Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3028/17.8T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
VELOCÍPEDE
CONCORRÊNCIA DE CULPA E RISCO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
CULPA DO LESADO
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
INCONSTITUCIONALIDADE
RETRIBUIÇÃO LÍQUIDA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
JUROS DE MORA
ATUALIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALEMNTE A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Não se verificando qualquer das exceções previstas na parte final da norma do nº 3 do art. 674º do CPC, ou seja, não se verificando erro ou violação das regras de direito probatório suscetível de sindicância deste STJ, a fundamentação alegada pela recorrente não pode ser objeto do recurso de revista, devendo manter-se intocável, por isso, a materialidade fáctica dada por assente pela Relação.

II - Não resultando dos factos provados matéria, da qual possa ser feita a imputação ao autor, condutor do velocípede, a violação de qualquer norma estradal (conduta ilícita), também não temos como relevante na ocorrência do acidente a dinâmica própria da circulação do mesmo em velocípede.

III - Tendo a condutora do veículo segurado da ré efetuado a manobra de saída do estacionamento e entrada na via de circulação, de marcha atrás e sem se assegurar que podia efetuar essa manobra em segurança e estando, no momento do embate, atravessada na via de circulação e a ocupar a semi faixa de rodagem onde circulava o autor e quase toda a outra semi faixa, é responsável pela ocorrência desse acidente ocorrido.

IV - Ter o autor formulado na ação um pedido de indemnização líquido não impede o Tribunal de proferir sentença de condenação em quantia a liquidar posteriormente, desde que a matéria de facto revele a existência de um dano patrimonial, apesar de se mostrar insuficiente para a sua quantificação.

V - O rendimento mensal auferido pelo autor é o efetivamente provado nos autos, como vencimento, no montante de 2700,00€, sendo ré alheia à matéria de fiscalidade a que o autor esteja obrigado, assim como é alheia ao cumprimento, ou não, da obrigação fiscal pelo mesmo autor.

VI - Na determinação do montante da justa indemnização destinada a ressarcir danos futuros, perante a constatação da impossibilidade de averiguar o valor concreto dos danos, tem a jurisprudência recorrido ao juízo de equidade a que se reporta o art. 566º, n.º 3, do Cód. Civil, a partir dos elementos de facto apurados, conjugados com diversos critérios de cálculo de natureza instrumental.

VII - A jurisprudência do STJ tem entendido que a indemnização por défice funcional sofrido em acidente não deve ser calculada com base no rendimento anual auferido no âmbito da atividade profissional habitual do lesado, quando esse défice funcional não implica incapacidade parcial permanente para o exercício da atividade que exerce, envolvendo apenas esforços suplementares.

VIII - Na indemnização por danos não patrimoniais devem ser observados os padrões de indemnização seguidos pela prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito.

IX - Não se pode atender só à prática seguida pela jurisprudência de equivaler indemnizações para factos semelhantes e estagnarem os montantes indemnizatórios porque os termos de comparação se referem a situações passadas, devendo ser tida em conta a evolução, fazendo o acompanhamento do aumento do custo de vida (inflação) e o aumento dos rendimentos médios das pessoas.

X - Face ao que dispõe o Acórdão Uniformizador nº 4/2002, tendo sido fixados os montantes indemnizatórios pelo Tribunal da Relação e os mesmos confirmados por este acórdão por corretamente fixados, tais quantias encontram-se atualizadas a essa mesma data em que foram fixados e não à data atual.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.



AA intentou contra LUSITANEA, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, peticionando:

“(…) deve a presente acção ser julgada como totalmente procedente por provada e em consequência ser a Ré condenada:

a) A pagar ao Autor quantia de € 4.261,09 (quatro mil duzentos e sessenta e um euros e nove cêntimos) a título de danos patrimoniais com o velocípede, equipamento de ciclismo e telemóvel;

b) A pagar ao Autor a quantia de € 6.577,73 (seis mil quinhentos e setenta e sete euros e setenta e três cêntimos) a título de danos patrimoniais resultantes da perda de rendimentos durante o período de incapacidade temporária;

c) A pagar ao Autor a quantia de € 300.000,00 (trezentos mil euros) a título de danos patrimoniais resultantes da incapacidade parcial permanente de 25 pontos;

d) A pagar ao Autor a quantia de € 325,82 (trezentos e vinte e cinco euros e oitenta e dois cêntimos) a título de despesas em consultas, tratamentos e exames médicos.

e) A pagar ao Autor a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros) a título de danos de natureza não patrimonial.

f) A pagar os juros de mora às taxas legais em vigor, que se vencerem sobre as importâncias acima referidas, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

g) A pagar custas e procuradoria condigna”.

Alega para o efeito ter sido interveniente em acidente de viação ocorrido por culpa do condutor do veículo segurado na R. que efetuou manobra de marcha atrás, para sair de um estacionamento privado, numa curva de visibilidade reduzida e sem atenção ao trânsito que nela circulava, causando o acidente e provocando-lhe ferimentos e lesões que computa nos peticionados.


*


Regularmente citada, contestou a ré declinando a existência de qualquer responsabilidade da sua segurada na produção do acidente. Mais impugnou, no essencial, a matéria relativa aos danos, por considerar manifestamente exagerados os valores peticionados.

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Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e dos temas da prova.

Após realizou-se audiência de julgamento, sendo proferida sentença na qual se decidiu absolver a R. do pedido, por improcedência da ação.


*


Não conformado com esta decisão, impetrou o A. recurso da mesma relativamente à matéria de facto e de direito, sendo decidido pelo Tribunal da Relação ...:

“Pelo exposto, acordam os juízes que integram esta relação em conceder parcial provimento ao recurso interposto por AA, alterando a decisão recorrida quanto à matéria de facto e de direito e, nessa sequência, condenando a R. a pagar ao A.:

A) a quantia de € 6.903,55 de danos patrimoniais emergentes, a que acresce o valor correspondente ao valor venal do velocípede até ao limite de € 3.000,00, a apurar em posterior incidente de liquidação de sentença;

a) a quantia de €180,000,00 a título de dano biológico, valor já actualizado;

b) a quantia de € 45.000,00 a título de danos morais, valor já actualizado;

c) os juros de mora sobre esta quantias, à taxa legal, desde a data deste acórdão até integral pagamento.


*


As custas da acção fixam-se pelo apelante e pela apelada, na proporção do respectivo decaimento (artº 527 n1 do C.P.C.)”.

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Inconformada, agora, a ré LUSITANIA COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., interpõe recurso de Revista para este STJ, e formula as seguintes conclusões:

“1 - O presente Recurso vem do Acórdão proferido nos Autos em referência, que alterou a Sentença proferida em 1ª Instância, julgando parcialmente procedente o Recurso interposto por AA e, na sequência, alterou a Decisão condenando a Recorrente a pagar ao Recorrido o valor global de 231.903,55 €, acrescida do valor correspondente ao valor venal do velocípede até ao limite de € 3.000,00, a apurar em posterior incidente de liquidação de Sentença.

2 - No presente caso, verifica-se que houve erro de interpretação e aplicação dos arts. 607º nº 5 e 662º nº 2 do C.P.C.

3 - Houve erro de interpretação e de aplicação dos arts. 483º, 487º nº 1, 496º, 499º, 503º, 505º, 562º, 563º, 564º, 566º e 570º do Cód. Civil.

4 - Houve erro de interpretação e de aplicação dos arts. 496º e 494º do Cód. Civil.

5 - Houve erro de interpretação e de aplicação dos arts. 342º do Cód. Civil e ainda do art. 414º do C.P.C.

6 - Houve erro de interpretação e de aplicação dos arts. 3º nº 2, 11º nº 2, 12º, 19º, 21º, 31º nº 1 a), 35º, 46º nº 1 al. c) e 47º nº 1 al. b) do Cód. Estrada.

7 - A não se verificarem as invocadas deficiências, a pretensão do Autor/Recorrido devia ter sido declarada improcedente e a Ré/Recorrente absolvida dos pedidos.

8 - O presente Recurso está baseado em capítulos autónomos. A procedência das alegações de qualquer um desses capítulos confere procedência ao Recurso.

9 - A Recorrente tem noção do sentido que é conferido pela norma do art. 682º do C.P.C., no que diz respeito aos termos em que julga este Colendo Supremo Tribunal. Mas esta norma tem que ser compaginada com a norma do art. 674º nº 3 do C.P.C.

10 - A Jurisprudência tem tido o cuidado de explicitar o conteúdo que deriva do comando desta disposição, salientando que o STJ, apesar de se tratar de um Tribunal de Revista, em que a sua competência está confinada “prima facie” às questões de Direito, isso não impede que possa sindicar a forma e o modo como as Instâncias procederam à aplicação das normas de Direito Probatório e de que se serviram para obtenção dos juízos e veredictos que alcançaram por efeito da mesma.

11 - O douto Acórdão em crise alterou de forma ilegal e indevida o entendimento, a análise, a Motivação e Fundamentação da Matéria de Facto, a subsunção jurídica e a Motivação da Matéria de Direito, realizada pelo Tribunal de 1ª Instância de modo que não pode ser considerado em conformidade com o Direito.

12 - Para o Mº Juiz de 1ª Instância formar a sua convicção e para Fundamentar a Decisão da Matéria de Facto, realizou uma análise crítica da prova (cfr pág. 35 do Acórdão a quo).

13 - A credibilidade das provas e a convicção criada pelo Julgador do Tribunal de 1ª Instância têm que assentar num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores, fornecidos pela imediação e oralidade do Julgamento. Neste, para além dos testemunhos, há reações, pausas, dúvidas e um sem número de atitudes que no caso levaram o Mº Juiz do Tribunal de 1ª Instância a valorizar ou a desvalorizar as provas.

14 - O que está em causa não são erros, porque o Tribunal não ignorou determinados meios de prova. O que sucedeu, é que os depoimentos das testemunhas não foram valorizados por falta de credibilidade.

15 - Por isso se disse que houve erro de interpretação e de aplicação dos arts. 607º nº 5 do CPC, bem como, erro de interpretação e de aplicação do art. 342º do Cód. Civil e do art. 414º do C.P.C., que foram violados pelo Tribunal a quo.

16 - Perante as críticas formuladas pelo Tribunal a quo sobre a discussão e julgamento de Facto e de Direito, o Tribunal da Relação ... tinha a obrigação jurisdicional de aplicar o disposto no art. 662º nº 2 do CPC.

17 - A credibilidade dos testemunhos ou a falta de segurança dos depoimentos, são atitudes que só estão ao alcance do Mº Juiz de 1ª Instância.

18 - Como consequência, no caso vertente está tipificada uma situação de violação do Direito Probatório Material, instrumentalizado pela violação por parte do Tribunal a quo do disposto pelo art. 607º nº 5 do CPC, do Princípio da Imediação, do Princípio da Oralidade e do Princípio da Livre Apreciação da Prova conferida (quase in toto) ao Julgador de 1ª Instância.

19 - Em sede de Recurso de Revista, o Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar o uso de presunções pela Relação, porque este uso ofendeu as normas legais dos arts. 607º nº 5 do CPC, 342º e 483º do Cód. Civil, 12º, 19º, 21º, 31º, 35, 46º e 47º do Cód. Estrada, porque padece de evidente ilogicidade.

20 - Nestes termos, perante a violação das normas legais dos arts. 607º nº 5 e 662º do CPC; 342º e 483º do Cód. Civil; 12º, 19º, 21º, 31º, 35, 46º e 47º do Cód. Estrada,

21 - Deve ser REVOGADA a Decisão da Matéria de Facto operada pelo Venerando Tribunal da Relação, que aditou e alterou os factos fixados pelo Tribunal de 1ª Instância, nos termos preconizados.

22 - Na sequência, com a revogação do Acórdão Recorrido, deve ser repristinada a Decisão proferida em 1ª Instância, que julgou totalmente improcedente a Acção e absolveu a Recorrente de todos os pedidos contra si formulados.


