Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | BETTENCOURT DE FARIA | ||
| Descritores: | VONTADE DO TESTADOR INTERPRETAÇÃO DA VONTADE QUESTÃO DE FACTO | ||
| Nº do Documento: | SJ200411250026242 | ||
| Data do Acordão: | 11/25/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 10092/03 | ||
| Data: | 03/04/2004 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
| Sumário : | 1 - A interpretação da vontade real do testador, se feita unicamente com recurso ao texto do testamento, é uma questão de direito de que o STJ pode conhecer. II - Se tal interpretação for feita com recurso a prova complementar, já estamos perante uma questão de facto da exclusiva competência das instâncias. III - Sem prejuízo, contudo, do Supremo poder sindicar, nos termos do art° 2187° n° 2 do C. Civil, da correspondência da vontade do testador assim determinada, com o contexto do testamento. IV - A atribuição dum legado, justificada pela existência de lacuna e feita com base na identidade de razão, não pode ser admitida, se o testador instituiu um herdeiro do remanescente. V - Saber se o testador quis ou não contemplar determinadas pessoas com determinados bens, em casos em que o testamento é omisso, é uma pura questão de facto. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" moveu a presente acção ordinária contra Fundação B, pedindo que fosse reconhecida a sua propriedade sobre os seguintes bens: - prédio denominado Parque de Santa Gertrudes, descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 4072; - conjunto de móveis existentes no palácio do Pátio de S. Miguel, em Évora, bem como noutras instalações do mesmo Pátio; - biblioteca, arquivo e equipamentos acessórios instalados numa das casa do Pátio de S. Miguel. Mais pede que a ré seja condenada a restituir imediatamente à autora esses bens. A ré contestou. O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente unicamente em relação aos referidos móveis existentes no palácio do Pátio de S. Miguel. Apelaram ambas as partes, tendo a autora obtido integral ganho de causa. Recorre, agora, a ré, a qual, nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões: 1.1 A Relação baseou-se num facto que se não se provou, ou seja, o de que o testador tinha a plena consciência da diversidade das descrições prediais, quando fez o testamento. 1.2 Transparece do testamento que a generalidade dos legados à autora tinham por fim assegurar-lhe um elevado nível de vida, sem prejuízo de que, por sua morte, os respectivos bens ingressassem em propriedade plena no património da F.E.A. 1.3 O eng. C enunciou pormenorizadamente no testamento os seus bens, mediante o recurso ao nome e não às descrições prediais ou matriciais. 1.4 Não era sua intenção separar uma unidade como aquela constituída pela Casa e pelo Parque de Santa Gertrudes (palácio e jardim), para deixar a sua mulher uma parte (o palácio) em usufruto e a outra parte (o jardim) em propriedade plena. 1.5 Se o quisesse fazer, certamente que teria identificado nos legados que instituiu a favor dela. 1.6 Acresce que o testador, ao referir-se ao legado constituído pela "Casa", deu-lhe como direcção a da Rua Marquês de Fronteira n° 2, que, na realidade, corresponde ao dito "Parque". 1.7 Pelo que o Parque de Santa Gertrudes, do mesmo modo que a Casa de Santa Gertrudes, foi deixado em nua propriedade à ré e em usufruto à autora. 1.8 Decidindo em contrário, o acórdão recorrido violou os art°s 2187° do C. Civil vigente e 1761° do C. de Seabra. 2.1 O testador, depois de instituir a Fundação, indicando como sede desta as casa do Pátio de S. Miguel e concluídas que ficaram as obras de restauro, mobilou o Palácio, onde aquela tinha sua sede, com a intenção de lhe proporcionar os meios necessários para o apetrechamento da mesma sede. 2.2 Não faria sentido que o instituidor da F.E.A. se dedicasse em via em mobilar e decorar com desvelo a sua sede, para, depois da sua morte, todo o mobiliário por si cuidadosamente seleccionado fosse parar, quiçá disperso, a mãos alheias, por intermédio da sua viúva. 