertencente aos recorrentes.
29ª - Atendendo a esta ideia que agora se explorou e o facto de, como se viu, o Regulamento do PDM de Loures permitir que o terreno possa ter uma outra utilização que vai para além da cultura agrícola, apenas podemos concluir que estão reunidos os pressupostos para que não se aplique a proibição do fraccionamento nos termos das alíneas a) e c) do artigo 1377° do Código Civil e, deste modo, se determine que o prédio rústico em crise é, em termos jurídicos, divisível.
30ª - Se foi pedida uma licença de construção e essa licença de construção foi emitida, é porque o seu requerente quer construir necessariamente alguma coisa no terreno em causa e, nessa medida, verifica-se que o terreno tem (ou pode ter) outros fins que não necessariamente agrícolas.
31ª - Deveria o Tribunal a quo ter considerado que o prédio em questão se trata de um terreno apto para construção, preenchendo assim o disposto nas alíneas a) e c) do artigo 1377° do Código Civil.
32ª - Pedida que foi a licença de construção, anos antes da presente acção começar, apenas se vislumbra um propósito com tal pedido, o de construir, legalmente. O facto de não se ter iniciado construção alguma, deveu-se, como é, aliás, do conhecimento do Tribunal a quo, ao facto de existir a presente acção a decorrer, por via da qual pretendem os recorridos despejar a recorrente, a fim de que possam erguer uma construção na totalidade do prédio rústico em crise, incluindo o 1/6 da recorrente.
33ª - O terreno em juízo deve ser considerado divisível por valorização diversa dos factos e do Direito que o Tribunal a quo fez.
34ª - O muro reconduziu-se a uma construção que visou a desintegração de terrenos, com o fim de delimitar duas áreas distintas de um mesmo terreno, designadamente a parcela de 1/6 da parcela de 5/6.
35ª - O Tribunal a quo interpretou e aplicou incorrectamente o disposto no artigo 1377° do CC.
36ª - Deve o Tribunal ad quem revogar o acórdão e julgar procedente a contestação apresentada pela recorrente, no sentido de se considerar que o prédio é divisível, nos termos dos artigos 209° e 1377° do Código Civil.
Os autores não apresentaram contra-alegações.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe, porém, um novo facto, com o nº 10, atento o preceituado pelos artigos 369º, nº 1, 371º, nº 1, do Código Civil (CC), 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC:
1. Por partilha, judicialmente homologada, em inventário por óbito de EE, autuado sob o nº 31/79, e que correu termos na 1ª secção, do 3º Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca Loures, de que os presentes autos são apenso, os aqui primitivos requerentes adquiriram 1/3 do prédio rústico, denominado “L................ ou B............... com a área de 2.966m2, composto de matos, e confrontando a Norte com LL, a Sul com Severino Duarte, a Nascente com MM e de Poente com caminho, prédio este descrito, sob a ficha nº 1688, da 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures, e inscrito na competente matriz predial, sob o artigo 53º, Secção A da freguesia de Lousa, aquisição essa registada a seu favor, mediante a inscrição G4 – Ap. 00000000.
2. Em virtude da supra referida partilha, os ora primitivos requeridos adquiriram, igualmente, 1/3 do identificado prédio, aquisição essa registada, a seu favor, mediante a inscrição G3 – Ap. 0000000000.
3. Tendo o restante 1/3 sido, pela mesma via, adquirido por NN, casada com OO, aquisição essa registada, a seu favor, mediante a inscrição G2 – Ap. 00000000.
4. Posteriormente, por compra, os primitivos requerentes adquiriram a NN e OO o 1/3 do prédio rústico, aquisição essa registada, a seu favor, mediante a inscrição G5 – Ap. 0000000.
5. Por último, adquiriam outro 1/6 aos aqui primitivos requeridos, aquisição essa registada, a seu favor, mediante a inscrição G6 – Ap. 00000000.
6. Os requeridos muraram uma parcela de terreno concreta do prédio supra referido, estando tal construção licenciada, pela Câmara Municipal de Loures, através do alvará de licença nº 621, emitido em 30 de Setembro de 1987.
7. Os requeridos cultivam a parcela de terreno que muraram.
8. Em 2 de Dezembro de 2003, a Câmara Municipal de Loures emitiu o alvará de licença de construção nº 0000000, relativo ao Proc. Nº 39.915/OCP/N, válido até 3 de Setembro de 2004, licenciando a construção de um imóvel no prédio em causa nos autos.
9. O prédio em causa nos autos situa-se num aglomerado urbano.
10. A presente acção deu entrada em juízo, no dia 20 de Fevereiro de 2003 – Documento de folhas 2.

