Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4140/16.6T8GMR.G1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: DECISÃO LIMINAR DO OBJECTO DO RECURSO
DECISÃO LIMINAR DO OBJETO DO RECURSO
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
CONVOLAÇÃO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
JUIZ RELATOR
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
RECURSO DE APELAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ATOS PROCESSUAIS / ATOS EM GERAL / PRINCÍPIO DA LIMITAÇÃO DOS ATOS / NULIDADES DO ATOS – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª Edição, Almedina, p. 363 a 390;
-Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, Almedina, p. 541 a 545;
-J.O. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, 6.ª Edição, p. 211 a 220.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 130.º, 193.º, N.º 3, 652.º, N.º 1, ALÍNEAS B), C) E H), 656.º E 682.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- ACÓRDÃO N.º 2/2010, ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA, IN DR 36, SÉRIE I, DE 22 DE FEVEREIRO DE 2010.
Sumário :
I - Tendo o recurso de apelação sido decidido liminarmente pela relatora, o meio idóneo para impugnar essa decisão era a reclamação para a conferência, sendo que esse procedimento visa garantir o controlo horizontal das decisões do relator, tornando viável a substituição de uma decisão singular por uma decisão colegial.

II - Só os acórdãos da Relação – e não as decisões singulares do relator – são susceptíveis de impugnação para o STJ mediante recurso de revista, seja ela normal ou excepcional.

III - A doutrina do AUJ n.º 2/2010 continua a impor-se por força do disposto no n.º 3 do art. 193.º do CPC; porém, a convolação do requerimento de interposição de recurso em reclamação para conferência só é viável enquanto estiver a decorrer o prazo de 10 dias de que a parte dispõe para esse efeito.

IV - O entendimento exposto em III não viola o direito à tutela jurisdicional efectiva, sendo certo que, se assim não fosse, alargar-se-ia para o triplo o prazo de reclamação para a conferência.

V - A previsão das als. b) e h) do n.º 1 do art. 652.º do CPC faculta que o relator do STJ avalie a tempestividade do recurso e viabilidade da convolação, inexistindo qualquer razão para determinar a baixa dos autos à Relação para o mesmo efeito.

Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:



I – Na acção declarativa, sob a forma de processo comum, que AA e mulher, BB, intentaram contra Banco CC, S.A., Banco DD, SA, EE, Fundo de Resolução, Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, FF Bank, SA, e GG - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, SA, o tribunal judicial de 1ª instância decidiu julgar-se incompetente, em razão da matéria, para a preparação e julgamento da causa, atribuindo-a à jurisdição administrativa.

Discordando dessa decisão, os autores apelaram para o Tribunal da Relação de …, tendo a Exma. Relatora optado pelo julgamento sumário do recurso e decidido confirmar a decisão da 1ª instância (cfr. fls. 2063 a 2098).

Persistindo inconformados, interpuseram os autores recurso de revista normal e, subsidiariamente, de revista excepcional que foi admitido na Relação, sob a última veste (cfr. fls. 2407), mas a formação prevista no art.º 672º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, entendeu haver lugar, primeiro, à intervenção do relator e só depois, se disso for caso, teria lugar a sua apreciação sobre a admissibilidade da revista excepcional (cfr. fls. 2479 a 2480).

Apesentado o processo ao relator no Supremo Tribunal de Justiça e perspectivando-se a eventualidade de não se tomar conhecimento do seu objecto, proferiu este o despacho de folhas 2493 a convidar as partes a pronunciarem-se sobre tal problemática, faculdade apenas exercida pela ré Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, a pugnar pela inadmissibilidade do recurso, e pelos autores que, através de folhas 2531 e 2532, cujo teor aqui se tem por reproduzido, vieram pugnar pela admissibilidade e conhecimento do recurso de revista que interpuseram.

De seguida, o relator proferiu a decisão que constitui folhas 2535 a 2537, cujo teor aqui se tem por reproduzido, na qual entendeu não ser admissível o recurso de revista interposto, por visar a impugnação de decisão singular, e, além disso, também não poder ocorrer convolação do mesmo para reclamação para a conferência, dado ter sido apresentado depois do decurso do prazo de 10 dias conferido às partes para esse efeito.

