Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2855/12.7TJVNF.G1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONTRA-ORDENAÇÃO
ULTRAPASSAGEM
ENTRONCAMENTO
SINAL DE STOP
PRESUNÇÃO DE CULPA
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA PELA RÉ. CONCEDIDA PARCIALMENTE PELO AUTOR.
Área Temática:
DIREITO ESTRADAL - TRÂNSITO DE VEÍCULOS – REGRAS DE TRÂNSITO E SINAIS / HIERARQUIA ENTRE PRESCRIÇÕES - CEDÊNCIA DE PASSAGEM - MANOBRAS / ULTRAPASSAGEM.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ).
Doutrina:
- Graça Trigo, «Adopção Do Conceito De “Dano Biológico” Pelo Direito Português», acessível in https://www.oa.pt/upl/%7B5b5e9c22-e6ac-4484-a018-4b6d10200921%7D.pdf
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º3, 494.º, 496.º, N.º4.
CÓDIGO DA ESTRADA (CE): - ARTIGOS 3.º, N.º 2, 7.º, 29.º, 35.º, 38.º, N.º1, 41.º.
DECRETO REGULAMENTAR N.º 22-A/98, DE 1-10: - ARTIGO 21.º.
Legislação Estrangeira:
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 4/10/2007, PROC. N.º 07B2957.
-DE 27/10/2009, PROC. N.º 560/09.0YFLSB.
-DE 28/10/2010, PROC. N.º (272/06.7TBMTR.P1.S1
-DE 31/1/2012, PROC. N.º 875/05.7TBILH.C1.S1.
-DE 10/10/2012, PROC. N.º 632/2001.G1.S1, E DE 21/3/2013, PROC. N.º 565/10.9TBVL.S1.
-DE 10/4/2014, PROC. N.º 805/10.4TBPNF.P1.S1.
-DE 9/9/2015, PROC. N.º 146/08.7PTCSC.L1.S1.
-DE 21/1/2016, PROC. N.º 1021/11.3TBABT.E1.S1.
-DE 2/6/2016, PROC. N.º 3987/10.1TBVFR.P1.S1, DE 7/4/2016 E DE 28/1/2016, PROC. N.ºS 237/13.2TCGMR.G1.S1 E 7793/09.8T2SNT.L1.S1, DE 4/6/2015, PROC. N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, DE 19/2/2015, PROC. N.º 99/12.7TCGMR.G1.S1, DE 26/1/2012, PROC. N.º 220/2001.L1.S1, E DE 27/10/2009, PROC. N.º 560/09.0YFLSB.
Sumário :
I - Constitui matéria de direito, da competência deste Supremo, a determinação da culpa (e da respetiva graduação), quando fundada na valoração dos factos à luz da normatividade, ainda que a avaliação sobre a inobservância de uma qualquer norma legal coenvolva, por regra, uma indagação no plano da violação de deveres gerais de prudência e diligência. Acresce que, gerando uma contraordenação estradal a presunção «juris tantum» de negligência do seu autor, o Supremo também poderá censurar o uso pela Relação de presunções a que houver conduzido a violação de normas legais.

II - Sendo o acidente o resultado da ação conjugada de manobras de condução expressamente proibidas efectuadas por ambos os condutores intervenientes, impõe-se fazer o cotejo de tais manobras para a determinação da medida da culpa dos respetivos autores, pois a sua averbada proibição, por recair sobre ambas, não oferece, por si só, a solução para aquela questão, antes suscita um conflito que acaba por relativizar qualquer dessas proibições.

III - Com tal desiderato, desde logo, justifica-se a aplicação analógica do critério estabelecido para a condução pelo art. 7° do CE, segundo o qual «as prescrições resultantes dos sinais prevalecem sobre as regras de trânsito», na ponderação da censurabilidade relativa de cada uma das ditas manobras, apesar de ambas serem proibidas: uma, de ultrapassagem, por força de uma regra de trânsito, e outra por força do (desrespeito ao) sinal B2 (“stop”). Em segundo lugar, deve aferir-se o grau de cumprimento ou incumprimento dos demais deveres especiais e gerais de cuidado por parte do autor de cada manobra proibida. Por fim, o conflito suscitado pela simultaneidade da execução de tais manobras proibidas, «segundo um critério temporal, deve ser resolvido a favor do condutor que, em primeiro, iniciou uma dessas manobras».

IV - A lesão da integridade física – entendida como físico-psíquica – constitui um dano evento apto a desencadear, em concreto, consequências (efeitos) de natureza patrimonial e não patrimonial, ou seja, danos de qualquer um desses dois tipos.

V - O decidido pelas instâncias com a aplicação de juízos de equidade ou critérios não normativos, não traduzindo, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, «deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspetiva atualista, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o principio da igualdade», devendo, para tanto, ter-se em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo (art. 8°, n° 3, do CC).

VI - Por conseguinte, só haverá fundamento bastante para censurar o juízo formulado pela Relação e alterar o decidido se puder afirmar-se, tendo em conta os critérios que vêm sendo adotados, generalizadamente, por este Tribunal, que os montantes que foram fixados são manifestamente desproporcionados à gravidade objectiva e subjectiva dos efeitos (de natureza patrimonial e não patrimonial) resultantes da lesão corporal sofrida pela autora.

VII - Ficando o autor afectado de total incapacidade para o exercício da sua profissão habitual e para todas as outras que exijam que tenha que deambular permanentemente ou permanecer em pé durante o trabalho, a par de uma incapacidade parcial permanente geral de 28 pontos, sendo que as suas particulares condições não lhe permitem encontrar uma ocupação remunerada compatível com a capacidade restante, resulta dos factos a quase total perda de capacidade de o mesmo auferir vencimento ou rendimento e a inexistente expectativa de reversão de tal situação, para além de que, em termos de repercussão funcional, numa eventual ocupação remunerada compatível com a (reduzida) capacidade restante, sempre haverá que ser ponderada a necessidade de, na respetiva execução, o autor vir a empenhar esforços físicos intensamente acrescidos, em face da sua capacidade física anterior à lesão.

VIII - Por outro lado, uma vez que a (maior ou menor) força de trabalho é sempre fonte de rendimentos, não pode desconsiderar-se a diminuição ou afetação relevante e substancial e o maior esforço que as mesmas sequelas acarretam as oportunidades de que o autor poderia dispor para o exercício de quaisquer outras atividades económicas suscetíveis de tradução pecuniária.

IX - Se, em geral, as fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta, obteríamos um resultado manifestamente insuficiente com o recurso, para o efeito, a uma dessas fórmulas e nela se equacionasse um grau de IPP de 0,28, porque este, de modo algum, é idóneo a traduzir, neste caso concreto, a real dimensão da repercussão funcional da lesão, com todos os evidenciados contornos.