***


23 - No entanto, subsidiariamente, nos termos do art. 554º do Cód. Proc. Civil e em caso de entendimento absolutamente diferente:

24 - Perante os factos assentes pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que, de acordo com a interpretação correcta do art. 505° do Código Civil, não há culpa exclusiva da condutora do veículo ligeiro e nexo causal exclusivo.

25 - Por estas razões, reclama-se o apuramento concursal das causas do sinistro e das lesões à norma da repartição da responsabilidade conforme prevê o art. 570° do Cód. Civil.

26 - A presença do velocípede a transitar num dia de chuva intensa numa faixa com declive acentuado e a velocidade inadequada não foi indiferente para embate do Recorrido, já que a sua típica aptidão para a criação de riscos contribuiu para o acidente.

27 - Dentro dos riscos próprios do veículo, a que se refere o artigo 503º do Código Civil, cabem, além dos acidentes provenientes da máquina de transporte, os ligados ao outro termo do binómio que assegura a circulação desse veículo (o condutor).

28 - No caso dos Autos, a conjugação da culpa da condutora do TU e do perigo do próprio velocípede são dois factores que contribuíram para a verificação do acidente.

29 - O velocípede contribuiu para o acidente, com os riscos próprios inerentes à sua circulação, na proporção de 50 %.

30 - Por tudo, defende-se que houve erro de interpretação e de aplicação dos arts. 483º, 487º, 503º, 505º e 570º do Cód. Civil ex vi art. 342º do Cód. Civil e 414º do CPC.

31 - Na sequência, deve ser REVOGADA a Fundamentação de Direito operada pelo Venerando Tribunal da Relação, que atribuiu culpa exclusiva pela produção do sinistro à condutora do veículo automóvel e substituída por outra reconhecendo que deve prevalecer a concorrência entre a culpa da condutora e o risco próprio do velocípede do Recorrido na proporção de 50 %, para determinar, em função desta medida, quais são os danos indemnizáveis.

32 - Contesta a Recorrente a condenação no pagamento ao Recorrido do valor venal do velocípede, até ao limite de 3.000,00 €, a apurar em posterior incidente de liquidação de Sentença.

33 - Ao longo da tramitação processual, o Recorrido teve imensas alternativas processuais para demonstrar qual seria o valor de substituição do velocípede. Como não o fez, violou o ónus da prova que sobre ele recai nos termos do art. 342º do Cód. Civil.

34 - Na sequência, deve ser REVOGADA a Decisão constante do Acórdão em crise, que condena a Recorrente a pagar o mencionado valor.

35 - Se o Recorrido já recebeu a quantia 10.432,27 € por parte dos Serviços da Segurança Social, impugna a Recorrente a condenação no pagamento da quantia suplementar de 6.577,73 € porque, tal como no caso anterior, iria premiar o Recorrido com um enriquecimento indevido.

36 - Na sequência, deve ser REVOGADA a Decisão constante do Acórdão em crise, que condena a Recorrente a pagar o aludido valor.

37 - O recurso à equidade para apurar indemnização a título de Dano Biológico não afasta a necessidade de observar as exigências dos Princípios da Igualdade, da Proporcionalidade e da Adequação, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, compatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (art. 8º nº 3, do Cód. Civil).

38 - Para fixar a indemnização a este título, e ao contrário do que seria de esperar, Tribunal a quo efectuou uma soma direta para arbitrar o valor de 180.000,00 € a título de Dano Biológico.

39 - Impugna a Recorrente com veemência este tipo de soma direta, que foi abandonada há cerca de duas décadas pelos Tribunais Superiores, porque conduzia ao enriquecimento dos lesados à custa dos responsáveis.

40 - O Acórdão em crise, o Tribunal a quo efectuou um cálculo matemático desgarrado das obrigações impostas pela Equidade, Proporcionalidade e Adequação.

41 - Além disso, esta expressão matemática está viciada porque a multiplicação por 18% (ou 0,18) não corresponde a 18 pontos de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica.

42 - Ao actuar desta forma, o Venerando Tribunal recorrido violou frontalmente o sentido e o limite razoável imposto pelo art. 566º nº 3 do Cód. Civil.

43 - O montante de 180.000,00 € arbitrado para indemnização do Dano Biológico como vertente patrimonial é inaceitável, porque não procedeu ao desconto de 1/3 em função do imediato recebimento de modo a evitar vantagem patrimonial ilícita do sinistrado, não tomou em consideração despesas inevitáveis e a necessidade de pagar impostos, não tomou em consideração que as sequelas do Recorrido são compatíveis com o exercício da actividade profissional implicando apenas esforços suplementares, olvidou que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica estava consolidado desde 21/04/2015 e que as sequelas não são incapacitantes.

44 - Por tudo, houve erro de interpretação e de aplicação dos arts. 562º, 563º, 564º e 566º do Cód. Civil, devendo ser REVOGADA a Decisão constante do Acórdão em crise relativamente à quantia arbitrada a título de Dano Biológico como vertente patrimonial, porque os pressupostos usados na Decisão em crise estão incorrectos.

45 - Na sequência, deverá ser substituída por outra fixando o montante de 18.000,00 €, após introdução de necessário desconto em função do imediato pagamento, bem como, da concorrência de culpa na proporção de 50%, que se apresenta conforme a equidade e é justo.

46 - Ao contrário do sentido atribuído pelo Tribunal a quo, relativo à indemnização de 45.000,00 € a título de Danos Não Patrimoniais, este montante não é proporcional, não é adequado, não é justo, não é equilibrado, não assegura a ideia de segurança, mas sim a ideia que o sinistrado será premiado com quantias que não seguem outras Decisões e haverá sempre a tendência para inflacionar o valor final.

47 - Com base na existência de erro de interpretação e de aplicação do art. 496º ex vi art. 494º do Cód. Civil, deve ser REVOGADA a Decisão constante do Acórdão em crise relativamente à quantia arbitrada a título de Danos Não Patrimoniais, porque os pressupostos usados estão incorrectos, é exorbitante, não está justificada.

48 - Na sequência, deverá ser substituída por outra fixando o montante de 15.000,00 €, após introdução de necessário desconto em função da concorrência de culpa na proporção de 50%, que se apresenta mais adequado, justo e respeita a equidade e os danos que devem ser tutelados pelo Direito.

49 - Tendo em consideração que os juros só poderão ser contados a partir da Decisão actualizadora, tal data corresponde à data da prolação do Acórdão que vier a ser proferido por este Supremo Tribunal de Justiça.

Este é o nosso firme entendimento.

Concedendo provimento ao presente Recurso, será feita a Justiça que o caso merece!”.

Responde o autor, concluindo:

“1 – O acórdão recorrido não merece qualquer censura, tendo o Venerando Tribunal da Relação ... actuado de acordo com os poderes que, enquanto segunda instância, lhe são legalmente atribuídos, proferindo uma decisão em relação à qual não há qualquer vício ou insuficiência a apontar.

2 – Tendo sido impugnado em sede de apelação, o iter lógico seguido pelo tribunal de primeira instância e as conclusões por este retiradas quanto à prova produzida, compete à segunda instância, o dever de formar a sua própria convicção no que se reporta à valoração da prova produzida, por forma a assegurar um efectivo duplo grau de jurisdição em relação à reapreciação da matéria de facto.

3 – Cabe à segunda instância o poder/dever de investigação oficiosa (artigo 640, n.º2, al. b) do CPC) e de oficiosamente alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem uma decisão diversas, conforme é manifesto quando se confronta toda a prova produzida nos presentes autos com aquela que foi a decisão proferida pela primeira instância.

4 - E foi isso que o Tribunal da Relação ... fez: procedeu à audição da totalidade dos meios de prova gravados e à análise de todos os documentos juntos aos autos, nomeadamente fotografias do veículo juntas com os articulados, croqui elaborado pela GNR e fotografias do local onde se deu o embate.

5 - Em função dessa análise, o Tribunal da Relação verificou aquilo que foi repetidamente apontado pelo Autor no seu recurso de apelação: no que concerne à dinâmica do acidente, a prova produzida não suporta os factos que o tribunal de primeira instância havia dado como provados nos pontos 13, 14 e 15 (da anterior matéria de facto dada como assente) e não estava sequer conforme a convicção que aquele tribunal fez constar nos autos.

6 - O d. Acórdão recorrido explica com uma clareza e rigor que apenas se pode enaltecer, a razão da sua decisão, especificando os respectivos fundamentos e os concretos meios probatórios que impuseram a alteração da matéria de facto, estando perfeitamente espelhado qual foi o percurso lógico e as regras da experiência acolhidas pela segunda instância para fundar a sua decisão.

7 - O Tribunal da Relação fez aquilo que a primeira instância não o fez, e que tendo presente que estamos perante um acidente de viação, afigura-se como essencial e elementar de fixar: o local do embate, o local e ângulo do embate do ciclista no veículo TU, o posicionamento do veículo TU no momento do embate, o local onde ficou caído o Autor, o local onde ficou caído o velocípede.

8 - A segunda instância identificou as deficiências factuais reveladas pela decisão da primeira instância e supriu as mesmas por recurso à totalidade da prova produzida, aditando a matéria de facto conforme se impunha, utilizando sempre um método relacional, dotado de crítica racional e alinhando o conjunto de factos na sua globalidade, cumprindo com o disposto no artigo 662, n.º1 do CPC em conexão com o artigo 607, n.º4 e 5 do CPC.

9 – Com a certeza de que, a jurisprudência do STJ tem sido clara ao reconhecer a segunda instância como uma verdadeiro e próprio segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise, com autonomia volitiva e decisória, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostram acessíveis com observância do princípio dispositivo.

10 - O Venerando Tribunal da Relação ... actuou no domínio da livre apreciação da prova e sem se vislumbrar que tenha desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída do regime do direito probatório material, adoptando uma actuação legítima (art.º 607, n.º4 e 5 e art.º 663, n.º2 do CPC)

11 - Nas suas d. alegações a companhia de seguros Ré procura imputar ao acórdão recorrido a violação de lei adjectiva e a violação do direito probatório material, quando na verdade aquilo que está realmente a manifestar é a discordância relativamente àquele que foi o entendimento que o Venerando Tribunal da Relação ... extraiu da análise da toda a prova produzida, isto é, a Ré procura efectuar uma verdadeira impugnação da matéria de facto considerada como assente pela segunda instância (nomeadamente dos factos provados 12, 13, 14, 15, 15-A e 16), o que lhe é vedado por força do disposto no 662, n.º 4 e artigo 674, n.º3 do CPC.

12 - A matéria de facto que a Recorrente pretender atacar em sede de recurso de revista é insindicável nos termos dos acima referidos artigos 662, n.º4 e artigo 674, n.º3, 1ª parte, do CPC, não havendo qualquer violação de lei adjectiva que permita proceder à modificação da mesma.

13 – Pelo que, deverão improceder as alegações de recurso apresentada pela recorrente sob os números 2 a 22 do recurso de Revista, mantendo-se a decisão proferida nos seus precisos termos.

14 – Bem andou o Tribunal da Relação ..., ao considerar que mesmo sem efectuar a referida alteração à matéria de facto, a culpa pela produção do sinistro sempre seria exclusivamente imputável ao veículo segurado na Ré, nos termos previstos no artigo 483 do Código Civil.

15 – Isto porque a condutora do veículo TU realizou uma manobra absolutamente proibida à luz das regras estradais em vigor, incorrendo em violação de diversas disposições estradais, nomeadamente incorreu em violação do disposto no artigo 47, n.º1, al. b) e d), 49, n.º1, al. a) e 50, n.º1, al. a) e b), todos do Código da Estrada.

16 – O autor não violou o disposto no artigo 25, n.º1, al. g), h) e j) do Código da Estrada, destacando-se que a própria noção de espaço visível é manifestamente incompatível com a circunstância do local do acidente ser por definição legal considerando como uma curva de reduzida visibilidade ou visibilidade insuficiente .