É desta decisão que vem interposta a presente reclamação para a conferência, insistindo os autores pela convolação do recurso em reclamação para a conferência, a ser apreciada no Tribunal recorrido.

Não foi oferecida resposta à reclamação.

II - Perante os passos processuais e factos atrás enunciados, há que apreciar, agora, do acerto da decisão do relator de considerar que o recurso não é admissível e dele não será de tomar conhecimento, tendo presente que, como o processo atesta, de forma bem explícita, o recurso de apelação foi decidido liminarmente apenas pela relatora, ao abrigo do disposto no art.º 652º, n.º 1, alínea c), e 656º do Cód. Proc. Civil.

Tal decisão singular não é acórdão, o qual consubstancia, como se sabe, uma decisão colegial (art.ºs 152º, nº 3, e 153º, nº 1, in fine, do Cód. Proc. Civil), pelo que, considerando que só cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação (art.º 671º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil) e que a decisão proferida pela Relação de … não assume essa decisória forma colegial, o recurso de revista interposto é inadmissível.

A impugnação dessa decisão singular deveria passar, em primeiro lugar, pela reclamação para a conferência (art.º 652º, n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Civil), procedimento que visa garantir o controlo horizontal das decisões do relator(a) e torna viável a substituição da decisão singular deste(a) pela decisão colegial, essa sim susceptível de subsequente recurso, nos termos gerais (art.º 652º, n.º 5, alínea b), do Cód. Proc. Civil).

Os reclamantes não seguiram, no entanto, esse caminho, tendo antes optado por avançar, logo que notificados da decisão singular da relatora, com imediato recurso de revista. Fizeram-no, contudo, já depois do decurso do prazo de 10 dias (art.º 149ºn.º 1, do Cód. Proc. Civil) em que lhes era lícito reclamar para a conferência, o que obsta a que o recurso de revista por eles interposto seja considerado como requerimento para a conferência.

Com efeito, casos como o presente geraram conhecida controvérsia jurisprudencial sobre o procedimento processual adequado a tomar pelo relator, quando depara com a imediata impugnação recursória de uma sua decisão uti singuli, controvérsia essa que conduziu à prolação do acórdão uniformizador n.º 2/2010, publicado no DR 36, série I, de 22 de Fevereiro de 2010,a fixar a seguinte jurisprudência: «fora dos casos previstos no artigo 688.º do Código de Processo Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Setembro), apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator, que não seja de mero expediente, este deverá admiti-lo como requerimento para a conferência prevista no artigo 700.º, n.º 3, daquele Código».

Apesar de tais preceitos não terem transitado, em correspondência sistemática, para a versão actual do Cód. Proc. Civil, este contém preceitos idênticos, já atrás referidos, pelo que a solução convolatória fixada no aludido acórdão uniformizador continua a impor-se, agora, na decorrência até do disposto no art.º 193º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, que manda corrigir oficiosamente o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte.

Todavia, essa convolação ou correcção oficiosa só será viável, como é óbvio, se o requerimento for apresentado dentro do prazo conferido à parte para desencadear esse meio processual, ou seja, dentro dos 10 dias subsequentes à notificação da decisão singular (art.ºs 149º, n.º 1, e 652º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil). Como, no caso, esse prazo já havia decorrido quando o requerimento recursório foi apresentado, os reclamantes (recorrentes) não podem beneficiar já da correcção oficiosa, na medida em que o decurso desse prazo de 10 dias extinguiu o direito de reclamar para a conferência (art.º 139º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil), direito esse que, de modo algum, renasceu, como defendem os reclamantes com a apresentação subsequente do recurso.

