Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98B057
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: QUESTÃO PREJUDICIAL
DIREITO DE PREFERÊNCIA
CASO JULGADO MATERIAL
Nº do Documento: SJ200310090000577
Data do Acordão: 10/09/2003
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 50/96
Data: 06/03/1997
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : 1. O relevo da decisão da questão prejudicial na acção dependente não pressupõe que os factos relativos à causa de pedir da primeira sejam articulados na segunda, designadamente por via de articulado superveniente, até ao encerramento da discussão de matéria de facto, certo que até podem ocorrer em sede de recurso.
2. A incidência do direito de preferência tem sido entendida como reportada à coisa, ou só mediatamente sobre ela e imediatamente sobre o respectivo contrato.
3. A natureza do direito legal de preferência tem sido referenciada como direito real de aquisição, ou como direito inerente, ou como direito potestativo exercitável por via judicial de alguém se sub-rogar ao adquirente da coisa no contrato por este celebrado com o obrigado à preferência.
4. O momento da aferição dos pressupostos do direito de preferência tem sido referenciado por alguns ao tempo do contrato celebrado em sua violação, e, por outros, simultaneamente a nesse momento e ao da decisão judicial definitiva de reconhecimento do direito de preferência.
5. No confronto entre os efeitos retroactivos da sentença que reconheça o direito de preferência do arrendatário e os da sentença resolutiva do envolvente contrato de arrendamento, tem sido entendido no sentido da não exclusão daquele direito se os factos resolutivos do arrendamento ocorrerem posteriormente ao contrato de compra e venda.
6. Mas também tem sido entendido que a resolução do contrato de arrendamento por factos posteriores ao contrato de compra e venda celebrado com obrigado à preferência excluem o referido direito de preferência, sob o argumento de que o arrendatário que intenta a acção de preferência não fica desonerado do cumprimento das obrigações derivadas da lei e do contrato e de que a sentença de resolução do contrato de arrendamento assume efeitos rectroactivos fora do âmbito das prestações realizadas.
7. O caso julgado material abrange o respectivo segmento decisório, bem como a decisão das questões preliminares que desse segmento sejam antecedente lógico necessário.
8. O efeito processual do caso julgado, que se prende com a autoridade do caso julgado, decorrente da decisão transitada em julgado, impede que o tribunal volte a pronunciar-se sobre o decidido e vincula-o ao concernente conteúdo
9. Decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça que a procedência da acção de resolução do contrato de arrendamento por falta de residência permanente no locado posterior ao contrato de compra e venda do locado implicava que o arrendatário não mantivesse o seu direito de preferência na compra, embora com vista à suspensão do recurso de revista com fundamento em causa prejudicial, não pode aquele Tribunal decidir em sentido contrário no acórdão subsequente ao trânsito em julgado da sentença que decretou a resolução do contrato de arrendamento e deve aplicar o disposto no nº. 2 do artigo 284º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
"A" e B intentaram, no dia 7 de Janeiro de 1994, contra C e D, e E, acção declarativa constitutiva, com processo ordinário, pedindo o reconhecimento do seu direito de preferência na compra pelo último aos segundos do prédio urbano sito na Rua ..., Leiria, com fundamento no seu direito de arrendatário e na omissão dos primeiros dois réus de lhe darem previamente a conhecer a realização do negócio e o preço respectivo.
Contestou o réu E, afirmando a renúncia pelos autores ao direito de preferência e a caducidade do direito de acção, acrescentando ter pago aos vendedores em Dezembro de 1989 o preço acordado, não obstante, por razões da amizade, a escritura só fosse celebrada em Julho de 1993.
Replicaram os autores, afirmando que a carta de 27 de Julho de 1989 só haver sido dirigida ao primeiro, serem as condições de venda informadas diferentes das concretizadas e que o tempo decorrido entre da data da aludida carta e a concretização do negócio envolveu relevante modificação das condições do mercado imobiliário.
No despacho saneador, foi a excepção peremptória da caducidade da acção julgada improcedente e relegada para a sentença final o conhecimento da renúncia ao direito de preferência.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 16 de Julho de 1995, que declarou o direito dos autores de haver para si a propriedade sobre a mencionada moradia pelo preço declarado na escritura de 13 de Julho de 1993.
Apelou o réu E, e a Relação, por acórdão proferido no dia 3 de Junho de 1997, negou-lhe a alteração da decisão da matéria de facto, considerou a necessidade de comunicação à autora do projecto da venda e que, por isso, não havia renúncia ao direito de preferência, bem como a omissão relevante daquela comunicação em razão da não coincidência entre o elemento essencial do contrato de compra e venda realizado e o projectado e comunicado.

O réu E interpôs recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- os cheques por si apresentados, revestidos de força probatória especial, implicam a alteração das respostas aos quesitos 3º e 4º;
- ao decidir em contrário, a Relação violou os artigos 706º, nº. 1, 712º, nº. 1, alínea a), do Código de Processo Civil e o princípio da justiça material prevalente sobre o princípio da justiça formal, por o tribunal postergar documentos autenticados contrariantes da prova testemunhal produzida;
- o arrendamento não se comunicou à recorrida, a lei não impunha que lhe fosse comunicado o projecto de venda, pelo que a Relação, ao decidir em sentido contrário, por erro de aplicação e de interpretação, violou os artigos 36º da Constituição, 83º do Regime do Arrendamento Urbano, 1682º-A do Código Civil e 1453º do Código de Processo Civil;
- o facto de a comunicação para preferência indicar o nome de dois compradores e o contrato de compra e venda só haver sido celebrado com um deles conforma-se com artigo 416º do Código Civil, pelo que, ao decidir em contrário, a Relação violou aquele artigo;
- o acórdão deve ser revogado, declarando-se a renúncia do recorrido à preferência válida e eficaz, revogando-se a sentença proferida na 1ª instância;
- a razão da constituição do direito de preferência a favor do arrendatário habitacional radica na defesa da casa de morada de família, facultando-se a aquisição da casa própria, para manter a sua estabilidade e permanência;
- os recorridos compraram em Julho de 1996, na pendência da acção de preferência, uma fracção predial autónoma, logo para lá mudaram a sua residência, deixando de habitar o arrendado, e o recorrente intentou, por isso, em 1997, contra eles, acção de despejo;
- os requisitos para a acção de preferência devem existir no momento da instauração e da decisão da acção;
- perdendo o inquilino na pendência da acção de preferência a qualidade de arrendatário, perde necessariamente a qualidade de preferente, por uma dessas qualidades não poder existir sem a outra;
- ao comprarem a nova casa para onde foram residir e ao abandonarem o locado, exercitaram o direito de preferência para abrir a via lucrativa da especulação imobiliária, o que constitui abuso do direito, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito;
- a acção de despejo instaurada pelo recorrente contra os recorridos é causa prejudicial em relação ao presente recurso, porque o desaparecimento da esfera jurídica do recorrido da qualidade de arrendatário implica o desaparecimento da qualidade de preferente;
- deve ser suspenso o recurso até ao trânsito em julgado da sentença a proferir na acção de despejo instaurada pelo recorrente contra os recorridos.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão:
- transitada em julgado a decisão que mandou desentranhar os documentos, não pode o recorrente voltar a apresentá-los e os mesmos são insusceptíveis de implicar resposta positiva aos quesitos 3º e 4º;
- o recorrente está processualmente impedido de alegar a falta de residência permanente dos recorridos no local objecto da preferência, porque os factos constitutivos, modificativos do direito supervenientes devem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado até ao encerramento da discussão;
- o tribunal de revista não pode alterar os factos dados como provados pela Relação, só podendo aplicar-lhes o direito pertinente;
- ambos os recorridos deviam ter sido notificados para exercer o direito de preferência, e a celebração da escritura apenas com um dos anunciados compradores é elemento relevante na pretensa notificação para a preferência;
- os requisitos para o exercício do direito de preferência reportam-se ao momento da venda, e o seu reconhecimento judicial tem efeito retroactivo ao momento da alienação da coisa pelo senhorio sem conhecimento do inquilino;
- o direito de preferência dos recorridos não é afectado se vier a ser decretada a resolução do arrendamento assente em factos posteriores, e a acção de despejo a que alude o recorrente não é prejudicial em relação ao recurso de revista, pelo que o pedido de suspensão deve improceder.

