Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | MELO LIMA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA ACÇÃO DECLARATIVA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE | ||
Data do Acordão: | 12/11/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / PRINCÍPIOS GERAIS. DIREITO FALIMENTAR - INSOLVÊNCIA / MASSA INSOLVENTE / EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA. | ||
Doutrina: | - ANSELMO DE CASTRO, ARTUR, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, Almedina. Coimbra, 1982, pp.252-253. - COLEÇÃO PLMJ –Sociedade de Advogados, RL, "CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS", ANOTADO, Coimbra Editora, Ano 2012, pp.183, 184. - EPIFÂNIO, MARIA DO ROSÁRIO , MANUAL DE DIREITO DA INSOLVÊNCIA – Almedina, 2013, 5ªEdição, pp. 159, 161. - GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, "CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA", VOL. I, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, pp. 338-339, 415. - LUÍS CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, QUID JURIS, Sociedade Editora, Lisboa, 2009, p. 364. - MENEZES LEITÃO, LUÍS MANUEL TELES , DIREITO DA INSOLVÊNCIA, 2013, 5ª EDIÇÃO, Almedina, p. 160. | ||
Legislação Nacional: | CIRE: - ARTIGO 47.º, 50.º, 81.º, 86.º, 88.º, 90.º, 128.º, 146.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 287.º, ALÍNEAS C),E). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 20.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 20.09.2011, P.2435/09TBMTS.P1.S1, DE 13.01.2011, P. 2209/06.4TBFUN-L1.S1 E DE 25.03.2010, P. 2532/05TTLSB.L1.S1. * ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA, DE 15/5/2013. -*- ACÓRDÃOS DOS TRIBUNAIS DA RELAÇÃO: - TRL 18.10.2006, P.6544/2006-4; TRL DE 27.11.2008, P.9836/2008-6; TRL 03.06.2009, P.2532/05.5TTLBS.L1-4; TRL DE 30.06.2010, P.424/06.0TTVFX.L1-A; TRL 15.02.2011, P.3857/09.6TBVFX.L1-7; TRL DE 16.03.2011.P. 884/09.7TTALM.L1-4; TRL DE 10.11.2011, P.15/08.0TVLSB.L1-8; TRP DE 27.10.2008, P.0852812; TRP 08.06.2009, P. 116/08.5TUMTS.P1; TRC DE 22.03.2011,P.216881/08.4YIPRT.C1. - TRL DE 30.06.2010, P.1814/08.9TTLSB.L1-4; TRP 17.12.2008, P. 0836085; TRP 22.09.2009, P. 413/08.0TBSTS-F.P1; TRP 02.03.2010, P. 6092/06.1TBVFR.P1; TRP 01.06.2010, P. 6516/07.0TBVNG.P1. - SUMÁRIO DO AC. DO TRL DE 15.02.2011, P. 1135/06.1TVLSB.L1. | ||
Sumário : | 1. Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C. 2. Com uma tal decisão não se mostram violados nem o princípio jusfundamental da igualdade nem o direito fundamental do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I AA intentou, em 2 de Dezembro de 2009, no Tribunal do Trabalho de Faro, ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum, contra Sociedade BB, Lda, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 86.155,41 (sendo € 68.935,49 referente a trabalho suplementar prestado e € 17.219,92 referente a danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da resolução do contrato de trabalho) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Alegou, em síntese, que tendo sido admitido ao serviço da Ré em 15 de Janeiro de 2001, esta, no desenvolvimento da atividade laboral, não lhe pagou trabalho suplementar que prestou, razão por que, em 19 de Dezembro de 2008, resolveu o contrato de trabalho com invocação de justa causa. A Ré contestou, excecionando e impugnando, pedindo, a final, a condenação do A. no pagamento de € 4.304,98 a título de indemnização por falta de aviso prévio na cessação do contrato. Prosseguida a instância após a prolação do saneador, em 3 de Agosto de 2012, antes da audiência de discussão e julgamento, a Ré apresentou requerimento no qual, de par com a declaração de que, por sentença transitada em julgado, tinha sido declarada insolvente, requeria a declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Opôs-se o A. Porém, por decisão de 4 de Outubro de 2012, o Tribunal julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Inconformado, interpôs o A. recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora. Aqui, por Acórdão da respetiva Secção Social, proferido em 07 de fevereiro de 2013, foi, sem voto de vencido, negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida. Em face desta dupla conforme, o A., sob a justificação de que interpôs, nos termos do disposto nos artigos 80º e 81º nº5 do Código de Processo do Trabalho (na redação anterior à conferida pelo DL nº 295/2009 de 13 de Outubro) e artigo 721º-A nº1 al. c) do Código de Processo Civil, recurso de Revista Excecional para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando a respetiva motivação com as seguintes conclusões:
Por acórdão de 5 de Junho de 2013, os Juízes que, na Secção Social, integram a formação prevista no n.º3 do art. 721.°-A do C.P.C., deliberaram, em Conferência, admitir a revista excecional, dando por preenchido o requisito da contradição de acórdãos exigido na alínea c) do n° 1 do artigo 721°-A do C.P.C. * A questão decidenda reconduz-se a saber, nos exatos termos referidos pela Recorrente, «se a instância declarativa laboral de reconhecimento de créditos pode ser extinta por inutilidade provocada pela superveniência da declaração de insolvência da (ali) ré.» II A delimitação do quadro fáctico. 1. Definindo o quadro fáctico-processual fundamentador da decisão jurídica proferida, referiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sob recurso: 2. O Recorrente refere, todavia, que «da decisão da primeira instância e dos autos, é possível extrair outos factos de relevo para a apreciação da situação, que o acórdão recorrido pura e simplesmente ignorou e omitiu» 3. Independentemente da controvérsia que ressuma do item precedente quanto da sua relativa falta de fundamento – na verdade, o Recorrente olvida o proémio em que o Tribunal da Relação destaca a matéria a atender daquela «que consta do relatório supra», que «dá por reproduzida» – importará, de todo o modo, definir os factos processualmente adquiridos, relevantes para o conhecimento da questão sob apreço, à luz das diferentes soluções plausíveis de direito, solução jurídica sustentada pelo recorrente incluída. 4. Definindo-os: III Conhecendo.
A questão a resolver é, como se deixa referido, saber da conformidade jusprocessual da decisão em que, quer na 1ª instância quer em sede de recurso, pelo Tribunal da Relação de Évora, se deliberou a extinção da instância da ação declarativa intentada pelo ora recorrente contra Sociedade BB, Lda., por inutilidade superveniente da lide, em face da declaração de insolvência da R., com trânsito em julgado.
1. Se bem se interpreta, naquela primeira decisão, no apelo conjugado às normas ínsitas nos artigos 1º, 47º, 88º nº1, 90º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas [CIRE], são relevantes os seguintes passos da motivação jurídica que lhe subjaz: 2. Dissentiu o A. e, no recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Évora, intentou a revogação daquela decisão, justificando e concluindo do deguinte modo: ([1]) a) O processo estava pendente à data da declaração da insolvência da Ré; 3. O Tribunal da Relação, como se deixou referido, não reconheceu a pretensão do Recorrente, antes confirmou o decidido na Instância recorrida. Base estruturante da decisão assim proferida, se bem se interpreta, a matriz de execução universal da insolvência, na decorrência do art. 1º do CIRE:
Não descurou aquele tribunal a questão suscitada a respeito de o Administrador de Insolvência não ter reconhecido o crédito com fundamento em o mesmo estar a ser discutido nos autos, facto a partir do qual o Recorrente retirava a ilação de que não lhe incumbia o ónus de impugnar a lista de créditos reconhecidos:
Remata aquele Tribunal a sua argumentação retomando a sobredita matriz de execução universal da insolvência, retirando do Ac. do TRLx de 30-06-2010 (Proc. n.º 424/06.0TTVFX.L1-4) o seguinte excerto: 4. Conhecida a posição argumentativa assumida pelo recorrente no presente recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça – posição espelhada nas conclusões acima transcritas – é tempo de dizer, hic et nunc, qual a solução a tomar no presente litígio.