X - Atualmente, a redução da indemnização pelo seu recebimento de uma só vez, em geral, já não cumpre os objectivos da equidade e, por isso, claramente, não se justifica porque, diferentemente do que até em tempos sucedeu, os investimentos tradicionais vêm oferecendo taxas de juros insignificantes para aplicações com capital garantido, o que, se não anula, diminui, relevantemente, o rendimento líquido por aqueles proporcionado. Essa redução menos equitativa se mostra quando se reporta a um montante indemnizatório em cujo cômputo não foram tidas em conta as naturais expectativas de progressão salarial e, porventura, profissional do lesado.

XI - Assim, tratando-se de dano futuro, no âmbito de um longo período de previsão e referente à afetação da saúde e integridade física do autor e a redução da sua capacidade de trabalho em proporção que, dificilmente, se exprimiria aritmeticamente, não se ajusta ao cálculo da respetiva indemnização o uso das mencionadas fórmulas ou tabelas, pelo que a solução à «sua quantificação imediata, embora, face à inerente dificuldade de cálculo, com ampla utilização de juízos de equidade».

XII - Atendendo ao exposto quadro e aos padrões generalizadamente estabelecidos por este Tribunal para situações com contornos susceptiveis de serem cotejados com os do demandante, pensamos que aqueles danos não se afastam, significativamente, do montante de € 200.000, definido, nesta vertente, pela Relação, o que, como já se disse, constitui fundamento bastante para não alterar o decidido.

XIII - À reparação dos efeitos não patrimoniais da lesão corporal subjaz sempre um juízo de censura ético-jurídica e, por isso, ainda que apenas reflexamente, uma certa componente punitiva e a mesma deve ser fixada equitativamente em montante que tenda a, «tanto quanto possível, atenuar os sofrimentos de ordem moral e física sofridos em resultado do acidente e que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito».

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

           

AA propôs esta acção contra SEGURO BB SA, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 338.658,83, acrescida de juros de mora, para reparação dos danos cuja responsabilidade imputa à R e que alegou ter sofrido num acidente de viação.

A R contestou.

Foi proferida sentença condenando a R a pagar ao A (apenas) as quantias de € € 60.656,72 (a título de danos patrimoniais) e de € 30.000 (a título de danos não patrimoniais).

A Relação de ..., julgando parcialmente procedentes as apelações interpostas pelo A e pela R, condenou esta a pagar àquele (apenas) 70% das quantias de € 200.000 (deduzida da quantia de € 72.180,58, já recebida pelo autor no processo laboral), para reparação do dano patrimonial futuro, e de € 40.000, para reparação de danos não patrimoniais.

O A e a R interpuseram recursos de revista desse acórdão, cujos objectos delimitaram com conclusões que colocam as questões de saber se:

1. deve considerar-se que o acidente em causa se deveu a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na Relação ou a igual proporção de culpas deste e do A;

2. devem situar-se no montante de € 276.035,52 ou de € 90.000 a quantia referente ao dano patrimonial futuro e no de € 30.000 a quantia referente aos danos não patrimoniais.

*

A Relação considerou assente a seguinte factualidade:

«1. Cerca das l5h30 do dia 16/9/2009, ocorreu um acidente na avenida da …, em ..., ..., em que intervieram o motociclo com a matrícula 00-00-XP, conduzido pelo A. e propriedade da "CC, Lda.", e o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula 00-00-UB, conduzido pelo seu proprietário DD.

2.O motociclo circulava pela referida avenida, no sentido .../....

3. O veículo "UB" circulava pela rua de …, em direcção à avenida da …, onde entronca, do lado esquerdo, considerando o sentido de marcha .../... e, em cuja concordância, existe um sinal de stop, sendo esse o único sinal existente naquele local.

4. O A. nasceu em 0 de … de 1970.

5. À data do acidente, a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos causados a terceiros e emergentes da circulação do veículo "UB", encontrava-se transferida para a R., mediante contrato de seguro, titulado pela apólice n.º0l 00000 0 0000311, válida e eficaz nesse momento.

6. O acidente versado nos autos foi, também, um acidente de trabalho.

7. A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho ocorridos com os trabalhadores ao serviço da "CC, Lda.", incluindo o A., foi validamente transferida para a "SEGURO EE, S.A." através do contrato de seguro, com o n° de apólice 0000 00 000198.

8. Correu termos no Tribunal de Trabalho de ..., sob o processo n° 528/l0.4TTVNF, a acção de acidente de trabalho cujo sinistrado era o A. e a R. era a Seguradora, "SEGURO EE, S.A.".

9. O XP circulava pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.

10. À frente do XP circulava um veículo pesado de mercadorias.

11. Não existia qualquer sinalização vertical ou horizontal que o impedisse de realizar a manobra de ultrapassagem.

12. Para proceder à ultrapassagem do veículo pesado de mercadorias, que seguia à sua frente, o condutor do XP certificou-se de que não circulava qualquer veículo em sentido contrário, de que o veículo que precedia não tinha sinalizado a intenção de mudar de direcção para a sua esquerda e de que nenhum perigo resultava para si ou para o restante trânsito daquela sua manobra, e passou a circular pela metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.

13. E quando estava sensivelmente a meio da ultrapassagem do referido veículo pesado de mercadorias, foi surpreendido pelo aparecimento súbito, repentino e inopinado do veículo 00-00-UB.

14. Que, vindo da rua de …, que entronca do lado esquerdo da Avenida da …, considerando o sentido ... - ..., entrou na rua da …, com o que barrou completamente a passagem ao motociclo 00-00-XP.

15. Em face de tal manobra, perpetrada pelo condutor do veículo "UB", o condutor do "XP" nem tão pouco teve reacção para travar ou para se desviar, acabando por embater com a parte da frente do motociclo 00-00-XP na parte da frente do veículo 00-00-UB.

16. Após o que foi projectado por cima do veículo 00-00-UB para a frente e para a direita, considerando o seu sentido de marcha, embatendo com o seu corpo no rodado traseiro esquerdo do veículo pesado de mercadorias que ia a ultrapassar antes da colisão.

17. O condutor do veículo "UB", antes de aceder com o mesmo à Avenida da ..., não o imobilizou na rua de ..., donde provinha e entrou na Av. da ... de um modo brusco, repentino e inopinado, acabando por barrar completamente a passagem ao demandante.

18. O 00-00-XP pertencia à "CC", pelo que é esta quem detém o domínio público, pacífico, titulado e de boa-fé do 00-00-XP, exercendo, continuamente, sem violência ou oposição de quem quer que seja, por forma reiterada e contínua, à luz do dia e com publicidade notória, todos os actos próprios de um proprietário, nomeadamente, conduzindo-o nas suas deslocações, abastecendo-o com o necessário combustível e demais consumíveis, celebrando e pagando o respectivo contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório, suportando o imposto de circulação, assegurando a inspecção periódica obrigatória provendo à respectiva higiene, manutenção e reparações.

19. Na data e local do sinistro, o condutor do 00-00-XP pilotava-o com o conhecimento, a conivência, e em nome, por conta e sob instruções da sua entidade patronal, e por um trajecto previamente definido por esta.

20. Nesse dia, estava bom tempo e o piso encontrava-se seco e a via rodoviária denominada Av. da ..., liga ... a ... e, atento esse sentido de marcha, o traçado descreve uma recta.