Admitido o recurso de revista no dia 29 de Janeiro de 1998 e terminados os vistos, ordenou o relator o desentranhamento dos cheques apresentados pelo recorrente com vista à alteração da decisão da matéria de facto, com fundamento em haver caso julgado formal e não estar provada a impossibilidade de os apresentar até ao encerramento da audiência ou que a oportunidade dessa apresentação só surgiu mercê do acórdão recorrido.
Na sequência, este Tribunal proferiu, no dia 6 de Maio de 1998, o acórdão abaixo referido, que declarou a suspensão do recurso até à decisão da acção de despejo intentada pelo recorrente contra os recorridos.
Foi junta ao processo cópia do acórdão da Relação de Coimbra, transitado em julgado, proferido na referida acção de resolução do contrato de arrendamento, os recorridos juntaram um parecer jurídico e requereram que o julgamento fosse feito pelo plenário das secções cíveis, pedido que não foi acolhido pelo Presidente deste Tribunal.
II
A) É a seguinte a factualidade declarada provada na Relação:
1. F, como senhorio, e A, como inquilino, declararam, por escrito, ajustarem entre si o arrendamento para habitação do 1º andar do prédio sito na Rua ..., nº. ..., freguesia de Leiria, por seis meses, presumidamente renovável por igual período, renda mensal de 1.200$, início no dia 1 de Outubro de 1967 e termo no dia 1 de Março de 1966.
2. Os autores fazem do local mencionado sob 1 o centro da sua vida familiar e doméstica, onde tomam as suas refeições, dormem e recebem as visitas e amigos.
3. Em 1989, a ré D pretendeu vender o prédio mencionado sob 1, sendo nessa altura arrendatários daquele prédio, além dos autores, G e H.
4. A ré D enviou cartas registadas ao autor A, a G e a H, datadas de 27 de Julho de 1989, do seguinte teor: "Como é do seu conhecimento, desde há muito que é meu interesse vender o prédio onde V.Exa. é inquilino, no 1º andar. Acontece que tenho agora duas pessoas interessadas em adquiri-lo, nas seguintes condições: compradores - a) E, casado, residente em ..., Caranguejeira; b) - I, casado, residente em ..., Batalha, compram em comum e partes iguais, preço 9.000.000$, sinal de princípio de pagamento - nesta data 4.500.000$. Pagamento restante - 4.500.000$ até ao fim do mês de Dezembro do ano corrente, coincidindo com a outorga da escritura. As rendas são da proprietária até ao mês da escritura, inclusive. Dado que V.Exa. tem no prédio direitos adquiridos, agradeço que me informe, dentro do prazo que a lei lhe confere, se está interessado em exercer o seu direito de preferência ",
5. Naquela altura, A, G e H não declararam exercitar o seu direito de preferência.
6. Por escritura de 13 de Julho de 1993, outorgada no 1º Cartório Notarial de Faro, C e D, por um lado, e E, por outro, declararam, os primeiros vender ao segundo e este comprar, por 9.000.000$, já recebido pela primeira, um prédio urbano, composto de uma moradia de rés-do-chão e 1º andar, para habitação e garagem, cómodos ou quintal, com a área coberta de 262 m2 e descoberta de 198 m2, sito na Rua ..., nºs. ..., freguesia e Município de Leiria, inscrito na matriz sob o artigo 2815 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº. 00630/180490.
7. O réu E fez obras no prédio mencionado sob 1 e, na altura dessas obras, sugeriu ao autor C a compra daquele prédio.
8. Entre 27 de Julho de 1989 e 13 de Julho de 1993 modificaram-se as condições de mercado imobiliário da zona de implementação do prédio mencionado sob 1.
B) É o seguinte o texto útil da fundamentação e da decisão do acórdão deste Tribunal, datado de 6 de Maio de 1998:
I - "5. O réu contestante pede revista, formulando 47 conclusões onde submete a questão prévia da suspensão do presente recurso até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção e despejo que intentou contra os autores/recorridos, com o fundamento resolutivo verificado em momento posterior à venda do prédio locado.
Para além desta questão prévia, submeteu à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça, as seguintes questões:
- a primeira, a modificabilidade das respostas aos quesitos 3º e 4º dadas pelo tribunal colectivo;
- a segunda, a desnecessidade de se comunicar o projecto de venda a ambos os cônjuges quando só um deles é o arrendatário por intervenção no contrato de arrendamento;
- a terceira, se não viola o estatuído no artigo 416º do Código Civil o facto de a comunicação para o exercício do direito de preferência indicar o nome de dois compradores e só um dos indicados ter celebrado o contrato de compra e venda.
A segunda e a terceira questões apresentam-se na dinâmica das conclusões das alegações como sub-questões da questão fulcral: a de saber se houve renúncia ao direito de preferência.
Os autores/recorridos apresentaram contra-alegações onde sustentam a irrelevância da questão prévia e pugnam pela manutenção do acórdão recorrido.

II - Questões a apreciar no presente recurso:
1. Antes de mais temos de apontar que este Supremo Tribunal não pode conhecer da questão da modificabilidade das respostas dadas pelo tribunal colectivo aos quesitos 3º e 4º, por duas ordens de razões:
- a primeira, não cabe exercer censura sobre o não uso pela Relação dos poderes referidos no artigo 712º, nº. 1, do Código de Processo Civil;
- a segunda, só conhece da matéria de facto em dois casos, o primeiro para a hipótese de o tribunal recorrido ter dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável à sua existência; o segundo quando se tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no nosso sistema jurídico, sendo certo que nenhum desses casos se verifica no caso dos autos.
2. Fechado este parêntesis, temos duas questões a apreciar, a questão prévia de saber se a decisão da presente acção de preferência está dependente do julgamento da acção com fundamento resolutivo verificado em momento posterior à venda da coisa locada, e a questão de saber se houve renúncia ao direito de preferência.
Esta segunda questão só será apreciada em resultado da questão prévia se desdobrar em duas sub-questões: a primeira, se, no caso da procedência da acção de despejo intentada pelo réu/recorrente contra os autores/recorridos, com fundamento resolutivo posterior à venda da coisa locada, estes manterão ou não o direito de preferência que lhes foi conferido pelo artigo 1º da Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto; a segunda se a decisão dessa acção de despejo no sentido da procedência do fundamento resolutivo posterior à da venda da coisa será prejudicial à decisão do presente recurso.
A solução a dar à segunda sub-questão depende da resposta que se der à questão fulcral do recurso: se houve renúncia ao direito de preferência. Daqui a necessidade de apreciação desta questão. Abordemos, pois, as questões enunciadas.