Repetindo, embora, a questão objecto de recurso centra-se em saber se declarada a insolvência da aqui Ré, deve, nos presentes autos, ser declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Não falta quem refira que a questão desenhada, em face da significativa divergência jurisprudencial, devia ter merecido especial atenção da parte do legislador na reforma operada com a Lei nº16/2012 de 20 de abril, clarificando aí, nomeadamente, qual a consequência da declaração de insolvência e/ou dos ulteriores tramites do processo de insolvência nas ações judiciais instauradas contra o devedor insolvente, com objeto patrimonial, e cuja apensação ao processo de insolvência não seja concretizada. ([2]) De facto, tem-se revelado notória a divergência jurisprudencial com referência à questão sob apreço, nomeadamente ao nível das Relações. Divergência que se desenvolve basicamente sob as seguintes vertentes: i. Seja no sentido de que uma vez declarada a insolvência de uma entidade, com trânsito em julgado, e não sendo junta a ação declarativa ao processo em que decretada a insolvência, sobre a ação declarativa deverá incidir decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide ([3]); ii. Seja no sentido de que a declaração de insolvência não determina, só por si, a inutilidade das ações declarativas que têm como objeto o reconhecimento judicial de um crédito sobre a insolvente, apenas ocorrendo tal inutilidade a partir do momento em que, no processo de insolvência, seja proferida sentença de verificação de créditos ([4]); iii. Seja no sentido de que a declaração de insolvência não determina, sem mais, a inutilidade das ações declarativas e respetiva extinção da instância ([5]). Numa solução diferente não falta mesmo quem aponte que «apesar de a ação não ser apensa e o credor não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, a ação declarativa condenatória conserva a sua utilidade e, por isso, deverá ser apenas suspensa e não extinta por inutilidade superveniente da lide». ([6]) Aventa-se, outrossim, «a possibilidade de instauração de uma ação de verificação ulterior de crédito, ao abrigo do disposto no art. 146º nºs 1 e 2, alínea b), com fundamento no trânsito em julgado de sentença condenatória proferida no processo judicial declarativo pendente enquanto fator (e momento) de “constituição” do direito de crédito, donde resultaria a pertinência e utilidade desse mesmo processo não obstante a declaração de insolvência do aí réu e/ou o não reconhecimento do crédito aí invocado em sede de sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo de insolvência.» ([7])
Certo, porém, que, de forma predominante, este Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a decidir no sentido de que «transitada em julgado a sentença que declara a insolvência da demandada, a ação que visa o reconhecimento de um direito de crédito sobre a insolvente deve ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, de harmonia com o disposto no art. 287º al.e) do C.P.Civil» (Ac. STJ de 20.09.2011, P.2435/09TBMTS.P1.S1) ([8]) Predominância particularmente patenteada com a prolação do Acórdão de 15 de Maio de 2013, UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA com a seguinte síntese decisória: Conquanto objeto de recurso para o Tribunal Constitucional, este facto não torna defeso o acolhimento, aqui, da fundamentação jurídica que lhe subjaz. 5. Porquê, então, numa ação declarativa de condenação, a opção pela declaração da inutilidade superveniente da lide, uma vez decretada a insolvência do devedor? As palavras tocantes do decisum uniformizador coincidem, se bem se interpreta, com a impossibilidade de o credor, uma vez decretada com trânsito a insolvência do devedor, poder alcançar na ação declarativa contra este intentada, o seu efeito útil normal. Foi, neste propósito, tomado em consideração o (inominado) pressuposto processual do interesse em agir. No caso concreto, o punctum pruriens coincide, exatamente, com a inidoneidade e/ou perda de utilidade na prossecução da ação declarativa em relação ao interesse substancial pretendido no petitum naquela formulado atento o circunstancialismo processual sobrevindo de uma decretação da insolvência com trânsito em julgado.