21. No local do acidente, a via dispõe de dois sentidos de marcha, permitindo a circulação de viaturas em sentidos opostos.

22. A velocidade máxima permitida no local é de 50 Km/h.

23. O condutor do UB certificou-se, olhando para a sua esquerda, de que nenhum veículo ocupava a faixa de rodagem destinada ao sentido de circulação que pretendia seguir, e de que poderia transpô-la em segurança.

24. O XP circulava no sentido de marcha oposto, isto é, ... - ... e a ocupar a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito de sentido ... – ....

25. Em sequência do acidente o demandante sofreu: 1- traumatismo crânio encefálico; 2- traumatismo da face, com: a) - fractura dupla da madíbula - da região mentoneana e do ramo horizontal esquerdo e b) - fractura de vários dentes; 3- traumatismo do tórax, com: a) - fractura de vários arcos costais à esquerda (do 3° ao 7°), b) desinserção/rotura do tendão suspensor da axila à esquerda com prolapso das partes moles, na região peitoral esquerda; 4 - traumatismo do ombro esquerdo, com: a) - contusão e b) omalgia e ligeiro défice funcional; 5- traumatismo do terço distal da perna, do tornozelo e pé esquerdos, com: a) - fractura cominutiva do pilão tibial com fractura bimaleolar e b) fractura cominutiva exposta do calcâneo.

26. Do local do acidente foi imediatamente transportado para o S.u. do hospital de … e permaneceu ali internado até ao dia 18.9.2009, altura em que foi transferido para o Hospital de … - …, por agravamento da sua situação clínica, tendo ali sido internado na Unidade de Cuidados Intermédios.

27. No dia 24.9.2009, logo que a situação clínica do demandante ficou controlada, foi ali submetido a uma intervenção cirúrgica à perna, tornozelo e calcanhar esquerdos de osteossíntese.

28. No dia 5.10.2009 foi submetido a nova intervenção cirúrgica ao membro inferior esquerdo para limpeza cirúrgica.

29. Tendo, no dia 7.10.2009 tido alta hospitalar do Hospital de … - … e transferido para o Hospital de ... para continuação dos tratamentos.

30. No dia 29.10.2009 foi aqui operado ao membro inferior esquerdo para extracção do parafuso metálico e limpeza cirúrgica da área do calcanhar esquerdo que apresentava necrose cutânea e maceração do tendão de Aquiles, bem como úlceras cutâneas, uma na face externa, outra na face interna do tornozelo esquerdo.

31. Por estas situações foi igualmente assistido no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de …, mantendo-se, contudo, internado no Hospital de ....

32. Em 18.11.2009 teve alta hospitalar, medicado, recolhendo a sua casa, onde se manteve em repouso durante cerca de um mês.

33. Mais tarde transitou para os Serviços Clínicos a cargo da SEGURO EE (seguradora do trabalho), pelo facto de o acidente de viação dos autos ter sido simultaneamente de viação e de trabalho.

34. Nesses Serviços Clínicos foi submetido a várias intervenções cirúrgicas: a) no período de 26.12.2009 a 8.1.2010 foi internado no Hospital Privado da …, tendo ali sido operado por Cirurgia Plástica ao membro inferior esquerdo; b) - no período de 5.3.2010 a 9.3.2010 foi novamente internado no Hospital Privado da …, tendo sido reoperado à perna esquerda (terço distal) por pseudartrose da tíbia. Foi submetido a extracção da placa e parafusos e feita nova osteossíntese com placa LCP, aplicação de enxerto ósseo retirado da crista ilíaca esquerda e de factores de crescimento; c) - no período de 11.2.2011 a 13.2.2011 foi internado no Hospital da …, onde foi submetido a osteotomia da tuberosidade do calcâneo esquerdo e refixação da inserção do tendão de Aquiles com material de osteossíntese, que ainda mantém; d) - no período de 29.6.2011 a 1.7.2011 foi reinternado no Hospital Privado da … por infecção pós-operatória da osteossíntese do pilão tibial; foi submetido a extracção do material de osteossíntese da tíbia esquerda e a exérese de sequestros ósseos.

35. Relativamente às lesões da face a fractura da mandíbula foi tratada conservadoramente, tendo posteriormente tido assistência de medicina dentária, com a desvitalização de dentes e colocação de coroas dentárias dos incisivos superiores e molares superiores e inferiores.

36. Quanto às lesões do tórax e ombro esquerdo foi submetido a tratamento conservador.

37. No dia 9.4.2012 teve alta definitiva dos Serviços Clínicos a cargo da SEGURO EE.

38. Apesar dos tratamentos a que se submeteu o demandante ficou a padecer definitivamente de: 1. - do traumatismo crâneo-encefálico: cefaleias e amnésia para o acidente; - insónias; 2. - do traumatismo da face: a) - perturbação pós-traumática da oclusão dentária com repercussão na mastigação; b) - limitação da abertura da boca até 40 mm; d) duas cicatrizes distróficas localizadas ao nível da região mentoneana, uma de 9 cms em forma de Z e outra de 5 cms; 3. - do traumatismo do tórax: toracalgia esquerda, após fractura do 3° ao 7° arcos costais, com dismorfia da face anterior do hemitórax esquerdo; b) - dores intercostais à esquerda, quando em esforço e em certas posições do tronco; 4. - do traumatismo do ombro esquerdo: a) - rigidez do ombro com limitação das moblilidades: - na abdução até 110°; 5. - do traumatismo da perna (terço distal) do tornozelo e calcanhar esquerdos: a) - rigidez acentuada do tornozelo, com anquilose do tornozelo, não permitindo a marcha apoiado nos calcanhares e na ponta dos pés; 6. - dismorfias do membro inferior esquerdo: a) - cicatriz distrófica de 22 cms de extensão localizada na fase interna da perna esquerda (terço distal da perna até ao maléolo tibial), c) - cicatriz distrófica de 22 cms de extensão localizada na face posterior da perna esquerda para colheita de retalho cutâneo vascularizado para plastia no calcanhar esquerdo, e) - deformidade notória do calcanhar esquerdo, onde apresenta procidência de parafuso metálico que foi aplicado para fixação do tendão de Aquiles na sua inserção, sendo doloroso à palpação e com o uso de determinado calçado.

39. Sequelas que lhe determinaram um défice funcional temporário total de 94 dias e um défice funcional temporário parcial de 842 dias - resposta ao art°. 69° da BI..

40. Lhe provocaram um quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7, um dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7.

41. E lhe causam uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 28 pontos.

42. E o tomam totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual e para todas as outras que exijam que tenha que deambular permanentemente ou permanecer em pé durante o seu turno de trabalho.

43. O demandante necessita de calçado adequado (adaptado) que não possa provocar ulceração ao nível do calcanhar, tendo em conta a procidência do parafuso de fixação do tendão de Aquiles.

44. Como é notório, as lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso do demorado tratamento e as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal estar, que o vão acompanhar durante toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo.