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão da aquisição da fracção dos requeridos, por usucapião.
II – A questão da divisibilidade da fracção dos requeridos.

I. DA AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO DA FRACÇÃO

Defendem os requeridos que deve concluir-se pela aquisição, por usucapião, a seu favor, da parcela de 1/6 do prédio dos autos.
A acção de divisão de coisa comum constitui uma forma de extinção especial da compropriedade, ou de cessação da comunhão, uma vez que o seu objecto pode ser indivisível (1), porquanto nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa, atento o estipulado pelos artigos 1412º e 1413º, nº 1, do CC.
E a propriedade em comum, ou compropriedade existe, quando duas ou mais pessoas são, simultaneamente, titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, conforme dispõe o artigo 1403º, nº 1, do CC, sendo certo que cada um dos proprietários tem direito a uma quota ideal ou intelectual do objecto da compropriedade (2).
Mas, como o direito de cada comproprietário à aludida quota ideal ou intelectual do objecto da compropriedade incide sobre a totalidade do imóvel, e não sobre uma parte específica deste, de acordo com a construção jurídica tradicional que melhor define a sua natureza (3), e que o legislador consagrou, o uso da coisa comum, por um dos comproprietários, não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior ao âmbito do seu quinhão, nos termos do disposto pelo artigo 1406º,nº 2, salvo se tiver havido inversão do título, em conformidade com o estipulado pelo artigo 1265º, ambos do CC.

