Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6720/14.5T8LRS.L2.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ADVOGADO
MANDATO FORENSE
PERDA DE CHANCE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
FALTA DE CONTESTAÇÃO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / REVELIA DO REU – RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5.ª ed., p. 428;
- Durval Ferreira, Dano da Perda de Chance, Responsabilidade Civil, 2.ª ed., 2017, Vida Económica, p. 257;
- João Lopes Reis, Representação Forense e Arbitragem, p. 43;
- Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, p. 96;
- Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 9.ª ed., p. 971 e 972;
- Nuno Santos Rocha, Perda de chance Como Uma Nova Espécie de Dano, Almedina, p. 81;
- Patrícia Costa, O Dano da Perda de Chance e a sua Perspectiva no Direito Português, Dissertação de Mestrado, p. 101, in, www.verbojurídico.com/doutrina/2011/patriciacosta danoperdachance;
- Paulo Mota Pinto, Perda de chance processual, RLJ, Ano 145º, Março-Abril de 2016.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 567.º E 682.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 563.º E 566.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-10-1993, CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 12-01-1995, IN CJ. STJ, ANO III, TOMO I, P. 19;
- DE 22-10-2009, PROCESSO N.º 409/09.4YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-04-2010, PROCESSO Nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-09-2010, PROCESSO N.º 171/2002.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-10-2010, PROCESSO N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-11-2012, PROCESSO N.º 29/04.0TBAFE.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-02-2013, PROCESSO N.º 488/09.4TBESP.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-03-2013, PROCESSO N.º 488/09.4TBESP.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT,
- DE 14-03-2013, PROCESSO N.º 78/09.1TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-07-2013, PROCESSO N.º 298/10.6TBAGN.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-11-2013, PROCESSO N.º 1150/10.0TBABT.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-03-2014, PROCESSO N.º 23/05.3TBGRD.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 01-07-2014, PROCESSO N.º 824/06.5TVLSB.L2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-09-2014, PROCESSO N.º 739/09.5TVLSB.L2-A.D.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-09-2014, PROCESSO N.º 15/11.3TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-12-2014, PROCESSO N.º 1378/11.6TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-04-2015, PROCESSO N.º 338/11.1TBCVL.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-05-2015, PROCESSO N.º 614/06.5TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 5105/12.2TBSXL.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-05-2016, PROCESSO N.º 6473/03.2TVPRT.P1.S.1, IN WWW.DGSI.PT;.
- DE 30-11-2017, PROCESSO N.º 12198/14.6T8LSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Numa ação não contestada e que foi processada nos termos abreviados do artigo 567º do Código de Processo Civil, fica vedada ao Supremo Tribunal de Justiça a possibilidade de lançar mão da faculdade de ampliação da matéria de facto, nos termos do artigo 682.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, pois se o fizesse iria abrir indevidamente à discussão a matéria de facto que não foi discutida pela parte a quem incumbia esse ónus.

II. O advogado que, por culpa sua, não contesta a ação está a retirar ao seu cliente a possibilidade de exercer o seu direito de defesa e, consequentemente, a possibilidade de ver apreciados, na ação, os seus argumentos, as suas razões e provas que as suportariam, e dessa forma, intervir ativamente no desenvolvimento e resultado do processo, o que constitui, só por si, um prejuízo ou dano autónomo, na medida em que fez perder ao seu cliente a oportunidade ou a “chance” de evitar um prejuízo.

III. Assim, verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil exigidos pelo artigo 563º do Código Civil, ou seja, o nexo de causalidade adequada existente entre a conduta omissiva e culposa do advogado e o dano sofrido pelo cliente em consequência desta omissão, constitui-se aquele na obrigação de indemnizar o seu cliente pelo referido dano de “perda de chance”, a calcular segundo a equidade, nos termos do disposto no artigo 566.º, nº 3 do Código Civil.

IV. Não tendo o réu deduzido defesa numa ação nem tendo sido produzida qualquer prova, não é possível saber-se qual o grau de probabilidade da procedência ou improcedência dessa ação, caso a contestação tivesse sido apresentada, já que tal dependeria da factualidade que, após audiência, viesse a ser fixada, pelo que será de fixar o grau da possibilidade de ocorrer uma ou outra situação (procedência, improcedência – total ou parcial) em 50% para cada uma das partes.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL

I. Relatório


1. AA instaurou contra BB, ação declarativa sob a forma comum, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:

 - a título de indemnização, pelo incumprimento do contrato de mandato forense, a quantia de € 10.693,40, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação da ré e até efetivo pagamento.

- o valor que vier a ter que pagar à “CC, Lda.”, por efeito da sua condenação no processo n.° 30/14.5TVLSB, acrescido do valor que vier a ter que pagar, a título de custas desse processo e do processo n.º 1370/13.6TVLSB, deduzidos do montante que o autor vier a recuperar por efeito da ação referida no art. 67.° da P.I., a liquidar em execução de sentença, acrescidos de juros após a liquidação, até integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a Ré um contrato de mandato forense, nos termos do qual esta se comprometeu a praticar em nome do Autor um conjunto de atos no âmbito dos processos n.° 30/14.5TVLSB, e n.º 1370/13.6TVLSB, que correram termos pela extinta … Vara Cível de Lisboa.

O Autor emitiu procuração forense, procedeu ao pagamento de taxas de justiça e entregou provisão para despesas.

Todavia, nenhum ato foi praticado naqueles processos, incluindo o pagamento de taxas de justiça, o que determinou a condenação do ora autor na entrega de uma viatura automóvel, em sede de procedimento cautelar, e a subsequente condenação no processo principal, constituindo-se a ré, pela violação culposa do contrato de mandato, na obrigação de reparar os prejuízos causados ao autor. 


2. Citada, pessoal e regulamente, a ré não contestou no prazo legal, pelo que foi proferido despacho considerando confessados os factos articulados na petição inicial.

                                                                      

3. Produzidas alegações escritas, foi proferida sentença que condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de 10.000,00 Euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença.


4. Inconformada com esta decisão, dela apelou a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão constante de fls.177, decidiu anular a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à 1ª instância, afim de aí proceder-se à fixação da matéria provada e subsequente subsunção ao direito, ficando prejudicado o conhecimento do objeto do recurso.


5. Foi proferida nova sentença que, após a fixação dos factos provados, julgou a ação procedente por provada e, em consequência, condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 10.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a data da sentença.

                                                                      

6. Inconformado com esta decisão, dela apelou o autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão proferido em 18.10.2018, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.