45. O A., à data do acidente, era pessoa saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre e trabalhador.

46. As sete intervenções cirúrgicas a que se submeteu causaram-lhe profundo desgosto, amargura e tristeza, pois, não obstante todos esse tratamentos cirúrgicos e internamentos, não via grandes melhorias no seu estado de saúde, pensando que iria ficar assim para toda a vida, estando no auge da sua vida activa e da sua capacidade produtiva.

47. E as cicatrizes notórias, com 10 e 22 cms de extensão, de que ficou a padecer definitivamente na face e no membro inferior esquerdo desfeiam-no notoriamente, o que lhe causa profunda tristeza e amargura.

48. E fazem com que o demandante evite frequentar a praia ou a piscina, uma vez que se sente incomodado com os olhares dos outros utentes.

49. Por causa do longo período de tempo que esteve ausente do seu posto de trabalho acabou por ser dispensado, o que veio a agravar o seu estado anímico, pois sente que dificilmente irá encontrar outra ocupação remunerada - respostas aos art°s. 89° a 91 ° da RI.. 50. À data do acidente era vigilante (P.I.R. - patrulha de intervenção rápida) na Prosegur.

51. Com um rendimento mensal de 629,60 €, 14 vezes por ano.

52. Acrescido do subsídio mensal de alimentação de 122,76 €, 11 vezes por ano.

53. E da quantia média mensal de 332,76 € em subsidio de rondista e horas extras, 12 vezes por ano.

54. O que tudo, representava um rendimento anual de 14.157,88 €.

55. Por causa das lesões sofridas, dos tratamentos a que teve e tem de se submeter e das sequelas de que ficou a padecer definitivamente o demandante nunca mais trabalhou um dia que fosse, acabando por ser dispensado pela sua entidade patronal, não tendo ganho mais um cêntimo que fosse desde o dia do acidente.

56. Até ao fim do mês de Agosto de 2012 o demandante já deixou de ganhar, em salários, subsídios de férias, de Natal, de rondista e em horas extras, a quantia de 42.473,64 €.

57. O acidente dos autos foi simultaneamente de viação e trabalho.

58. A "SEGURO EE" (seguradora pelos riscos laborais), já indemnizou o A., em dinheiro, pela incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho e, a este título, o demandante já recebeu da SEGURO EE (seguradora do trabalho), até à presente data, a quantia de 32.636,34 €, motivo por que, a este título, ainda tem um prejuízo de 9.837,30 €.

59. O demandante ficou a padecer definitivamente de uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 28 pontos e totalmente incapaz para a sua profissão habitual de vigilante.

60. Mas as suas poucas habilitações literárias, a sua idade, o meio em que se insere e o actual estado do mercado de trabalho em que nem para as pessoas válidas existe emprego, não lhe permitem encontrar uma ocupação remunerada compatível com a capacidade restante.

61. A "SEGURO EE" (seguradora pelos riscos laborais), já indemnizou o A. pela incapacidade permanente de que este ficou a padecer em consequência do acidente no valor de € 72.180,58.».

*

Importa apreciar as questões enunciadas e decidir.

1. A culpa.

Constitui matéria de facto, não cognoscível pelo Supremo, a determinação da culpa (e da respectiva graduação), quando fundada na averiguação sobre a violação de deveres gerais de prudência e diligência, consubstanciadores, p. ex., dos conceitos de imperícia, inconsideração, imprevidência, ou falta de destreza ou de cuidado de um condutor. Contudo, sendo nessa vertente que, em geral, se coloca a apreciação da censurabilidade dos comportamentos, já a valoração destes à luz da normatividade, por ser matéria de direito, é da competência deste Tribunal, ainda que não se possa olvidar que a avaliação sobre a inobservância de uma qualquer norma legal coenvolva, por regra, aquela outra indagação no plano da violação de deveres gerais.

Acresce, numa outra perspectiva, que gerando uma contraordenação estradal a presunção «juris tantum» de negligência do seu autor, o Supremo também poderá censurar o uso pela Relação de presunções a que houver conduzido a violação de normas legais.

 Posto isto, cumpre apreciar a questão de saber se deve ser secundada a análise expendida pela Relação acerca dos factos provados, com que concluiu que ambas as manobras de condução efectuadas pelos condutores da viatura XP (A) e da UB (o segurado da R), adequadamente causadoras da respectiva colisão, violaram preceitos regulamentares de trânsito, razão pela qual devem esses dois condutores ser tidos como civilmente responsáveis, a título de culpa, pelos danos provocados por tal sinistro.

Vejamos a dinâmica que conduziu ao acidente.

Imediatamente antes do descrito embate, o A passou a fazer circular o motociclo que tripulava pela metade esquerda da faixa de rodagem (da Av. da ...), atento o seu sentido de marcha, para poder ultrapassar o veículo pesado que o precedia, depois de se certificar que este veículo não tinha sinalizado a intenção de mudar de direcção para a sua esquerda, que não circulava qualquer outro veículo em sentido contrário e que daquela sua manobra nenhum outro perigo (visível) resultava para si ou para o restante trânsito.

Sucede que o A efectuou a relatada manobra numa recta, mas antes de chegar ao local da estrada que percorria em que, à sua esquerda, entroncava uma outra via, a rua de ..., da qual surgiu o aludido veículo UB, por cujo «aparecimento súbito» «foi surpreendido», quando «estava sensivelmente a meio da ultrapassagem».

Realmente, o veículo UB, vindo da rua de ..., virou à sua direita para entrar na Av. da ... e passou a circular pela metade direita da faixa de rodagem desta, atento o respectivo sentido, por onde, como se disse, já circulava o A, cuja marcha foi inopinadamente barrada por tal manobra do condutor do veículo UB. Ora, este condutor entrou e passou a circular na metade da faixa de rodagem em que já circulava o A sem que, previamente, tenha imobilizado a sua viatura, em obediência ao sinal “stop” colocado no entroncamento da rua donde provinha com a faixa de rodagem em que passou a circular. Para além de não ter imobilizado o veículo UB na confluência de ambas as vias, o mesmo entrou, pelo referido modo, na Av. da ... depois de apenas olhar para a sua esquerda, para se certificar «de que nenhum veículo ocupava a faixa de rodagem destinada ao sentido de circulação que pretendia seguir, e de que poderia transpô-la em segurança». Como o condutor do UB entrou na referida metade da faixa sem se ter certificado de que nela já então circulava o motociclo tripulado pelo A, este sem poder travar ou desviar-se, embateu naquele outro veículo, em consequência do que sofreu as lesões e suas sequelas acima descritas.

O aludido sinal B2, conhecido como de “stop” («paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento») é um dos sinais de cedência de passagem e indica «que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar» (art. 21º do D. Regulamentar nº 22-A/98, de 1/10) ([1]).