17 – A regra prevista no artigo 24, n.º1 do Código da Estrada de que o condutor deve fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente significa o dever do condutor assegurar que no exercício da condução pressupõe a não ocorrência de condições anormais ou obstáculos inesperados e imprevisíveis, nomeadamente os resultantes de imprevidência alheia e da violação alheia de normas rodoviárias, como é o caso da realização de uma manobra de marcha atrás, como a realização pelo TU, numa zona em que atenta a reduzida visibilidade tal manobra é expressamente proibida pelo Código da Estrada.

18 - Se é verdade que a jurisprudência do STJ vem-se firmando no sentido da admissibilidade da concorrência entre a responsabilidade pelos riscos próprios do veículo e a culpa do lesado, modestamente consideramos que a companhia de seguros Ré faz uma interpretação claramente contrária àquilo que é defendido pelo STJ, operando este entendimento em claro prejuízo da posição da companhia de seguros.

19 – Com efeito, a interpretação apresentada pela companhia de seguros Ré nas suas conclusões de recurso, não pode merecer qualquer acolhimento, sendo este um caso paradoxal em que a culpa na produção do acidente é única e exclusivamente imputável ao condutor do veículo TU, com a certeza de que o único risco que aqui releva é aquele que se encontra associado ao veículo automóvel, atenta a perigosidade do mesmo e o seu potencial lesivo para quem circule na faixa de rodagem.

20 - Aquilo que a companhia de seguros Ré pretende operar é, no fundo, e em contraciclo com a dita orientação jurisprudencial e com as próprias directivas europeias, inverter a lógica das coisas e penalizar quem em nada contribuiu para o acidente e quem conduzia um veículo (velocípede) cuja intensidade dos risco associado ao mesmo não é sequer comparável à intensidade do risco (e perigosidade) associada à circulação de um veículo automóvel, penalizando, assim, duplamente e de forma absolutamente inaceitável a parte mais vulnerável da circulação rodoviária, sempre com o objectivo da companhia de seguros Ré se esquivar ao ressarcimento dos danos causados.

21 - O d. acórdão recorrido não incorreu em qualquer erro de interpretação e aplicação dos artigos 483, 487, 503, 505 e 570 do Código Civil e a culpa pela ocorrência do acidente é única e exclusivamente imputável ao condutor do veículo TU conforme bem decidiu e fundamentou o Venerando Tribunal da Relação ..., o que equivale a considerar a improcedência das conclusões apresentadas pela recorrente sob os números 23 a 31 do recurso de Revista.

22 – Ficou demonstrado que fruto do acidente o velocípede conduzido pelo Autor ficou totalmente destruído, pelo que a companhia de seguros Ré é responsável pelo ressarcimento ao Autor, tendo por referência o seu valor aquando do sinistro e ao valor de aquisição de outro velocípede, a calcular em sede de liquidação de sentença, até ao limite de € 3.000,00, conforme bem determinou o Venerando Tribunal da Relação ..., devendo por isso manter-se a decisão nos seus precisos termos.

23 – O valor de € 6.577,73 no qual a companhia de seguros foi condenada a pagar ao Autor, não representa qualquer enriquecimento indevido, mas tão só e na exacta medida, aquilo que o Autor deixou de auferir no período de incapacidade absoluta, tendo por base a matéria de facto assente e que é nesta sede insindicável, devendo por isso manter-se a decisão nos seus precisos termos.

24 – Relativamente ao dano biológico o Venerando Tribunal da Relação ... efectuou uma correcta e cristalina aplicação do direito, sendo plenamente observados os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da adequação.

25 - O Venerando Tribunal da Relação ... teve o particular cuidado em fundamentar este concreto ponto da decisão, chamando à colação diversa jurisprudência e deixando bem claro quais foram os critérios e os parâmetros utilizados para alcançar um valor justo e adequado às circunstâncias do caso concreto, o que modestamente entendemos que foi conseguido, ainda que isso se revele contrário aos interesses patrimoniais da companhia de seguros Ré.

26 - Para arbitrar a referida indemnização, o tribunal teve em consideração a idade do Autor na data do sinistro (49 anos), a sua saúde na data do acidente ( boa condição física, saudável, sem qualquer patologia), os rendimentos auferidos (€ 2.700,00 mensais) teve em consideração que este sofreu de um défice funcional permanente de 18 pontos que, não o impede de desempenhar a sua actividade profissional, mas exige esforços suplementares para a realização das mesmas tarefas, ou seja, o Autor tem de trabalhar mais e com mais esforço para auferir o mesmo nível de rendimentos.

27 - Teve ainda em consideração que estas sequelas tendem a agravar-se com o decurso do tempo pelo que, não só este défice funcional não cessará com a idade da reforma como é previsível um aumento tendencial destes esforços suplementares para o desempenho dos mesmos serviços, inibindo qualquer possibilidade de melhoria da situação financeira do Autor, limitando irreversivelmente as opções de escolha da vida profissional do A.

28 - Tendo por referência o valor de rendimentos auferidos pelo Autor e todos os factores acima referidos e constantes do d. acórdão recorrido, o Venerando Tribunal da Relação ... encontrou um valor indemnizatório de € 204.120,00, ao qual tendo em conta o previsível agravamento das lesões sofridas, o factor de correcção pela entrega e disponibilização imediata do capital, fixou a indemnização pelo dano biológico em € 180.000,00, valor que se afigura como justo e adequado às circunstância do caso concreto e que se encontra devidamente fundamentado no d. acórdão.

29 - Ou seja, o Venerando Tribunal da Relação ... partiu de indicadores concretos e que se encontram sustentados na matéria de facto considerada como assente e com base nesse circunstancialismo do caso concreto, as regras do bom senso e prudência, aplicou juízos de equidade, conforme prevê o artigo 566, n.º3 do CC.

30 – Em sede de Revista, a intervenção do STJ no que toca à equidade é, a nosso ver, limitada, na medida em que assentando a equidade nas particularidades do caso concreto, deverá o juízo efectuado pela segunda instância ser mantido, a não ser que esta extravase a margem de liberdade permitida pela norma que legitima o recurso à equidade, o que in casu, não aconteceu.

31 - O valor de € 180.000,00 arbitrado pelo Venerando Tribunal da Relação ..., a título de dano biológico, afigura-se como justo e adequado às circunstâncias do caso concreto, não padecendo dos vícios apontados nas conclusões número 37 a 45 do recurso de revista, as quais terão de improceder.

32 – Para fixação dos danos de natureza não patrimonial, o Venerando Tribunal da Relação ... considerou todos as circunstâncias do caso concreto e que resultam da própria matéria de facto considerada como assente pela Relação, conforme amplamente individualizado na presente reposta.

33 - Após consideração de todo este circunstancialismo, o tribunal partiu para uma ponderação dos padrões indemnizatórios seguidos recentemente pelo Supremo Tribunal de Justiça e elencou todo um conjunto de jurisprudência (mais de 15 acórdãos do STJ), sempre com vista a evitar a aleatoriedade e injustiça referente à atribuição deste tipo de indemnizações, o que foi alcançado.

34 - Assim, e com base na equidade, o d. acórdão recorrido fixou o valor indemnizatório no montante de € 45.000,00, valor que temos como justo e adequado às circunstâncias do caso concreto e sem que possa ser apontada qualquer censura ao mesmo, o que equivale a pugnar pela improcedência das conclusões número 46, 47 e 48 do recurso de revista apresentado pela companhia de seguros.

35 – Pelo que, nada há a apontar às quantias arbitradas pelo Venerando Tribunal da Relação ..., quer as referentes aos danos de natureza patrimonial, quer as referentes aos danos de natureza não patrimonial, as quais se afiguram como justas e adequadas às circunstâncias do caso concreto e em pleno respeito pelos poderes que em sede de apelação são concedidos ao tribunal de segunda instância.

36 - Em relação ao dano biológico e aos danos de natureza não patrimonial, o d. acórdão recorrido verificou estarem reunidos os pressupostos normativos que justificam (e impõem) o recurso à equidade, fez uma avaliação e exposição dos critérios que dentro de cada tipo ou categoria de danos, nortearam a actividade do julgador para o apuramento do quantum indemnizatório, nomeadamente resulta de forma clara que foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados.

37 - Tendo sido respeitado, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo de dano, os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser observados.

38 - No fundo o d. acórdão em apreço logrou aplicar juízos de equidade que se conformam com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, sem deixar de ter em consideração as circunstâncias do caso concreto, conduzindo a uma decisão que modestamente reportamos como justa e adequada e que por esse motivo se deverá manter nos seus precisos termos.

39 – Sobres os montantes constantes do d. acórdão ou sobre quaisquer outros que eventualmente venham a ser arbitrados pelo STJ, deverão ser contabilizados juros de mora desde a data em que foi proferido o aludido acórdão do Venerando Tribunal da Relação ....

TERMOS EM QUE se conclui pela improcedência do presente recurso de Revista e em consequência pela manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA”.


*


O recurso foi admitido.

Cumpre apreciar e decidir.


*


Nas Instâncias foram julgados como provados e não provados, os seguintes factos:

A 1ª Instância considerou a seguinte matéria de facto:

“- Factos essenciais, complementares dos essenciais ou instrumentais com reporte às regras de repartição do ónus da prova (arts. 5.º, n. 1 e 2, al. a), 552.º, n. 1, al. d), 572.º, al. d), 607.º, n. 4 do CPC).

1. No dia 12 de outubro de 2014, pelas 9 horas e 50 minutos, na Rua ..., ..., ..., ..., ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o velocípede propriedade do autor e por ele conduzido (adiante designado como velocípede) e o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-TU (adiante designado como TU), propriedade de BB e por ela conduzido (adiante designado como acidente).

2. No momento que antecedeu o acidente, o velocípede circulava no sentido Senhora ... – ....

3. No dia 12 de outubro de 2014, a responsabilidade civil por acidentes de viação em que fosse interveniente o TU encontrava-se transferida para a ré por contrato de seguro titulado pela apólice ...01.

4. O veículo “TU” de marca ..., modelo ..., variante carrinha, ano de 1998, apresenta as seguintes dimensões:

a) Distância entre eixos: 2703 mm b) Comprimento: 4682 mm

c) Largura: 1746mm.

5. O local do acidente é uma curva em gancho à direita, considerando o sentido descendente Senhora .../ ..., inclinação descendente e a via desenvolve-se em duas faixas de rodagem, com uma largura total de cerca entre 4,60 a 4,70 metros, não existindo no pavimento qualquer linha longitudinal a separar as duas faixas de rodagem.

6. Trata-se de uma estrada no interior de uma localidade, em curva para a direita e contracurva, com declive descendente acentuado. É uma zona residencial, com vários acessos a residências e a garagens.

7. A velocidade no local é limitada a 30 kms/h.

8. O piso estava molhado, limpo e chovia.

9. O Velocípede conduzido pelo autor circulava na hemi-faixa direita, na zona mais à direita da sua faixa de rodagem.

10. O veículo seguro na Ré encontrava-se imobilizado num estacionamento privado existente numa moradia paralela ao local do acidente.

11. Quando ainda estava a meio da curva, o A. passou a ter visibilidade de mais de 30 metros em até à contracurva referida em 6 e de cerca 20 metros até ao local onde se encontrava estacionado o veículo TU.

12 - No momento em que o velocípede conduzido pelo Autor se encontrava a circular na curva que antecede o local onde o veículo “TU” estava estacionado de forma perpendicular à via, este iniciou uma manobra conducente a sair do referido estacionamento.

13 -A condutora do TU efectuou esta manobra, entrando de marcha atrás e de forma obliqua na faixa de rodagem sentido Senhora do .../ ... que ocupou na totalidade, ocupando, ainda, na quase totalidade a faixa de rodagem no sentido contrário.

14 - O Autor, apesar de ainda ter travado e efectuado uma manobra de recurso, guinando para a esquerda, com vista a desviar-se do veículo “TU”, não conseguiu evitar o embate na lateral traseira direita do TU.