2.3 A propriedade dos móveis em causa foi transferida à F.E.A., por doação em vida do instituidor. 2.4 Caso assim se não entendesse, dada a matéria de facto apurada, a vontade real e efectiva do testador, captada através do contexto do testamento, aponta decisivamente no sentido de que os mesmos ficassem a pertencer à recorrente, por via de deixa testamentária. 2.5 Ao não entender assim, o douto acórdão recorrido violou por erro de interpretação o disposto nos art°s 1458° n° 1 do C. de Seabra e 947° do C. Civil vigente, e, ainda, os art°s 2187° deste último e 1761° do primeiro. 3.1 Foi simplista o raciocínio do Tribunal da Relação ao considerar que a Biblioteca e o Arquivo, por não constarem expressamente do rol dos legados, fazem parte do remanescente da herança. 3.2 Foi o testador quem, em vida, os transferiu para a sede da Fundação. 3.3 De acordo com a sua intenção de transferir para, ou nela radicar todos os bens que lhe deixaria afectados. 3.4 Com efeito, pretendeu associar o seu arquivo e a sua biblioteca à sua Fundação, o que só conseguiria sem obstáculo se lhe transmitisse a propriedade de tais universalidades e se não limitasse a confiar-lhe o respectivo depósito. 3.5 Do contexto do testamento resulta com toda a evidência que o testador pretendia que a Biblioteca e o Arquivo constituíssem por si um meio da F.E.A. alcançar os seus fins culturais e educacionais. 3.6 Entendimento contrário leva à violação dos citados art°s 1761° e 2 187°. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II Nos termos do art° 713° n° 6 do C. P. Civil, consigna-se a matéria de facto dada por assente remetendo para o que consta de fls. 930 a 935. III Apreciando Serão analisadas as seguintes questões jurídicas: A - Dos poderes do STJ na apreciação da vontade do testador em sede de revista. B - Sobre a extensão do legado Casa de Santa Gertrudes. C - E do Palácio de S. Miguel. D - Da existência de legado em relação ao Arquivo e à Biblioteca. A - O art° 1761° do C. Civil de Seabra, ao determinar que, na dúvida, na interpretação do testamento atender-se-ia ao que parecer mais ajustado com a vontade do testador, fixava a vontade real, ou psicológica, deste último como a prevalente na interpretação deste tipo de negócio jurídico. Por seu turno, o art° 2187° do actual C. Civil, mantém o princípio de que deve ser atendida a vontade real, explicitando que tal vontade deve ser inferida do contexto do testamento, sem prejuízo do recurso a prova complementar e de que a vontade apurada tenha um mínimo de correspondência naquele contexto. Assim, a interpretação dos testamentos afasta-se da regra da interpretação dos negócios jurídicos do art° 236° nº 1, em que o que releva é, não a vontade real do declarante, mas a impressão do declaratário sobre qual seja essa mesma vontade - "O critério normativo enunciado no art° 2187° n° 1 do CC aponta inequivocamente - diversamente do que ocorre nos negócios entre vivos - como finalidade da actividade hermenêutica, a busca e determinação da vontade psicológica do testador. - AC STJ de 28.09.99 -. Poder-se-ia, por isso, dizer que a interpretação dos negócios jurídicos nos termos do referido art° 236° é uma interpretação normativa, logo integrando matéria de direito, enquanto a interpretação dos testamentos, em que se pretende avaliar duma realidade factual, a intenção do seu autor, constituirá matéria de facto. Consequentemente, ao Supremo Tribunal de Justiça estaria vedada a interpretação dos testamentos. Vejamos. Não é rigoroso dizer que o STJ não se pronuncia sobre a matéria de facto, quando é certo, que, em determinados casos, compete-lhe, precisamente, fixar tal matéria. A questão é outra. Sendo um tribunal de revista, ou seja, um tribunal que tem por principal função pronunciar-se sobre o modo como as instâncias aplicaram o direito, só pode debruçar-se sobre os factos, quando está em causa a aplicação duma norma a eles respeitante. Dito por outro modo, se a fixação dos factos não se faz pela convicção do julgador, ou seja por julgamento desses