III - Se, no caso de procedência da acção de despejo intentada pelo réu/recorrente contra os autores recorridos com fundamento resolutivo posterior à da venda da coisa locada, estes manterão - ou não - o direito de preferência que lhes foi conferido pelo artigo 1º da Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto.
1. A questão não deixa de ser isenta de dificuldades na sua solução, o que não aconteceria se a violação do contrato de arrendamento por parte do arrendatário habitacional se verificasse em momento anterior à venda da coisa locada.
Neste caso - situação - a solução seria encontrada com base na eficácia retroactiva quer do reconhecimento judicial do direito de preferência quer da resolução do contrato de arrendamento:
- por um lado, a procedência da acção de preferência tem como resultado a substituição com eficácia ex tunc do adquirente pelo preferente;
- por outro lado, conforme sublinha VAZ SERRA, "a circunstância de o artigo 1047º dizer que a resolução do contrato fundada na falta de cumprimento por parte do locatário tem de ser decretada pelo tribunal significa apenas que essa resolução não pode fazer-se mediante simples declaração do locador ao locatário tendo de ser decretada não significa que a cessação da relação locatícia tenha de se produzir sempre só a partir desse decretamento ... desde que o despejo seja decretado com fundamento num facto anterior ao contrato de compra e venda do prédio, o efeito da decisão deve retrotrair-se ao momento de tal facto. No mesmo sentido está Pires de Lima e Antunes Varela.
2. Perante a eficácia retroactiva quer da acção de preferência, quer da resolução do contrato de arrendamento, temos como correcta a doutrina do acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Dezembro de 1984, no sentido de que o despejo fundado em facto anterior à venda do prédio e decretado depois da celebração desta, extingue ex tunc a situação locatícia e o correlativo direito de o arrendatário preferir na compra.
3. Problemática é a questão de saber se, no caso de procedência da acção de despejo, o arrendatário que o deixou de ser em momento posterior, manterá o direito de preferência que lhe foi conferido por lei.
Sobre esta questão duas correntes se desenham neste Supremo Tribunal: - uma, no sentido de a resolução do contrato de arrendamento não extinguir o direito de preferência do arrendatário, porque a decisão que decrete o despejo só produz efeito ex nunc, enquanto o direito de preferência nasce com a alienação, pelo que a sentença que o reconheça tem eficácia retroactiva; - outra no sentido das concessões previstas e na Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto, eram ou são dirigidas aos locatários enquanto efectivos habitantes do arrendado.
3. a) No sentido da primeira tese, está Mota Pinto, com o argumento de que a sentença de despejo não tem efeito retroactivo, só produz efeitos ex nunc, enquanto que a sentença que eventualmente reconhece o direito de preferência tem efeitos ex tunc, efeitos que se protraem ao momento da venda.
3. b) no sentido da segunda teste está a Revista dos Tribunais, ao observar que "o arrendatário que intenta acção de preferência não fica desonerado de cumprir as obrigações que o contrato e a lei lhe impõem; se der motivo à resolução do arrendamento incorre no despejo e à execução da sentença que o decrete não obsta o facto de ter pendente acção de preferência; decretado o despejo por sentença transitada extingue-se a instância na acção de preferência por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide".
3. c) ANTUNES VARELA defendeu a segunda tese ao anotar o acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Julho de 1981, escrevendo: "a interpretação restritiva do artigo 1º da Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto, aceite no presente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, corresponde, sem nenhuma espécie de dúvida, à correcta determinação do sentido decisivo deste preceito legal. Mais, porém, do que a letra pesa na interpretação da lei o seu espírito, o pensamento legislativo, contanto esse não exceda o limite estabelecido para o efeito, em termos genéricos, no artigo 9º, nº. 2, do Código Civil. E o espírito da lei que instituiu o direito de preferência a favor do locatário residencial, conforme se depreende do sucinto preâmbulo do diploma, é o de facilitar a aquisição do prédio, não a quem apenas o arrendou, mas a quem nele efectivamente habita, mediante o vínculo locatício, criado pela locação do imóvel".
3. d) Temos por correcta a tese do acórdão deste Supremo Tribunal de 28.7.81, reforçada, consolidada, pelas pertinentes e decisivas considerações explanadas por ANTUNES VARELA. Como se anota no acórdão referido, a Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto, teve em vista, como resulta do seu preâmbulo, dar execução ao disposto no artigo 65º, nº. 2, da Constituição da República, segundo o qual, compete ao Estado, além do mais, adoptar uma política de acesso à habitação própria.
Por isso, não é a simples posição de inquilino habitacional que faz nascer, para esse inquilino, o direito de preferência na venda ou dação em pagamento do respectivo prédio; é necessário que o inquilino tenha necessidade do prédio ou da fracção para sua habitação própria e dos seus familiares.
O direito de preferência criado pela Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto, visa tão só os inquilinos necessitados de habitação própria. A razão de ser do direito de preferência criado pela Lei nº. 63/77 impõe que ao seu artigo 1º se dê a interpretação restritiva dada pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Julho de 1981, por ser, conforme ANTUNES VARELA, a correcta determinação do sentido decisivo desse preceito legal.
Assim, o artigo 1º da Lei nº. 63/77 deve ser interpretado no sentido de o direito de preferência dever ser reconhecido ao arrendatário se e na medida em que lhe proporcione continuar a habitar o arrendado, mas agora a título de habitação própria. Perante a interpretação restritiva do artigo 1º da Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto, temos de precisar que os autores/recorridos não manterão o direito de preferência que lhes foi concedido por aquele dispositivo legal no caso da procedência da acção de despejo intentada pelo réu/recorrente contra os mesmos, com fundamento resolutivo posterior à venda da coisa locada.

