Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1153/07.2TBCTB.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LEITE
Descritores: DIVÓRCIO LITIGIOSO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
ÓNUS DA PROVA
Apenso:
Data do Acordão: 01/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Sumário :

I - Em caso de divórcio, a obrigação de indemnização, pelos danos não patrimoniais, abrange apenas aqueles danos morais que sejam consequência da própria dissolução do casamento, entre os quais se podem enunciar os que resultem da desconsideração social para o divorciado e, no meio onde vive, do divórcio decretado, bem como a dor sofrida pelo cônjuge não culpado pela frustração do projecto de vida em comum, pelo mesmo idealizado ao contrair matrimónio (art. 1792.º, n.º 1, do CC).
II - Perante o paradigma de uma sociedade em constante e contínua evolução quanto aos seus valores dominantes, como é a sociedade actual, o conceito da “perenidade do matrimónio durante toda a vida dos cônjuges” deixou de constituir um factor de absoluta e suprema relevância no domínio das relações matrimoniais, pelo que, a idealizada pretensão da autora em manter-se casada com o réu nunca poderia, por si só, configurar a ocorrência de uma situação cuja frustração se mostrasse passível de ressarcimento pela apontada via indemnizatória, nomeadamente pelo curto período da sua vida em comum – cerca de 8 anos –, acrescida dos hiatos decorrentes das ausências do réu, de inquestionável e manifesto reflexo nos sentimentos conjugais, de tal decorrendo, portanto, que, não se mostrando provados pela autora, a quem tal incumbia – art. 342.º, n.º 1, do CC –, quaisquer outros factos indiciadores da ocorrência dos peticionados danos, a pretensão por aquela deduzida em tal sentido não pode merecer acolhimento.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – AA instaurou, na comarca de Castelo Branco, acção de divórcio contra BB, em que alegou, que, tendo com o mesmo contraído matrimónio em 28/08/1999, desde esta data que o seu cônjuge a agride física e psiquicamente, com a imputação de injúrias que a ofendem na sua honra e dignidade, tendo aquele, inclusive, abandonado o lar conjugal em 01/04/2007, alegando ir viver com a mulher com quem já vivia maritalmente, pelo que peticionou que seja declarado o divórcio entre ambos, com culpa exclusiva do R, e que este seja condenado a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 5.000,00 e a prestação mensal de alimentos de € 600,00.

Na contestação que apresentou, com excepção do abandono do lar conjugal, o R impugna os restantes factos alegados pela A., peticionando, reconvencionalmente, e com fundamento em ter sido obrigado a sair da casa de morada da família por impossibilidade de suportar a convivência em comum, que seja decretado o divórcio, com culpa exclusiva da A.

Decorrida a normal tramitação processual, foi proferida sentença, na qual foi decretado o divórcio entre A e R, com culpa exclusiva deste, e julgada improcedente a reconvenção.

Tendo a A apelado, a Relação de Coimbra, ainda que com um voto de vencido, condenou o R no pagamento à A da indemnização de € 3.000,00 e da pensão mensal de € 300,00.

Inconformado, o R veio pedir revista da decisão proferida, sustentando, nas conclusões apresentadas na sua minuta, a inexistência da prova de quaisquer danos sofridos pela A, bem como das necessidades da mesma e das possibilidades económicas do recorrente.

Contra alegando, a recorrida veio pronunciar-se pela manutenção do decidido pela Relação.

Colhidos os devidos vistos, cumpre apreciar.

II – Da matéria de facto que vem provada da Relação, e para a qual na sua generalidade se remete nos termos dos arts. 713º, n.º 6 e 726º do CPC, há a considerar a que se passa a enunciar:

A e R casaram catolicamente, sem convenção antenupcial, no dia 28/08/1999.

A A, desde data concretamente não apurada, mas anterior a 1 de Abril de 2007, sofre de doença crónica inflamatória grave do intestino.

Entre a data do casamento e 1 de Abril de 2007, por vezes, o R ausentava-se durante dias da casa onde residia com a A.

O R deixou de residir, em 1 de Abril de 2007, na casa onde, desde 2002, o fazia com a A.

O R deixou de contribuir, mesmo antes de 1 de Abril de 2007, com qualquer verba, além do mais, para o pagamento da alimentação e despesas médicas e medicamentosas, sobretudo fraldas, tudo da A, e quaisquer despesas da referida casa.