factos, mas normativamente, como o resultado da aplicação de regras jurídicas, então o Supremo pode apreciar a matéria de facto. Ou, ainda, por outras palavras, quando a fixação dos factos é uma questão de direito. Afloramento destes princípios é o art° 722° n°2 do C. P. Civil, quando determina que o STJ não pode rever o erro na fixação dos factos - a convicção do julgador - mas pode determinar a observância das regras da prova plena ou da especialidade dos meios de prova. Como também não pode apreciar a correcção da presunção judicial, mas já lhe compete avaliar da seu eventual ilogismo. No que respeita à interpretação do testamento, embora se trate de delinear uma realidade factual, a vontade do testador, se esta for obtida por meios normativos, poderá ser sindicada pelo STJ tal interpretação. Neste campo, vigora a aludida regra do art° 2.187° do C. Civil de que primeiramente se atende ao contexto do testamento. Ora, a semântica de um texto não é uma questão de julgamento ou convicção, mas apenas - e com o risco de parecermos tautológicos -, de interpretação, portanto uma questão normativa. Isto mesmo foi reconhecido no Ac deste STJ de 23.10.03, quando se diz ser da competência do Supremo Tribunal de Justiça a determinação da vontade do testador feita apenas com base no texto do testamento. Bem como no AC deste STJ de 23.01.01: "Se...se trata de saber se o percurso efectuado e o resultado interpretativo final obedece aos limites normativos daquele art° 2.187° estamos perante matéria de direito.... caso (em que) pode este Tribunal controlar normativamente esse desiderato interpretativo de acordo com os limites que o próprio art° 2187° impõe.". O reverso do que vimos consignando é o facto de que, quando a vontade do testador é fixada com o recurso a prova complementar, como o art° 2187° expressamente prevê no seu n° 2, estarmos perante uma verdadeira questão de facto da exclusiva competência das instâncias, como é de jurisprudência - cf o último dos acórdãos citados: "Se estamos perante a avaliação dos meios complementares de prova destinados a fixar e a surpreender a vontade real do testador, estamos perante simples matéria de facto". Ou ainda o AC deste STJ de 27.05.03: "A intenção do testador, objecto de prova complementar, nos termos do n° 2 do art° 2187° do C. Civil, constitui matéria de facto. Determinada essa intenção pelas instâncias, o STJ não pode censurá-la, limitado com está à matéria de direito.". Com efeito, neste caso, interveio a convicção do julgador ao fixar factos e em, com base na sua articulação com o contexto do testamento, determinar a real vontade do julgador. Note-se que nesta hipótese, fixar a vontade do testador é de algum modo fazer uma presunção judicial. O julgador tem o testamento e os factos resultantes da prova complementar e ao conjugá-los convence-se de qual foi a vontade em questão. É a vontade real, mas determinada de forma conjectural. Esta convicção, por tudo quanto vimos consignando é, agora, insindicável em sede de revista. Unicamente como questão de direito teremos a de ver se a interpretação em causa respeitou a exigência referida no aludido n° 2 do art° 2.187° de que a vontade do testador obtida com o recurso a prova complementar só pode surtir efeito se tiver um mínimo de correspondência no contexto, mesmo que imperfeitamente expressa. B - No acórdão recorrido, para se decidir que o legado da Casa de Santa Gertrudes não abrangia o contíguo Parque de Santa Gertrudes foram consignadas diversas razões, nomeadamente: o testador tinha perfeita consciência, quando lavrou o testamento de que os imóveis eram distintos, porque a casa foi desanexada do Parque e integrava o património hereditário do seu irmão; referenciou a Casa pelo n° 2 por lapso compreensível, considerando que ele e a sua mulher acediam a essa Casa por esse n° 2; a ré não suscitou jamais qualquer questão quanto à titularidade do Parque, aceitando a autora como sua proprietária. Manifesto é que tais razões derivam da prova complementar e não apenas do contexto do