IV - Se houve renúncia ao direito de preferência.
"...
3. O artigo 416º do Código Civil versa sobre o ónus de informação necessário ao exercício do direito de preferência. O sentido e alcance de tal norma traduz-se em saber qual o conteúdo desse ónus. Tarefa facilitada quando se tenha presente a natureza jurídica do direito legal de preferência: direito que confere ao respectivo titular o poder de adquirir sobre determinada coisa, quando ocorram certos pressupostos, um direito real de gozo.
Se o direito de preferência atribui ao seu titular a faculdade de adquirir a coisa, uma vez verificados os seus pressupostos, venda ou projecto de venda do imóvel objecto de tal direito, poderá avançar-se no sentido de que a norma do nº. 1 do preceito referido tem em vista possibilitar ao titular do direito de preferência a tomada de decisão se deve ou não exercer o seu direito.
E para essa tomada de decisão torna-se necessário que o obrigado à preferência faculte ao titular do direito de preferência os elementos necessários para servir de suporte à sua decisão. Tais elementos necessários não podem ser senão os da projectada alienação.
Mas todos os elementos, consabida a importância subjectiva e variável de um ou outro desses elementos? Parece-nos que não poderá estabelecer-se uma fórmula abstracta de quais os elementos da projectada alienação a comunicar ao preferente, mas antes aceitar que não serão necessariamente sempre os mesmos, mas sim os que vierem a ser surpreendidos em cada caso concreto, em consonância com a específica posição quer do titular do direito de preferência quer do obrigado à preferência, quer da própria especificidade da venda a fazer.
Se os elementos da projectada alienação a comunicar ao preferente podem ser, face às especificidades referidas, variáveis, certo será que, como denominador comum de todas as projectadas alienações, serão os elementos que se surpreendem através da noção de compra e venda (artigo 874º): a coisa a vender e o preço pretendido. Estes elementos não deixarão de ser sempre decisivos para influenciar o preferente de exercer ou não a preferência, sendo certo que os demais elementos, nome do comprador, condições de pagamento, local e data da feitura do contrato projectado, serão ou não essenciais para a formação da decisão do preferente em resultado das especificidades concretas surpreendidas.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA apontam dois exemplos em que o nome do adquirente é essencial para o titular do direito de preferência: o primeiro, em relação ao preferente-comproprietário, visto aos consortes poder agradar, ou pelo menos não desagradar, a relação de compropriedade com certa pessoa e desagradar quanto a outras, independentemente do preço da aquisição; o segundo, em relação ao preferente arrendatário, pois a este não é indiferente a pessoa do senhorio, ao qual se encontra ligado por uma relação jurídica, da qual decorrem, para ambos, vários direitos e obrigações.
Compreende-se que a "pessoa do adquirente" seja "elemento essencial" para o preferente arrendatário habitacional do imóvel urbano, ou da fracção autónoma do imóvel urbano - artigo 1º da Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto - na medida em que o interessado na compra, e senhorio futuro, possa vir a exercer um eventual direito de denúncia para a sua habitação, pondo em crise o contrato de arrendamento existente. O pôr em crise o contrato de arrendamento existente com um eventual direito de denúncia para habitação pode muito bem não existir, e frequentemente e quase sempre não existe nos contratos de arrendamento para comércio, já que a coisa locada, adaptada e transformada em estabelecimento comercial, não pode servir os interesses de um eventual senhorio com vista à sua estabilidade habitacional. E também o pôr em crise o contrato de arrendamento existente com um eventual direito de denúncia para habitação tem um duplo grau de probabilidades quando são indicadas como duas as pessoas adquirentes.
O que se acaba de expor no que respeita ao elemento "nome do comprador" também serve de ponto de partida para a apreciação de quaisquer outros elementos que pela especificidade da venda projectada - condições de pagamento, local e data da feitura do contrato projectado - possam influir na decisão da preferência.
Daqui o precisar-se que para além dos dois elementos essenciais do contrato de compra e venda - coisa a alienar e o seu preço - a essencialidade dos demais elementos constantes da venda projectada deverá ser apreciada, caso por caso, em função da específica posição, quer do titular do direito de preferência, quer do obrigado à preferência, quer da própria especificidade da venda a fazer.
4. O destinatário da comunicação a que se refere o artigo 416º do Código Civil será tão somente o arrendatário, dado ser a ele que a lei confere o direito de preferência em resultado não só da incomunicabilidade do arrendamento - a posição do arrendatário não se comunica ao cônjuge ... - artigo 83º do RAU, a reproduzir o nº. 1 do artigo 1110º do Código Civil -, mas também por ser inaplicável ao direito de preferência o disposto no nº. 2 do artigo 1682º-A do Código Civil - que estatui "carecer de consentimento de ambos os cônjuges ... a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos reais de gozo sobre a casa de morada de família" - quer o disposto na alínea a) do artigo 1682º-B do mesmo diploma legal - que diz: "a resolução ou denúncia do contrato de arrendamento pelo arrendatário, relativamente à casa de morada de família, carecem de consentimento de ambos os cônjuges".
5. O artigo 217º, nº. 1, do Código Civil preceitua: "a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, o revelem". A distinção entre declaração expressa e declaração tácita, explicitada na norma transcrita, é a proposta pela teoria subjectiva: a declaração é expressa quando feita por meios directos, frontais, de expressão de vontade; é tácita quando do seu conteúdo directo se infere um outro, isto é, quando se destina a um certo fim, mas a latere permite concluir com bastante segurança uma dada vontade negocial, costumando falar-se a este propósito em procedimento concludente, e em factos concludentes - facta concludentia: facto ex quibus voluntas concludi potest.
Tais factos concludentes devem ser inequívocos. "Existirá univocidade dos facta concludentia na declaração tácita sempre que, conforme os usos da vida, haja quanto aos factos de que se trata toda a probabilidade de serem praticados com dada significação negocial - aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões - ainda que porventura não esteja absolutamente precludida a possibilidade de outra significação".
São idênticos os ensinamentos de MOTA PINTO.
6. O artigo 218º do Código Civil ao prescrever que "o silêncio vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção negocial ", resolve o problema de saber quando deverá atribuir-se o valor de declaração de vontade a um comportamento puramente negativo de uma pessoa. O silêncio só vale, conforme resulta desta formulação legal, como meio declarativo nos casos referidos especialmente por lei - ex. os artigos 923º, nº. 2 e 1163º - ou convenção das partes nesse sentido, "bem como na hipótese de um uso prevalente em certo círculo social - ex. um determinado ramo de actividade económica - ou uma prática estabelecida entre os contraentes a legitimar a atribuição de sentido negocial a um comportamento omissivo - por ex. no caso de uma pessoa enviar habitualmente a outra mercadoria que esta recebe, sem aceitar nem rejeitar, e paga em devido tempo, ou ainda se entre ambas houver uma prática deste tipo.
7. Perante o que se deixa exposto em 3 e 4, em conjugação com a matéria fáctica fixada - nomeadamente a referida em 3) e 7) a 10), do parágrafo II do presente acórdão - temos de precisar que:
por um lado, os 1ºs réus comunicaram correctamente a alienação projectada - coisa a vender, preço pretendido e nome dos dois compradores, na medida em que, na alienação consumada, a coisa vendida foi a indicada, pelo preço pretendido e a um dos dois compradores indicados na alienação projectada. A alienação a um dos dois compradores indicados na comunicação não afectou a decisão assumida pelo réu marido, na sua qualidade de arrendatário, na medida em que ao silenciar a comunicação revelou o seu desinteresse, a sua despreocupação, daquelas pessoas virem a ser os seus futuros "senhorios" - os riscos futuros de denúncia do contrato de arrendamento para habitação de um deles não pesaram na decisão do réu/ marido/ arrendatário, de sorte que continuam a não pesar nos riscos - agora reduzidos, quando, a final, o senhorio passou a ser só um dos dois indicados adquirentes.
Por outro lado, a comunicação que os 1ºs réus fizeram ao autor/marido/ arrendatário está conforme com o preceituado no artigo 416º, nº. 1, do Código Civil, na medida em que é ele o arrendatário do 1º andar do prédio em causa, de sorte ser só ele que decide se deve ou não exercer o direito de preferência conferido pelo artigo 1º da Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto.
8. Perante o que se deixa exposto em 5), 6) e 7) conjugado com o silêncio do autor/marido/arrendatário à comunicação feita pelos 1ºs réus nos termos do artigo 416º do Código Civil, temos de precisar que, por um lado, a comunicação em causa não se apresenta como facto concludente de renúncia ao direito de preferência conferido ao autor/marido nos termos do artigo 1º da Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto, e, por outro lado, a circunstância de o autor/marido ter silenciado essa comunicação não tem outro significado que não seja o de não valer como renúncia ao seu direito de preferência. Conclui-se, assim, que o autor marido arrendatário não renunciou ao direito de preferência conferido pelo artigo 1º da Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto.

V - Se a decisão da acção de despejo intentada pelo réu/recorrente contra os autores/recorridos, no sentido da procedência do fundamento resolutivo posterior à venda da coisa locada, será prejudicial à decisão do presente recurso.
1. O artigo 279º, nº. 1, do Código de Processo Civil ao prescrever que "O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão em causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta", levanta a questão de saber quando deve entender-se que a decisão de uma causa depende do julgamento de outra?
Segundo a doutrina e a jurisprudência deste Supremo Tribunal, verifica-se a relação ou nexo de dependência ou prejudicialidade, quando a decisão ou julgamento duma acção - a dependente - é atacada ou afectada pela decisão ou julgamento noutra - a prejudicial.
2. Tendo presente a solução dada à questão fulcral do presente recurso - se houve renúncia ao direito de preferência - e ao conceito de prejudicialidade, temos de precisar que a decisão da acção de despejo intentada pelo réu recorrente contra os autores recorridos, no sentido da procedência do fundamento resolutivo posterior à venda da coisa locada, será prejudicial à decisão do presente recurso.