Efectivamente, o estado de facto criado pela divisão amigável efectuada pelos comproprietários, isto é, sem ter sido precedida de escritura ou auto público, pode converter-se em estado de direito, através do instituto da usucapião, se cada um dos comproprietários tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que ficou a pertencer-lhe na divisão e tal posse se revestir dos requisitos legais, sendo certo que, por ser possuidor em nome alheio, relativamente à parte da coisa que excede a sua quota, não pode adquirir, por usucapião, sem inverter o título de posse.
Por seu turno, a inversão do título da posse pode dar-se, de acordo com o preceituado pelo artigo 1265º, do CC, “por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse”.
Na verdade, a inversão do título da posse tem subjacente a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio, e destina-se a substituir uma situação sem relevo jurídico especial por uma posse com todos os seus requisitos e com todas as suas consequências legais.
Ora, para que a inversão por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía aconteça, importa que o detentor torne, directamente, conhecida da pessoa em cujo nome possuía, quer judicial, quer extra-judicialmente, a sua intenção de actuar como titular do direito (4), sendo uma oposição categórica, traduzida em actos positivos, materiais ou jurídicos, mas inequívocos, reveladores de que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrem, e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os actos se opõem (5).
Retornando à factualidade relevante que ficou demonstrada, com vista à sua subsunção ao Direito aplicável, importa reter que, em consequência de partilha judicial, os primitivos requerentes adquiriram 1/3 do prédio rústico, denominado “L................ ou B............... cuja aquisição registaram, a seu favor, enquanto que os primitivos requeridos adquiriram, igualmente, 1/3 do identificado prédio, aquisição essa, igualmente, registada a seu favor.
Por seu turno, os primitivos requerentes adquiriram o restante 1/3 do prédio, por compra a NN e OO, que registaram, a seu favor.
Finalmente, os mesmos primitivos requerentes adquiriam ainda 1/6 da terça parte dos primitivos requeridos, aquisição essa que, também, registaram a seu favor.
A isto acresce que os requeridos muraram uma parcela de terreno concreta do prédio, correspondente a 1/6 do mesmo, estando tal construção licenciada, pela Câmara Municipal de Loures, através do alvará de licença nº 621, emitido em 30 de Setembro de 1987, cultivando a parcela de terreno murada, e, em 2 de Dezembro de 2003, aquele Município emitiu o alvará de licença de construção nº 00000000, válido até 3 de Setembro de 2004, autorizando a construção de um imóvel, no prédio em causa, situado em aglomerado urbano.
Assim sendo, ao murarem a referida parcela de terreno de 1/6 do prédio, os requeridos exteriorizaram, perante os autores, a sua intenção de se comportarem como titulares do correspondente direito, de modo a considerar-se verificada a inversão do seu título de posse precária, nos termos do disposto pelo artigo 1265º, do CC.
Porém, a posse, originariamente, precária continua, indefinidamente, e, em princípio, com a mesma natureza, enquanto não houver inversão do título de posse, iniciando-se, então, a posse em nome próprio que, sendo portadora dos demais requisitos legais, é susceptível de viabilizar a aquisição do direito correspondente, pela via da usucapião, consagrada pelo artigo 1287º, do CC.
De todo o modo, a usucapião apenas começa a correr, a partir da inversão do título, o que só tem, evidentemente, interesse, no caso em apreço, para a hipótese da usucapião regulada pelo artigo 1296º, do CC, em que existe falta de registo do título e da mera posse, devendo ainda a posse ser pacífica, não tendo sido obtida com coacção física ou moral, exercida, publicamente, por forma a ser conhecida pelos interessados, e de boa fé, por se ignorar, ao adquiri-la, que se esteja a lesar o direito de outrem, atento o preceituado pelos artigos 1260º, nº s 1 e 2, 1261º, nºs 1 e 2 e 1262º, todos do CC.
E, presumindo-se a má fé na posse não titulada, sem que os requeridos tenham ilidido essa presunção, a aludida posse deve ser qualificada de má-fé, com base no estipulado pelos artigos 1260º, nº 2 e 342º, nº 2, do CC.
Assim sendo, tratando-se de posse não titulada e de má fé, a usucapião só poderia ter lugar, ao fim de vinte anos contínuos, após o seu início, atento o disposto pelo artigo 1296º, do CC.
Ora, tendo a posse dos primitivos requeridos, após a inversão do título, começado nunca antes de 30 de Setembro de 1987, data da emissão da licença de construção do muro divisório da parcela, embora não se tivesse demonstrado o momento da sua construção, e tendo a presente acção sido proposta, em 20 de Fevereiro de 2003, haviam apenas decorrido quinze anos sobre aquela data, prazo insusceptível de, nas circunstâncias do caso concreto, gerar a posse boa para a usucapião.
Deste modo, não se demonstrou ter ocorrido o decurso do prazo bastante para a usucapião da parcela de 1/6 do prédio que os primitivos requeridos ocupavam, em consequência de uma divisão material ou de facto nula, além do mais por não ter sido precedida de redução a escritura pública, que servisse como causa de cessação da compropriedade, e como tal determinante de um obstáculo legal originário ao prosseguimento da acção de divisão de coisa comum com vista à fase executiva.