15 - O local do embate ocorreu na hemi-faixa da esquerda, sentido .../Senhora ..., junto da berma, ficando o veículo “TU” imobilizado a ocupar a totalidade da hemi-faixa Senhora .../... e praticamente a totalidade da hemi-faixa contrária.

15 - A. Em virtude do embate ocorrido nos termos acima descritos, o Autor foi projectado para a berma da estrada, sentido .../Senhora ....

16. O velocípede onde seguia o Autor ficou imobilizado no sentido .../Senhora ..., a 4,7mts da berma da via contrária.

17. À data do sinistro o velocípede tinha 4 (quatro) anos, sendo utilizado regularmente (cerca de três vezes por semana) pelo Autor de forma lúdica.

18 - Em consequência do sinistro acima descrito, o velocípede conduzido pelo Autor ficou completamente destruído.

19 - No momento do sinistro o Autor circulava vestido com material próprio para o exercício da prática do ciclismo/BTT.

20. O A. auferia à data do acidente a remuneração mensal de € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros), por conta da sociedade C..., LDA, da qual é gerente, conforme cópia dos 6 (seis) recibos de vencimentos anteriores ao sinistro e que se juntam.

21. o Autor foi compensado pela Segurança Social, no montante total de € 10.432,27.

22. Em consequência das lesões sofridas no acidente, o Autor em consultas médicas realizadas no Centro de Saúde ... – ..., despendeu a quantia de € 20,00 (vinte euros).

23. Em exames médicos gastou a importância de € 34,30 (trinta e quatro euros e trinta cêntimos).

24. Em taxas moderadoras a importância de € 30,95.

25. Em fisioterapia no Centro Hospitalar ..., o Autor gastou pelo menos a importância de € 76,50.

26. Em aluguer de cadeira de rodas gastou a importância de € 30,00.

27. Em Assistência Hospitalar no Centro Hospitalar ... gastou a importância de € 34,50.

28. Em medicamentos gastou a importância de € 99,57.

29. O Autor levava um estilo de vida activa, praticando regularmente (pelo menos três vezes por semana) ciclismo/BTT com ampla satisfação, quer sozinho quer acompanhado por amigos.

30. Fruto das sequelas do sinistro o Autor teve de deixar de praticar ciclismo/BTT.

31. O Autor sofreu e sofre dores resultantes não só das lesões sofridas como também dos próprios tratamentos efectuados.

32. Em consequência do acidente, o autor:

a. Esteve internado e/ou de repouso absoluto, num período de 21 dias;

b. Num período 170 dias passou a ter algum grau de autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social;

c. Durante um período total de 191 dias viu condicionada a sua autonomia de forma absoluta na realização dos atos inerentes à sua atividade profissional habitual;

d. teve sofrimento físico e psíquico durante o período entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões fixável no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente (Quantum Doloris - QD);

e. A consolidação médica das lesões ocorreu em 21-04-2015.

f. Ficou com um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 18 pontos.

g. As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

h - As características das cicatrizes resultantes do acidente causam um Dano Estético fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

i. A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é de grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

32. (repetida a numeração) É previsível um agravamento das sequelas e o autor terá de continuar a recorrer, de forma regular, a acompanhamento médico adequado (consultas de ortopedia e fisiatria) no sentido de evitar retrocesso e agravamento das sequelas e minorar o sofrimento crónico de que ficou a padecer.

33 - Como consequência directa do acidente o A. sofreu uma luxação acrómico-clavicultar direita e uma fractura articular do joelho direito, com fractura do prato externo da tíbia direita.

34 - O autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica à tíbia direita e ao ombro direito;

35 - O autor encontra-se incapacitado de praticar actos banais de higiene diária, tais como pentear-se com a mão direita.

36 - O Autor sente dificuldades em vestir-se sozinho, tendo de recorrer à ajuda de terceiros.

37 - O Autor não consegue conduzir veículos automóveis durante longos períodos de tempo, sentindo especiais dificuldades sempre que tem de operar com a caixa de velocidades do veículo.

38 - O autor é incapaz de dormir sobre o lado direito na medida em que essa postura lhe causa grande dor no ombro direito e formigueiro na mão direita.

39 - Presentemente e como consequência directa do sinistro em questão, o Autor apresenta uma impossibilidade dolorosa de levantar o braço direito acima dos noventa graus.

40 - Após o acidente, A. deslocava-se numa primeira fase com recurso a cadeira de rodas e posteriormente com auxílio de duas canadianas.

41 - O Autor à data do sinistro tinha 49 anos de idade, apresentava boa condição física, e era saudável, sem qualquer patologia.

Factos não provados

Factos essenciais.

1. (passou para os provados)

2. O condutor do veículo “TU” efectuou a manobra acima descrita, sem antes verificar se circulava algum veículo ou velocípede na referida faixa de rodagem.

3. (passou para os provados)

4. (passou para os provados)

5. A visibilidade do autor para a faixa de rodagem sentido Senhora .../... é inferior a 15 metros até ao local onde o veículo “TU” estava estacionado.

6. No momento do sinistro o velocípede conduzido pelo A. tinha as seguintes características:

Quadro Specialized S-Works Epic Carbon M-Serie: STAA29A0919 Grade Bidom Specialized Rib Cage Pro, de cor ... ... marca ..., de cor ... ... de ar, marca ... marca ... Encaixe X-Pedo MF-32 Rodas Roval Control Aluminio Cabo e espirais mudanças Manete de Travão marca ...

7. O velocípede foi adquirido pelo Autor, em segunda mão, em Dezembro de 2010, pelo valor de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros).

8. À data do sinistro o velocípede encontrava-se em excelente estado de conservação, nunca tendo sofrido qualquer acidente ou queda, apresentando, à data do acidente, um valor venal nunca inferior a € 3.000,00 (três mil euros).

9. No momento do sinistro o Autor encontrava-se equipado com: Calção com alça ASSOS Impermeável Camisola Manga Curta Camisola Manga comprida ... ...

10. Todo este equipamento encontrava-se à data do sinistro em excelente estado de conservação e fruto do sinistro ficou integralmente destruído.

11. No momento do sinistro o Autor transportava consigo um telemóvel da marca ..., ... 4, que em virtude do acidente ficou destruído. Este telemóvel encontrava-se à data do sinistro em perfeito estado de funcionamento e conservação e valia 199,99 €.

12. As lesões permanentes do Autor, quantificadas numa IPP de 25 cinco pontos, condicionam e condicionarão toda a sua activididade física e profissional.

13. É já previsível a realização de duas novas intervenções cirúrgicas, nomeadamente ao membro inferior direito e ao membro superior direito.

14. Antes do sinistro o Autor também costumava praticar com carácter de regularidade a actividade de “jogging” que efectuava sozinho ou acompanhado por amigos.

15. O autor dispunha de mais de 30 mts de visibilidade até ao local onde embateu no ligeiro após descrever a curva.

16. (passou para os provados)”.


 *


Conhecendo:

São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608, 635, nº 3 a 5 e 639, nº 1, do C.P.C. No caso em análise questiona-se:

- A matéria de facto relativamente à alteração dos factos de não provados para provados e também a ampliação destes.

-Relativamente à matéria de direito:

- Culpa exclusiva da segurada da ré, ou concorrência em partes iguais.

- Valor do velocípede do autor, a liquidar em execução de sentença.

- Valor pago ao autor pela Segurança Social e enriquecimento indevido.

- Indemnização pelo dano biológico sofrido pelo autor.

- Valor dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.

- Juros legais e vencimento.


*


- Alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação:

A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres, exames, documentos) conjugada com as regras da experiência comum.

O recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto, e o recurso não serve para um novo julgamento.

O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir erros de julgamento sobre matéria concreta apontada pelo recorrente, tendo por base a sua argumentação e que pode levar a decisão diversa, e apenas isso.

Entendendo a recorrente seguradora que o tribunal recorrido não havia motivado a decisão sobre a matéria de facto, deveria ter seguido outra via que não a do recurso de revista, pois que o caso não se enquadra nas exceções previstas na parte final do nº 3, art. 674 do CPC. Não se verifica ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, nem existe lei que fixe a força de determinado meio de prova.

A Relação, e face ao objeto do recurso que lhe é apresentado, “deve alterar a decisão sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, tal como preceitua o art.662 nº 1 do CPC, ou pode fazê-lo oficiosamente, conforme nº 2 do mesmo preceito.

Mas deve a Relação no acórdão, assim como qualquer tribunal nas sentenças ou despachos que não sejam de mero expediente especificar os fundamentos de facto decisivos para a sua convicção e que justificam a decisão da matéria de facto, como impõe o art. 607 nº 4 e art. 615 nº 1 al. b), do CPC, fulminando este com a nulidade a sentença não motivada.

E essa fundamentação consta do acórdão recorrido.

Refere a propósito o acórdão recorrido:

“Quer isto dizer que o tribunal de recurso deve efectuar uma verdadeira apreciação da prova feita, de molde a sustentar e confirmar a decisão de primeira instância, ou alterá-la se os meios de prova produzidos e considerados no seu todo, impuserem essa alteração.

Assim sendo, no cumprimento deste poder/dever, este tribunal procedeu à audição da totalidade dos meios de prova gravados e à análise dos documentos juntos aos autos, nomeadamente fotografias do veículo juntas com a contestação da R., croquis elaborado pela GNR e fotografias do local onde se deu o embate, estas juntas quer com a contestação quer com a p.i. Existindo inspecção ao local, do respectivo auto nada resultou que tenha ficado consignado nos autos, quer quanto a medidas da via em causa e respectiva envolvente, quer quanto ao que o Sr. Juiz verificou in loco.

Exposto o âmbito da análise efectuada por este tribunal, no que se reporta à dinâmica deste acidente, a prova produzida não suporta os factos que o tribunal a quo deu como assentes nos pontos 13, 14 e 15 e não está sequer conforme com a convicção que aquele tribunal fez consignar nos autos.

Se o facto dado como assente no ponto 12 resultou, no que se reporta à manobra efectuada, quer das declarações de parte do A., quer da testemunha CC que, encontrando-se no local afirmou ter visto sair em marcha atrás este veículo de forma oblíqua em relação à via e ocupando a totalidade da faixa de rodagem sentido Senhora .../... e parte da faixa de rodagem contrária, confirmado este posicionamento na via pela testemunha DD, técnico de emergência pré-hospitalar e pela testemunha EE, condutor que vindo do sentido Senhora .../FF, confirmou igualmente este posicionamento após o embate, não encontra acolhimento nas declarações da condutora BB. Afirmou a referida testemunha que efectuou marcha atrás junto da berma do lado direito e contornando a berma e que só após, já parada, facto que frisou por diversas vezes no decurso do seu depoimento, quando se encontrava a “olhar para as mudanças para engatar a primeira”, terá sentido um estrondo e, ao sair do veículo apercebeu-se do A.

Quer isto dizer que o facto referido no ponto 13 (Logo de seguida engrenou nova mudança, avançou cerca de 2 metros e colocou-se paralelamente em relação ao eixo da via e à berma do seu lado direito), não tem suporte na prova produzida e é frontalmente contrário ao depoimento das testemunhas acima referidas e ao depoimento da própria condutora do veículo TU e não se pode manter.

Por outro lado, o teor destes pontos 13, 14 e 15 deixa por explicar a posição do velocípede que, de acordo com a generalidade da prova produzida (testemunhas acima referidas, incluindo a condutora do veículo TU e o croquis elaborado pela GNR), se encontrava parte na berma do lado esquerdo da via e parte na via (de acordo com as medições deste croquis a 4,7mt. da berma do lado direito) e deixa por explicar a posição em que ficou caído o A. que, conforme refere o recorrente, foi totalmente ignorada pelo tribunal recorrido. Como foi totalmente ignorado o local e ângulo do embate do ciclista no veículo TU que, conforme veremos, não corresponde ao que consta do croquis elaborado pela GNR e é essencial ao apuramento do modo como ocorreu este acidente.