Inidoneidade e/ou perda de utilidade porquê? Responde o artigo 90º do CIRE: «Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.» Normativo que importa ler de acordo com a interpretação – igualmente acolhida no referido Ac. deste STJ de 25.03.2010 - dada por LUÍS CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA: «Este preceito regula o exercício dos direitos dos credores contra o devedor no período de pendência do processo de insolvência. A solução nele consagrada é a que manifestamente se impõe, pelo que, apesar da sua novidade formal, não significa, no plano substancial, um regime diferente do que não podia deixar de ser sustentado na vigência da lei anterior. Na verdade, o artigo 90.º limita-se a determinar que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos “em conformidade com os preceitos do presente Código”. Daqui resulta que têm de os exercer no processo de insolvência e segundo os meios processuais regulados no CIRE. É esta a solução que se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como execução universal, tal como o caracteriza o artigo 1.º do Código. Um corolário fundamental do que fica determinado é o de que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de nele exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo (cfr. artigo 98.º, n.º 3; vd., também, o n.º 2 do artigo 87.º). Neste ponto, o CIRE diverge do que, a propósito, se acolhia no […] artigo 188.º, n.º 3, do CPEREF [Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril]. Por conseguinte, a estatuição deste artigo 90.º enquadra um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores.»([10])
À formulada pergunta «porquê?», responder-se-á, ainda, com a síntese recolhida do Acórdão da Secção Social deste Tribunal (25.03.2010) que ficou já referido:
«Durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos neste processo e segundo os meios processuais regulados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que consubstancia um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores». «Aberto o incidente de qualificação de insolvência com carácter pleno e fixado o prazo para reclamação de créditos, deixa de ter utilidade o prosseguimento de ação declarativa tendente ao reconhecimento de invocados créditos laborais, já que os mesmos terão de ser objeto de reclamação no processo de insolvência…»
Com igual sentido, a fundamentação do Acórdão Uniformizador no segmento em que, de par com aquele referenciado Acórdão de 25.03.2010, refere:
«(A inutilidade do prosseguimento da lide verificar-se-á, pois, quando seja patente, objetivamente, a insubsistência de qualquer interesse, benefício ou vantagem, juridicamente consistentes, dos incluídos na tutela que se visou atingir ou assegurar com a ação judicial intentada. Por outras palavras, quicá mais explícitas […………..] a inutilidade superveniente da lide verifica-‑se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o escopo visado com a ação foi atingido por outro meio).»
Resposta que, enfim, melhor se compreenderá se tomadas em linha de consideração a axiologia e a teleologia subjacentes ao processo de insolvência de que deflui a matriz de execução universal que o enforma. Nas palavras de Menezes Leitão, sempre no sentido que vem de ser acolhido, «…a razão de ser do processo de insolvência é a de fazer com que todos os credores do mesmo devedor exerçam os seus direitos no âmbito de um único processo e o façam em condições de igualdade (par conditio creditorum), não tendo nenhum credor quaisquer outros privilégios ou garantias, que não aqueles que sejam reconhecidos pelo Direito da Insolvência, e nos precisos termos em que este os reconhece. Consequentemente, durante a pendência do processo, os credores apenas poderão exercer os seus direitos no âmbito do processo de insolvência (art. 90º) deixando, …, de poder instaurar ações independentes ou continuar a prosseguir outros processos à margem do processo de insolvência. Assim se garante a intangibilidade do património do devedor, já que a massa insolvente deixa de poder ser utilizada como garantia geral de outros créditos que não aqueles que sejam exercidos no processo de insolvência.»([11]) ([12]) Na linguagem impressiva do Ac. Uniformizador,
«…a finalidade do processo de insolvência – art. 1º/1 do CIRE – postula a observância do princípio ‘par conditio creditorum’, que visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade (de oportunidade) de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, afastando, assim, a possibilidade de conluios ou quaisquer outros expedientes suscetíveis de prejudicar parte (algum/alguns) dos credores concorrentes.»