Ora, o condutor do veículo UB violou, frontalmente, tal proibição e a inerente obrigação de parar antes de entrar no entroncamento junto do qual o sinal B2 se encontrava colocado e de ceder a passagem a todos os veículos que transitassem na via em que ia entrar ([2]). Com a sua actuação, o mesmo desrespeitou, ainda, regras gerais de trânsito, como são as que impõem ao condutor que se abstenha de actos de condução que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança (art. 3º nº 2 CE), da prática de quaisquer actos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança (art. 7º nº 2 CE), bem como o dever de só efetuar a manobra de mudança de direcção em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito (art. 35º CE), ou o dever geral de cuidado de não iniciar e efectuar qualquer manobra sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir, designadamente, com outro veículo.

Por outro lado, também é proibida a ultrapassagem imediatamente antes e nos entroncamentos (art. 41º CE). Esta expressa proibição, que visa prevenir acidentes na zona de intersecção de vias, dada a potencialidade de perigo especial nessas áreas, remata o imposto por outras regras de conteúdo genérico consagradas no art. 38º do CE), como a de o condutor de veículo não dever iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário (nº 1 do artigo), ou outras regras gerais, como as já anteriormente aludidas, ou mesmo deveres gerais de cuidado, nomeadamente o de só efetuar a manobra de ultrapassagem em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito (art. 35º CE).

Portanto, o acidente foi o resultado da acção conjugada de ambos os referidos condutores intervenientes, que, tal como se concluiu na decisão recorrida, efectuaram manobras de condução expressamente proibidas. Ainda que o início da manobra do A tenha precedido cronologicamente a do condutor do UB, o desenvolvimento de ambas fez com que parte das respectivas execuções ocorresse em simultâneo, no tempo e no espaço, e daí a colisão geradora dos danos em questão.

Impõe-se, pois, fazer o cotejo das manobras em apreço, para a determinação da medida da culpa dos respectivos autores, sendo certo que a sua averbada proibição, por recair sobre ambas, não oferece, por si só, a solução para aquela questão, antes suscita um conflito que acaba por relativizar qualquer dessas proibições.

Com tal desiderato, desde logo, deve evocar-se a hierarquia estabelecida para a condução pelo art. 7º do CE, segundo a qual «as prescrições resultantes dos sinais prevalecem sobre as regras de trânsito». Na ponderação da censurabilidade relativa de cada uma das ditas manobras, apesar de ambas serem proibidas – uma (a de ultrapassagem), por força de uma regra de trânsito, e outra (a de mudança de direcção), em resultado de um sinal (“stop”) –, justifica-se a aplicação analógica de tal critério de prevalência de prescrições.

Em segundo lugar, note-se que a ultrapassagem efectuada pelo A, não obstante constituir, no local em que foi feita, uma manobra proibida, o certo é que, quando ele iniciou, o mesmo apenas não acatou a regra (proibição) inerente à aproximação do entroncamento, tendo observado todos os demais deveres especiais e gerais de cuidado acima enunciados, para poder certificar-se que poderia realizar essa manobra sem risco de colisão. E, por outro lado, se é certa a existência do falado entroncamento, embora não se retire inequivocamente do item 11 dos factos provados que o mesmo estava, ou não, previamente anunciado (sinalizado) na via para os que condutores que circulavam no sentido de marcha do A melhor dele se apercebessem ([3]), a ausência de sinalização impeditiva da manobra de ultrapassagem e, também, de aproximação de cruzamento, bem como a inexistência de linha separadora contínua entre as duas metades da faixa de rodagem ([4]) podem inferir-se, com relativa segurança, por resultarem da interpretação (autêntica) do teor de tal item oferecida pela 1ª instância no exame dos factos ([5]). Tais circunstâncias não podem ser tidas por irrelevantes, pois mitigam, acentuadamente, o juízo de censura a que a conduta do A o sujeita, por patentearem ser menor o nível da negligência a que conduz a presunção «juris tantum» gerada pela contraordenação estradal. E ainda que apenas estivéssemos perante um non liquet acerca de tais elementos, essa eventualidade só poderia actuar em benefício do A.

E convém não esquecer, ainda, que o A, para além de ter iniciado a manobra de ultrapassagem com todos os mencionados cuidados, circulava, então, numa estrada com prioridade relativamente àquela donde, somente depois, veio a surgir o veículo UB. É claro que a prioridade de passagem que possa existir para qualquer condutor nunca é absoluta, pois não o desobriga, apesar da prioridade, de «observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito», como dispõe o art. 29º do CE. E, actualmente, o facto de um condutor circular numa estrada com prioridade não o autoriza a efectuar a ultrapassagem imediatamente antes e nos entroncamentos ([6]). Porém, tal facto, não arredando a presunção «juris tantum» de negligência do condutor, atenua consideravelmente tal juízo de censura, sendo essa atenuação exponenciada quando o mesmo, à excepção do dever inerente a tal proibição, observe todos os demais deveres especiais e gerais de cuidado, «as cautelas necessárias à segurança do trânsito», que na concreta situação se lhe imponham, como no concreto quadro factual fez o A.

Diferentemente, o condutor do UB, que pretendia mudar de direcção para a direita no entroncamento com que deparou, violou frontalmente as obrigações de parar antes de entrar nesse entroncamento e de ceder a passagem a todos os veículos que transitassem na via (prioritária) em que ia entrar, para além de, concomitantemente, ter desrespeitado, com a sua actuação, as regras de trânsito e demais deveres acima arrolados, de cujo cumprimento não estava, obviamente, dispensado, nem sequer perante a proibição, nos apontados termos, da manobra que o A já então executava.

Por fim, acresce que o conflito suscitado pela simultaneidade da execução de tais manobras, «segundo um critério temporal, deve ser resolvido a favor do condutor que, em primeiro, iniciou uma dessas manobras» ([7]).

Por conseguinte, o desvalor da actuação do condutor segurado na R é, como resulta do anteriormente expendido, significativamente mais elevado do que o do comportamento do A e, em nosso entender, em proporção superior à medida ponderada pela Relação como sendo a contribuição de cada um daqueles condutores para a produção do acidente. Afigura-se-nos, em consonância com os fundamentos expostos, ser essa medida mais adequadamente fixada em 80 % e 20%, respectivamente.

2. Os montantes da reparação.

A lesão da integridade física – entendida como físico-psíquica – constitui um dano-evento apto a desencadear, em concreto, consequências (efeitos) de natureza patrimonial e não patrimonial, ou seja, danos de qualquer um desses dois tipos ([8]).

«Os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e integridade física, pelo que não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar» ([9]).

Os recorrentes visam a reponderação de cada um dos dois montantes de € 200.000 e € 40.000 arbitrados pela 2ª instância, com recurso a critérios de equidade, para reparar as sequelas patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente, da lesão corporal pelo A sofrida, propondo, em alternativa, a R, os montantes de € 90.000 e € 30.000, também respectivamente, e o A, o de € 276.035,52, relativamente aos danos patrimoniais.

Antes de mais, convém ter presente que, para a determinação desses montantes indemnizatórios, a Relação socorreu-se de puros juízos de equidade.

 Ora, como é sabido, o STJ é, organicamente, um Tribunal de revista, razão pela qual, fora dos casos previstos na lei, apenas conhece de matéria de direito (arts. 46º da LOSJ e 674º nº 3 e 682º nº 2 do CPC).