Ora, quer o local do embate, quer a posição final do velocípede e a posição em que ficou caído o ciclista ora A., alegado está que existiu alteração do posicionamento do TU após o acidente e antes da elaboração do croquis pela GNR, são fundamentais para o apuramento da dinâmica deste acidente.

Para a prova destes factos, foram indicadas três testemunhas como tendo, ou assistido ao acidente, ou chegado ao local após o mesmo, mas ainda com ambos os intervenientes no local. A testemunha DD, tripulante da ambulância chamada ao local para socorrer o ferido, ora A., declarou que à sua chegada ao local, o acidentado se encontrava deitado na berma do lado esquerdo, no sentido .../Senhora ..., fora da faixa de rodagem e na zona de entrada de uma moradia ali situada, tapado com cobertores e com um guarda-chuva, dado o estado chuvoso do tempo. Esta posição do acidentado após o embate, foi confirmada pelas testemunhas GG e EE, referindo este último que se manteve junto do A. até à chegada da ambulância. Por sua vez, a condutora do veículo TU referiu que o A., após o embate, ficou caído na parte traseira do veículo, a cerca de 1 mt., próximo da berma direita e que após se terá arrastado para o lado contrário da via, apesar de o terem tentado impedir. Mais reafirmou, em sede de acareação com as testemunhas DD e EE, que o A. não se encontrava totalmente fora da faixa de rodagem do lado esquerdo, estando a ocupar parte da via esquerda, procurando assim explicar o motivo apontado pela testemunha DD para a impossibilidade de progressão da ambulância.

Tendo em atenção o teor dos ferimentos sofridos pelo A. por causa deste embate -luxação acrómio - clavícular direita (grau III) e fractura da tíbia do membro inferior direito com necessidade de intervenção cirúrgica (de acordo com os documentos apresentados a fls. 12 e segs e com o próprio relatório pericial) - factos que incompreensivelmente, são igualmente omitidos pelo tribunal a quo - a alegação de que o A. se teria arrastado para a berma do lado esquerdo, em relação ao local onde ficou caído após embate, pressionando membros facturados, sem qualquer razão para tal, é absolutamente desconforme às regras da lógica e do senso comum. Não foi igualmente referido por qualquer testemunha que tenha existido a necessidade de remover o ferido do local onde se encontrava, pelo que se tem de concluir, com base quer nas declarações de parte do A., quer no depoimento do técnico da ambulância que o socorreu, quer nos depoimentos das testemunhas GG e EE e da própria condutora do veículo TU, que o A. se encontrava caído fora da faixa de rodagem, na berma do lado esquerdo.

Quanto à posição em que ficou o velocípede, resulta este do facto provado nº 16, embora com uma incorrecção, pois o que resulta do croquis da GNR e respectivas medidas, meio de prova considerado pelo tribunal recorrido, é que este se encontrava, não exactamente na faixa de rodagem, mas a 4,7 mts da berma direita, tendo a totalidade da via 4.60/4,70 mts., conforme consta assente no ponto 5.

Resta a posição do veículo TU após embate, facto essencial para explicar a dinâmica deste acidente. A este respeito referiu a testemunha DD que quando a ambulância chegou ao local foi obrigada a deter-se na curva abaixo do ferido, sentido .../Senhora ..., posição que não era a ideal para o socorro e transporte do ferido (aqui explicando que habitualmente a ambulância avança e posiciona-se de forma a ficar de traseira para o ferido e facilitar a movimentação da maca), porque existia um obstáculo físico na via, identificando esse obstáculo como o veículo TU que ocupava de forma obliqua e com a frente para a berma direita a totalidade da faixa de rodagem no sentido Senhora .../... e a quase totalidade da faixa .../Senhora ..., impedindo a passagem de qualquer veículo. Este depoimento e a posição do veículo, após embate, foi confirmado pelas testemunhas GG e EE e está conforme aliás ao cumprimento da via e do próprio TU (pontos 4 e 5). Acresce que, procurando explicar o motivo pelo qual a ambulância se deteve na curva mais abaixo do ferido, referiu a condutora do TU que a ambulância não passou por causa das pessoas na estrada, embora referisse serem poucas pessoas, cerca de três, explicação afastada pela testemunha DD, em sede de acareação, referindo que “as pessoas movem-se”, mas “os carros não”, excepto em caso de absoluta necessidade porque “tem que se ter algum cuidado”, tendo em conta a salvaguarda do local de sinistro e o facto de a Polícia ainda não ter chegado. Esta testemunha e o declarante de parte foram firmes na afirmação de que a GNR ainda não tinha chegado ao local quando este foi conduzido ao Hospital.

Volvendo ao auto elaborado pela GNR, a testemunha HH que o elaborou, referiu apenas que retirou as medidas de acordo com a posição dos veículos quando chegou, não conseguindo explicar o motivo de referir danos na parte traseira esquerda, sobre a lateral, do veículo TU, nem se conseguir lembrar se o ferido ainda estava ou não no local. Tendo em conta que os danos no TU se localizam visivelmente do seu lado direito e que o auto omite qualquer facto relativo ao sinistrado e à sua presença no local ou transporte hospitalar, não nos merece este auto a credibilidade que o tribunal a quo lhe deu, no que se reporta ao posicionamento do TU e à dinâmica do acidente.

Por último não é indiferente à forma como ocorreu o sinistro, o local e ângulo do embate entre o velocípede e o TU. Efectivamente, os danos localizados na traseira do lado direito do veículo TU, incidentes na lateral, farolim e vidro (factos igualmente omitidos pelo tribunal a quo), não são compatíveis com a versão apresentada pela condutora do TU, nem com a consignada pelo tribunal a quo (que não coincide sequer com as versões trazidas pelos dois intervenientes). Ocorrendo o embate do velocípede sob a lateral traseira direita do TU, na versão acolhida pelo tribunal, o embate ter-se-ia produzido praticamente junto da berma do lado direito, tendo em atenção a largura da via e do veículo, o que torna impossível a localização do velocípede e do ferido, ora A., após embate, pois que ninguém, nem a condutora do veículo, afirma a projecção do A. para a berma contrária, nem é compatível essa projecção lateral com um alegado embate entre o velocípede e a traseira do TU, se este estivesse parado na sua via e paralelo à berma. Nenhuma explicação é apresentada pelo tribunal a quo, para estes factos, sendo que a apresentada pela condutora do TU é inverosímil e não merece qualquer acolhimento.

Esta posição do velocípede e do ferido, seria possível apenas, se o embate tivesse ocorrido na lateral traseira esquerda, como fez consignar a GNR e se o velocípede se encontrasse a guinar para a esquerda, na tentativa de evitar o TU. Não sendo este o local do embate no TU, o facto nº 15 é incompatível com a posição final do A. e do velocípede e com os ferimentos sofridos pelo A. (localizados igualmente e exclusivamente do lado direito, o que indicia o embate com o lado direito do corpo do A. no TU).

Analisando a prova produzida e acima referenciada, concluímos que a única versão que se coaduna com os danos no TU e no ferido e com a posição do velocípede e do ferido consiste na referida no ponto 12, ou seja, que o veículo TU saiu de um estacionamento particular em marcha atrás e numa curva de reduzidíssima visibilidade, atravessando de forma oblíqua a faixa de rodagem no sentido Senhora do .../ ..., que ocupou na totalidade, ocupando ainda, na quase totalidade a faixa de rodagem no sentido contrário (ponto 12, cumprimento do TU e medida da via em causa constante do croquis da GNR).

E é forçoso concluir que a condutora do TU, porque manobrando de marcha atrás e tendo em conta a visibilidade da via, não se certificou em todos os momentos da manobra, que não circulava qualquer veículo ou velocípede na via. É que, insistindo a condutora do TU que o ciclista tinha o dever de a ter visto a afectuar a manobra e de deter a sua marcha no espaço livre e visível à sua frente (ainda que de apenas 20 mts. e sem que seja alegado sequer a sinalização da manobra, aliás proibida), tese acolhida pelo tribunal recorrido, não se vislumbra qualquer razão que impedisse a condutora do TU de ter visto, por sua vez, o ciclista e de não ter inclusive revertido a manobra para desocupar a faixa de rodagem, conforme exigido pelo artº 29 nº1 do C. da Estrada, sendo certo que realizava manobra absolutamente proibida, conforme resulta do artº 47 nº1 b) do C. da Estrada.

Forçoso se torna igualmente concluir, tendo em conta a posição do velocípede, do A. após o embate, do local do embate do velocípede no TU, a posição do veículo e o depoimento das testemunhas DD, GG e EE e as declarações do próprio A., que este foi surpreendido ao fazer a curva em causa com a movimentação do veículo TU, que ainda procurou desviar-se para a berma do lado esquerdo e que não conseguiu nem desviar-se nem evitar o embate, porque apesar de ter gritado (facto confirmado pela testemunha CC) o TU não ter detido a sua marcha atrás, ficando caído após o embate na berma do lado esquerdo.

Outra conclusão se impõe retirar e que deveria ter sido retirada pelo tribunal a quo, tendo em conta os depoimentos acima referidos e as posições do velocípede e do ferido: não só a condutora do TU efectuou manobra perigosa e absolutamente proibida pelas regras estradais, como o fez em manifesta desatenção da via e do trânsito como ainda, aproveitando o facto de o ferido ter sido retirado do local, alterou a posição do veículo após o embate, de molde a sustentar afinal, o insustentável.

Nesta medida, se dão como não provados os factos com os nºs 13, 14 e 15 e parcialmente não provado o ponto 12, na medida em que é contrário ao facto nº1 da matéria de facto não provada e que aqui se tem por provada.

Por consentâneos com a prova produzida se dão como provados os factos nºs 1, 3 e 4 e 16 dos factos não provados, com a numeração 13, 14, 15 e 15-A”.

O Tribunal da Relação ouviu a prova produzida (audição da totalidade dos meios de prova gravados) e analisou a restante prova documental (documentos juntos aos autos, nomeadamente fotografias do veículo, croquis elaborado pela GNR e fotografias do local onde se deu o embate) e valorizou toda a prova produzida conforme entendeu que essa mesma prova deveria ser valorizada, tendo em conta que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca da matéria de facto, como preceitua o nº 5 do art. 607º, do CPC.

 E se valorizou a prova, quer os depoimentos prestados quer os documentos constantes dos autos, foi porque a mesma lhe mereceu credibilidade.

E da matéria de facto provada e não provada, entre si e conjugada com a fundamentação ou motivação do julgador expressa no acórdão recorrido, não se verifica qualquer ilogicidade.

O que se verifica é, não a falta de fundamentação do acórdão, mas a divergência da recorrente que não se conforma com a matéria de facto dada como provada nem com a fundamentação expressa.

Da apreciação livre da prova produzida há de resultar a matéria de facto apurada, matéria de facto provada ou não provada, tudo dependendo da convicção que tais provas mereçam por parte do julgador. Se a prova testemunhal é tida como credível pelo julgador e inferida com as demais provas produzidas (documental no caso), é suficiente para dar como provados os factos.

Conforme determina o art. 413, do CPC, com a epigrafe “provas atendíveis” toda a prova deve ser aproveitada para a decisão do caso, independentemente de quem deva produzi-la.

E “sendo a avaliação dos depoimentos das testemunhas da competência do Tribunal da Relação, o STJ não tem que se imiscuir na avaliação a que aquele procede na formação do juízo conviccional” – ac. do STJ de 13-01-2015, proferido no proc. nº 219/11.9TVLSB.L1.S1.

Assim, entendemos inexistir falta ou insuficiência da fundamentação da matéria de facto, resultando do acórdão recorrido os motivos que levaram à convicção do tribunal.

Nem foram desrespeitadas as normas que regulam a força probatória de algum dos meios de prova admitidos no sistema jurídico português – parte final do nº 3 do art. 674 do CPC.

 “Não ocorreu, neste domínio, erro suscetível de sindicância deste Tribunal Supremo e também não se descortina qualquer violação das regras de direito probatório, soçobrando tudo o que os recorrentes alegaram e concluíram a tal propósito. Há que manter intocável, por isso, a materialidade fáctica dada por assente pela Relação” – ac. do STJ de 19-01-2017, proferido no proc. nº 841/12.6TBMGR.C1.S1.