II. DA DIVISIBILIDADE DA FRACÇÃO

Porém, existindo a compropriedade e, portanto, fundamento legal para a acção de divisão de coisa comum, será indivisível o seu objecto, como sustentam os autores, o que, no âmbito da acção, determinaria, então, a cessação da comunhão, não pela sua divisão em substância, mas antes pela adjudicação ou venda da coisa comum.
Efectivamente, estipula o artigo 1052º, nº 1, do CPC, que “todo aquele que pretenda por termo à indivisão de coisa comum requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou a adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.
Sustentam os requeridos a natureza divisível do prédio, por estar classificado como área florestal e silvo-pastoril, e se encontrar, igualmente, apto a receber construções, uma vez que o terreno está, também, inserido num aglomerado urbano, não tendo, assim, o seu destino que se reconduzir, necessariamente, à agricultura.
Diversamente, os autores e as instâncias entendem que o prédio objecto da presente acção tem natureza rústica, sendo, materialmente, indivisível.
Diga-se, desde já, que a divisibilidade prevista pelo artigo 1052º, nº 1, do CPC, é aquela que permite inteirar em espécie todos os interessados, sem que tal importe o pagamento de tornas.
Dispõe o artigo 209º, do CC, que “são divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam”.
Estas três circunstâncias convocadas pelo normativo transcrito, ou seja, a não alteração da substância, a não diminuição do valor e a não existência de prejuízo para o uso a que a coisa se destina, desde que verificadas, cumulativamente, permitem qualificar a coisa como divisível, mas, ao invés, a falta de qualquer delas significa a sua indivisibiliadade.
Para além deste critério, predominantemente, jurídico, e não naturalístico ou físico-material, existe ainda a indivisibilidade resultante de convenção e a indivisibilidade determinada por lei, como acontece, na hipótese do artigo 1376º, do CC, que agora imposta considerar.
Porém, o juízo acerca da divisibilidade da coisa comum deve reportar-se ao momento e estado em que a mesma se encontra quando a divisão é requerida, atendendo-se ao que o prédio é e não ao que poderá vir a ser(6).
Por seu turno, preceitua o artigo 204º, nº 2, do CC, que, “entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”.
De acordo com a teoria da afectação económica, que está subjacente ao antecedente normativo legal, o prédio rústico é, assim, o terreno, ainda que com construções, desde que desprovidas de autonomia económica, e o prédio urbano um edifício com o logradouro, sendo indiferente o tipo de inscrição matricial, dada a especificidade dos critérios fiscais, bem como o tipo de descrição predial.
Por outro lado, o prédio rústico poderá ter uma afectação agrícola, isto é, tratar-se de terreno de regadio, arvense ou hortícola, ou de terreno de sequeiro (7), sendo certo que as construções que nele, eventualmente, existam não prejudicam essa qualificação global, desde que não tenham autonomia económica (8), servindo a agricultura.
E o prédio pode continuar ainda a ser rústico, mesmo que seja estéril, esteja abandonado ou se destine, simplesmente, à construção, aguardando ou não as competentes licenças (9).
Estipula o artigo 3º, nº 1, do Código do Imposto Municipal de Imóveis (10), que tem subjacente o critério fiscal, que adopta o conceito funcional de distinção entre prédio urbano e prédio rústico, que são prédios rústicos “os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do nº 3 do artigo 6º, desde que estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) [a]; ou, não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor [b].
Efectivamente, no âmbito da classificação dos prédios urbanos, contam-se, nomeadamente, atento o já citado artigo 6º, nº 3, do Código do Imposto Municipal de Imóveis, os terrenos para construção, como tal se considerando “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo…”.
Mas, são, também, prédios rústicos, segundo consta do correspondente nº 2, “os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação”.
Por seu turno, o artigo 4º, do Código do Imposto Municipal de Imóveis, diz que “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”, que se reporta aos prédios mistos que, para o efeito, não releva analisar.
Finalmente, a descrição predial tem por fim, em conformidade com o preceituado pelo artigo 79º, nº 1, do Código do Registo Predial, “…a identificação física, económica e fiscal dos prédios”.
Assim sendo o Registo Predial deve exprimir a natureza rústica ou urbana do prédio, sendo, por isso, contraditório com os seus objectivos e com os princípios básicos que justificam a sua existência, que um prédio rústico seja publicitado como urbano ou um prédio urbano publicitado como rústico.
Deste modo, o Registo Predial faz uma aproximação ao conceito fiscal, tendendo a consagrar a natureza urbana ou rústica dos prédios, em função do aludido critério, porquanto aquele artigo 79º, nº 1, do Código do Registo Predial, aponta como fim da descrição predial “…a identificação física, económica e fiscal dos prédios”, enquanto que o artigo 28º, deste mesmo diploma legal, consagra o princípio da harmonização quanto à localização, à área e ao artigo da matriz, entre a descrição e a inscrição matricial ou o pedido de rectificação ou alteração desta.