Assim sendo, o decidido com a aplicação de tais juízos de equidade ou critérios não normativos, «assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso», sem traduzir, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, «deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade» ([10]).

Como insistentemente tem sido vincado por este Tribunal, «Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito … da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição» ([11]), devendo, para tanto, ter-se em consideração «todos os casos que mereçam tratamento análogo»,  exigência colocada pelo art. 8º nº 3 do CC ([12]).

Por conseguinte, à luz das razões expostas, só haverá fundamento bastante para censurar o juízo formulado pela Relação e alterar o decidido, também com apelo à equidade, se puder afirmar-se, tendo em conta os critérios que vêm sendo adoptados, generalizadamente, por este Tribunal ([13]), que os montantes em apreço são manifestamente desproporcionados – exíguo, na versão do A, exagerados na da R  – à gravidade objectiva e subjectiva dos efeitos (de natureza patrimonial e não patrimonial) resultantes da lesão corporal sofrida pelo A.

Sendo o A, na data do acidente (16/9/2009), um homem relativamente jovem (39 anos), saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre e trabalhador, portanto, sem qualquer tipo de limitação física, sofreu em consequência daquele as extensas e gravíssimas lesões descritas no item 25 dos factos, para cuja consolidação foi submetido ao impressionante rol de (sete) intervenções e outros tratamentos a que aludem os pontos 26 a 36 da dita matéria de facto, até 9/4/2012, data da alta definitiva.

Apesar de todo esse autêntico “calvário”, que se prolongou durante quase 3 anos, ficou, além do mais, de início, totalmente incapaz e, definitivamente, a padecer das tremendas sequelas enunciadas no item 38 dos factos. Tais sequelas provocaram-lhe um quantum doloris de grau 5 e um dano estético de grau 4, ambos numa escala de 1 a 7. Com efeito, as lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso do demorado tratamento e as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida, que se exacerbam com as mudanças de tempo e demandam, além do mais, o uso de calçado adaptado.

De entre tais sequelas, salienta-se que a lesão da integridade física do A, verificada no auge da sua vida activa e da sua capacidade produtiva, teve uma enorme repercussão funcional, retirando-lhe, na prática, quase toda a sua capacidade de ganho, razão pela qual nunca mais trabalhou e nunca mais ganhou um cêntimo que fosse, desde o dia do acidente. Realmente, o A está afectado de incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual e para todas as outras que exijam que tenha que deambular permanentemente ou permanecer em pé durante o trabalho, a par de uma incapacidade parcial permanente geral de 28 pontos, estando assente que as suas poucas habilitações literárias, a sua idade, o meio em que se insere e o actual estado do mercado de trabalho em que nem para as pessoas válidas existe emprego, não lhe permitem encontrar uma ocupação remunerada compatível com a capacidade restante.

Por tudo isso, sob o aspecto do efeito patrimonial das analisadas sequelas, sempre se teria de concluir que a capacidade de ganho do A, necessariamente, ficou muito relevantemente afectada, por via da diminuição da respectiva produtividade, a par das suas inevitáveis dificuldades para executar relevantes tarefas da sua vida normal: ainda que não resultasse explicitamente demonstrada a quase total perda de capacidade de auferir vencimento ou rendimento e a inexistente expectativa de reversão de tal situação, o certo é que, em termos de repercussão funcional, numa eventual ocupação remunerada compatível com a (reduzida) capacidade restante, sempre haverá que ser ponderada a necessidade de, na respectiva execução, o A vir a empenhar esforços físicos intensamente acrescidos, em face da sua capacidade física anterior à lesão. Uma vez que a (maior ou menor) força de trabalho é sempre fonte potencial de rendimentos, não pode desconsiderar-se a dita diminuição ou afectação relevante e substancial e o maior esforço que as mesmas acarretam quanto ao leque de possíveis oportunidades de que o A poderia dispor para o exercício de quaisquer outras actividades económicas susceptíveis de tradução pecuniária, «erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais», por condicionarem «as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão», «pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal» ([14]).

A Relação, na fixação do montante reparador de tal dano patrimonial, partiu de um ponto referencial ou orientador (€ 121.899,03), sobre o qual fez depois operar a correcção que entendeu dever ser determinada pela equidade, assim encontrando a dita quantia de € 200.000. Para tanto socorreu-se duma fórmula matemática com a intervenção de um grau de IPP de 0,28 e o apurado rendimento anual do A (€ 14.157,88), bem como de uma vida activa estimada em 41 anos, tendo depois deduzido ¼ do montante assim calculado, pelo seu recebimento antecipado, de uma só vez.

Todavia, salvo o devido respeito, os Srs. Desembargadores partiram dum ponto orientador excessivamente reduzido face ao elevado nível dos efeitos de natureza patrimonial da lesão, mesmo considerando que, no caso, será mais realista ter em conta uma expectativa de mais 31 anos de vida útil do lesado, por nos parecer excessivamente optimista a bitola (80 anos) usada no cômputo da decisão recorrida, perante o que, apesar de todos os últimos progressos, continua a ser a esperança média de vida dos homens.

Na verdade, se, em geral, as mencionadas fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras já só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta, pensamos que a insuficiência do resultado da decisão recorrida se deveu ao recurso à dita fórmula e ao facto de nele ter sido equacionado um grau de IPP de 0,28 que, de modo algum, é idóneo a traduzir, neste caso, a real dimensão da repercussão funcional da lesão, com todos os contornos que procurámos evidenciar.

Por outro lado, também se nos afigura que, actualmente, a redução da indemnização pelo seu recebimento de uma só vez, em geral, já não cumpre os objectivos da equidade e, por isso, claramente, não se justifica. Tal assim é porque, diferentemente do que até em tempos sucedeu, os investimentos tradicionais vêm oferecendo taxas de juros insignificantes para aplicações com capital garantido, o que, se não anula, diminui, relevantemente, o rendimento líquido por aqueles proporcionado ([15]). Além disso, essa redução menos equitativa se mostra quando se reporta a um montante indemnizatório em cujo cômputo não foram tidas em conta as naturais expectativas de progressão salarial e, porventura, profissional do lesado.

Assim, como se trata de dano futuro, no âmbito de um longo período de previsão e referente à afectação da saúde e integridade física do A e à redução da sua capacidade de trabalho em proporção que, dificilmente, se exprimiria aritmeticamente, «as regras de cálculo da indemnização por via das mencionadas tabelas não se ajustam, como é natural, a essa situação», pelo que «a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora, face à inerente dificuldade de cálculo, com ampla utilização de juízos de equidade» ([16]).