Como já se referiu e, não se verificando qualquer das exceções previstas na parte final desta norma - nº 3 do art. 674 do CPC –, a fundamentação alegada pela recorrente não pode ser objeto do recurso de revista.

Nada havendo a censurar à legalidade da decisão recorrida, não pode o STJ apreciar o seu acerto ou o erro de julgamento que lhe é imputado” - Revista n.º 232/13.1TBLMG.C1.S1 - 1.ª Secção, de 04-07-2017.

Não se verificam, pois, fundamentos para o recurso de revista, nesta sede de impugnação da matéria de facto.

E não se verificando fundamentos da revista fica prejudicado o conhecimento da pretendida anulação/revogação da matéria de facto resultante da alteração verificada pelo acórdão recorrido, mantendo-se, por conseguinte, intacta a decisão da matéria de facto que foi fixada pelo Tribunal da Relação.

Pelo que improcede o recurso neste segmento que incidia sobre as alterações à matéria de facto feitas no acórdão recorrido.

- Matéria de direito:

- Culpa exclusiva da segurada da ré, ou concorrência em partes iguais.

Entende a recorrente que dos factos provados também resulta haver culpa do autor na ocorrência do acidente (embora também alegue os perigos próprios do velocípede na estrada e os riscos inerentes à circulação).

Ou seja, a recorrente ora alega a concorrência entre culpa e risco (imputando o risco à bicicleta) com a proporção de 50% para cada, ora alega a concorrência de culpas dos condutores, na mesma proporção, como faz na conclusão 48ª.

Este Tribunal e no seguimento da Jurisprudência do STJ, bem como da doutrina mais recente, aceita e segue a tese atualista da possibilidade de concorrência entre culpa e risco.

Assim decidiu no Ac. de 09-03-2022, no Proc. nº 974/19.8T8AVR.P1.S1, concluindo, “I - O art. 505º, do CC deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, ou seja, que a responsabilidade objetiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”.

No caso concreto, e conforme resulta da análise da matéria de facto provada, verifica-se culpa da condutora do veículo segurado da ré, mas, dos mesmos factos não resultam indícios de culpa do autor, assim como não se vislumbra como ou em que medida o velocípede criou risco na produção do acidente, pois que é o autor o condutor do velocípede, o lesado.

Refere Graça Trigo, in “Reflexões acerca da concorrência entre risco e culpa do lesado na responsabilidade civil por acidente de viação”, in Estudos de homenagem ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, vol. II, UCP, 2015, pág. 486-487 que, “sempre que o veículo se encontre em circulação, a respectiva força cinética faz com que seja causa adequada dos danos ocorridos, mesmo que a conduta do lesado, culposa ou não, tenha sido concausal em relação ao acidente de que resultaram os danos”.

Não resultando dos factos provados matéria, da qual possa ser feita a imputação ao autor, condutor do velocípede, a violação de qualquer norma estradal (conduta ilícita), também não temos como relevante na ocorrência do acidente a dinâmica própria da circulação do mesmo em velocípede.

E ponderando o perigo próprio dos veículos na circulação rodoviária, temos que é muito mais intenso o potencial de perigo causado por um veículo ligeiro de passageiros (veículo segurado da ré) do que o causado por um velocípede (em que circulava o autor).

O acórdão recorrido entendeu que, mesmo sem a alteração da matéria de facto ocorrida, nunca deveria ser imputada a culpa ao autor de forma exclusiva, porque a condutora do segurado da ré efetuou manobra (saída de estacionamento, de marcha atrás) sem qualquer sinalização, em local proibido para a sua realização, ocupando ambas as faixas de rodagem da via e colocando, com essa atuação, em perigo o trânsito que circulasse em ambas as vias.

Mas se assim poderia ser face à matéria de facto apurada pela 1ª Instância, dúvidas não restam sobre a culpa da condutora do veículo segurado da ré na ocorrência do acidente, após a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação.

O acidente ocorreu numa estrada no interior de uma localidade, em curva para a direita e contracurva, com declive descendente acentuado.

Quando o velocípede conduzido pelo Autor se encontrava a circular na curva que antecede o local onde o veículo “TU” estava estacionado de forma perpendicular à via, este iniciou uma manobra conducente a sair do referido estacionamento.

A condutora do TU, efetuou esta manobra entrando de marcha atrás e de forma obliqua na faixa de rodagem sentido Senhora do .../ ... que ocupou na totalidade, ocupando, ainda, na quase totalidade a faixa de rodagem no sentido contrário.

O Autor, apesar de ainda ter travado e efetuado uma manobra de recurso, guinando para a esquerda, com vista a desviar-se do veículo “TU”, não conseguiu evitar o embate na lateral traseira direita do TU.

O local do embate ocorreu na hemi-faixa da esquerda, sentido .../Senhora ..., junto da berma, ficando o veículo “TU” imobilizado a ocupar a totalidade da hemi-faixa Senhora .../... e praticamente a totalidade da hemi-faixa contrária.

Quando ainda estava a meio da curva, o A. passou a ter visibilidade de mais de 30 metros até à contracurva e de cerca 20 metros até ao local onde se encontrava estacionado o veículo TU.

O piso estava molhado, limpo e chovia.

Dos factos referidos resulta a culpa da condutora do veículo segurado da ré por que efetuou a manobra de saída do estacionamento e entrada na via de circulação, de marcha atrás e sem se assegurar que podia efetuar essa manobra em segurança e estando, no momento do embate, atravessada na via de circulação e a ocupar a semi faixa de rodagem onde circulava o autor e quase toda a outra semi faixa.

Impõem as regras e normas estradais que as manobras sejam feitas em segurança, observando os necessários deveres de cuidado e diligência.

Deveres de cuidado extensíveis a todos os utentes das vias e, in casu, também ao autor que conduzia o velocípede. No entanto a norma que impõe a obrigatoriedade de adequação da velocidade a poder ser parado o veículo no espaço livre e visível à sua frente reporta-se a situações de normalidade e não quando de forma inopinada aparece um obstáculo a impedir a normal circulação (a impedir a utilização da quase totalidade da via, incluindo a faixa de rodagem contrária).

Pretendendo/estando a condutora do veículo segurado a efetuar a manobra de saída de um estacionamento, dispõe o art. 31º nº1 a) do C. da Estrada que deve ser sinalizada a manobra e o condutor assegurar-se de que não há veículos a circular na via onde pretende entrar, sendo que tem a obrigação de cedência de passagem a quem na via circule.

Ainda mais cuidado é imposto a quem está a fazer a manobra utilizando a marcha atrás, porque poderá ter menos visibilidade e porque ocupará uma maior largura nas faixas de rodagem.

Assim, entendemos, como no acórdão recorrido que existe nexo causal entre a conduta contravencional da condutora do veículo segurado na recorrente e o embate ocorrido com o autor que circulava no seu velocípede pela faixa de rodagem onde aquela condutora pretendia entrar.

Sendo que nenhum facto provado existe donde possa resultar a imputação de responsabilidade, e consequentemente culpa, do autor.

Concluímos como no acórdão recorrido: “Forçoso se imporia, assim e sempre, a atribuição de culpa exclusiva pelo acidente ao condutor do veículo TU, nos termos previstos no artº 483 do C.C.

Existindo culpa exclusiva da condutora do TU, a R. por via do seguro celebrado, está obrigada ao pagamento dos danos causados pelo veículo, até ao montante do capital seguro”.

Averiguação dos danos resultantes do acidente:

- Valor do velocípede do autor, a liquidar em execução de sentença:

Relativamente ao velocípede, apenas se provou que ficou destruído, nada se apurando quanto a valores.

O acórdão recorrido relegou o apuramento do valor venal do velocípede do autor, até ao limite de € 3.000, em posterior incidente de liquidação de sentença.

Alega a recorrente que o autor teve oportunidade, ao longo do processo, de provar o valor do velocípede.

Sobre esta matéria preceitua o nº 2, do art. 609º, do CPC, apenas referindo a falta de elementos para fixar o montante, nada referindo sobre o tempo, ou oportunidade de se apurar a quantidade, no caso o valor do velocípede.

O disposto no artigo 609º, nº 2, do CPC aplica-se em todos os casos em que o Tribunal, no momento em que profere a decisão, carece de elementos para fixar a quantidade da condenação, seja porque ainda não ocorreram os factos constitutivos da liquidação da obrigação, seja porque, apesar de esses factos já terem ocorrido e terem sido alegados, não foi feita a sua prova – neste sentido decidiu a Relação de Coimbra no Ac. de 11-10-2017, proferido no Proc. nº 228/15.9T8SEI.C1.

Concluindo este aresto que, “… desde que esteja demonstrada a existência da obrigação – uma vez que aquilo que pode ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo da citada disposição legal, não é a existência da obrigação, mas sim e apenas o objecto ou a quantidade dessa obrigação –, o Tribunal, carecendo de elementos para fixar o seu objecto ou o seu exacto valor, deverá condenar naquilo que venha a ser liquidado posteriormente”.

Como ensinava o Prof. A. dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 71, “…nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução de sentença”.

Neste sentido se pronuncia também Lebre de Freitas in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª ed., pág. 682.

Neste sentido também a Jurisprudência deste STJ, e por todos citamos o Acórdão do STJ de 22/09/2016, no Proc. nº nº 681/14.8TVLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt., que refere, “O facto de o autor ter formulado na acção declarativa de condenação um pedido de indemnização líquido não impede o Tribunal de proferir sentença de condenação em quantia a liquidar posteriormente desde que os elementos de facto, embora revelando a existência de um dano patrimonial, se mostrem insuficientes para a sua quantificação”.

Assim que se julga improcedente o recurso, também, neste segmento.

- Valor pago ao autor pela Segurança Social e enriquecimento indevido:

Está provado que o A. auferia à data do acidente a remuneração mensal de € 2.700,00, remetendo para as cópias dos 6 (seis) recibos de vencimentos anteriores ao sinistro.

Alega a recorrente que devem ser deduzidos os duodécimos dos subsídios de Natal e de férias.

No entanto, entendemos que não releva o facto de ser incluído no recibo mensal o duodécimo correspondente aos subsídios de Natal e de férias, pois que se não o recebesse em duodécimos também o não receberia no período de férias ou de Natal, pois que estes subsídios são proporcionais ao tempo de serviço efetivamente prestado no ano.

Assim que, se pagos estes subsídios como 13º e 14º mês, sempre a responsabilidade da Ré abarcaria o montante dos subsídios correspondente ao período de 191 dias em que o autor, devido ao acidente, não foi trabalhar.

Assim como não deve abranger os restantes descontos referidos nos recibos.

A Constituição consagra o direito a processo equitativo e a justa indemnização, quando estiver em causa a responsabilidade civil de terceiro por danos causados.

O n.º 4 do art. 20º da Constituição dispõe: “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.

Refere o Tribunal Constitucional no Ac. nº 383/2012, in DR 2ª S., de 21-09-2012 que, “… os acidentes de viação estão, frequentemente, na origem de danos graves, pelo que o legislador, reconhecendo a utilidade social da circulação rodoviária, e pretendendo salvaguardar o direito ao efetivo recebimento da justa indemnização pelos lesados, criou mecanismos adequados a proteger o equilíbrio entre a manutenção de tal atividade e a proteção das vítimas. É nessa lógica que se integra a instituição do regime de seguro obrigatório”.

Neste e noutros arestos do mesmo Tribunal se entende que o legislador pretendeu dar prevalência à celeridade na resolução do conflito, mas que tal ideia de celeridade processual e celeridade na obtenção do ressarcimento, não pode prejudicar os lesados pela exclusão de outros meios de prova que coadjuvassem a fixação da indemnização do efetivo dano sofrido.

E a obrigação de indemnização existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, como preceitua o art. 563º, do Cód. Civil.