VI - Conclusão:
Do exposto, poderá extrair-se que:
1. O artigo 1º da Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto, deve ser interpretado no sentido de o direito de preferência dever ser reconhecido ao arrendatário se e na medida em que lhe proporciona continuar a habitar o arrendado, mas agora a título de habitação própria.
2. A comunicação a que se refere o artigo 416º, nº. 1, do Código de Processo Civil será dirigida ao arrendatário da coisa a vender e não também ao seu cônjuge.
3. O conteúdo do ónus de informação a que se refere o artigo 416º, nº. 1, do Código Civil surpreende-se através de duas componentes: uma fixa, constituída por elementos essenciais do contrato de compra e venda - coisa a vender e preço ajustado - e outra variável, constituída e em consonância com a específica posição do titular do direito legal de preferência e do obrigado à preferência e, ainda, da própria especificidade da venda projectada.
4. A declaração negocial é tácita quando da prática de certos factos inequívocos se possa inferir que, conforme os usos da vida, foram praticados, com toda a probabilidade, com dado significado negocial.
5. Verifica-se a relação ou nexo de dependência ou prejudicialidade quando a decisão de uma acção, ou de um recurso - a dependente - poder ser afectada pela decisão emitida noutra acção - a prejudicial.

Face a tais conclusões, em conjugação com a matéria fáctica fixada, poderá precisar-se que:
1. No caso de procedência da acção de despejo intentada pelo réu/recorrente contra os autores/recorridos, com fundamento resolutivo posterior à da venda da coisa locada, o autor marido não manterá o direito de preferência que lhe foi conferido pelo artigo 1º da Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto.
2. O autor/marido/arrendatário não renunciou ao direito de preferência adquirido em resultado da venda do prédio em causa.
3. A decisão do presente recurso é afectada pela decisão a proferir na acção de despejo referida em 1.
Termos em que se declara a suspensão do presente recurso até à decisão da acção de despejo intentada pelo réu/recorrente contra os autores/recorridos, com fundamento resolutivo posterior à venda do prédio em causa".

C) É a seguinte a síntese da factualidade e da dinâmica processual envolvidas na acção que implicou a suspensão dos termos do recurso:
1. E intentou, em 1997, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, contra A e B, acção declarativa constitutivo-condenatória, com processo especial, pedindo a resolução do contrato de arrendamento mencionado sob A) 1, com fundamento na falta de residência permanente.
2. Na sentença proferida no dia 11 de Dezembro de 2000, na acção mencionada sob 1, foi declarado provado, por um lado, que, pelo menos desde Julho de 1997, virem os réus dormindo e tomando as refeições no 8º andar, Letra ..., do prédio urbano sito na Avenida ..., em Leiria, que haviam adquirido.
3. E, por outro, que no locado os réus não recebiam os seus amigos e correspondência, haverem-no desocupado parcialmente, levando consigo os móveis, as roupas, as máquinas e em geral o recheio da casa com que vieram, em parte, a mobilar a nova residência mudada da anterior.
4. Foi decidida na referida sentença a resolução do contrato de arrendamento celebrado com os réus, a qual foi confirmada, em definitivo, pelo acórdão proferido no dia 8 de Abril de 2003 pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
III
A questão essencial decidenda no recurso, em que a respectiva instância foi declarada suspensa e cuja suspensão terminou, é a de saber se aos recorridos A e B deve ou não ser reconhecido, com base na posição jurídica de arrendatário habitacional do primeiro, o direito de preferência na compra do prédio urbano em causa, com preterição da posição de comprador por parte recorrente.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação do recorrente e dos recorridos, a resposta à referida questão depende, nesta sede, da análise da seguinte problemática:
- estrutura e efeitos da suspensão da instância com fundamento em questão prejudicial;
- relevo ou não da não afirmação do recorrente no quadro da própria acção de preferência da falta de residência permanente no locado por parte dos recorridos;
- âmbito do decidido até à suspensão da instância de recurso e do decidendo depois da cessação da situação de suspensão;
- síntese da posição da doutrina e da jurisprudência quanto à problemática envolvente da violação do direito de preferência do arrendatário habitacional pelo locador e da violação por ele do contrato de arrendamento;
- limites objectivos do caso julgado;
- efeitos processuais do caso julgado;
- vinculação ou não deste Tribunal ao já decidido no âmbito da suspensão da instância;
- solução para o caso espécie decorrente dessa alternativa.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1. Este Tribunal ordenou, há pouco mais de cinco anos, nos termos da alínea c) do nº. 1 e da primeira parte do nº. 1 do artigo 297º, ambos do Código de Processo Civil, a suspensão da instância de recurso, em causa relativa ao exercício do direito de preferência fundado em direito de locatário habitacional da titularidade dos recorridos, até à decisão definitiva da acção pendente de resolução do contrato de arrendamento intentada contra aqueles pelo recorrente.
Entendeu, pois, este Tribunal existir um nexo de prejudicialidade entre as referidas duas causas, por entender que a posterior era susceptível de afectar a decisão da anterior, ou seja, que a procedência da acção de resolução do contrato de arrendamento implicava o desaparecimento do fundamento da acção de preferência.
Com efeito, considerou este Tribunal que a acção de resolução do contrato de arrendamento com fundamento em factos posteriores à alienação do prédio é prejudicial em relação à acção de preferência em causa.
No fundo, reconheceu-se que a procedência da acção de resolução do contrato de arrendamento eliminava a razão de ser da preferência na compra e venda do prédio parcialmente arrendado e, consequentemente, do recurso.
Nessa perspectiva, considerou ocorrer entre os objectos processuais concernentes ao recurso de revista e à acção de resolução do contrato de arrendamento uma situação de dependência acidental consuntiva.
Cessada a situação de suspensão da instância no recurso de revista, reabre-se o seu curso a partir do ponto em que se encontrava aquando da suspensão, como que, em termos jurídicos, ela não tivesse ocorrido.