Revertendo à matéria de facto que ficou consagrada, importa considerar, neste particular, que o prédio objecto da presente acção é um prédio rústico, denominado “L................ ou B............... como consta, sucessivamente, das inscrições prediais da sua aquisição, registadas em 17 de Fevereiro de 1998, 21 de Janeiro e 13 de Julho de 1999.
Por outro lado, os requeridos muraram uma parcela de terreno concreta do mesmo prédio, que cultivam, e que se situava num aglomerado urbano, sendo certo que, em 2 de Dezembro de 2003, a Câmara Municipal de Loures emitiu um alvará, válido até 3 de Setembro de 2004, licenciando a construção de um imóvel no prédio em causa.
Esta factualidade, com especial destaque par a ausência de construções, localização em aglomerado urbano, destino ao cultivo agrícola e licença de construção, cujo prazo de validade foi, largamente, excedido, de acordo com os critérios classificativos respeitantes à delimitação das fronteiras entre prédios rústicos e urbanos, permite catalogar o prédio em apreço como um prédio rústico, particularmente, com base no critério civilista da afectação económica da sua identificação fiscal, não obstante o critério fiscal, de natureza funcional, revestir fortes características da mesma natureza rústica.
E, na verdade, o prédio em análise encontra-se inserido, em área classificada como “Espaços Não Urbanizáveis – Florestais de Produção – Áreas Florestais e Silvo-Pastoris”, de acordo com o artigo 79º, nº 6 “(11)”., do Regulamento do Plano Director Municipal de Loures (12).
Assim sendo, tratando-se de um prédio rústico, importa, então, considerar a indivisibilidade resultante de imposição legal, a que se reporta o artigo 1376º, do CC.
Dispõe o artigo 1376º, nº 1, do CC, que “os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País;…”.
Ora, tendo o prédio objecto da presente acção a área de 2966 m2, portanto, largamente, inferior à unidade de cultura para os terrenos de natureza arvense em causa, que é de 2 hectares, atento o preceituado pela Portaria nº 202/70, de 21 de Abril, é insusceptível de divisão, em parcelas, por imperativo legal.
Com efeito, a limitação relativa ao fraccionamento dos prédios rústicos diz respeito, apenas, aos terrenos aptos para cultura, isto é, próprios para fins agrícolas, florestais ou pecuários (13).
Porém, sustentam os requeridos que se verificam duas excepções à proibição do fraccionamento do prédio, a que se reportam as alíneas a) e c), do artigo 1377º, do CC.
Preceitua o artigo 1377º, do CC, no que ao objecto da revista importa, que “a proibição do fraccionamento não é aplicável a terrenos que constituam partes componentes de prédios urbanos ou se destinem a algum fim que não seja a cultura [a] ou se o fraccionamento tiver por fim a desintegração de terrenos para construção ou rectificação de estremas [c].
Efectivamente, não ficou provado que o terreno em causa constitua parte componente de um prédio urbano ou que o fraccionamento tenha por fim a rectificação de estremas.
Resta, então, analisar, mais profundamente, se o mesmo se destina a algum fim que não seja a cultura ou se o fraccionamento tem por finalidade a desintegração de terrenos para construção.
Em atenção ao fim a que se destina, é possível a divisão de qualquer terreno, desde que a parcela fraccionada se destine a alguma finalidade que não seja a cultura.
Ainda que o terreno, no momento do fraccionamento, tenha por fim a cultura agrícola, se o seu destino posterior passar a ser outro, cessa a proibição da sua divisão.
E, sendo o terreno afecto a qualquer construção, destina-se a um fim que não é a cultura agrícola (14).
Descendo, de novo, à matéria de facto, ficou registado que os requeridos cultivam a parcela de terreno que muraram, que se situava num aglomerado urbano, tendo, em 2 de Dezembro de 2003, a Câmara Municipal de Loures emitido um alvará, válido até 3 de Setembro de 2004, licenciando a construção de um imóvel na parcela do prédio em causa.
Ora, ainda que tenha expirado o prazo de validade da licença de edificação, e as vicissitudes da presente acção podem para tal não ter sido indiferentes, é inequívoco que o terreno se destina agora a um fim diferente da cultura agrícola, ou seja, à construção civil, isto é, trata-se de um terreno para construção que justifica o fraccionamento.
Como assim, verificam-se as excepções à proibição do fraccionamento do prédio rústico objecto da acção, a que aludem as alíneas a), parte final, e c), primeira parte, do artigo 1377º, do CC, as quais, consequentemente, tornam viável a divisão do prédio.
Procedem, assim, apenas, em parte, as conclusões constantes das alegações da revista dos requeridos, devendo os autos prosseguir a sua tramitação com vista à extinção da compropriedade, considerando-se o prédio divisível em substância.