Com este enquadramento, há que reconhecer, no entanto, que os Srs. Desembargadores, apercebendo-se, certamente, da insuficiência do ponto referencial de que partiram (€ 121.899,03), determinaram, depois, por critérios de equidade, uma sua significativa correcção, assim fixando a dita indemnização na quantia de € 200.000. Ora, segundo pensamos, o definido, nesta vertente, pela Relação, atendendo às considerações que se explicitaram sobre o exposto quadro factual – nele incluído a, ainda que diminuta, potencialidade residual do A para auferir rendimentos –, não se afasta, significativamente, dos padrões generalizadamente estabelecidos por este Tribunal para situações com contornos susceptíveis de serem cotejados com os do demandante, o que, como já se disse, constitui fundamento bastante para não alterar o decidido.

Por maioria de razão, também consideramos não haver fundamento bastante para alterar o montante fixado (€ 40.000) para reparar os efeitos não patrimoniais do aludido dano ou lesão corporal, perante as respectivas extensão e gravidade, acima retratadas nos factos. Para além de todas as sequelas já anteriormente referenciadas e que aqui se reiteram, entre as quais a de o A nunca mais ter trabalhado, a de nunca mais ter ganho um cêntimo que fosse desde o dia do acidente e a da, por ora, reduzida expectativa de essa situação se alterar, relembramos o significativo dano estético e as limitações, os desgostos, as amarguras e a tristeza, a que aludem os pontos 46 a 48, o que, tudo, compõe um quadro de danos com enorme gravidade, relativamente aos quais, se deve começar por salientar que os montantes fixados para os reparar, em especial pelo Supremo Tribunal de Justiça, têm vindo progressiva e seguramente a subir.

O montante da indemnização deveria ser calculado equitativamente, tal como fez a Relação, tendo em conta as circunstâncias do arts. 494º do CC (art. 496º nº 4), entre as quais o grau de culpabilidade do lesante, que, como se disse, é elevado. Com efeito, de tais normativos retira-se que a estas indemnizações subjaz sempre um juízo de censura ético-jurídica e, por isso, ainda que apenas reflexamente, uma certa componente punitiva ou sancionatória ([17]). Por outro lado, dado que não é possível a reparação desses danos, propriamente dita, do que se trata é de, tendo presentes aqueles factos, encontrar uma quantia que seja capaz de conferir alguma “satisfação” ao lesado, mesmo sabendo que estamos diante de danos de difícil compensação subjectiva. Estas indemnizações, embora não devam ser meramente simbólicas nem irrisórias, tendem a, «tanto quanto possível, atenuar os sofrimentos de ordem moral e física sofridos em resultado do acidente e que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito» ([18]).

Ora, no caso, entendemos que o montante da indemnização deveria ser calculado no valor, pelo menos, aproximado do obtido no acórdão recorrido, razão pela qual, como se disse, não há fundamento bastante para censurar e alterar o decidido pela Relação com apelo à equidade, com base em qualquer juízo de idêntica natureza.

Tudo visto, procede parcialmente o recurso do A e improcede o da R.

*

Síntese conclusiva:

1. Constitui matéria de direito, da competência deste Supremo, a determinação da culpa (e da respectiva graduação), quando fundada na valoração dos factos à luz da normatividade, ainda que a avaliação sobre a inobservância de uma qualquer norma legal coenvolva, por regra, uma indagação no plano da violação de deveres gerais de prudência e diligência. Acresce que, gerando uma contraordenação estradal a presunção «juris tantum» de negligência do seu autor, o Supremo também poderá censurar o uso pela Relação de presunções a que houver conduzido a violação de normas legais.

2. Sendo o acidente o resultado da acção conjugada de manobras de condução expressamente proibidas efectuadas por ambos os condutores intervenientes, impõe-se fazer o cotejo de tais manobras para a determinação da medida da culpa dos respectivos autores, pois a sua averbada proibição, por recair sobre ambas, não oferece, por si só, a solução para aquela questão, antes suscita um conflito que acaba por relativizar qualquer dessas proibições.

3. Com tal desiderato, desde logo, justifica-se a aplicação analógica do critério estabelecido para a condução pelo art. 7º do CE, segundo o qual «as prescrições resultantes dos sinais prevalecem sobre as regras de trânsito», na ponderação da censurabilidade relativa de cada uma das ditas manobras, apesar de ambas serem proibidas: uma, de ultrapassagem, por força de uma regra de trânsito, e outra por força do (desrespeito ao) sinal B2 (“stop”). Em segundo lugar, deve aferir-se o grau de cumprimento ou incumprimento dos demais deveres especiais e gerais de cuidado por parte do autor de cada manobra proibida. Por fim, o conflito suscitado pela simultaneidade da execução de tais manobras proibidas, «segundo um critério temporal, deve ser resolvido a favor do condutor que, em primeiro, iniciou uma dessas manobras».

4. A lesão da integridade física – entendida como físico-psíquica – constitui um dano-evento apto a desencadear, em concreto, consequências (efeitos) de natureza patrimonial e não patrimonial, ou seja, danos de qualquer um desses dois tipos.

5. O decidido pelas instâncias com a aplicação de juízos de equidade ou critérios não normativos, não traduzindo, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, «deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade», devendo, para tanto, ter-se em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo (art. 8º nº 3 do CC).

6. Por conseguinte, só haverá fundamento bastante para censurar o juízo formulado pela Relação e alterar o decidido se puder afirmar-se, tendo em conta os critérios que vêm sendo adoptados, generalizadamente, por este Tribunal, que os montantes que foram fixados são manifestamente desproporcionados à gravidade objectiva e subjectiva dos efeitos (de natureza patrimonial e não patrimonial) resultantes da lesão corporal sofrida pela A.

7. Ficando o A afectado de total incapacidade para o exercício da sua profissão habitual e para todas as outras que exijam que tenha que deambular permanentemente ou permanecer em pé durante o trabalho, a par de uma incapacidade parcial permanente geral de 28 pontos, sendo que as suas particulares condições não lhe permitem encontrar uma ocupação remunerada compatível com a capacidade restante, resulta dos factos a quase total perda de capacidade de o mesmo auferir vencimento ou rendimento e a inexistente expectativa de reversão de tal situação, para além de que, em termos de repercussão funcional, numa eventual ocupação remunerada compatível com a (reduzida) capacidade restante, sempre haverá que ser ponderada a necessidade de, na respectiva execução, o A vir a empenhar esforços físicos intensamente acrescidos, em face da sua capacidade física anterior à lesão.

8. Por outro lado, uma vez que a (maior ou menor) força de trabalho é sempre fonte de rendimentos, não pode desconsiderar-se a diminuição ou afectação relevante e substancial e o maior esforço que as mesmas sequelas acarretam às oportunidades de que o A poderia dispor para o exercício de quaisquer outras actividades económicas susceptíveis de tradução pecuniária.

9. Se, em geral, as fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta, obteríamos um resultado manifestamente insuficiente com o recurso, para o efeito, a uma dessas fórmulas e nela se equacionasse um grau de IPP de 0,28, porque este, de modo algum, é idóneo a traduzir, neste caso concreto, a real dimensão da repercussão funcional da lesão, com todos os evidenciados contornos.