2. Antes da suspensão da instância do recurso, não se pronunciou expressamente este Tribunal sobre a argumentação dos recorridos no sentido de que o recorrente estava processualmente impedido de alegar no recurso a falta de residência permanente dos recorridos no local objecto da preferência.
Os recorridos afirmaram a mencionada objecção sob o fundamento de os factos supervenientes constitutivos ou modificativos do direito deverem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado até ao encerramento da discussão, e de o tribunal de revista não poder alterar os factos dados como provados pela Relação.
Certo é que o Supremo Tribunal de Justiça, salvo em casos excepcionais legalmente previstos, não pode alterar a decisão da matéria de facto proferida pela Relação (artigos 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, 722º, nº. 2, e 729º, nº. 2, do Código de Processo Civil).
Mas este Tribunal, ao decidir a suspensão da instância do recurso até ao trânsito em julgado da acção de resolução do contrato de arrendamento com base na falta de residência, intentada pelo recorrente contra os recorridos, não alterou a decisão da matéria de facto fixada pela Relação e implicitou a improcedência da referida argumentação dos recorridos, que importa aqui precisar.
Tendo em conta que a acção de preferência foi intentada no dia 7 de Janeiro de 1994, a problemática da apresentação de articulados supervenientes rege-se pela versão do Código de Processo Civil anterior à que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997, designada por Código de Processo Civil Revisto (artigo 16º do Decreto-Lei nº. 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Tendo ocorrido, depois do último articulado normal da acção, factos ou elementos de facto extintivos da situação jurídica invocada pelo autor ou se deles só nessa altura o réu teve conhecimento, podia o último, em regra, invocá-los supervenientemente (artigo 663º, nº.s 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Todavia, a referida invocação na acção só podia ocorrer até ao encerramento da discussão na primeira instância, no prazo de dez dias posteriores à data da verificação dos factos ou daquela em que a parte deles tivera conhecimento (artigos 506º, nº. 3 e 507º, nº. 2, Código de Processo Civil).
O recorrente não invocou na acção de preferência, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, a falta de residência permanente do recorrido no locado como causa resolutiva do contrato de arrendamento e da perda do direito de preferência por parte do recorrido. Mas não a podia invocar, porque a mesma só ocorreu depois disso, isto é, a partir de Julho de 1997, quando a acção de preferência já estava em fase de recurso.
Invocou, porém, no recurso, nos termos dos artigos 276º, nº. 1, alínea c), e 279º, nº. 1, 1ª parte, do Código de Processo Civil, a acção de resolução do contrato de arrendamento como pressuposto necessário da acção de preferência, no quadro da prejudicialidade da primeira em relação à segunda, na perspectiva de o fundamento ou razão de ser desta ser susceptível de desaparecer em virtude da decisão a proferir naquela.
Assim, o facto de o recorrente não haver invocado, em articulado superveniente ou em requerimento em acta, até ao encerramento da discussão da matéria de facto em 1ª instância, não pode assumir a relevância pretendida pelos recorridos nas contra-alegações do recurso de revista.

3. A questão essencial objecto do recurso de revista é a de saber se deve ou não ser reconhecido aos recorridos o direito de preferência na compra do prédio em que um deles era o locatário e que o respectivo locador alienou ao recorrente.
A referida questão essencial foi densificada pelo recorrente e pelos recorridos num grupo de sub-questões consubstanciadas em saber se devia ou não ser alterada a decisão da matéria de facto fixada pela Relação, se a recorrida tinha ou não o direito a que lhe fosse comunicado o projecto da venda do prédio, se relevava ou não para efeito do exercício do direito de preferência na compra por parte do recorrido o facto a comunicação para o efeito indicar dois compradores e de o contrato de compra e venda haver sido celebrado apenas com um deles, se a perda pelo recorrido da qualidade de arrendatário na pendência da acção de preferência por virtude da resolução do contrato de arrendamento com base na falta de residência permanente no locado posterior à data da alienação do prédio lhe afectava ou não o direito de preferência.
Este Tribunal, no acórdão proferido no dia 6 de Maio de 1998, previamente ao segmento determinativo de suspensão da instância até à decisão da acção de resolução do contrato de arrendamento, declarou não se verificar fundamento legal para a alteração da matéria de facto fixada pela Relação, não ser a recorrida destinatária da comunicação para preferir na compra do prédio, não haver o recorrido renunciado ao direito de preferência e que o não manteria se a acção de resolução do contrato de arrendamento fosse julgada procedente.
Como pressuposto lógico-necessário da suspensão da instância do recurso de revista, foi declarada por este Tribunal a existência de um nexo de prejudicialidade entre o objecto do recurso e o da acção de resolução do contrato de arrendamento, sob o fundamento de, no caso de procedência da última, apesar do fundamento resolutivo ser posterior ao contrato de compra e venda, o recorrido não manteria o direito de preferência.
Decidida a questão objecto da acção de resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de residência do recorrido no locado no sentido da procedência, para além do que se deixou enunciado sob 2, importa apenas determinar, no confronto com o decidido já por este Tribunal no acórdão de 6 de Maio de 1998, se o direito de preferência do recorrido se mantém e, consequentemente deve ser reconhecido, ou se extinguiu em razão do desfecho da acção de resolução do contrato de arrendamento.