7. Inconformado, de novo, com esta decisão, dela interpôs o autor recurso de revista excecional, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:


«1. O presente Recurso é interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, em 18.10.2018, que julgou improcedente o recurso de apelação, mantendo na íntegra a Sentença de primeira instância, que julgou parcialmente procedente a acção de responsabilidade civil por incumprimento de contrato de mandato forense, pela qual o aqui Recorrente peticionou €1.193,40 (DUCs, referentes a taxas de justiça por processos nos quais aquela Advogada não teve intervenção): €1.000,00 (relativo a provisões de honorários); €8.500,00 (valor de referente ao valor comercial do veículo propriedade do Recorrente) e €36.000,00, que corresponde ao valor da condenação nas acções não contestadas, (depois de abatidos os €4.513,00 a que fora condenada a gerente daquela sociedade.);

2. Preliminarmente à exposição dos fundamentos do presente recurso, o Recorrente pretende, ao abrigo do art.º 629.º, n.º 2, al. b) do CPC, sindicar o valor da causa atribuído pelo Tribunal a quo, que se limitou a fixar tal valor em €10.693,40, o que, salvo o devido respeito, não corresponde à efectiva utilidade económica dos pedidos formulados, atento o disposto no n.º 1 do art.º 296.º do CPC, devendo ser atribuída à presente acção, ao invés, o valor de €42.180,40.

3. Tal determinação suscitada pelo Recorrente, igualmente no recurso de apelação, não foi expressamente decidida, no entanto, o douto Tribunal da Relação, acabou por admitir e decidir o recurso de agravo, considerando verificar-se o necessário valor de decaimento para o efeito, pelo que ter-se-á de considerar que a presente causa tem um valor superior à alçada do Tribunal de que se recorre (30.000,01) e um decaimento superior a metade da alçada desse Tribunal (€15.000,01), cfr. 629.2, n.2 1 do CPC, devendo o presente recurso ser admitido.

4. O douto Tribunal da Relação mantém na integra a Sentença recorrida, condenando a R., aqui Recorrida, por incumprimento culposo do mandato forense, numa indemnização de apenas €10.000,00, com base em juízos de equidade, para ressarcimento do dano de “perda de chance”, sem que se fundamentem devidamente as razões que levaram à determinação de tal valor, e sem se conseguir descortinar o silogismo lógico-dedutivo por detrás dessa decisão, não se alcançando da fundamentação quer da Sentença quer do douto Acórdão, o porquê da fixação de €10.000,00, face aos demonstrados e provados valores em causa, num total de €42.180,40, que o Recorrente efectivamente suportou.

5. Entenderam, ainda, aquelas instâncias que, relativamente aos pedidos referentes ao valor pago dos DUCs de taxas de justiça não utilizados nos processos, no valor total de €1.193,40 e ao valor pago a título de provisões de honorários de €1.000,00, não poderiam ser ressarcidos, atento “Os valores peticionados, não podem ser qualificados como directamente causados pela conduta da Ré - fls. 93/pág.9 da sentença” (…) o mandato forense foi exercido, ainda que de forma defeituosa.”.

6. Salvo o devido respeito, não se poderá concordar com tal entendimento na aplicação do Direito em causa, não tendo sido dada à presente acção uma decisão justa ou, sequer, equitativa, tratando-se o caso sub iudice como se estivesse em causa um mero “cumprimento defeituoso” do mandato forense, violado culposamente pela Recorrida, quando ao invés, a Recorrida não praticou sequer qualquer acto processual nas acções judiciais que condenaram o Recorrente, em revelia absoluta, no pagamento de €36.000,00 e levaram à perda da sua viatura no valor de €8.500,00;

7. Sem esquecer que a advogada, aqui Recorrida, fora condenada criminalmente no crime de prevaricação de …, pelos actos sub iudice, por Acórdão de 27.12.2017, proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Criminal de … - Juiz …, no âmbito do Processo nº 4467/12.6TALRS, confirmado pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de 05.06.2018, cfr. Doc. n.º 1, requerendo-se a sua junção, nos termos do art.º 680, n.º 1.º do CPC, por só agora ter sido possível atenta a data do mesmo;

8. Acresce que, na presente acção, o Recorrente foi impossibilitado, mais uma vez, de proceder à produção de prova (em julgamento) atenta o efeito cominatório da revelia absoluta da R. nesta acção, o que determinou a imediata prolação de Sentença, nos termos do art.º 567.º, nº 2 do CPC, tendo o Tribunal a quo, depois de dar como provados todos os factos articulados na pi., vindo mais tarde, em cumprimento do Acórdão do Tribunal da Relação de 06.07.2017, especificar que só dava por provados os artigos 1.º a 35.º da pi., e que os restantes seriam meramente conclusivos.

9. Ora, se a fixação do dano de perda de chance está intrinsecamente relacionada com a probabilidade da não condenação na providência cautelar e acção principal em que o Recorrente fora condenado em revelia absoluta, deveriam os Tribunais a quo possibilitar tal prova, nomeadamente por recurso a testemunhas, o que não foi feito, denegando-se ao Recorrente o direito à Tutela Jurisdicional Efectiva constitucionalmente protegido.

10. Caso o douto Tribunal entenda, desse modo, não estar provada qual a probabilidade de não condenação nas acções judiciais em que o Recorrente fora condenado, deverá ser determinada ampliação da matéria de facto, com o inerente julgamento em primeira instância, ao abrigo do art.º 682.º, n.º 3 do CPC;

11. Ora, apesar de estarmos perante um caso de dupla conforme, deverá ser admitido o presente recurso excepcional de revista, atento estarmos perante questões que assumem particular relevância no ordenamento jurídico, em especial para uma melhor aplicação do Direito, já que os moldes do apuramento do ressarcimento dos danos de “perda de chance” no âmbito do incumprimento do mandato forense, carecem, ainda, de um melhor desenvolvimento jurisprudencial, mormente quanto:

ao modo de determinação daquele dano, que não está expressamente previsto no CC, consubstanciado numa responsabilidade que não se enquadra nem na contratual, nem na extracontratual, mas sim numa “terceira via de responsabilidade”.

À necessidade de apurar se tal dano da “perda de chance”, que visa ressarcir a perda de oportunidade, face à impossibilidade de se comprovar o nexo de causalidade entre os factos praticados e o prejuízo real que provocariam, abrange outros danos patrimoniais que resultem do incumprimento contratual e de outros delitos, como os criminais, praticados pelo mandatário forense, como sejam os referidos valores pagos a título de taxas de justiça e honorários de advocacia.

12. O mandato forense - contrato atípico que representa uma obrigação de meios, diligência e zelo próprios do estatuto da Advocacia - quando violado, comportará uma responsabilidade civil contratual perante o mandante, podendo ainda gerar uma responsabilidade civil delitual se forem violados outros deveres não incluídos no contrato, o que se verificou no presente caso, já que os factos praticados pela Recorrida fundaram a sua condenação no crime de prevaricação de advogado, o que terá de ser devidamente valorado.

13. Encontramos na Doutrina e Jurisprudência a construção da indemnização da perda de chance, principalmente, no âmbito da violação do mandato forense, aplicável aos casos em que existiria elevada probabilidade de sucesso ou absolvição do mandante, não fosse o incumprimento pelo mandatário dos seus deveres contratuais, em que se perdeu irremediavelmente a oportunidade de o mandante ver o seu direito exercido ou reconhecido - tal como se verificou nos presentes autos - em que a Advogada Recorrida, que nem sequer juntou a procuração forense no âmbito das acções judiciais, não praticou qualquer acto processual, nomeadamente as devidas contestações, o que implicou a confissão integral dos factos contra o aqui Recorrente (por alegado incumprimento contratual deste), assim condenado a pagar €36.000,00 (quantia já paga no âmbito de acção executiva);

14. Deste modo, têm os Tribunais recorrido à figura do dano da perda de chance para atribuírem uma indemnização, que deverá ser fixada de acordo com o grau de probabilidade de sucesso ou não vencimento no litígio em causa, tal como podemos extrair do douto Acórdão do STJ de 05.02.2013, Proc. n.º 488/09.4BESP.P1.S1 supra citado no ponto 24.