Na verdade, os prazos para o exercício de cada um desses meios impugnatórios são distintos, 10 dias para a reclamação (art.ºs 149º, n.º 1, e 652º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil) e 30 dias para o recurso (art.º 638º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), aferindo-se a sua tempestividade pelo respectivo prazo e não pelo prisma indicado pelos reclamantes a fls. 2531 e 2549. O erro na opção feita, no tocante ao meio impugnatório adequado, só é susceptível de correcção oficiosa ou convolação para o meio impugnatório adequado se acaso o respectivo prazo ainda estiver em curso, interpretação que, ao invés do que referem os reclamantes, não viola o princípio da tutela judicial efectiva. A não ser assim, mas antes como pretendem os reclamantes, então, o prazo de reclamação para a conferência seria objecto de um alargamento para o triplo, o que a lei manifestamente não contempla.

Não há dúvida de que, na óptica recursória, o acto levado a cabo pelos reclamantes é tempestivo, mas já não o é claramente, se for tido como reclamação para a conferência, por praticado para além do prazo desta, o que inviabiliza a sua convolação, e, deste modo, tendo sido impugnada a decisão singular da relatora que não é um acórdão (art.ºs 152º, nº 3, e 153º, nº 1, in fine, do Cód. Proc. Civil), o recurso de revista interposto é inadmissível (art.º 671º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil). E, frise-se, tanto é inadmissível o recurso de revista dita «normal» como a excepcional[1], uma vez que esta está também condicionada à verificação dos pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição e, inexistindo estes, a designada “revista excepcional” também não é admissível. Quer dizer, para que seja de admitir tal revista é necessário, antes de mais, que a decisão proferida seja também passível de revista normal[2].

Em suma, não é admissível o recurso impetrado, seja como revista normal, seja como revista excepcional, ficando também prejudicada, nessa medida, a subsequente apreciação sumária da formação específica prevista no n.º 3 do art.º 672º do Cód. Proc. Civil.

Adiante-se ainda que, ao contrário do que os reclamantes posteriormente vieram sustentar, sem qualquer apoio legal ou âncora argumentativa consistente, o relator do Supremo Tribunal de Justiça podia, e devia, apreciar da tempestividade do procedimento desencadeado e admiti-lo como recurso de revista, se admissível, ou convolá-lo para reclamação para a Conferência, se acaso fosse caso disso. Essa apreciação cabe nas funções que lhe são conferidas pelo art.º 652º, n.º 1, alíneas b) e h), do Cód. Proc. Civil, de verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso, julgar a instância extinta por causa diversa do julgamento ou julgar o recurso findo, por não haver que conhecer do seu objecto.

Não se vê qualquer razão, nem os reclamantes sequer a indicam, para, como pretendem, deferir essa apreciação para o relator da Relação. A regra é o Tribunal de revista, vocacionado para a aplicação do direito, só devolver o processo, sem decisão definitiva ou indicação do direito aplicável, se não dispuser de elementos factuais para decidir, de imediato. Este princípio/regra fixado no art.º 682º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, ainda que previsto para a situação de insuficiência factual, tem aqui também plena aplicação, quando mais não seja para evitar a prática de acto inútil (art.º 130º do Cód. Proc. Civil) em que redundaria a baixa do processo à Relação apenas para esse efeito.

Significa isto que não assiste razão aos reclamantes em se insurgir contra a decisão do relator de não admitir o recurso de revista que interpuseram e considerar que não há lugar à sua convolação como reclamação para a conferência, soçobrando a argumentação que ex adversu delinearam, com tal fito, o que implica o total inêxito da reclamação e a inerente confirmação do despacho reclamado.

III – Decisão

Nos termos expostos, indefere-se a reclamação e confirma-se inteiramente o despacho reclamado, fixando em 4 UC a respetiva taxa de justiça a cargo dos reclamantes.

Notifique.


*



Lisboa, 08 de Fevereiro de 2018


António Joaquim Piçarra (relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

________


[1] Sobre a caraterização e admissibilidade deste tipo de recurso, vide Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, Almedina, págs. 541 a 544, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, págs. 363 a 390, e J.O. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, 6ª edição, págs. 211 a 220.    
[2] Cfr, neste sentido, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, pág. 545.