O R, após 1 de Abril de 2007, deu baixa dos contratos de fornecimento de água, luz e gás da casa onde residiu com a A desde 2002 até àquela data, tendo os pais da A reposto e suportado os custos respectivos.

A A chora com frequência e evita ser vista, permanecendo em casa, a menos que tenha compromisso.

A A pretendia, ao ter-se casado com o R, manter-se casada e ter filhos.


III – Das conclusões do recorrente decorre que o objecto do recurso pelo mesmo interposto se reporta à atribuição à A de uma indemnização a título de danos não patrimoniais, bem como de uma pensão mensal de alimentos, uma vez que, em seu entender, se não encontram provados os pressupostos determinantes da decisão em tal sentido proferida ela Relação.

Ora, conforme se extrai do estatuído no art.1792º, n.º 1 do CC, a obrigação de indemnização pelos apontados danos abrange apenas aqueles danos morais que sejam consequência da própria dissolução do casamento, entre os quais se podem enunciar os que resultem da desconsideração social para o divorciado, e no meio onde vive, do divórcio decretado, bem como a dor sofrida pelo cônjuge não culpado pela frustração do projecto de vida em comum, pelo mesmo idealizado ao contrair matrimónio – vide Curso de Direito da Família dos Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, vol. I, 2ª edição, pág. 689/690.

Porém, compulsando-se a matéria de facto antecedentemente transcrita, não se vislumbra a ocorrência de quaisquer factos provados susceptíveis de enquadramento em tal situação, já que, perante o paradigma de uma sociedade em constante e contínua evolução quanto aos seus valores dominantes, como é a sociedade actual, o conceito da “perenidade do matrimónio durante toda a vida dos cônjuges” deixou de constituir um factor de absoluta e suprema relevância no domínio das relações matrimoniais, pelo que a idealizada pretensão da A em manter-se casada com o R, que vem provada das instâncias, nunca poderia, por si só, configurar a ocorrência de uma situação cuja frustração se mostrasse passível de ressarcimento pela apontada via indemnizatória, nomeadamente pelo curto período da sua vida em comum – cerca de 8 anos –, acrescida dos hiatos decorrentes das ausências do R, de inquestionável e manifesto reflexo nos sentimentos conjugais, de tal decorrendo, portanto, que não se mostrando provados pela A, a quem tal incumbia – art. 342º, n.º 1 do CC -, quaisquer outros factos indiciadores da ocorrência dos peticionados danos, a pretensão por aquela deduzida em tal sentido não pode merecer acolhimento.

Por seu turno, e no que respeita aos alimentos a atribuir, em caso de divórcio, ao cônjuge não culpado, o art. 2016º do CC dispõe que “na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, (…..), os seus rendimentos e proventos e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta” – n.º 3.

Porém, compulsando-se a factualidade enunciada no item anterior, não se mostram provados os elementos que, segundo o legislador, devem ser tidos em linha de consideração para a atribuição da aludida pensão alimentícia.

Com efeito, apenas vindo provado que a A sofre de doença crónica inflamatória grave do intestino, que a obriga ao recurso a fraldas, fica-se por saber se, em consequência de tal estado de doença, aquela aufere qualquer pensão social, ou se, pelo contrário, se não encontra incapacitada do exercício da sua actividade profissional, que também se ignora qual seja, bem como a respectiva remuneração auferida ou perdida pela mesma, nada se conhecendo, portanto, e em concreto, sobre as suas efectivas necessidades pecuniárias.

Por outro lado, e quanto ao R, de igual forma se desconhece os seus proventos económicos, bem como os encargos que sobre si impendem, elementos esses imprescindíveis para o cálculo de uma qualquer eventual pensão a satisfazer pelo mesmo.

Assim, e porque a A não carreou para os autos, como aliás lhe competia, factos tendentes a sustentar as apontadas pretensões por si deduzidas, procedem, pois, as conclusões do recorrente.


IV – Perante o exposto, vai concedida a revista requerida, e, em consequência, revoga-se o acórdão da Relação, ficando a subsistir a decisão proferida pela 1ª instância.
Custas pela recorrida, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Janeiro de 2011

Sousa Leite (Relator)
Salreta Pereira
João Camilo