15. No entanto, apenas se poderá aplicar a referida teoria da perda de chance, quando exista uma incerteza do dano real, como se admite ser o caso dos danos peticionados a título da condenação do Recorrente no pagamento de €36.000,00, por força da sua condenação judicial nos processos não contestados, mas já não, quando exista prova directa da existência de danos reais e do nexo de causalidade entre a conduta e os danos sofridos;

16. Ora, os valores que o Recorrente pagou à Recorrida, num total de €2.193,40 (honorários e taxas de justiça), configuram, sem margem para dúvidas, um dano efectivo e directo, ressarcível nos termos do art.º 566.º, n.º 1 do CC, não cabendo aqui o recurso à equidade, já que este dano é perfeitamente quantificável.

17. Mais, tais danos não resultam apenas do incumprimento contratual do mandato, já que ao contrário do entendimento do douto Tribunal a quo é falso que o mandato tenha sido exercido, embora de modo defeituoso.

18. Não houve aqui qualquer cumprimento defeituoso mas sim um verdadeiro acto delitual, criminoso, de aparência de mandato, já que o mandato forense foi completamente omitido, não tendo a … Recorrida praticado qualquer acto processual no âmbito dos processos judiciais nos quais o Recorrente fora condenado, não chegando, sequer, a efectuar qualquer contra-prestação, tal como resulta provado nos autos do processo-crime em que fora condenada, já que ludibriara o aqui Recorrente, mantendo-o, no engano, de que estaria a assegurar a defesa do mesmo, quando ao invés, nada fez, cfr. Doc. n.º 1.;

19. Há sim uma aparência de mandato já que a Advogada aceitou o patrocínio, recebendo valores do Recorrente, com o fito e a intenção de nada fazer, o que obriga a uma responsabilização efectiva pelas quantias que o mesmo despendeu directamente com tal contrato de mandato.

20. E não se diga que o mandato forense por ser um contrato de obrigação de meios e não de resultados obsta a que se apure o nexo causal entre tal dano e a conduta da Advogada, já que os ilícitos em causa transcendem em muito o mero incumprimento contratual, consubstanciando, ao invés, verdadeiros ílícitos criminais e delituais.

21. Se o Recorrente, para o fim único de defesa nas acções em causa, entregou à Recorrida, o valor de €1.000,00, a título de honorários e pagou €1.193,40 de taxas de justiça não utilizadas nesses processos, e aquela nada fez, ou melhor, enganou propositadamente o Recorrente fazendo crer que estava a assegurar o seu patrocínio quando na verdade não estava, é certo que o dano que daí resulta é, desde logo, a perda total de tais valores, exigindo-se o seu ressarcimento na íntegra, sendo tal valor totalmente quantificável e evidente o nexo causal entre a omissão criminal e culposa da Recorrida e tais danos;

22. Quanto ao dano da perda de chance, não se percebe como pode o Tribunal a quo afirmar não ser possível “determinar qual seria o provável (...) desfecho jurídico da causa” e, ao mesmo tempo, considerar-se que a “chance de vencimento é suficiente”, “Concluindo-se, que para haver indemnização, a probabilidade de ganho há-de ser elevada (...)”, não se conseguindo alcançar quais os critérios usados para balizar os limites da indemnização em causa, que deveria corresponder, no mínimo, à probabilidade que o Recorrente teria de não ser condenado nas referidas acções, tal como defende o douto Acórdão do STJ de 05.02.2013, Proc. n.º 488/09.4BESP.P1.S1, vide ponto 41.;

23. O Tribunal deveria atender ao grau de probabilidade do vencimento ou não condenação nos litígios em causa, o que só conseguirá apurar com recurso ao chamado «trial within the trial», o que, tal como referido supra, foi negado ao Recorrente, já que este ficou impossibilitado de fazer prova na presente acção, nomeadamente em julgamento, da existência dos seus direitos, que iriam ditar a dita probabilidade de não ser condenado nas outras acções, pelo que deverá ser ampliada a matéria de facto nos termos do art.º 682.º, n.º 3 do CPC;

24. Deste modo, o douto Tribunal da Relação não fixou o mesmo quais os limites dentro dos quais balizou a indemnização calculada com base na equidade, nos termos do art.º 566.º, n.º 3 do CC.

25. Salvo o devido respeito, não permitir ao Recorrente a prova concreta da possibilidade de não ser condenado nas acções judiciais em causa, para se concluir ser impossível provar qual seria o provável desfecho, afirmando-se ao mesmo tempo existir probabilidade de ganho séria e elevada, para no final, arbitrar uma indemnização de apenas €10.000,00, correspondente a apenas cerca de 25% do possível dano real, é desrazoável, injusto e atentatório da boa aplicação do Direito.

26. Deveria, ao invés, o Tribunal a quo, ter seguido os moldes de decisão do douto Acórdão do STJ, que o próprio cita, Proc. n.º 488/09.4BESP.P1.S1, cfr. supra ponto 46., que bem explica como se deverá calcular a indemnização pelo dano da perda de chance: “aplica-se o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado de tal operação o valor da indemnização a atribuir pela perda da chance”, arbitrando, no final, uma condenação correspondente a 50% do pedido de condenação.

27. Ora, na pior das hipóteses, dever-se-ia, no presente caso, ter-se igualmente arbitrado uma indemnização nunca abaixo dos 50% do valor dos danos reais sofridos, mormente de todas as quantias que o Recorrido foi obrigado a pagar, e jamais num valor que não chega sequer a atingir os 25% dos danos realmente sofridos.

28. E mais, sem sequer se indicar, afinal, qual a probabilidade que efectivamente foi considerada pelos Tribunais a quo, de o Recorrente poder ser absolvido nas referidas acções judiciais.

29. De resto, não se venha dizer que uma indemnização fixada segundo critérios de equidade não poderá ser sindicável junto do STJ, por não traduzir uma resolução de questão de direito, já que não está em causa o mero cálculo da indemnização, mas os próprios limites da aplicação dos critérios da equidade em causa, no âmbito de um regime de responsabilidade civil específico (da perda de chance no âmbito da violação do mandato forense), a que acrescem ainda as especificidades do caso em concreto, tendo, aliás, o próprio STJ, no supra referido Proc. n.º 488/09.4BESP.P1.S1, fixado o valor da indemnização, negada pelas instâncias inferiores, com base em critérios de equidade, por si delimitados, apesar da dupla conforme existente, o que bem denota os poderes do STJ conhecer e decidir sobre este tema de extrema actualidade e importância».


Termos em que requer seja revogado o acórdão recorrido.