10. Actualmente, a redução da indemnização pelo seu recebimento de uma só vez, em geral, já não cumpre os objectivos da equidade e, por isso, claramente, não se justifica porque, diferentemente do que até em tempos sucedeu, os investimentos tradicionais vêm oferecendo taxas de juros insignificantes para aplicações com capital garantido, o que, se não anula, diminui, relevantemente, o rendimento líquido por aqueles proporcionado. Essa redução menos equitativa se mostra quando se reporta a um montante indemnizatório em cujo cômputo não foram tidas em conta as naturais expectativas de progressão salarial e, porventura, profissional do lesado.

11. Assim, tratando-se de dano futuro, no âmbito de um longo período de previsão e referente à afectação da saúde e integridade física do A e à redução da sua capacidade de trabalho em proporção que, dificilmente, se exprimiria aritmeticamente, não se ajusta ao cálculo da respectiva indemnização o uso das mencionadas fórmulas ou tabelas, pelo que a solução é a «sua quantificação imediata, embora, face à inerente dificuldade de cálculo, com ampla utilização de juízos de equidade»

12. Atendendo ao exposto quadro e aos padrões generalizadamente estabelecidos por este Tribunal para situações com contornos susceptíveis de serem cotejados com os do demandante, pensamos que aqueles danos não se afastam, significativamente, do montante de € 200.000, definido, nesta vertente, pela Relação, o que, como já se disse, constitui fundamento bastante para não alterar o decidido.

13. À reparação dos efeitos não patrimoniais da lesão corporal subjaz sempre um juízo de censura ético-jurídica e, por isso, ainda que apenas reflexamente, uma certa componente punitiva e a mesma deve ser fixada equitativamente em montante que tenda a, «tanto quanto possível, atenuar os sofrimentos de ordem moral e física sofridos em resultado do acidente e que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito».

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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista interposta pela R e conceder parcialmente a revista interposta pelo A e, por consequência, em alterar para 80% a medida da responsabilidade da R pela reparação dos danos e confirmar, no demais, o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes na proporção do respectivo decaimento.  

Lisboa, 27/10/2016

Alexandre Reis - Relator

Lima Gonçalves

Sebastião Póvoas

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[1] Esse sinal B2 deve ser colocado «na proximidade imediata da intersecção, tanto quanto possível, na posição correspondente ao local onde os condutores devem parar e aguardar a passagem dos veículos na via com prioridade» (art. 22º do mesmo DR).

[2] A Relação, (apenas) no remate conclusivo da respectiva decisão, considerou que «a obrigatoriedade de paragem no sinal STOP ainda é mais exigível quando o local, antes da intersecção das vias no cruzamento, não oferece total visibilidade, por aí existir um muro que ladeia a estrada». Essa proposição mereceria ser secundada, mas a existência de tal muro, sendo referenciada pela Relação em sede de reponderação da decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto, não é mencionada nos factos provados, não podendo este Tribunal socorrer-se de elementos probatórios dos autos, designadamente de índole fotográfica, para a afirmar.

[3] Na verdade, a alusão nesse item 11 à não existência de qualquer sinalização vertical ou horizontal que impedisse o A de realizar a manobra de ultrapassagem não permite, por si só, concluir que a mesma abarca, apenas, o sinal de proibição de ultrapassagem ou, também, o indicativo de aproximação de entroncamento (ou de cruzamento).

[4] Realmente, este facto já se pode inferir, com segurança, daquele item, para além de não ser nada provável que a R deixasse de a referenciar se essa linha existisse.

[5] O juízo da 1ª instância sobre a culpa na produção do acidente alicerçou-se na ausência de sinalização impeditiva da manobra de ultrapassagem e de aproximação de cruzamento. Também a avaliação da 1ª instância assentou no «facto de inexistir sinalização a proibir a ultrapassagem ou a avisar a aproximação de cruzamento».

[6] A partir da alteração introduzida ao C. Estrada pelo DL 44/2005, de 23/02, diferentemente do que sucedia até então, deixou de ser excepcionada a proibição de ultrapassagem em tais zonas sempre que o condutor transitasse em via que lhe conferia prioridade.

[7] Ac. do STJ de 10/4/2014 (805/10.4TBPNF.P1.S1 - Fernando Bento), também citado na decisão recorrida.

[8] Neste sentido, os Acs. deste Tribunal de 2/6/2016 (3987/10.1TBVFR.P1.S1 - Tomé Gomes), de  7/4/2016 e de 28/1/2016 (p. nºs 237/13.2TCGMR.G1.S1 e 7793/09.8T2SNT.L1.S1 – Graça Trigo), de 4/6/2015 (1166/10.7TBVCD.P1.S1 - Prazeres Beleza), de 19/2/2015 (99/12.7TCGMR.G1.S1 – Oliveira Vasconcelos), de 26/1/2012 (220/2001.L1.S1 – João Bernardo) e de 27/10/2009 560/09.0YFLSB – Sebastião Póvoas), bem como, o marcante artigo doutrinário de Julho de 2011, «Adopção Do Conceito De “Dano Biológico” Pelo Direito Português» apresentado pela (agora) Conselheira Graça Trigo, acessível in https://www.oa.pt/upl/%7B5b5e9c22-e6ac-4484-a018-4b6d10200921%7D.pdf.

O chamado «dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre», também já tem sido encarado, diferentemente, como sendo «sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial» (cf., entre outros, o Ac. do STJ de 21/1/2016 (1021/11.3TBABT.E1.S1 – Lopes do Rego). Porém, essa divergência no plano conceptual não acarreta, necessariamente, relevantes repercussões no campo das soluções práticas.

[9] Ac. do STJ de 4/6/2015, já citado.

[10] Citado Ac. do STJ de 21/1/2016.

[11] Acórdão de 31/1/2012 (875/05.7TBILH.C1.S1 – Nuno Cameira). No mesmo sentido, os citados Acs. de 2/6/2016 , 7/4/2016, de 4/6/2015 e ainda o de 28/10/2010 (272/06.7TBMTR.P1.S1 – Lopes do Rego), em que se concluiu: “Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, – já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito, – mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio»”.

[12] «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».

[13] Designadamente em todas as decisões que foram sendo referenciadas, não obstante o intenso relativismo e, por isso, do pouco rigor objectivo de tal confronto, perante o condicionalismo imposto pela diversidade dos particularismos de cada caso e, como tal, dos pressupostos dos critérios que foram sendo estabelecidos.

[14] V. acórdão do STJ de 10/10/2012 (632/2001.G1.S1 – Lopes do Rego) e, ainda, o de 21/3/2013 (565/10.9TBVL.S1 – Salazar Casanova).

[15] No mesmo sentido, para além dos arestos citados na decisão recorrida, o Acórdão do STJ de 9/9/2015 (146/08.7PTCSC.L1.S1 - Sousa Fonte).

[16] Acórdão do STJ de 4/10/2007 (07B2957 - Salvador da Costa), que acrescentou: «Assim, a partir dos pertinentes elementos de facto apurados, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso».

[17] Neste sentido, o Ac. desta Secção de 27/10/2009 (560/09.0YFLSB – Sebastião Póvoas).

[18] Acórdão acabado de citar.