testamento, pelo que a sua correcção não pode, nesta fase dos autos, ser posta em causa. Refere a recorrente que o primeiro dos factos enunciados, a consciência que o testador teria de que os prédios eram distintos não se encontra provado. Trata-se duma presunção judicial retirada pelo julgador de factos que indica. Pelo que atrás enunciámos, é ela agora insidicável, sendo certo que face aos factos em que se baseia não enferma de qualquer ilogismo. Esta interpretação restritiva coaduna-se com a letra do testamento, porque sendo ele omisso em relação ao Parque, é, igualmente, restritivo. Está, pois, de acordo como a exigência de que a interpretação através de prova complementar tenha um mínimo de correspondência no contexto do testamento - art° 2187° n° 2 do C. Civil -. A tese geral da recorrente - que pretende retirada do contexto do testamento com preterição da prova complementar - é a de que a vontade básica do testador era dotar a recorrida de bens que lhe proporcionassem um trem de vida elevado a que estava habituada, facultando-lhe para tanto a fruição dos bens, mas que, como não existiam filhos, o seu verdadeiro continuador seria, não a sua viúva, mas a fundação que instituíra. Para quem, ao fim e ao cabo, acabaria por reverter o grosso do património. Seria à luz destes princípios que deveriam ser interpretadas as suas disposições de última vontade. Como no que se refere à Casa de Santa Gertrudes e ao Parque do mesmo nome. A Casa ficou apenas em usufruto para a autora; tudo indicaria que era esse o destino querido pelo de cujus para o Parque. Só que, dos próprios termos do testamento retira-se tese oposta. A herdeira é a autora, ou seja, quem ficará com tudo o que não for especialmente atribuído em legados. Isto mesmo foi bem referenciado na decisão em apreço, quando se diz "...se o testador instituiu determinada pessoa sua herdeira, não pode reconhecer-se que determinado bem, não atribuído a um legatário, deve sê-lo com base no argumento de identidade de razão, de que os motivos pelos quais a esse legatário foram atribuídos certos bens são exactamente os mesmos motivos que levariam o testador a atribuir-lhe aquele outro determinado bem."... "Em bom rigor não se pode falar numa lacuna porque o caso tido por omisso foi "previsto", o que sempre sucede quando o testador institui determinada pessoa herdeira do remanescente".(sublinhado nosso). De qualquer modo, a vontade do testador foi determinada tendo em atenção factos derivados da prova complementar, pelo que, atento o que atrás de consignou sobre os poderes deste Tribunal em sede de matéria de facto, está o mesmo impedido de conhecer do acerto com que a decisão recorrida estabeleceu qual era a vontade do testador. C - Consignou-se no acórdão recorrido: "No que respeita à residência de Évora, ela situava-se no palácio do "Pátio de S. Miguel" onde, aliás, a A. continua a habitar; no entanto, o referido palácio, residência que foi do testador e de sua mulher (14 e 15), é, segundo parece, uma das casas sitas naquele "Pátio de S. Miguel", encontrando-se noutras casas a biblioteca e arquivo e a sede da Fundação". "Ora, face à matéria provada, não parece subsistir dúvida alguma de que o recheio da residência de Évora é propriedade da A. pressupondo-se, como se tem pressuposto nestes autos, que tais móveis pertenciam ainda (porque não tinham sido por ele doados em vida) ao Eng. C à data da abertura da sucessão. Estamos a falar de recheios de casa que foram transferidos de outras casas para o "Pátio de S. Miguel." (16).". Os números indicados na citação são a remissão para idênticos pontos da matéria de facto dada por provada em julgamento. Também aqui o julgador determinou a vontade de testar fundado em elementos complementares de prova. Pelo que, pelas razões já expendidas em A, não pode este tribunal sindicar o ajustado da convicção. Acresce igualmente que o sentido fixado não padece de qualquer ilogismo. A recorrente defende outra tese que é a de que o seu instituidor dou-lhe em vida os móveis em questão. Tal tese