8. A ré não apresentou contra-alegações.


9. A Formação de Juízes a que alude o art. 672º, nº3 do CPC, admitiu a revista excecional.


10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz e uma vez que, face ao decidido no Acórdão da Formação constante de fls. 500 a 502, ficou resolvida a questão atinente ao valor da causa, as únicas questões a decidir consistem em saber se:


1ª- existe fundamento determinar a ampliação da matéria de facto ao abrigo do disto no art. 682º, nº3 do CPC;


2ª- é equitativo o valor fixado como ressarcimento da “perda de chance” processual.



***



III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


Foram considerados provados os seguintes factos:


1. A R. exerce a profissão de Advogada, encontrando-se inscrita na Ordem dos Advogados sob a cédula n.º …;


2. Em 6 de Agosto de 2013, o A. foi citado no procedimento cautelar comum que correu termos na … Vara Cível de Lisboa, sob o n.º 1370/13.6TVLSB promovido pela “CC, Ld.ª”, pesso colectiva n.º 5…, com sede na Avenida …, n.º …, ..., em …, no qual esta requeria que fosse “decretada decisão cautelar que permita a requerente entrar na posse da sua viatura [com a matrícula ...-DT-...] e respectivos documentos”;


3. Nessa data, a R., exercia o mandato judicial em acções relacionadas com a família do A., a saber partilhas por óbito de DD, mãe do A., conforme procuração emitida, em Dezembro de 2012, pela cabeça de casal da respectiva herança, EE;


4. Assim, porque a R. era advogada de seus familiares, e cujo escritório se situava, à data, a escassos metros da sua residência, no dia seguinte à citação, 7 de Agosto de 2013, o A. entregou à R., em mão, uma cópia da referida citação, tendo subscrito procuração forense cuja minuta esta lhe facultou, e em cuja posse ficou, conferindo-lhe a sua representação nesse procedimento.


5. No dia 12 de Agosto de 2013, o A., a solicitação da R., procedeu ao pagamento, no multibanco, de €550,80 (quinhentos e cinquenta euros e oitenta cêntimos), relativos ao Documento Único de Cobrança com a referência 70….0, que a R. lhe entregou, a título de taxa de justiça alegadamente necessária à apresentação de oposição no procedimento supra.


6. E, no dia 16 de Agosto de 2013, o A., a solicitação da R., pagou-lhe, a título de provisão para despesas e honorários, a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), por transferência bancária para a conta da R.,


7. Não tendo a R. entregue ao A. qualquer quitação desse valor;


8. Em 1 de Outubro de 2013, o R. foi contactado telefonicamente pela Polícia de Segurança Pública, a qual lhe comunicou que o Tribunal Cível de Lisboa tinha ordenado a apreensão do veículo com a matrícula ...-DT-... e respectivos documentos, solicitando-lhe que procedesse à sua entrega;


9. Nesse mesmo dia, às 09h41, o A. enviou uma mensagem escrita do seu telemóvel para o telemóvel da R. com o texto “Bom dia Dr BB O tribunal mandou apreender-me a ….. [o veículo com a matrícula ...-DT-...] Como vamos fazer? Obrigado”;


10. Pouco depois, às 09h51, o A. recebeu no seu telemóvel uma mensagem escrita provinda do telemóvel da R. com o texto “Tem de recorrer já vier[am] buscar?”;


11. Ainda nesse dia, às 15h06, o A. recebeu no seu telemóvel uma mensagem escrita provinda do telemóvel da R. com o texto “Já fui ver o processo e ainda hoje entrego o recurso. Não entregue o carro [o veículo com a matrícula ...-DT-...]. Só conseguirei falar consigo lá para as 19. Até já.”;


12. Dias depois, em data que não consegue precisar, a R. solicitou ao A. um reforço da provisão aludida no artigo 6.º no valor de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), o qual foi pago pelo A., em numerário, no escritório da R., a 9 de Outubro de 2013, não lhe tendo esta entregue qualquer quitação desse valor;


13. A 5 de Dezembro de 2013, o veículo com a matrícula ...-DT-... foi apreendido, na via pública, pela Polícia de Segurança Pública;


14. Na sequência desse evento, o A. contactou a R. e solicitou-lhe que promovesse o procedimento judicial necessários a fazer valer os direitos que o A. entendia ter sobre a CC, Ld.ª (e que se esclarecerão infra), tendo a R. comunicado ao A. que, dado que no âmbito do procedimento cautelar “já não havia nada a fazer”, ela iria promover uma acção declarativa de condenação contra aquela empresa, para fazer valer esses referidos direitos;


15. Nessa sequência, e através de mensagem de correio electrónico enviada, a 17 de Dezembro de 2013, do endereço de correio electrónico, … …. @vodafone.pt, para o endereço de correio electrónico, … …. @receitavip.com, a R. enviou a este “a guia para o pagamento de custas” com a propositura da supra referida acção declarativa de condenação e “o meu nib para transferir honorários”;


16. No dia seguinte, 18 de Dezembro de 2013, o A. procedeu ao pagamento, no multibanco, de €642,60 (seiscentos e quarenta e dois euros e sessenta cêntimos), relativos ao documento único de cobrança com a referência 70…3, que lhe fora enviado pela R., em ficheiro PDF anexo à sobredita mensagem de correio electrónico, a título de taxa de justiça necessária à apresentação de petição inicial de acção declarativa de condenação contra a CC, Lda.;


17. Ainda no dia 18 de Dezembro de 2013, o A. transferiu da sua conta bancária para a conta bancária titulada pela R., cujo NIB esta indicou na sobredita mensagem de correio electrónico, a quantia de €500,00 (quinhentos euros), para pagamento de provisão de honorários relativos à apresentação da sobredita petição inicial;


18. Não tendo a R. entregue ao A. qualquer quitação desse valor;


19. Tendo durante os sucessivos dias do mês de Dezembro de 2013, solicitado, telefonicamente, à R., que lhe enviasse cópia da petição inicial a que esta lhe garantiu que tinha dado entrada, sem obter desta qualquer resposta, o A, a 31 de Dezembro de 2013, enviou uma mensagem escrita do seu telemóvel para o telemóvel da R. com o texto “Bom dia Dr. BB, preciso que me envie a cópia dos processos contra a firma CC, do primeiro, e, do segundo obrigado”.


20. A referida mensagem não teve qualquer resposta, não tendo o A., apesar de inúmeras tentativas telefónicas, logrado entrar em contacto com a R..


21. A 16 de Janeiro de 2014, o A. foi citado na acção declarativa de condenação que correu termos … Vara Cível de Lisboa, sob o n.º 30/14.5TVLSB, promovida pela mesma CC, Ld.ª, peticionando que o aí Réu fosse “condenado a entregar à Autora os documentos da viatura […] a indemnizar a Autora pelos danos que por via do facto ilícito foram causado no valor peticionado [€36.000,00] nos juros de mora decorrentes dos danos e do incumprimento até ao efectivo cumprimento”.


22. No dia seguinte, 17 de Janeiro de 2014, às 14h38, o A., enviou uma mensagem escrita do seu telemóvel para o telemóvel da R. com o texto “Bom tarde Dr. BB, liguei-lhe na parte da manhã, como não pode atender, quero informar que recebi uma carta do tribunal, relacionada com a CC”.