4. O recurso, tal como a acção, reporta-se a um conflito de direitos sobre uma mesma coisa, o do recorrente baseado num contrato de compra e venda e o do recorrido fundado em direito de preferência legal derivado de um contrato de arrendamento para habitação.
A situação jurídica tornou-se mais complexa em sede de recurso de revista porque na sua pendência foi o contrato de arrendamento para habitação do recorrido, em que ele fundou o seu direito de preferência na compra, resolvido por falta de residência permanente começada depois do acto de alienação que ocorreu.
A solução dada a idêntico quadro de complexidade ao longo do tempo tem passado pela análise, inter alia, da natureza do direito de preferência legal e do momento da produção de efeitos da sentença que reconheça o direito de preferência e da sentença que resolva o contrato de arrendamento.
Quanto ao objecto do referido direito de preferência legal, a maioria dos autores, sobretudo com base no disposto no artigo 1410º, nº. 1, do Código Civil, têm entendido que ele se consubstancia no prédio ou na fracção predial arrendados e alguns que ele incide imediatamente sobre o contrato de compra e venda e só mediatamente sobre a coisa vendida.
Quanto à sua natureza, é qualificado por uns como direito real de aquisição, por outros como direito meramente inerente, por alguns como direito potestativo constitutivo e real de aquisição e, por outros, de direito potestativo de por via judicial se sub-rogar ao adquirente da coisa no contrato por este celebrado com o obrigado à preferência (CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, "Direito de Preferência e Despejo Com Fundamentos Posteriores à Venda do Prédio Arrendado", Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXIV, págs. 112 e 113; ADRIANO VAZ SERRA, "Revista de Legislação e Jurisprudência", Ano 103º, nº. 3435 pág. 471; PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, "Código Civil Anotado", vol. III, Coimbra, 1987, pág. 371; JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, "Direito de Preferência do Arrendatário", Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. III, Coimbra, 2002, págs. 271 a 273; e HENRIQUE MESQUITA, Parecer junto).
Relativamente ao momento de aferição dos pressupostos do direito de preferência, tem sido entendido situar-se na altura do respectivo contrato de compra e venda, ou que também devem ocorrer aquando da decisão judicial definitiva de reconhecimento da preferência.
Paralelamente, tem sido entendido pela doutrina pela jurisprudência que a sentença que reconheça o direito de preferência tem efeitos ex tunc reportados ao momento da celebração do contrato de compra e venda a terceiro do prédio ou da fracção predial objecto mediato do contrato de arrendamento.
No que concerne à sentença resolutiva do contrato de arrendamento, apesar de o artigo 434º, nº. 2, do Código Civil só excluir a retroactividade, em regra, quanto às prestações efectuadas, tem não raro sido entendido que ela só produz efeitos ex nunc, ou seja, em relação ao futuro (CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Estudo citado, págs. 115 e 116; e Acs. do STJ, de 8.1.74, BMJ, nº. 233, pág. 190, e de 27.11.2001, Revista nº. 3238/2001, 6ª Secção).
A jurisprudência, porém, tem vindo a considerar que a sentença que decreta a resolução do contrato de arrendamento tem eficácia retroactiva (Acs. do STJ, de 27.5.75, BMJ, nº. 247, pág. 142, de 15.2.81, BMJ, nº. 304, pág. 375, e de 27.11.2001, Revista nº. 3 238, 6ª Secção).
Acresce que, mesmo sob o entendimento da eficácia ex nunc da sentença resolutiva do contrato de arrendamento, foi decidido que, decretada depois da alienação do prédio arrendado para habitação, mas fundada em facto anterior à venda do prédio, extingue ex tunc a situação locatícia e o correlativo direito de o arrendatário preferir na compra (Ac. do STJ, de 20.12.84, BMJ, nº. 341, pág. 432).
No confronto entre os efeitos retroactivos da sentença que reconheça o direito de preferência do arrendatário e da sentença resolutiva do contrato de arrendamento, a solução geralmente adoptada pela jurisprudência tem sido no sentido da exclusão do direito de preferência do arrendatário se os factos resolutivos ocorreram anteriormente ao contrato de compra e venda (Acs. do STJ de 27.5.75, BMJ, nº. 247. pág. 142; e de 25.2.81, BMJ, nº. 304, pág. 375; de 27.11.2001, Revista nº. 3238/2001, 6ª Secção).
Este entendimento é contrariado por alguma doutrina, segundo a qual, não ficar o arrendatário que intenta a acção de preferência desonerado do cumprimento das obrigações que o contrato e a lei lhe impõem e que se der causa à resolução do contrato de arrendamento à mesma ficar sujeito, não obstante ter pendente acção de preferência.
A referida posição assenta em que o princípio de que o direito de preferência surge no momento da celebração do contrato de compra e venda da coisa locada apenas significa que os actos de modificação ou distrate da alienação, a que se reporta o nº. 2 do artigo 1410º do Código Civil, irrelevam em termos de afectação do direito do preferente, e que, enquanto não transitar em julgado a sentença que ao arrendatário reconheça o direito de preferência este lhe não está assegurado (JOSÉ GUALBERTO DE SÁ CARNEIRO, "Revista dos Tribunais", Ano 92º, 1974, pág. 378).
A igual resultado conduz a doutrina no sentido de que o êxito da acção de preferência depende de o preferente assumir a qualidade jurídica de arrendatário não só no momento da celebração do contrato de compra e venda como também no momento da sentença definitiva que lhe reconheça o direito de preferência na respectiva aquisição, sob a argumentação de que perdida a referida qualidade perdido fica o direito de preferência, reforçada, no que concerne ao locatário habitacional, por o direito de preferência só fazer sentido quando o locatário habite efectivamente no prédio ou na fracção predial respectiva, por a lei lho atribuir com vista a facilitar-lhe o acesso à propriedade do local onde mora permanentemente, e não proporcionar-lhe lucrativas operações imobiliárias (MENEZES CORDEIRO, Parecer no Processo).
Em sentido inverso, entende outra doutrina, por um lado, que a sentença que julgue procedente a acção de preferência retroage os seus efeitos à data da venda, como se o contrato tivesse inicialmente celebrado entre o alienante e o preferente, e que a resolução do contrato de arrendamento não tem efeitos retroactivos ou, se os tiver não vão além da data em que ocorreu o facto resolutivo ou o arrendatário foi citado para a acção, pelo que é insusceptível de atingir o direito de preferência, por ter surgido em momento anterior.
E, por outro, que a interpretação restritiva do artigo 1º da Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto, conduz ao não reconhecimento do direito de preferência ao arrendatário habitacional que efectivamente não habite o local arrendado, mas que não acarreta a perda do direito de preferência pelo locatário quando este, após a venda, deixe de ter no local arrendado a sua residência permanente (HENRIQUE MESQUITA, Parecer no Processo).
Com alguma proximidade com o que este Tribunal já decidiu no âmbito deste recurso, no que concerne à especificidade do direito de preferência do arrendatário habitacional, há decisões anteriores no sentido, por um lado, de que o direito de preferência deve ser reconhecido ao arrendatário se e na medida em que, sem lesão do direito do proprietário, lhe proporcione continuar a habitar o locado a título de habitação própria (Acs. do STJ, 28.6.81, BMJ, nº. 309, pág. 342; e de 22.6.93, Revista nº. 82 125).
E, por outro, que o locatário habitacional para efeito do nº. 1 do artigo 1º da Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto, não era o que, relativamente à data da venda do prédio, nele não habitava há vários anos, sendo irrelevante que a ele regressasse depois de proposta a acção de resolução do contrato de arrendamento (Ac. do STJ, de 20.12.84, BMJ, nº. 341, pág. 432).

5. Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória nos limites fixados pelos artigos 497º e 498º do Código de Processo Civil (artigo 671º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
A excepção do caso julgado depende da repetição de uma causa que foi decidida por sentença que não admita recurso ordinário (artigo 497º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
A referida repetição pressupõe, por seu turno, a proposição de uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e a à causa de pedir (artigo 498º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
Há acções idênticas se a decisão da segunda fizer correr o risco de o tribunal contradizer ou reproduzir a decisão da primeira (artigo 497º, nº. 2, do Código de Processo Civil).
A causa de pedir invocada pelos recorridos na acção é complexa, porque integrada pelos factos relativos à posição de locatário do recorrido no contrato de arrendamento do prédio em causa, na omissão de comunicação para preferência e no contrato de compra e venda daquele prédio.
O pedido formulado na acção pelos recorridos consubstancia-se essencialmente na declaração do seu direito de propriedade sobre o mencionado prédio.
O recorrente invocou, porém, em sede de recurso, a eventualidade de extinção do direito do recorrido sob a invocação de factos extintivos do contrato de arrendamento e, na sua perspectiva, extintivos do direito de preferência, e os recorridos opuseram-se a essa invocação.
Com efeito, nas alegações de recurso, por um lado, o recorrente afirmou que a acção de resolução do contrato de arrendamento por ele intentada contra os recorridos era causa prejudicial do recurso, porque o desaparecimento da esfera jurídica do recorrido da sua qualidade de arrendatário implicava o desaparecimento da sua qualidade de preferente, e, com base nisso, requereu a suspensão do recurso até ao trânsito em julgado da sentença a proferir naquela acção.
E, por outro, os recorridos alegaram, por seu turno, inter alia, que os requisitos para o exercício do direito de preferência se reportavam ao momento da venda, ter o seu reconhecimento judicial efeito retroactivo ao momento da alienação da coisa, não ser o seu direito de preferência afectado se viesse a ser decretada a resolução do arrendamento assente em factos posteriores, não ser, por isso, a acção de resolução do contrato de arrendamento prejudicial em relação ao recurso e que, por isso, o pedido de suspensão devia improceder.
O thema decidendum objecto do recurso, desenvolvido no quadro de uma única acção, não envolve, naturalmente, repetição de causas e, consequentemente, qualquer excepção de caso julgado, mas põe-se a questão da autoridade do caso julgado, ou seja, da vinculação da decisão posterior à decisão anterior, pelo que importa determinar o seu alcance.
A propósito do alcance do caso julgado, expressa a lei que a sentença constitui caso julgado nos limites e termos em que julga (artigo 673º do Código de Processo Civil).
Como não passou do Código de Processo Civil de 1939 para o actual o § único do artigo 660º, segundo o qual se consideravam resolvidas em termos de caso julgado, as questões sobre que recaísse decisão expressa e as que constituíssem pressuposto ou consequência necessária desse julgamento, tem vindo a discutir-se o alcance objectivo do caso julgado.
Todavia, a referida circunstância não teve por finalidade a consagração da solução oposta, mas deixar à doutrina o seu estudo mais aprofundado e à jurisprudência a sua solução, caso por caso, mediante os conhecidos processos de integração da lei (Anteprojecto, BMJ, nº. 123, pág. 120).
Ninguém põe em causa que o caso julgado abranja a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão (artigos 659º, nº. 2, in fine, e 713º, nº. 2 e 726º do Código de Processo Civil).
A questão coloca-se em relação aos fundamentos enquanto pressupostos necessários do referido segmento decisório, isto é, se se lhes estende ou não o efeito de caso julgado material.
Tem vindo a ser entendido pela jurisprudência ou que o caso julgado abrange a decisão e os seus fundamentos logicamente necessários, ou que ele abrange a decisão e as questões solucionadas na sentença conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, ou que se restringe à própria decisão (Acs. do STJ, de 1.3.79, BMJ, nº. 235, pág. 648; 18.2.99, BMJ, nº. 484, pág. 318; de 6.2.96, BMJ, nº. 454, pág. 599).
O segmento limites e termos em que julga, a que se reporta o artigo 673º do Código de Processo Civil, significa que a extensão objectiva do caso julgado se afere face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou dos pedidos formulados na acção.
Ninguém põe em causa a asserção de o caso julgado material não abrange as questões meramente instrumentais ou secundárias em relação ao thema decidendum nem as impertinentes, como é o caso de declarações enunciativas, opinativas ou desnecessárias, designadas por obiter dicta.
Todavia há decisões de questões fáctico-jurídicas prévias ou preliminares ao thema decidendum tão lógica e necessariamente conexas com o segmento decisório que este não pode delas ser dissociado na definição do quadro substantivo envolvente.
Os segmentos decisórios de sentenças ou acórdãos do tipo de declaração de absolvição, de condenação, de titularidade do direito de propriedade sobre determinada coisa, de resolução de um contrato, de reconhecimento de um direito de preferência e de substituição do comprador pelo preferente no contrato de compra, de suspensão da instância até que seja decidida noutro processo alguma questão prejudicial, estão tão lógica e necessariamente ligados a decisões de outras questões, como que constituindo um todo unitário, que os primeiros só fazem sentido se interconexionados com as segundas.
Em consequência, e tendo presente a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias e a certeza das relações jurídicas, importa que se conclua no sentido da extensão do caso julgado material à decisão das questões preliminares que sejam antecedente lógico necessário à parte dispositiva do julgado (Acs. do STJ, de 1.3.79, BMJ, nº. 235, pág. 648; de 23.10.86, BMJ, nº. 360, pág. 609; de 24.10.92, BMJ, nº. 419, pág. 648; e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, "Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, págs. 578 e 579).