CONCLUSÕES:

I – Incidindo o direito de cada comproprietário à sua quota ideal em relação ao objecto da compropriedade sobre a totalidade do imóvel, e não sobre parte específica deste, o uso da coisa comum por um deles não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior ao âmbito do seu quinhão, salvo se tiver havido inversão do título.
II – Sendo o comproprietário possuidor em nome alheio, relativamente à parte da coisa que excede a sua quota, não pode adquirir, por usucapião, sem inverter o título de posse, que tem subjacente a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse, em nome próprio.
III - A inversão por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía impõe que o primeiro torne, directamente, conhecida da pessoa em cujo nome possuía, a sua intenção de actuar como titular do direito, sendo uma oposição categórica, traduzida em actos positivos, materiais ou jurídicos, mas inequívocos, como se verifica se aquele murou a parcela de terreno de 1/6 do prédio objecto da acção de divisão de coisa comum.
IV - O juízo acerca da divisibilidade da coisa comum deve reportar-se ao momento e estado em que a mesma se encontrava quando a divisão é requerida, atendendo-se ao que o prédio é e não ao que poderá vir a ser.
V - A limitação relativa ao fraccionamento dos prédios rústicos diz respeito, apenas, aos terrenos aptos para cultura, isto é, aqueles que são próprios para fins agrícolas, florestais ou pecuários, sendo já possível a divisão de qualquer terreno, desde que a parcela fraccionada de destine a algum fim que não seja a cultura.
VI - Ainda que o terreno, no momento do fraccionamento, tenha por fim a cultura agrícola, se o seu destino posterior passar a ser outro, cessa a proibição da sua divisão.
VII – Encontrando-se o terreno afecto a qualquer construção, destina-se a um fim que não é a cultura agrícola e, portanto, trata-se de um terreno para construção que justifica o fraccionamento.

DECISÃO

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em conceder, parcialmente, a revista dos requeridos e, consequentemente, revogam o acórdão recorrido, na parte em que considerou não se verificar a exclusão de proibição do fraccionamento do prédio objecto da acção, devendo os autos prosseguir a sua tramitação com vista à extinção da compropriedade, considerando-se o prédio divisível em substância, no mais confirmando o douto acórdão recorrido.

Custas, a cargo dos autores e dos requeridos, em igual proporção.

Notifique.

Lisboa, 7 de Abril de 2011
Helder Roque (Relator)
Gregório Silva Jesus
Martins de Sousa
__________________
(1) Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1967, 246 e nota (417).
(2) Mota Pinto, Compropriedade, RDES, 21º, 96.
(3) Manuel Rodrigues, A Compropriedade no Direito Civil, RLJ, Ano 58º, 17 e ss; Mota Pinto, Direitos Reais, 1970/1971, 256 a 259.
(4) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, revista e actualizada, 1987, 30.
(5) STJ, de 29-10-2009, Pº nº 151/2001.S1; e de 31-1-2007, Pº nº 06A4199, www.dgsi.pt
(6) Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, T2, 2000, 157 e 158.
(7) Portaria nº 202/70, de 21 de Abril.
(8) STJ, de 11-6-1987, BMJ nº 368, 522 a 527.
(9) STJ, de 7-5-1985, BMJ nº 347, 384 a 390.
(10) Aprovado pelo DL nº 287/2003, de 12 de Novembro.
(11) “Poderá ainda ser autorizada uma habitação em propriedades com área inferior a 5000m², desde que relativamente à área da propriedade não sejam excedidos os parâmetros urbanísticos da baixa densidade e a propriedade esteja localizada em zona integrada no conceito de aglomerado urbano nos termos do n.º 1, do artº 62.º de Decreto-Lei 794/76, de 5 de Novembro”.
(12) (11)I Série B de 14.Jul.1994, alterada pela publicação da Declaração nº 116/99 (2ª série) no D.R.nº 96, II Série de 24.Abr.1999, rectificada através da Declaração nº 168/99 (2ª série) publicada no D.R. nº 140, II Série de 18.Jun.1999, Resolução do Conselho de Ministros nº 43-A/99 publicada no D.R. nº 120, I Série B de 24.Mai.1999, Declaração nº 126/2000 (2ª série) publicada no D.R. nº 87, II Série de 12 de Abril de 2000, Resolução do Concelho de Ministros nº 149/2001 publicada no D.R. nº 233, I Série B de 8 de Outubro de 2001 e Declaração nº 55/2003 (2ª série) publicado no D.R. nº 35, II Série de 11 de Fevereiro de 2003.
(13) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, revista e actualizada, 1987, 259.
(14) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, revista e actualizada, 1987, 262 e 263.