23. Pouco depois, às 14h53, o A. recebeu no seu telemóvel uma mensagem escrita provinda do telemóvel da R. com o texto “Eu estava num julgamento. Vou agora a um reconhecimento e já lhe ligo. Até já.”


24. Logo de seguida, em data e hora que não pode precisar, o A. foi contactado, telefonicamente, pela R., a qual lhe confirmou que “também tinha recebido a mesma carta do tribunal”, e que “não havia razão para [o A.] se preocupar”, pois “a situação estava tratada”.


25. Mantendo-se o silêncio da R., não atendendo esta os telefonemas do A. pedindo esclarecimentos, e tendo, entretanto, a R. encerrado o seu escritório na …, o A., a 10 de Fevereiro de 2014, enviou uma mensagem escrita do seu telemóvel para o telemóvel da R. com o texto “Bom dia Dra BB, estou um pouco apreensivo de nunca mais me ter dito nada em relação ao sr. engenheiro e também em relação aos assuntos relacionados com a CC, se não puder ir, mande-me o n.º dos processos, para eu poder reaver o dinheiro do seguro. Obrigada”.


26. Como, nos dois dias decorridos, não teve qualquer resposta à sua supracitada mensagem, o A. no dia 12 de Fevereiro de 2014, às 10h42, enviou uma mensagem escrita do seu telemóvel para o telemóvel da R. com o texto “Bom dia Dra BB. Estou a aguardar há vários dias que a senhora me mande o n.º dos processos relacionados com a CC, assim como também, do n.º do processo de partilhas de …, não consigo compreender a demora na entrega dos mesmos, preciso desses dados com urgência, obrigada”;


27. Pouco depois, às 12h25, o A. recebeu no seu telemóvel uma mensagem escrita provinda do telemóvel da R. com o texto “Peço imensa desculpa pelo meu lapso. Ainda hoje lhe envio toda a informação”.


28. Não foi, todavia, enviada qualquer informação, nem o A. logrou contactar a R.;


29. Pelo que, durante o mês de Março de 2014, o A. voltou a tentar contactar reiteradamente, ao telefone, a R., para lhe solicitar que lhe entregasse os processos a seu cargo – tendo-se até dirigido, em vão, a casa desta, em … – tendo esta, respondido, invariavelmente, ao A. que não se preocupasse e que, assim que tivesse tempo, lhe daria todas as informações necessárias.


30. Estranhando a situação, e preocupado com o estado do processo movido contra si, no início de Abril de 2014, o A. dirigiu-se à secretaria da … Vara Cível de Lisboa para indagar do estado do mesmo, tendo-lhe sido aí dito que o processo não tinha sido contestado e que a sentença já lhe tinha sido remetida pelo correio;


31. Foi ainda o A. informado que, nem no referido processo, nem no procedimento cautelar dependência do mesmo, e que já lhe estava apenso, com o n.º1370/13.6TVLSB, tinha sido praticado qualquer acto em seu nome, ou paga qualquer taxa de justiça;


32. A 8 de Abril de 2014, o A. foi notificado da sentença proferida na acção declarativa de condenação supra identificada, condenando-o no pedido aí transcrito;


33. Logo nesse dia, às 10h07, o A. enviou uma mensagem escrita do seu telemóvel para o telemóvel da R. com o texto “Bom dia senhora Dra BB. Após a ausência da sua chamada informo, que acabei de receber do tribunal a sentença condenatória sobre o processo que a senhor nunca contestou sobre a firma CC, ainda que para isso tenha sido pago os seus honorários. Desta forma, informo que se a senhora Dra. não me der uma explicação hoje até às 18 horas do motivo da não contestação, amanhã apresentarei uma queixa contra a senhora, na ordem dos advogados, e também nos tribunais competentes”;


34. No dia seguinte, 9 de Abril de 2014, às 11h05, o A. recebeu no seu telemóvel uma mensagem escrita provinda do telemóvel da R. com o texto “Bom dia Sr. AA, ontem foi-me impossível contactá-lo, estou num interrogatório. E tenho outra diligência depois do almoço, assim que terminar eu falo consigo. Cumprimentos”;


35. No entanto, a R. não veio a contactar o A., nem nessa data, nem nunca mais, seja presencial, telefonicamente ou por escrito;


36. Assim, nos termos que tinha comunicado, nesse mesmo dia 9 de Abril de 2014, o A. apresentou participação dos factos acima elencados na Ordem dos Advogados;


37. Tendo, ainda nessa data, o A. entregado uma participação idêntica junto da Polícia Judiciária, correndo o respectivo inquérito sob o n.º 1828/14.0/TALRS.


Factos não provados:


Entendeu o Tribunal de 1ª Instância que “A demais matéria não é alvo de resposta dado que tem carácter conclusivo, está inserida nos círculos de esclarecimentos da matéria integrada nos factos provados, constituem considerações de direito ou não têm relevância para a decisão a tomar nos autos”.



***



3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se, essencialmente, com as questões de saber se existe fundamento determinar a ampliação da matéria de facto ao abrigo do disto no art. 682º, nº3 do CPC e se é equitativo o valor fixado como ressarcimento da “perda de chance” processual.



*



3.2.1. Antes, porém, impõe-se tomar posição sobre o pedido formulado pelo recorrente, nas suas alegações de recurso e ao abrigo do disposto no art.° 680.°, n.° 1 do Código de Processo Civil, de junção aos autos do documento constituído por uma fotocópia de um acórdão, que não se mostra assinado, proferido em 27.12.2017, no Proc.° nº 4467/12.6TALRS da Secção Criminal da Instância Central da Comarca de … e que condenou a ora recorrida, como  arguida, pela prática de dois crimes de prevaricação de advogada e um crime de falsificação de documento agravado.

A fundamentar este pedido, alega o autor tratar-se de um documento superveniente, visto ter sido confirmado por Acórdão do Tribunal da Relação, datado de 05.06.2018.

Neste domínio, dispõe o art. 680º, nº 1 do CPC que «Com as alegações podem juntar-se documentos supervenientes, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 674º e no nº 2 do artigo 682º».

Decorre, assim, da articulação destas normas que a possibilidade de junção de documentos no âmbito do recurso de revista não só é excecional como é bem mais restrita do que o regime previsto para a apelação no art 651º do CPC.

Com efeito, como refere Abrantes Geraldes[2], «uma vez que está praticamente vedado ao Supremo alterar a decisão da matéria de facto provada, a aplicabilidade do preceito está reservada para os casos em que as instâncias tenham considerado provado um facto para o qual a lei exigia prova documental ( v.g. escritura pública ou certidão de registo), com violação do direito probatório material, sustentando-o apenas em prova testemunhal ou em confissão, situação que pode ser regularizada, sem prejudicar o resultado, mediante a junção de documento que seja superveniente».

Ora, porque nada disto acontece no caso dos autos e porque nem sequer está demonstrada a superveniência do documento em causa, uma vez que quer a data dele constante (27.12.2017), quer a data (05.06.2018) do alegado acórdão do Tribunal da Relação (que nem sequer foi junto) são anteriores à prolação do acórdão recorrido, não se admite a sua junção aos autos, pelo que o mesmo não será tido em consideração.