Seguindo, de novo, os passos do aresto em causa:
«Na sentença que decretar a insolvência, o juiz – se não concluir pela presumível insuficiência da massa insolvente, no condicionalismo a que alude o art. 39º/1 – designará, além do mais, um prazo até 30 dias, para a reclamação de créditos, nos termos do art. 36º/1, j). (…) E, dentro do prazo fixado, devem os credores da insolvência (…) reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, com as indicações discriminadas, sendo que a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e, mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva, não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento – artigo 128º nºs 1 e 3.» (…) «Uma vez reclamados – a subsequente fase da verificação, que tem por objeto,…, todos os créditos sobre a insolvência qualquer que seja a sua natureza e fundamento, fica sujeita ao princípio do contraditório – qualquer interessado pode impugnar a lista dos credores reconhecidos, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos e na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos, como se prevê no art. 130º/1. Havendo impugnações, segue-se a tramitação delineada nos arts. 131º e seguintes, com tentativa de conciliação, seguida de elaboração do despacho saneador, diligências instrutórias, audiência e sentença de verificação e graduação de créditos.» (….) «Tendo a verificação por objeto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento – nº3 do art. 128º, como antedito – a jurisdição conferida ao tribunal/decisor da insolvência, neste conspecto, tem necessariamente implícita uma verdadeira extensão da sua competência material.» Em jeito de conclusão.
Deixou-se referido que o interesse em agir corresponde ao interesse processual, secundário e instrumental em relação ao interesse substancial, bem assim que aquele pressuposto não se destina a assegurar eficácia à sentença na justa medida em que o que está em jogo é, antes, a sua utilidade: não fora exigido o interesse, e a atividade jurisdicional exercer-se-ia em vão. Tudo o que vem de ser exposto – com particular relevância para a posição maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça, maxime enquanto confirmada no Acórdão Uniformizador – só pode levar a concluir que a prossecução da ação declarativa, uma vez decretada a insolvência do devedor – quanto é certo, ainda, que, in casu, a pretensão do Recorrente reconduz-se (tão somente) à obtenção de uma declaração condenatória com vista ao reconhecimento de um direito de crédito sobre o devedor/insolvente – só pode levar a concluir que a iuris dictio que viesse a ser firmada, prosseguindo a ação nos termos pretendidos pelo recorrente, mais não seria do que uma afirmação em vão, na justa medida em que, como se deixa referido, com fundamento jusnormativo, nunca o crédito poderia deixar de ser reclamado no processo de insolvência e, aí, ver-se sujeito ao contraditório não apenas do devedor insolvente mas do colégio formado por todos os demais credores daquele. A partir daqui, a inferência da inutilidade superveniente da lide, torna-se óbvia, sem necessidade de particulares lucubrações exegético-normativas.
6. Reclama o recorrente no sentido de que o acórdão sub specie violou as normas ínsitas nos artigos 47º, 50º, 81º, 86º, 88º, 90º, 128º e 146º do CIRE. Uma reclamação que, em boa verdade, se reconduz à enunciação normativa. De todo o modo, não se vê – nem de algum modo o Recorrente explicita as razões que lhe possam assistir - como as normas relativas ao «Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência» (art. 47º), aos «Créditos sob condição» (art. 50º), à «Transferência dos poderes de administração e disposição» (art. 81º), à «Apensação de processos de insolvência» (art. 86º), às «Acções executivas» (art. 88º) possam elidir o que acima vai afirmado. Menos se compreende a pretensa violação das normas ínsitas nos artigos 90º, 128º e 146º do CIRE. O artigo 90º [«Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência»] pelo que a seu respeito se deixou já referido, nomeadamente na conjugação com o princípio da execução universal (par conditio creditorum) decorrente da norma ínsita no art.1º do mesmo diploma legal. No que concerne ao art. 128º, a incompreensão subsiste. Normativo inserido no capítulo da «Verificação de créditos» e sob a denominação «Reclamação de créditos», nele reza, no nº3: «A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento». Não obriga uma tal norma a concluir, exatamente, no sentido contrário ao pugnado pelo Recorrente?! Não conduz a solução diferente o invocado artigo 146º, que respeita à «Verificação ulterior de créditos ou de outros direitos». Em causa a propositura de ação «contra a massa insolvente, os credores e o devedor» que a lei consente «findo o prazo das reclamações» e com vista ao «reconhecimento ainda de outros créditos», bem como o direito «à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência». É que, não deixou o legislador, também aqui, de acautelar o referido princípio «par conditio creditorum», visto a demanda ter de ser intentada contra «a massa insolvente, os credores e o devedor».