é, em nosso entender, contraditória com a sua linha de defesa nestes autos. Se doou, não se fica a saber a que bens se quereria referir no testamento, quando fala nos pertences do imóvel legado à ré. Por outro lado, não se compreende que, após mobilar o Pátio de S. Miguel e aí instalar a FEA, tenha continuado a residir no mesmo palácio, se tivesse facultada àquela a totalidade dos móveis. Só se, apesar do seu evidente alto trem de vida, aceitasse compartilhar com a fundação a fruição do recheio da sua residência. Com o que não é contraditória é com a ideia de que depois de facultar à fundação os móveis necessários ao seu funcionamento, lhos atribuiu por sua morte, referindo-os como pertenças da respectiva sede. De qualquer modo, como já se consignou, a vontade do testador foi determinada na decisão recorrida fazendo apelo a elementos derivados da prova complementar, facto que impede a sua reapreciação por este Tribunal. Resta ver se a interpretação que vimos defendendo e que é a do acórdão recorrido, tem um mínimo de correspondência nos contexto do testamento. Se na decisão sub judice se não houvesse entendido que uma parte do móveis em questão ficavam para a recorrente, então, a expressão do daquele contexto "e mais pertenças" deixaria de ter significado. Mas não é o que acontece, pois aí se dá à dita expressão um conteúdo útil. Pelo que a sua interpretação da vontade do testador, também aqui, obedece ao requisito do n° 2 do art° 2 187°. D - Nos casos versados em B e C a questão era a da definição do conteúdo dos legados que realmente existiram. Quanto à Biblioteca e Arquivo a questão é diferente, consistindo em saber se existiu legado. Ora no Acórdão deste STJ de 23.01.01, que vimos citando, entendeu-se: "...saber se o testador F... quis ou não contemplar os descendentes de suas sobrinhas B.. e C... na hipótese que não está e prevista no testamento, é pura matéria de facto. Do que se trata não é, sequer, da aplicação de qualquer preceito normativo ao resultado interpretativo final; do que se trata, é, tão só, de saber se o testador quis ou não quis beneficiar os sobrinhos netos, quis ou não quis limitar a disponibilidade da filha D... sobre os seus bens, quis ou não quis dar carta branca a esta conforme as sobrinhas consanguíneas ainda fossem vivas ou já tivessem morrido, etc. Tudo isso mais não é que matéria de facto que às instâncias caberá detectar (sublinhado nosso). E as instâncias concluíram que a hipótese que, verdadeiramente, ocorreu está fora da previsão da deixa testamentária. Saber se essa leitura viola o dispositivo do n° 2 do art° 2187° é outra coisa; é entrar no aspecto jurídico da interpretação do julgamento. Mas porque nos factos dados como provados, as instâncias excluíram do âmbito da deixa testamentária a hipótese que à recorrente importa, nenhum interesse tem, por inaplicabilidade total, o dispositivo do n°2 do art° 2187°.". Esta tese merece a nossa inteira concordância. Em tal hipótese, só a prova complementar poderá determinar a existência ou não de legado. O contexto do testamento terá aqui uma função meramente negativa, que é a de definir a impossibilidade da deixa - nº 2 do art° 2187° - , ou seja, se a sua interpretação excluir o legado. A recorrente alega que se baseia no contexto do testamento para defender o legado da Biblioteca e do Arquivo, mas a verdade é que os argumentos que aduz a seu favor são exteriores a esse contexto, como o facto de ter sido o autor da herança quem fez a transferência do Arquivo e da Biblioteca para a sede da FEA. Aliás, nem o poderia fazer, dado que está assente que não existe disposição testamentária nesse sentido. Assim, novamente neste terceiro caso não é possível ao Supremo investigar da correcção com que as instâncias fixaram a vontade do testador. Termos em que não merece qualquer censura o acórdão em apreço. Pelo exposto, acordam em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido. Custas pela recorrente.
Lisboa, 25 de Novembro de 2004 Bettencourt de Faria Moitinho de Almeida Noronha do Nascimento |