*


3.2.2. Ampliação da base instrutória.


Sustenta o recorrente que, tendo sido aplicada na presente ação a cominação semi-plena prevista no nº1 do art. 567º do CPC, ficou impedido de, em julgamento, proceder à produção de prova quanto à probabilidade de não ser condenado na providência cautelar e na ação principal caso a ré tivesse contestado estes dois processos, pelo que os Tribunais a quo ao considerarem conclusivos alguns dos factos alegados e ao não possibilitarem ao autor a prova dessa probabilidade, nomeadamente por recurso a testemunhas, violaram o direito do recorrente à tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente protegido.

Defende, por isso, que, caso este Supremo Tribunal entenda não resultar provada a referida probabilidade, deverá ser determinada ampliação da matéria de facto, com o inerente julgamento em primeira instância, ao abrigo do art.º 682.º, n.º 3 do CPC.

Julgamos, porém, não lhe assistir qualquer razão.

Desde logo, porque não se vê que seja possível provar-se uma tal probabilidade, estando-se, por isso, perante matéria insuscetível de ser provada.

Mas mesmo que assim não fosse, a verdade é que o Supremo Tribunal de Justiça, numa ação não contestada e que foi processada nos termos abreviados do art. 567º do CPC (como é o caso da presente ação), nunca poderia lançar mão da faculdade de ampliação da matéria de facto, nos termos do art.º 682.º, n.º 3 do CPC, pois se o fizesse iria abrir indevidamente à discussão a matéria de facto que não foi discutida pela parte a quem incumbia esse ónus.

Daí ter de considerar-se definitiva, por confessio ficta decorrente da revelia do réu, a matéria de facto articulada pelo autor, desde que não careça de ser provada por prova documental nem seja de natureza conclusiva, pois, como é consabido, aquela confissão incide apenas sobre factos e não sobre conclusões.

E sendo assim, inexiste fundamento para este Tribunal determinar a ampliação da matéria de facto, nos termos dos arts. 682º, nº 2 e 674º, nº 4, ambos do CPC, não se vislumbrando que a cominação contida no citado art. 567º, nº1 do CPC, constitua violação do direito do recorrente à tutela jurisdicional efetiva.



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3.2.3. Dano de “perda de chance” e sua quantificação


Defende o autor que, não tendo a ré, sua mandatária judicial constituída, deduzido oposição no procedimento cautelar comum que correu termos na …Vara Cível de Lisboa sob o nº 1370/13.6TVL, promovido contra ele pela “CC, Ldª” nem tendo apresentado contestação na ação principal nº 30/14.5TVLSB que esta requerente instaurou contra ele e que correu termos na mesma Vara, obstou a mesma, ilícita e culposamente à perda de chance por parte do autor de evitar a sua condenação, verificando-se, portanto, o nexo de causalidade adequada entre aquela conduta omissiva e os danos da sua condenação.   



*



Estamos, pois, perante um contrato de mandato atípico, denominado mandato forense, com poderes de representação que, na definição de João Lopes Reis[3], se apresenta como «o contrato pelo qual um advogado (ou um advogado estagiário, ou um solicitador) se obriga a fazer a gestão jurídica dos interesses cuja defesa lhe é confiada, através da prática, em nome e por conta do mandante, de actos jurídicos próprios da sua profissão».

Trata-se, por isso, de um contrato sujeito ao regime especial do Estatuto da Ordem dos Advogados vigente à data da sua celebração, (no caso o EAO, aprovado pela Lei nº 12/2010, de 25.06), sendo-lhe ainda aplicável, a título subsidiário, o regime civilístico do mandato constante dos arts. 1157º a 1184º,  do C. Civil.

Por força do estatuto e da regulamentação próprios da atividade profissional dos mandatários forenses, o advogado, no cumprimento do mandato forense, está sujeito, para além de outras obrigações, ao dever prescrito no art. 83º, nº1 do referido EOA de «ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem», devendo, nos termos do art. 92º, nº 2, do EOA « agir  de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas ».

Nas relações com o cliente, está ainda sujeito ao dever específico constante do art. 95º, nº1, al. b) do referido EOA de «estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade», devendo, de acordo com o estipulado no art. 103, nº1, do mesmo diploma, «em qualquer circunstância, actuar com diligencia e lealdade na condução do processo» .

E ainda que nesse cumprimento não se inclua, por regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender os interesses do mandante diligentemente, segundo as regras da arte, com o objetivo de vencer a lide, visto tratar-se de uma obrigação de meios[4], e não de resultado, certo é que o incumprimento dos referidos deveres por parte do advogado constituído pode implicar responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante.

De resto, foi precisamente neste contexto que o autor enquadrou a sua pretensão indemnizatória, fundando-a no facto de ter celebrado com a ré um contrato de mandato forense, nos termos do qual esta comprometeu-se a praticar em representação do autor, um conjunto de atos no âmbito dos autos de providência cautelar nº 1370/13.6TVLSB e na ação nº 30/14.5TVLSB, que correram termos pela extinta … Vara Cível de ..., e de a mesma não ter praticado nenhum ato, o que determinou a sua condenação, em sede do procedimento cautelar, na entrega à CC, Ldª” do veículo com a matrícula  ...-DT-... e respetivos documentos e, no âmbito da ação principal, na entrega dos documentos do referido veículo e no pagamento àquela de indemnização no montante de € 36.000,00, acrescida de juros de mora até efetivo pagamento,  frustrando a expetativa do ora autor de evitar essa condenação.

Foi também nesta mesma linha de entendimento que, quer o Tribunal de 1ª Instância, quer o Tribunal da Relação, consideraram que se tratava de uma questão de perda de oportunidade ou “perda de chance” processual, traduzida num dano aferível pela probabilidade séria e real da defesa do recorrente vir a ter vencimento.

E a verdade é que não vemos razão para dissentirmos deste entendimento, pois é mais do que evidente a importância fulcral que tem, para a defesa de um réu em qualquer procedimento cautelar e/ou ação, a apresentação da contestação, num sistema jurídico como o nosso, dominado pelo princípio do contraditório.

Com efeito, basta atentar neste princípio que, nas palavras de Lebre de Freitas[5], consubstancia-se na «garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão», para facilmente se concluir que o advogado que, por culpa sua, não contesta a ação está a retirar ao seu cliente a possibilidade de defesa e, consequentemente, a possibilidade de ver apreciados, na ação, os seus argumentos, as suas razões e provas que as suportariam, e dessa forma, intervir ativamente no desenvolvimento e resultado do processo.

Dito de outro modo, está a privar o autor, seu cliente, do exercício do seu direito de defesa que, para além de constituir um bem jurídico fundamental, protegido pela lei processo civil (cfr. art. 3º, nº 3) e pela Constituição da República Portuguesa (cfr. art. 20º, nº 1), constitui também, no caso dos autos, um bem jurídico tutelado pelo contrato de mandato forense celebrado entre o autor e a ré.

Foi precisamente para exercer a defesa dos seus interesses nos sobreditos procedimento cautelar e ação, que o autor contratou os serviços da ré, enquanto advogada, com vista a obter a sua absolvição ou, pelo menos, uma condenação menos grave do que a peticionada.