6. Proferida a decisão judicial, extingue-se, em regra, o poder jurisdicional do órgão jurisdicional que a proferiu (artigo 666º, nº.s 1 e 3, do Código de Processo Civil).
Trata-se do efeito processual do caso julgado em razão do qual o tribunal não pode voltar a pronunciar-se sobre o decidido e ficar vinculado ao respectivo conteúdo, o que se prende com a chamada autoridade do caso julgado decorrente da decisão transitada em julgado.
Dir-se-á que o acto decisório é irrevogável pelo órgão jurisdicional que o pronunciou, dado que, logo que proferido, se lhe esgotam os poderes jurisdicionais sobre a matéria, com a consequência de o seu acto decisório se tornar imutável.

7. Conforme acima já se referiu, este Tribunal considerou, por um lado, que o direito de preferência em causa não se comunicara à recorrida, que ela não tinha de ser notificada para exercer o direito de preferência, que a celebração do contrato de compra e venda só com um dos anunciados compradores relevava na pretensa notificação para a preferência, e que o recorrido não renunciara ao direito de preferência.
E, por outro, que a procedência da acção da resolução do contrato de arrendamento intentada pelo recorrente contra os recorridos fundada em factos posteriores ao contrato de compra venda, com base na qual a instância de recurso foi suspensa até à prolação da concernente decisão, implicava a não manutenção pelo recorrido do direito de preferência.
Decidiu, assim, este Tribunal, salvo o que consta sob 2, todas as questões essenciais objecto do recurso de revista, designadamente a de suspensão da instância de recurso até à decisão a proferir na acção de resolução do contrato de arrendamento, conhecendo e decidindo no sentido positivo a questão logicamente necessária sobre se a resolução do contrato de arrendamento com base em factos posteriores ao contrato de compra e venda implicava a perda pelo recorrido do direito de preferência na compra do prédio.
Não pode o mesmo tribunal decidir de modo contraditório a questão fundamental - não secundária nem mera argumentação enunciativa, opinativa ou obiter dicta - de saber se a resolução do contrato de arrendamento em causa por factos ilícitos posteriores ao contrato de compra e venda do prédio arrendado é ou não susceptível de excluir o direito de preferência pendente de reconhecimento.
Com efeito, como pressuposto lógico-necessário do segmento decisório da suspensão da instância do recurso, este Tribunal já decidiu a referida questão essencial em termos afirmativos, acentuando incisivamente que no caso de procedência da acção de despejo intentada pelo réu/recorrente contra os autores recorridos, com fundamento resolutivo posterior à da venda da coisa locada, o autor marido não manterá o direito de preferência que lhe foi concedido pelo artigo 1º da Lei nº. 63/77, de 25 de Agosto.
O caso julgado material abrange a decisão das referidas questões fundamentais e este Tribunal, por virtude do efeito processual do caso julgado, está vinculado ao que antes e no mesmo recurso decidiu.

8. Em consequência, na retoma do conhecimento do objecto do recurso de revista, no respeito pela autoridade do caso julgado, nas suas vertentes objectiva e adjectiva, cabe apenas a este Tribunal decidir, nesta fase processual, a consequência no âmbito da acção de preferência do resultado da acção de resolução do contrato de arrendamento em causa.
O resultado definitivo da referida acção de resolução do contrato de arrendamento, baseada na falta de residência permanente do recorrido no locado, foi no sentido da sua procedência.
Face ao conteúdo da sentença proferida na referida acção de resolução do contrato de arrendamento, baseada embora em factos resolutivos posteriores à data da celebração do contrato de compra e venda do prédio em causa, tendo em conta o já decidido a propósito por este Tribunal, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que aquela acção eliminou a razão de ser ou o fundamento da acção de preferência.
Decorrentemente, a decisão a proferir nesta fase subsequente do recurso do revista deve ser no sentido de improcedência da acção de preferência e, consequentemente de procedência do recurso de revista e de revogação do recurso de apelação (artigo 284º, nº. 2, do Código de Processo Civil).

Vencidos, são os recorridos responsáveis pelo pagamento das custas da acção e dos recursos (artigo 446º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido e declara-se a improcedência da acção de preferência intentada pelos recorridos contra o recorrente e condenam-se aqueles no pagamento das custas dos recursos e da acção.

Lisboa, 9 de Outubro de 2003
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís (com declaração de voto, no verso)
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DECLARAÇÃO DE VOTO

Não aceito a tese sufragada pelo Ac. do S.T.J. de 06/05/98, proferido nos autos, de que a acção de despejo urbano intentada pelo comprador contra o locatário habitacional (eventual preferente) com base em factos posteriores à venda da coisa locada seja fundamento para a suspensão da instância, como causa prejudicial da acção de preferência e que a procedência dessa acção de despejo tenha a virtude de retirar ao locatário habitacional o seu direito de preferência, conferido pelo artigo 1 da Lei nº. 63/77, de 25/08, dado que este uma vez reconhecido, tem eficácia "ex tunc" de adquirente pelo preferente.
Votei, porém, o acórdão, por força do imperativo legal, previsto no artigo 284º, nº. 2 do C.P.Civil.
Armindo Luís