Por isso, aquele Tribunal tem decidido pela inconstitucionalidade da norma que prevê que na indemnização se tenha em conta o vencimento líquido.

Decidiu este Acórdão: “julgar materialmente inconstitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, e do direito à justa reparação dos danos, decorrente do artigo 2.º da Constituição, a interpretação normativa extraída do n.º 7 do artigo 64.º do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto -Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, correspondente ao entendimento segundo a qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período”.

E no mesmo sentido o Acórdão do TC nº 565/18 de 07-11-2018.

Assim que se entenda que o rendimento mensal auferido pelo autor é o efetivamente provado nos autos, como vencimento, no montante de 2700,00€, sendo a ré alheia à matéria de fiscalidade a que o autor esteja obrigado, assim como é alheia ao cumprimento, ou não, da obrigação fiscal pelo mesmo autor.

 E quanto a ganhos, se o autor os não deve ter em função de ter sofrido um acidente, em igual situação está a ré porque está a beneficiar do montante pago pela Segurança Social, pelo menos até ao momento em que esta exija a reposição/reembolso.

Sendo a recorrente seguradora responsável pela indemnização que teve como causa o acidente, é também responsável pelo reembolso à Segurança Social da quantia que esta pagou, porque resultam do mesmo evento que obriga à indemnização.

Recebendo mensalmente o autor 2700,00€ e estando de baixa durante 191 dias tem direito a ser reembolsado no montante de 17190,00€.

Tendo o autor sido compensado pela Segurança Social no montante total de € 10.432,27, deve ser indemnizado pela Ré seguradora na diferença, ou seja, no montante de 6.757,73€,

Assim que, também, neste segmento improcede o recurso.

- Indemnização pelo dano biológico e dano patrimonial futuro sofrido pelo autor:

Alega a recorrente que no acórdão recorrido: “Para fixar a indemnização a este título, e ao contrário do que seria de esperar, Tribunal a quo efectuou uma soma direta para arbitrar o valor de 180.000,00 € a título de Dano Biológico”.

“Na pág.65 do Acórdão em crise, o Tribunal a quo efectuou um cálculo matemático desgarrado das obrigações impostas pela Equidade, pela Proporcionalidade e pela Adequação”.

Refere o acórdão recorrido na página indicada: “A indemnização em causa terá de ser fixada por recurso a factores como: a idade do lesado e a sua situação pessoal, estado de saúde e capacidades laborais, bem como outros factores relacionados com a circunstância de a indemnização arbitrada consistir na imediata entrega de capital (com rendimentos que de imediato serão usufruíveis), a taxa de inflação, etc, corrigida e pontuada por juízos de equidade.

Ora, dos autos resulta que à data do acidente, o Autor tinha 49 anos. Sofreu um défice funcional permanente de 18 pontos que, se não o impedem de desempenhar a sua actividade profissional, exigem esforços suplementares para a realização das mesmas tarefas, ou seja, o A. tem de trabalhar mais e com mais esforço para auferir o mesmo nível de rendimentos.

Estas sequelas tendem a agravar-se com o decurso de tempo pelo que, não só este défice funcional não cessará com a idade da reforma como é previsível um aumento tendencial destes esforços suplementares para o desempenho dos mesmos serviços, inibindo qualquer possibilidade de melhoria da situação financeira do A.

Assim, tendo em conta que o se visa ressarcir é essencialmente o rebate físico, o esforço acrescido na realização de tarefas, a perda da possibilidade de eventualmente o lesado vir a melhorar, pelo produto do seu trabalho as suas condições económicas (e a A., fruto destas lesões, deixou o poder fazer), a data a considerar para cálculo da indemnização a fixar não é a da reforma, mas antes o período previsível da sua vida, tendo em conta a esperança média de vida para os homens, que será de mais de 30 anos”.

Donde resulta que no acórdão recorrido o Tribunal não efetuou um cálculo matemático desgarrado. No entanto, entendeu que a indemnização devia ser calculada com base no rendimento anual, do autor/lesado, auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual.

Neste particular, temos que o acórdão recorrido incorre em equívoco, ao qualificar o défice atribuído como incapacidade parcial permanente (IPP), apesar de reconhecer que tal défice não impossibilita o autor de prover ao seu sustento, apenas o obrigando a um significativo acréscimo de esforço na sua atividade profissional.

Nesta questão seguimos o entendimento expandido nos Acórdãos por nós relatados, proferidos nos Proc. nº 899/19.7T8VCT.G1.S1 e 1694/18.6T8PDL.L1.S1.

Nos termos do art. 562º do Cód. Civil, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

Na determinação do montante da justa indemnização destinada a ressarcir danos futuros, perante a constatação da impossibilidade de averiguar o valor concreto dos danos, tem a jurisprudência recorrido ao juízo de equidade a que se reporta o art. 566º, n.º 3, do Cód. Civil, a partir dos elementos de facto apurados, conjugados com diversos critérios de cálculo de natureza instrumental.

O art. 566º do Cód. Civil, consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade e não sendo possível a reconstituição natural, não reparando a mesma integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1. do art. 566º.

E a indemnização pecuniária deve medir-se pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido, diferença que se estabelece entre a situação real atual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento.

Deve atender-se aos danos futuros, nº 2, do art. 564º, desde que previsíveis, sendo que o nº 3, do art. 566º, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não seja possível, designadamente face à imprecisão dos elementos de cálculo, fixar o valor exato dos danos.

Assim, a lei prevê a indemnização dos danos futuros, exigindo tão só a sua previsibilidade.

Constitui entendimento da jurisprudência que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida e não apenas em função da duração da vida profissional ativa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma.

Não havendo fórmula exata de cálculo destes danos, a solução encontrada deve ser mitigada, como já dito, com o recurso à equidade.

A fixação da indemnização em termos de equidade deve ter em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida. Em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras.

“IV. O juízo de equidade de que se socorrem as instâncias para a fixação de indemnizações por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, alicerçado na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” – Ac. do STJ desta Secção, de 26-01-2021, no proc. nº 688/18.6T8PVZ.P1.S1.

A equidade desempenha um papel corretor e de adequação da indemnização decretada às circunstâncias do caso, nomeadamente quando, como é frequente, os tribunais recorrem a “cálculos matemáticos e tabelas financeiras.

Os danos futuros decorrentes de uma lesão física “se não reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; que, por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução. Nomeadamente, não pode ser considerada a relevância da lesão apenas com referência à vida activa provável do lesado; antes se há de considerar também o período posterior à normal cessação de actividade laboral, com referência à esperança média de vida (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).

Esse recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso.

É entendimento deste STJ que, não equivalendo a equidade a arbitrariedade, a fixação de indemnização com recurso a esse juízo não pode surgir como expressão de sensibilidades ou intuições meramente subjetivas do julgador, tendo antes de se alicerçar em factualidade donde se possa, com base em padrões sedimentados na experiência comum, chegar a um valor racional – neste sentido cfr. acórdão de 21-04-2016, Proc. n.º 2138/03.3TCSNT.L1.S1, em www.stj.pt

A matéria de facto relevante vem provada nos pontos 32 e seguintes, e salientamos:

- Incapacidade total durante 191 dias;

- Teve sofrimento físico e psíquico durante o período entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões fixável no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;

- Ficou com um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 18 pontos;

- As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;

- As características das cicatrizes resultantes do acidente causam um Dano Estético fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente;

- A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é de grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente;

- Como consequência direta do acidente o A. sofreu uma luxação acrómico-clavicultar direita e uma fratura articular do joelho direito, com fratura do prato externo da tíbia direita;

- O autor encontra-se incapacitado de praticar atos banais de higiene diária, tais como pentear-se com a mão direita;

- O Autor sente dificuldades em vestir-se sozinho, tendo de recorrer à ajuda de terceiros;

- O Autor não consegue conduzir veículos automóveis durante longos períodos de tempo, sentindo especiais dificuldades sempre que tem de operar com a caixa de velocidades do veículo;

- O autor é incapaz de dormir sobre o lado direito na medida em que essa postura lhe causa grande dor no ombro direito e formigueiro na mão direita;

- Presentemente e como consequência direta do sinistro em questão, o Autor apresenta uma impossibilidade dolorosa de levantar o braço direito acima dos noventa graus;

- O Autor à data do sinistro tinha 49 anos de idade, apresentava boa condição física, e era saudável, sem qualquer patologia;

Relevante na fixação da indemnização, nesta sede é o défice funcional permanente fixado em 18 pontos percentuais, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

Esse défice é compatível com o exercício da profissão e a repercussão reflete-se a nível de esforços suplementares que implica.

Nessa medida, tal défice não pode deixar de relevar em sede do chamado dano biológico patrimonial, suscetível, portanto, de indemnização reparatória daquela redução do rendimento económico potencial, com vem sendo entendido pela jurisprudência.

A jurisprudência do STJ, nomeadamente os Acs. do STJ de 12-07-2018, no Proc. nº 1842/15.8T8STR.E1.S1 e de 16-12-2017, no Proc. nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, tem entendido que a indemnização não deve ser calculada com base no rendimento anual, auferido no âmbito da atividade profissional habitual do lesado, quando o défice funcional não implica incapacidade parcial permanente para o exercício da atividade que exerce, envolvendo apenas esforços suplementares.

O referido défice funcional de 18 pontos, não representando incapacidade para o exercício da atividade profissional habitual do autor, tem influência na sua capacidade económica geral, na medida em que representa dificuldades acrescidas no exercício da atividade que o mesmo exerce, e o limita para o exercício de outras atividades económicas, a exercer em simultâneo ou alternativas, que lhe pudessem entretanto surgir, na área da sua formação profissional, bem como na realização de tarefas pessoais quotidianas - neste sentido vejam-se os acórdãos acabados de referir.

Entendemos como nos acórdãos citados que a indemnização não deve ser calculada com base no rendimento anual da autora, auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual, já que o défice funcional genérico, de 18 pontos, não implica incapacidade parcial permanente para o exercício da atividade que exerce, envolvendo apenas esforços suplementares.

Assim entende Rita Mota Soares in Revista Julgar, nº 33º, 2017, pág. 111 e segs., in “.. O Dano Biológico quando da Afetação Funcional não Resulta Perda da Capacidade de Ganho…” ao referir: “se encararmos o dano biológico como uma lesão da integridade psicofísica, não podemos recusar a premissa de que esta é igual para todos.

Nessa medida, nos casos em que os lesados não sofram uma efectiva diminuição dos rendimentos profissionais (quer porque estes não ficam diminuídos, quer porque estão em causa estudantes, desempregados ou reformados), havendo antes a necessidade de maiores esforços para obtenção dos mesmos rendimentos, não há razão alguma para tratamentos diferenciados por referência ao salário ou ao rendimento habitual”.

A jurisprudência do STJ vai no sentido de ser fixado um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566º, nº 3, do Cód. Civil, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma. De referir que aqui só relevam as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espectro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza.

Acrescentando a jurisprudência que seguimos: “Nesta linha de entendimento, temos ainda assim de reconhecer que nem sempre se mostra tarefa fácil estabelecer comparações entre os diversos casos já tratados na jurisprudência, ante a multiplicidade de fatores variáveis e as singularidades de cada caso, em especial, o impacto concreto que determinado grau de défice funcional genérico é suscetível de provocar no contexto da atividade económica que estava ao alcance da iniciativa do sinistrado com a inerente perda de oportunidade de ganho”.

Tendo em conta todo o circunstancialismo exposto, em especial a situação em que ficou o autor em consequência das sequelas sofridas com o acidente, quando “O Autor à data do sinistro tinha 49 anos de idade, apresentava boa condição física, e era saudável, sem qualquer patologia”, gozando, portanto, de boa saúde, importa considerar que as limitações de que ficou afetado, correspondentes a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 18 pontos percentuais a partir da data da consolidação médico-legal, além do acréscimo de esforço físico no desenvolvimento do tipo de atividade que vinha exercendo, implicam alguma redução da sua capacidade económica geral, mormente para se dispor ao desempenho de atividades económicas concomitantes ou alternativas que, presumivelmente, ainda lhe pudessem surgir na área da sua formação profissional e até para a execução de tarefas quotidianas, ao longo da sua expetativa de vida, mesmo para além da idade-limite da reforma.