E embora a ré não estivesse, tal como já deixamos dito, obrigada a obter ganho de causa, por a sua obrigação ser somente de meios, temos por certo que a falta de apresentação da oposição/contestação nos dois referidos processos, constitui, só por si, um prejuízo ou dano autónomo, na medida em que fez perder ao autor a oportunidade ou a “chance” de evitar um prejuízo, no caso, a condenação do autor na entrega à CC, Ldª” do veículo com a matrícula ...-DT-...  e respetivos documentos e no pagamento da indemnização no montante de € 36.000,00, acrescida de juros de mora até efetivo pagamento, frustrando a expetativa do ora autor de evitar essa condenação.

Trata-se de um dano que, entre nós, encontra suporte doutrinário[6] e jurisprudencial, mormente na jurisprudência deste Supremo Tribunal, que, após a prolação do Acórdão do STJ, de 22.10.2009 (processo nº 409/09.4YFLSB)[7], fortaleceu-se e sedimentou-se no sentido de que o dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se tratar de uma chance consistente, designadamente se, tal como se afirma no Acórdão do STJ, de 29.04.2010 (processo nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1) [8], se puder concluir «com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança» que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida[9].

Procurando tomar posição sobre esta questão, diremos, desde logo, perfilharmos a orientação seguida nos Acórdãos do STJ, de 09.07.2015 (processo nº 5105/12.2TBSXL.L1.S1) [10], e de 30.11.2017 (processo nº 12198/14.6T8LSB.L1.S1) )[11], no sentido de que a perda de oportunidade ou de “chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, pode-se traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e, portanto, qualificável  como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por  suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto.

Assim, transpondo esta qualificação da “perda de chance” como dano autónomo para o campo da responsabilidade civil contratual por perda de chance processual e adotando a metodologia seguida nestes mesmos acórdãos, diremos  que, para se fazer operar tal responsabilidade, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento, averiguar da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício não fora a chance perdida[12], importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento” , atentando no que poderia ser considerado  como altamente provável pelo tribunal da causa[13].

E, num segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada[14]), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo.  


*

Ora, aceite o dano da perda de oportunidade ou de chance e porque, no caso dos autos, competia à ré BB, nos termos do disposto no art. 799º, nº1 do C. Civil, demonstrar que a falta de apresentação da oposição/contestação não decorreu de culpa, o que a mesma não logrou fazer, porquanto nem sequer contestou a presente ação, nenhum dúvida existe quanto à verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil exigido pelo art. 563º do C. Civil, ou seja, quanto ao nexo de causalidade adequada existente entre a conduta omissiva e culposa da ré e o dano sofrido pelo autor, em consequência desta omissão. 

Daí ser altura de enfrentemos a problemática da determinação do respetivo quantum indemnizatório, a título de danos patrimoniais. 

Nesta matéria, importa reter que o acórdão recorrido, acolheu a orientação seguida no Acórdão do STJ, de 28.09.2010 [proferido no processo nº 171/20002.S1 em que estava em causa uma situação semelhante à da dos presentes autos (desentranhamento da contestação apresentada pela advogada depois de esgotado o prazo legal para o efeito)][15], de que «o grau da possibilidade de ocorrer uma ou outra situação (procedência, improcedência – total ou parcial), não pode deixar de fixar-se em 50% para cada uma das partes, visto que, salvo melhor opinião, qualquer outra percentagem se nos afigura arbitrária, por falta de base lógica em que assentar».

Deste modo, admitindo, que no caso presente «a chance de vencimento é suficiente para que a consistência da oportunidade perdida justifique uma indemnização, a calcular segundo a equidade (n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil)» e atendendo ainda ao critério[16] seguido no Acórdão do STJ, de 28 de Outubro de 2010 (proc. n.º 272/06.7TBMTR.P1.S1)[17], bem como «ao facto alegado pelo Apelante no art.66º da p.i.»[18], considerou e equitativo o valor fixado pelo Tribunal de 1ª Instância de  10.000,00 Euros, acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a data da sentença recorrida, que  manteve.

Do valor de € 10.000,00, assim encontrado, discorda o recorrente, argumentando que este valor, correspondente a apenas cerca de 25% do possível dano real, é injusto e atentatório da boa aplicação do direito.

Vejamos, então, se existe fundamento para uma avaliação superior da perda de chance, importando, para tanto, sublinhar que, tal como já se deixou dito, não existem nos autos elementos que permitam determinar qual teria sido a sorte do procedimento cautelar nº 1370/13.6TVLSB, caso nele a ré tivesse deduzido oposição, e da ação nº 30/14.5TVLSB, na hipótese da ré ter apresentado contestação.

Com efeito, não tendo sido produzida qualquer prova por parte do ora autor num e noutro processo, não é possível saber-se qual o grau de probabilidade da sua procedência ou improcedência, caso a oposição/contestação tivesse sido apresentada, já que tal dependeria, desde logo, da factualidade que, após audiência, viesse a ser  fixada.

Diferente seria se a questão tivesse a ver apenas com a aplicação do direito à factualidade já fixada, após a produção de prova, incluindo a apresentada pela defesa, em que, apesar das naturais divergências jurisprudenciais ou doutrinárias, ainda assim se poderia, eventualmente, averiguar de uma possível probabilidade séria de procedência ou improcedência do procedimento cautelar e da ação principal, consistente com a noção de nexo causal adotado pelo art. 563º do C. Civil.   

Mas pese embora a maior dificuldade na determinação, no caso dos autos, do grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou “chance” perdida pelo ora autor, a verdade é que não pode deixar o Tribunal de fixar, equitativamente, a indemnização devida pela ré ao autor em função do caso concreto e dentro dos limites que tiver por provados, tal como decorre do disposto no art. 566º, nº3 do CPC, sob pena de desoneração do lesante por dificuldades probatórias.  

Assim, considerando-se, na esteira do Acórdão do STJ, de 05.03.2013 (proc. nº 488/09.4TBESP.P1.S1)[19], que a reparação da perda de uma chance deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser superior nem igual à vantagem que se procurava obter, julgamos que no caso  em apreço, atenta a natureza da questão em discussão  em  cada um dos mencionados processos (incumprimento, por parte do ora autor, do contrato de cessão de exploração de serviço de … celebrado entre ele a CC, Ldª  - cfr. docs juntos a fls. 11 a 34), bem como o facto de o ora autor ter sido condenado na ação nº 30/14.5TVLSB no pagamento da quantia de € 36.000,00, inexistem razões para discordar do acórdão recorrido, quer no que concerne ao critério seguido, quer relativamente ao quantum indemnizatório arbitrado, pelo que nenhuma censura merece este segmento da decisão recorrida, que, por isso, será de manter.


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Mas persiste o recorrente em reclamar o reembolso do valores de € 1.000,00 e de € 1.193,40, que entregou à ré, a título de honorários e de taxas de justiça, respetivamente, com vista ao exercício da sua defesa nos supra mencionados processos.