7. Duas notas finais. Em formulação crítica, o Recorrente clama contra a «gritante e desaforada desigualdade de tratamento» que o acórdão recorrido determinou, bem como contra «uma forma de denegação de justiça» que o mesmo acórdão potenciou. Se bem se interpreta, subjacentes: ali, o apelo ao princípio jusfundamental da igualdade [art. 13º da Constituição da República (CRP)]; aqui, o apelo ao direito fundamental do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (art.20º da CRP) «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei» (art.20º/1 CRP) Tomado em conta o ensinamento que se deixa expresso e retomando as linhas de força da argumentação que se deixa expendida, conjugadamente, a conclusão não pode ser outra que não seja a do afastamento de qualquer violação do princípio da igualdade por via seja da prática de um arbítrio proibido e/ou inadmissível, seja de uma descabida discriminação. Em sentido contrário ao pugnado pelo Recorrente, impõe-se o decantado princípio da execução universal que enforma o processo da insolvência: quando se sabe e se afirma, com fundamentação jusnormativa, que a razão de ser do processo de insolvência é a de fazer com que todos os credores do mesmo devedor exerçam os seus direitos no âmbito de um único processo e o façam em condições de igualdade (par conditio creditorum), não tendo nenhum credor quaisquer outros privilégios ou garantias, que não aqueles que sejam reconhecidos pelo Direito da Insolvência, e nos precisos termos em que este os reconhece, outra coisa não se afirma senão a observância da apontada regra da generalidade na atribuição de direitos e na imposição de deveres, como dizer, «em princípio, os direitos e vantagens devem beneficiar a todos; e os deveres e encargos devem impender sobre todos.» Dispõe o art.20º da CRP: 2. (…) 3. (…) A questão que, em concreto, aqui se coloca respeita a saber se consubstancia ou, pelo mínimo, «potencia» uma denegação da justiça a decisão que, no âmbito de uma ação declarativa de condenação, intentada com vista ao reconhecimento de um direito de crédito do Recorrente sobre o devedor – suposto devedor, entretanto declarado insolvente -, decreta a inutilidade superveniente da lide e julga extinta a instância, em face do reconhecimento de que a pretensão útil e prática que o A. pretende obter com o processo instaurado já não será nunca ali alcançada, visto a lei lhe impor o dever da reclamação do crédito pretendido no processo da insolvência, a envolver não apenas o devedor – agora insolvente, por decisão transitada em julgado – como todos os demais credores com direitos a serem igualmente reclamados, reconhecidos e graduados. A resposta não pode deixar de ser relacionada com a questão imediatamente precedente. Retomando o ensinamento de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA: Quer os normativos aplicados (dito «procedimento legislativo na conformação do processo»), quer a interpretação que deles se deixa formulada – maxime na aplicação intransigente do princípio da execução universal (par conditio creditorum) - não podem merecer uma leitura de denegação de justiça, antes o sentido da decisão tomada, à luz daqueles normativos e desta interpretação, há-de ser compreendido como tradução prática do princípio da equitatividade. ([15]) Pelo exposto, negando provimento ao recurso de revista, confirma-se o Acórdão recorrido. _______________ [9] ANSELMO DE CASTRO, ARTUR - Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, Almedina. Coimbra, 1982, pags.252-253 [Negrito e sublinhados, da responsabilidade do Relator] |