Ponderando o quadro factual e tendo em conta os critérios balizadores referidos, temos que o critério seguido pela Relação se afasta, de modo significativo, dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis, pelo que se considera exagerado o arbitramento de indemnização, nesta sede, em   180.000,00€.

Porém, também consideramos subestimado, pela ré, o dano sofrido pelo autor, nesta sede, ao concluir a indemnização: “deverá ser substituída por outra fixando o montante de 18.000,00 €, após introdução de necessário desconto em função do imediato pagamento, bem como, da concorrência de culpa na proporção de 50%, que se apresenta conforme a equidade e justo”.

O Ac. do STJ que vimos seguindo, proferido no Proc. nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, para sinistrado com défice funcional de 25,6 pontos e idade de 60 anos, alterou a  indemnização arbitrada pela Relação por tal dano para 100.000,00€.

Aí se entendeu que a indemnização não deve ser calculada com base no rendimento anual do lesado auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares, e referindo que em tais situações, “a solução seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma”.

Tendo em conta o salário médio mensal bruto em Portugal, no montante de 1361,00€, a idade do autor à data da consolidação e a esperança média de vida, teríamos:

1361 x 14 x 30 x 18% = 102891,60€.

Nessas circunstâncias, ponderando os critérios supra referenciados, no quadro dos padrões da jurisprudência mais recente, tem-se como razoável valorar o dano biológico, na respetiva vertente patrimonial, na quantia de 110.000,00€ (cento e dez mil euros).

Assim se alterando o decidido pelo acórdão recorrido.

-Valor dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.

No acórdão recorrido foi decidido “fixar ao A. a quantia de € 45.000,00 por danos não patrimoniais sofridos”.

Entende a recorrente que a decisão “deverá ser substituída por outra fixando o montante de 15.000,00 €, após introdução de necessário desconto em função da concorrência de culpa na proporção de 50%, que se apresenta mais adequado, justo e respeita a equidade e os danos que devem ser tutelados pelo Direito”.

Nos termos do art. 496º, nº 1, do Cód. Civil, “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

E o n.º 3 do referido art. 496º e o art. 494º do mesmo diploma dispõem que a indemnização por danos não patrimoniais seja fixada de forma equitativa pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica e as demais circunstâncias do caso.

Conforme Ac. de 07-10-2021, por nós relatado, no Proc. nº 235/14.9T8PVZ.P1.S1 “A fixação da indemnização em termos de equidade deve ter em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida. Em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras”.

Ensina Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10.ª Edição, Almedina, pág. 605, nota 4, seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, que o juízo de equidade requer do julgador que tome “em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”, sem olvidar que a “indemnização” por tais danos tem natureza mista, pois que visa, ainda, reparar o dano, mas também reprovar a conduta lesiva.

Como refere o Ac. do STJ de 16-12-2017, no Proc. nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1 “Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir de sancionamento da conduta do agente”.

No caso, além dos factos já referidos quando da fixação do dano patrimonial, temos como relevantes:

- O Autor levava um estilo de vida ativa, praticando regularmente (pelo menos três vezes por semana) ciclismo/BTT com ampla satisfação, quer sozinho quer acompanhado por amigos.

- Fruto das sequelas do sinistro o Autor teve de deixar de praticar ciclismo/BTT.

- O Autor sofreu e sofre dores resultantes não só das lesões sofridas como também dos próprios tratamentos efetuados.

- Teve sofrimento físico e psíquico durante o período entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões fixável no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

- As características das cicatrizes resultantes do acidente causam um Dano Estético fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

- A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é de grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

- É previsível um agravamento das sequelas e o autor terá de continuar a recorrer, de forma regular, a acompanhamento médico adequado (consultas de ortopedia e fisiatria) no sentido de evitar retrocesso e agravamento das sequelas e minorar o sofrimento crónico de que ficou a padecer.

- O autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica à tíbia direita e ao ombro direito;

- O autor encontra-se incapacitado de praticar atos banais de higiene diária, tais como pentear-se com a mão direita.

- O Autor sente dificuldades em vestir-se sozinho, tendo de recorrer à ajuda de terceiros.

- Presentemente e como consequência direta do sinistro em questão, o Autor apresenta uma impossibilidade dolorosa de levantar o braço direito acima dos noventa graus.

- Após o acidente, o A. deslocava-se numa primeira fase com recurso a cadeira de rodas e posteriormente com auxílio de duas canadianas.

Tendo em conta estes factos e atenta a idade do autor e, segundo as regras da experiência, este tipo de mazelas são para a vida e com tendência para se agravarem com o adiantar da idade, não se tem por desajustada aos padrões seguidos pela jurisprudência a indemnização de 45.000,00€ fixada no acórdão recorrido, que não afronta as regras da prudência e equidade.

Devem ser observados os padrões de indemnização seguidos pela prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8º do Cód. Civil.

Não se pode atender só à prática seguida pela jurisprudência de equivaler indemnizações para factos semelhantes e estagnarem os montantes indemnizatórios, porque os termos de comparação se referem a situações passadas, devendo ser tida em conta a evolução, fazendo o acompanhamento do aumento do custo de vida (inflação) e o aumento dos rendimentos médios das pessoas.

E as indemnizações a atribuir por danos não patrimoniais não podem ser meramente simbólicas, devendo antes mostrar-se adequadas ao fim a que se destinam, ou seja, atenuar a dor sofrida pelo lesado e também reprovar, no plano civilístico, a conduta do agente.

- Juros legais e respetivo cálculo.

Alega a recorrente que os juros só poderão ser contados a partir da decisão atualizadora e tal data corresponde à data da prolação do acórdão que vier a ser proferido por este Supremo Tribunal de Justiça.

Foi o que decidiu o Tribunal recorrido que considerou os valores líquidos apontados como valores atualizados.

Conforme este coletivo decidiu no acórdão proferido no Proc. nº 899/19.7T8VCT.G1.S1: entendendo o acórdão uniformizador nº 4/2002, de 09-05-2002 como regra que a indemnização em dinheiro visa repor a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, ao nível da que ocorreria caso não tivesse acontecido a lesão.

E deixando escapatória para aplicação do critério do art. 805º, nº 3 quando a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco com base de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566º, do Código Civil, não reponha a situação que o lesado teria caso não tivesse ocorrido a lesão.

Em princípio, a sentença que fixa o valor de uma indemnização com base na equidade deve ser considerada uma decisão atualizadora para o efeito previsto no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002.

Assim entendeu, também, o Ac. deste STJ de 04-11-2021, no Proc. 590/13.8TVLSB.L1.S1, em que fomos adjunto e onde se concluiu: “V. A contagem de juros de mora desde a citação tem em vista a mesma finalidade que a atualização da indemnização à data da sentença: “imputar ao lesante o risco da depreciação monetária” ou da erosão do valor da moeda.

VI. O art. 805.º, n.º 3, do CC, tem por objetivo a consagração de um critério abstrato de cálculo dos danos sofridos pelo lesado, decorrentes da demora no pagamento, ulteriores à citação e anteriores à liquidação, sem afastar a teoria da diferença. No caso de a avaliação dos danos ser reportada à data da sentença do Tribunal de 1.ª Instância, à indemnização não podem acrescer juros de mora desde a citação”.

Assim e face ao que dispõe aquele Acórdão Uniformizador, tendo sido fixados os montantes indemnizatórios pelo Tribunal da Relação e os mesmos confirmados por este acórdão por corretamente fixados, tais quantias encontram-se atualizadas a essa mesma data em que foram fixados e não à data atual.

Pelo que são devidos juros de mora relativamente a essas quantias desde essa atualização, ou seja, desde que foi proferido o acórdão recorrido.

Apenas o valor da indemnização respeitante ao dano biológico, foi atualizado nesta data, e só em relação a esse montante os juros de mora serão devidos a partir da data deste acórdão.


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Pelo exposto, o recurso de revista apenas procederá parcialmente.

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Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art. 663 nº 7 do CPC:

I - Não se verificando qualquer das exceções previstas na parte final da norma do nº 3 do art. 674º do CPC, ou seja, não se verificando erro ou violação das regras de direito probatório suscetível de sindicância deste STJ, a fundamentação alegada pela recorrente não pode ser objeto do recurso de revista, devendo manter-se intocável, por isso, a materialidade fáctica dada por assente pela Relação.

II - Não resultando dos factos provados matéria, da qual possa ser feita a imputação ao autor, condutor do velocípede, a violação de qualquer norma estradal (conduta ilícita), também não temos como relevante na ocorrência do acidente a dinâmica própria da circulação do mesmo em velocípede.

III - Tendo a condutora do veículo segurado da ré efetuado a manobra de saída do estacionamento e entrada na via de circulação, de marcha atrás e sem se assegurar que podia efetuar essa manobra em segurança e estando, no momento do embate, atravessada na via de circulação e a ocupar a semi faixa de rodagem onde circulava o autor e quase toda a outra semi faixa, é responsável pela ocorrência desse acidente ocorrido.

IV - Ter o autor formulado na ação um pedido de indemnização líquido não impede o Tribunal de proferir sentença de condenação em quantia a liquidar posteriormente, desde que a matéria de facto revele a existência de um dano patrimonial, apesar de se mostrar insuficiente para a sua quantificação.

V - O rendimento mensal auferido pelo autor é o efetivamente provado nos autos, como vencimento, no montante de 2700,00€, sendo ré alheia à matéria de fiscalidade a que o autor esteja obrigado, assim como é alheia ao cumprimento, ou não, da obrigação fiscal pelo mesmo autor.

VI - Na determinação do montante da justa indemnização destinada a ressarcir danos futuros, perante a constatação da impossibilidade de averiguar o valor concreto dos danos, tem a jurisprudência recorrido ao juízo de equidade a que se reporta o art. 566º, n.º 3, do Cód. Civil, a partir dos elementos de facto apurados, conjugados com diversos critérios de cálculo de natureza instrumental.

VII - A jurisprudência do STJ tem entendido que a indemnização por défice funcional sofrido em acidente não deve ser calculada com base no rendimento anual auferido no âmbito da atividade profissional habitual do lesado, quando esse défice funcional não implica incapacidade parcial permanente para o exercício da atividade que exerce, envolvendo apenas esforços suplementares.

VIII - Na indemnização por danos não patrimoniais devem ser observados os padrões de indemnização seguidos pela prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito.

IX - Não se pode atender só à prática seguida pela jurisprudência de equivaler indemnizações para factos semelhantes e estagnarem os montantes indemnizatórios porque os termos de comparação se referem a situações passadas, devendo ser tida em conta a evolução, fazendo o acompanhamento do aumento do custo de vida (inflação) e o aumento dos rendimentos médios das pessoas.

X - Face ao que dispõe o Acórdão Uniformizador nº 4/2002, tendo sido fixados os montantes indemnizatórios pelo Tribunal da Relação e os mesmos confirmados por este acórdão por corretamente fixados, tais quantias encontram-se atualizadas a essa mesma data em que foram fixados e não à data atual.

Decisão:

Pelo exposto acordam no Supremo Tribunal de Justiça e 1ª Secção Cível, em julgar parcialmente procedente o recurso da ré seguradora e consequentemente:

- Altera-se o acórdão recorrido no sentido da condenação da ré seguradora a pagar, ao autor, a indemnização de 110.000,00€ (cento e dez mil euros), a título danos patrimoniais decorrentes do défice funcional genérico de 18 pontos percentuais, que se julga atualizada nesta data.

- Mantem-se, quanto ao mais, o acórdão recorrido, com juros de mora a partir da data de prolação do mesmo.


Custas pela recorrente e pelo recorrido, na proporção do vencido.


Lisboa, 11-05-2022


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo – Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua – Juiz Conselheiro 2º adjunto