A este respeito resulta dos factos dados como provados e supra descritos que:

 i). No dia 12 de Agosto de 2013, o A., a solicitação da R., procedeu ao pagamento, no multibanco, de €550,80 (quinhentos e cinquenta euros e oitenta cêntimos), relativos ao Documento Único de Cobrança com a referência 7…0, que a R. lhe entregou, a título de taxa de justiça alegadamente necessária à apresentação de oposição no procedimento supra referido (nº 5 dos factos dados como provados)

ii). No dia 16 de Agosto de 2013, o A., a solicitação da R., pagou-lhe, a título de provisão para despesas e honorários, a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), por transferência bancária para a conta da R. (nº 6 dos factos dados como provados)

iii). Em data que não consegue precisar, a R. solicitou ao A. um reforço desta provisão no valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), que o réu pagou (nº 12 dos factos dados como provados)

iv). No dia seguinte, 18 de Dezembro de 2013, o A. procedeu ao pagamento, no multibanco, de € 642,60 (seiscentos e quarenta e dois euros e sessenta cêntimos), relativos ao documento único de cobrança com a referência 7…3, que lhe fora enviado pela R., em ficheiro PDF anexo à sobredita mensagem de correio electrónico, a título de taxa de justiça necessária à apresentação de petição inicial de acção declarativa de condenação contra a CC, Lda. (nº 16 dos factos dados como provados)

v). Ainda no dia 18 de Dezembro de 2013, o A. transferiu da sua conta bancária para a conta bancária titulada pela R., cujo NIB esta indicou na sobredita mensagem de correio electrónico, a quantia de €500,00 (quinhentos euros), para pagamento de provisão de honorários relativos à apresentação da sobredita petição inicial (nº 17 dos factos dados como provados).


Ora, perante este quadro factual e tendo em conta que o autor, na sua petição inicial, não restringiu o seu pedido de indemnização ao dano de perda de chance, não podemos deixar de reconhecer assistir parcialmente razão ao autor.

É que se é certo não serem estes valores indemnizáveis à luz da perda de chance, a verdade é que as três primeiras entregas de numerário, no montante global de € 1.050,80 (€ 550,80 + €250,00 + € 250,00), não deixam de representar um prejuízo adveniente para o autor do incumprimento do contrato de mandato forense por parte da ré, que fica, por isso, constituída na obrigação de indemnizar o autor nos termos das disposições conjugadas dos arts. 798º, 799º, nº1, 805º, nº1, 806º, nºs 1 e 2, todos do CPC . 

Porém, já quanto às entregas de numerário feitas à ré, referidas nas alíneas iv) e v), não se vê que as mesmas possam ser imputadas ao incumprimento do contrato de mandato, não recaindo, por isso, sobre a ré a obrigação de indemnizar o autor com base neste fundamento.

 

Termos em que procedem, apenas parcialmente, as razões do recorrente.


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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em conceder parcial provimento à revista e, consequentemente, em:

A - condenar a ré, Carla Susana de Jesus dos Santos, a pagar ao autor, a quantia de € 1.050,80, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data da citação e até efetivo pagamento.

B - Confirmar, em tudo o mais, o acórdão recorrido.

As custas devidas na ação e dos recursos ficam a cargo da ré e do autor, na proporção do vencido.



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Supremo Tribunal de Justiça, 30 de maio de 2019

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

Catarina Serra

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] In, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018- 5ª edição, pág. 428.
[3] In,  “Representação Forense e Arbitragem”, pág. 43
[4] Neste sentido, entre outros, Mário Júlio de Almeida Costa, in, “ Direito das Obrigações”, Almedina, 9ª ed., págs 971 e 972 e cfr., também entre muitos outros, os Acórdãos do STJ, de 29.04.2010 (processo nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1) e de 28.09.2010 (processo nº 171/2002.S1), ambos acessíveis na Internet - http://www.dgsi.pt/stj.
[5] In “Introdução ao Processo Civil – Conceitos e Princípios Gerais à Luz  do Código Revisto”, pág. 96.
[6] Cfr. Paulo Mota Pinto, in artigo doutrinário intitulado “Perda de chance processual”, RLJ, ano 145º, Março-Abril de 2016; Nuno Santos Rocha, in “ Perda de chance Como Uma Nova Espécie de Dano”, Almedina, pág. 81; Durval Ferreira, in, “Dano da Perda de Chance, Responsabilidade Civil”, 2ª edição, 2017, Vida Económica, pág. 257; Patrícia Costa, in, “ O Dano da Perda de Chance e a sua Perspectiva no Direito Português”, Dissertação de Mestrado, pág. 101, in, www.verbojurídico.com/doutrina/2011/patriciacosta danoperdachance». 
[7] Acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/stj
[8] Acessível  na Internet - http://www.dgsi.pt/stj
[9] Neste sentido, cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STJ, de 29.11.2012 (processo nº 29/04.0TBAFE.P1.S1); de 14.03.2013 (processo nº 78/09.1TVLSB.L1.S1); de 04.07.2013 (processo nº 298/10.6TBAGN.C1.S1); de 05.11.2013 (processo nº 1150/10.0TBABT.E1.S1); de 06.03.2014 (processo nº 23/05.3TBGRD.C1.S1); 01.07.2014 (processo nº 824/06.5TVLSB.L2.S1); de 30.09.2014 (processo nº 15/11.3TCGMR.G1.S1); de 30.09.2014 (processo nº 739/09.5TVLSB.L2-A.S1); de 09.12.2014 (processo nº 1378/11.6TVLSB.L1.S1); de 30.04.2015 (processo nº 338/11.1TBCVL.C1.S1); de 05.05.2015 (processo nº 614/06.5TVLSB.L1.S1); de 09.07.2015 (processo nº 5105/12.2TBSXL.L1.S1); de 19.05.2016 (processo nº 6473/03.2TVPRT.P1.S.1), todos acessíveis na Internet - http://www.dgsi.pt/stj.
[10] Relatado pelo Conselheiro Tome Gomes e acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/stj.
[11] Relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes, subscrito pela ora relatora na qualidade de 2ª adjunta e também acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/stj.
[12] O ónus de prova de tal probabilidade, nos termos do disposto do art 342º, nº1 do C. Civil, impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar.
[13] Neste sentido, cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 05.02.2013 (processo nº 488/09.4TBESP.P1.S1); de 14.03.2013 (processo nº 78/09.5TVLSB.L1.S1) e de 30.09.2014 (processo nº 739/09.5TVLSB.L2-A.D.S1), todos acessíveis na Internet - http://www.dgsi.pt/stj.
[14] Sendo que, no dizer dos referidos acórdãos, o estabelecimento deste nexo de causalidade revela-se, desde logo, facilitado pelo próprio juízo de probabilidade a fazer na aferição da consistência necessária à identificação do dano. 
[15] Acessível in wwwdgsi.pt/stj.
[16] Nno sentido de que tratando-se de uma indemnização fixada segundo critérios de equidade, ao Supremo Tribunal da Justiça compete somente «a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto “sub iudicio”» 
[17] Acessível in wwwdgsi.pt/stj.
[18]
[19] Acessível in www dgsi.pt/stj.